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José João Abrantes - Contrato de trabalho e direitos fundamentais

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ALGUMAS DAS OBRAS DO AUTOR
1)0 mil trato de trabalho a prazo, Coimbra, Almedina, 1982.
J\ excepçilo de não cumprimento do contrato no direito civil português - conceito
(' fundamento, Coimbra, Almedina. 1986.
"Prova ilícita (Da sua relevância no processo civil)", in Revista Jurídica 1986.
"Salários em atraso e excepção de não cumprimento do contrato", in Revista de
Direito e de Estudos Sociais 1989.
JOSÉ JOÃO ABRANTES
Doutor em Direito
Professor da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa
;\ vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais, Lisboa, AAFDL, 1990.
I.:.'sllj(josde Direito do Trabalho, z.a edição, Lisboa, AAFDL, 1992 (La edição,
1991).
lJireilo do Trabalho. Ensaios, Lisboa, Cosmos, 1995.
COfJ1ratde travail el droits fondamentaux, Frankfurt am Main, Peter Lang, 2000.
"Arbcitsvertrag und Grundrechte. Eine Einführung", in ZIAS - Zeitschrift für aus~
liindisches und intema~ionales Arbeits~ und Sozialrecht 2001.
"Contrato de trabalho e direitos fundamentais", in THEMIS (Revista da Faculdade
de Direito da UNL) 2001.
"O Código do Trabalho e a Constituição", in Questões Laborais 2003 [::: THEMIS
(Revista da Faculdade de Direito da UNL) 2005].
Direito do Trabalho. Relatório, Coimbra Editora, 2003.
ESludos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004.
I
!
~I,
'I
" ,
I
i
CONTRATO
E DIREITOS
DE TRABALHO
FUNDAMENTAIS
Coimbra Editora
2005
1. Duas realidades frequentemente em conflito
(352) REYGUANTER (1994), p. 32.
(353) GARCIA TORRF_<iI JIMENEZ BUNCO. p. 146.
~ 2 - UMA NOVA DOGMÁTICA DAS RELAÇÕES
ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E DIREI-
TOS FUNDAMENTAIS
173
(354) Os critérios ditos "hierárquicos", traduzidos nessa supremacia ~~soluta
de uns valores em detrimento dos outros, devem ser inequivocamente reJe1ta~os,
até porque, além do mais, não se pode aceitar a ideia de q~e.haja no~~ constitu-
cionais de diferentes graus de validade, sendo hoje quase unamme o repudiO~ cha-
madas "normas constitucionais inconstitucionais" [sobre esta problemática, cfr.
BACHOFin Veifassungswidrige Verfassungsnormen?, Tübingen (1951)].
(3;5) Os termos em que a harmonização entre todos estes interesses se há-de
processar s6 são. de facto, definíveis face à situação concreta, exigindo a ~nt~a e~
qualquer organização produtiva que o conteúdo e limites ~as I~berdadcsmdlviduals
se ndcquelll às necessidades que, em concreto, por ela sejam Impostas,
Konkordanz") de todos os interesses envolvidos, única fórmula capaz
de conjugar a mais ampla liberdade possível do trabalhador com a
(também) mais ampla autonomia negociaI.
A necessidade de obter a máxima efectividade de todos os valo-
res constitucionais e, através dela, a da própria Lei Fundamental,
enquanto sistema necessariamente completo e coerente, obriga à arti-
culação, à ponderação, dos diversos interesses e valores em jogo,
sem o sacrifício absoluto de uns pelos outros (354), antes pela limi-
tação recíproca, harmónica e equilibrada entre eles, de mo~o. a pos-
sibilitar a sua integração no sistema total de relações jundlcas do
Estado e da sociedade.
O desafio ao qual o aplicador do direito deve responder é o da
optimização de todos os direitos e de todos o~ valores C?~stitucionais
em conflito, nomeadamente a mais ampla lIberdade CIVil do traba-
lhador e (igualmente) a mais ampla autonomia contratual, a levar a
cabo através da actuação de um princípio de proporcionalidade
(Verhiiltnismiissigkeit), na sua tripla dimensão: necessidade (Erfor-
derlichkeit), adequação (Geeignetheit) e proibição do excesso (Uber-
massverbot).
Do que se trata, no fundo, é de proceder a uma reestruturação
(ou, melhor, a uma releitura) do esquema normativo do contrato de
trabalho, admitindo-se no seu seio todas as liberdades e direitos fun-
damentais que, face a cada situação concreta, se não oponham ao cor-
recto desenvolvimento das diversas prestações e à própria funciona-
lidade do mesmo contrato (355).
O cumprimento pontual desse contrato não é, em princípio, pos-
sível, sem que aqueles direitos sejam comprimidos; mas eles só deve-
Capo III - A Eficácia dos Direitos FundamentaisContrato de Trabalho e Direitos Fun"}}amentais
172
1.1. Uma evidência que resulta da análise dos dados fornecidos
pelos diversos ordenamentos é a de que a eficácia dos direitos fun-
damentais no âmbito do contrato de trabalho é um problema de deli-
mitação de direitos: é a questão das limitações recíprocas entre duas
realidades - liberdade de empresa e direitos fundamentais - fre-
quentemente situadas em órbita de colisão (352).
A eficácia desses direitos não pode, na verdade, conduzir ao
seu "totalitarismo" (353); eles não têm carácter absoluto ou ilimi-
tado, devendo, antes, respeitar os limites estabelecidos na Constitui-
ção e compaginar-se com os outros bens ou princípios por ela, directa
ou indirectamente, garantidos.
A liberdade de empresa, base dos poderes patronais, também se
encontra constitucionalmente tutelada, e, por isso, o exercício pelo tra'
balhador dos seus direitos fundamentais não pode afectar a finali-
dade principal da empresa nem gerar o incumprimento do contrato de
trabalho, devendo antes a sua eficácia harmonizar-se com outros
princípios e valores, tais como a liberdade negociai, a boa fé, o cum-
primento pontual dos contratos, etc.
Nesta complexa matéria das relações entre a liberdade de empresa
e os direitos fundamentais dos trabalhadores, deve procurar-se uma
interpretação e aplicação do direito, que, a partir da ideia de uni-
dade da Constituição, alcance a concordância prática ("praktische
Pensamos mesmo que, no essencial, para qualquer delas valerá
a análise dogmática a que, de seguida, se vai proceder.
Será ela a parte final da nossa dissertação.
rão ser comprimidos, na estrita medida em que isso seja exigido pela
referida finalidade (356).
1.2. O carácter privado do contrato de trabalho não lhe retira a
sujeição à ordem constitucional e, por isso, a lógica que lhe está
subjacente terá sempre por limites a dignidade humana e os direitos
fundamentais (357). Estes constituem barreiras inultrapassáveis ao
poder de direcção do empregador e à correlativa subordinação jurí-
dica do trabalhador, que não podem limitar arbitrariamente esses
direitos, constitucionalmente garantidos.
Direitos como O de não ser discriminado, o direito à intimidade
da vida privada, as liberdades ideológicas e de expressão são direc-
tamente aplicáveis às relações entre o trabalhador e a empresa (358).
Enquanto direitos subjectivos, eles são directamente aplicáveis à
relação laboral; para além disso, enquanto decisões de valor, são
17S
também critérios hermenêuticos essenciais na interpretação da
mesma, designadamente através das diversas cláusulas gcrais ou
conceitos indeterminados presentes no Direito do Trabalho c, de
uma forma geral, no Direito Privado (359). Com eficácia direclll ou
indirecta, tais direitos representam limites aos poderes do empregador
_ o que significa não poderem ser estabelecidas no contrato cláu-
sulas cçmtrárias ao exercício dos referidos direitos, pelo menos nu
medida em que o respectivoconteúdo essencial fique afecladoe60) -
e são também uma fonte de interpretação e de intcgração do con-
trato (361).
A acentuada escassez de normativos legais faz aqui sentir. aliás,
de modo muito particular, a necessidade de uma irradiação dircctu
dos preceitos constitucionais, bem como de actuação das cláusulas
gerais entendidas em conformidade com os dircitos fundamen-
tais (362).
("') É. pois, a própria lIIultifuucionolidade dos direitoS I\mdbl1ltl1tftl! :\11.lfi:,i.i.
acaba por esbater a distinção clássica entre eficácia direcln C cnc~~Ii\I~d!" ','
Sobre o ponto, DÃuBLER, in Arbeitsrecht 11, 5.1.4 .. p. 270. . L;
(360) Na maior parte das vezes, esses limites extcl?tos lelllltrrn" (
com os próprios limites internos, derivados de uma coml)recndO, .
poderes empresariais. Contudo, ncm sempre assim é; dor. b lnta~
bilidadc da eficácia dirccta dos direitos fundnmcntnis. Oll qU"I'1 dOU
lograriam penetrar na relação privada em loda o suo plenit\I~Il, .
8IRK. Die arbeitsfCChllielte Leílllngsmac1u, p. 445 5, -~~
(361) MOUNA NAVARRETE,p. 88 ss. :.•.
(362) Fazendo deste. como se disf'iC,um prohlcmll R __!tI- rMIS!
mente pela jurisprudencin c em que, por issO, o Jul1. lell' 111111,1t~1
2.1. Este último aspecto - de que muitos exemplos sugestivos
podem ser encontrados a propósito da noção de justa causa de drR-
pedimento ou, de uma forma geral, de infracção disciplinai' - deve
ser particularmente tido em conta, sobretudo no que se refere h /1111/
fé, na medida em que, enquanto princípio geral de excrcfcio de direi.
tos (inclusive, dos direitos fundamentais) e de cumprimentOdo uhll.
2. A boa fé, como critério de hetero-intcgração contrntunl,
e o reconbecimento da conflitualidade
Capo1//- A Eficácia do,\' Direitos Fundamentais
Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais
(356) É esta, em nosso entender, a regra básica da harmonização pretendida
entre todos os interesses em jogo.
As dificuldades práticas de aplicação de uma tai regra constituem. aliás. uma
das objecç&s à eficácia directa dos direitos fundamentais. v., por todos. SCHEUNER,
p. 265. AGUILAROE LUQUE, in Ai 1981. p. 9, GAROA TORRESI JIMENEZBLANCO,
p. 16. MOUNA NAvARRETE,p. 65, e REY GUANTER(1994), p. 9 ss.
No entanto, como se viu. s6 uma tal eficácia responde cabalmente à necessi-
dade de não ser desvirtuado o conceito constitucional de liberdade c de direitos
fundamentais. que impõe a plena actuação destes. de uma. fonna dirccla, sempre
que esteja em causa o mfnimo de liberdade que eles visam garantir, designadamente
sempre que, como 6 o caso da relação de trabalho, haja uma desigualdade de poder
real entre as partes, valendo então a presunção de que a parte mais fraca se não auto-
detennina livremente.
(351) Estes são um limite absoluto à liberdade contratual. Aliás. alicerçando-se
nesse contrato uma relação de poder-sujeição, a imposição de restrições à liberdade
do trabalhador. ainda que por ele aceites. deverá ser objecto de maiores cautelas do
que as necessárias na generalidade dos outros contratos.
("') Neste sentido, v., por exemplo, PALOMEQUELoPEZ, in DL 1983, p. 17 ss.,
ROORIGUEZPINEROI FERNANOEZLoPEZ, p. 270, GaNI SEIN, p. 21 SS., BLATGIMENO,
p. 35 sS., ROJAS RIVERO. p. 21, BIRK. Die arbeilsrechlliehe Leilungsmaehl. p. 445 ss.•
e DÃuBLER, in Arbeitsrecht lI, 5.1.4., p. 270.
Poder-se-ia. aliás. enunciar muitos mais direitos, susceptíveis dessa aplicação
directa. v. g.• o direito de casar e de constituir faroHia. o direito à liberdade de cons-
ciência. etc.
174
gações (v. g., laborais) (363), representa um vector fundamental da
aplicação dos direitos fundamentais no âmbito do contrato de traba-
lho (364).
No quadro das relações entre contrato de trabalho e direitos fun-
damentais, esse princípio tem vindo a substituir, enquanto instru-
mento básico de hetero-integração contratual, a referência a outros
conceitos, dificilmente compatíveis com a Lei Fundamental.
É assim que, por exemplo, a formulação em termos genéricos e
irrestritos, que muitas vezes é feita, do chamado dever de lealdade
do trabalhador, no fundo, com O significado de sujeição absoluta
deste aos interesses empresariais, é indefensável face ao sistema
constitucional das relações de trabalho, que reconhece e protege a ideia
de conflitualidade e configura claramente o trabalhador e O empre-
gador como portadores de interesses distintos, tantas vezes contra-
postos (365).
(363) De acordo com o art. 762.°12 do Código Civil, "no cumprimento da
obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes
proceder de boa fê' - ou seja, devem as partes acluar com correcção e lealdade.
O princípio está consagrado nos mais importantes ordenamentos jurídicos
contemporâneos. V., por exemplo, os códigos civis alemão (~ 242). francês
(art. 1134."/III), italiano (art. 1175."), espanhol (art. 1258."), suíço (art. 2/1). etc.
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no direito civil, Coimbra (1985), passim.
(364) Sobre o ponto, v. o artigo de RODRIGUEZ SAJ\lUOO, in Cllestiones actua-
les de Derecho dei Trabojo (1990).
r65) erro GOMES CANOTIUlO I Vital MOREIRA, FundamenlOS da Constitui.
ção. Capo 111.4.2, e CALVOGALLEGO.p. 168.
Também o princfpio da mútua çolaboração, do art. 18.fl da LCT. deve consi-
derar-se revogado pela nova ordem jurfdico-constilucional, Que se traduziu numa
ruptura com o corporativismo (de que aquele preceito era expressão). Neste sentido.
BARROSMOURA.No/as .... p. 141. e Compilação .... p. 83, e Jorge LEtTEI COlITI-
NHO DE ALMEIDA, p. 66. Em sentido oposto. Mário PINTO I FURTADOMAR-
TINS I NUNES DE CARVAUlO, Comentário às Leis do Trabalho, anotação ao artigo 18.'\
para quem o preceito em questão pode "comportar uma interpretação conforme com
a nova ordem juslaboral" ["mais ainda", dizem, lal princípio "desempenha um papel
ruleral nesta ordem, permitindo que os valores fundamentais do sistema possam
intervir na conformação e na execução do programa contratual"]. afirmando, fun-
damentalmente. "a exigência de que cada uma das partes do v(nculo laboral atenda
a finalidades pr6prias da contraparte, para cuja satisfação o contraIo 6 instrumentol,
c lhes dê, na justa medida. tradução no plano da execução do programa contra •.
12
177Capo li! - A Eficácia dos Direitos Fundamentais
Contrariamente a esse dever de lealdade, pelo menos com a
conotação comunitário-pessoal de que se costuma revestir, a dãu-
tual". Sobre o ponto. escreve Jorge LEITE,in Questões Laborais, n." 8 (1996). p. 203.
que. "naturalmente. com o entendimento de que o art. 18.° «foi revogado pela nova
ordem jurídico-constitucional que se traduziu numa ruptura com o corporativismo»
não se quer negar a possibilidade de se instituírem formas ou modalidades de cola-
boração. entendida esta como um direito (de participação ou de intervenção ou de
controlo) legalmente consagrado ou inscrito em acordo colectivo validamente celc-
brado. e muito menos a colaboração implícita em qualquer contrato - um meca-
nismo. por definição. de composição voluntária de interesses diferentes, e muitas vezes
divergentes, cujo correcto cumprimento exige, como se julga ser pacífico, a coope-
ração de ambas as partes". E acrescenta ainda, em nota na mesma página, que
"carrecçãa e boa fé são (... ) os dois principais critérios de orientação da conduta das
partes de um contrato de trabalho ( ... ); pluralismo, autonomia colecliva e autatutda
colectiva são os princípios constitucionais básicos do sistema de relações colectivas
de trabalho, princfpios que, pressupondo uma certa conflitualidade. não impõem
nem proibem formas diversificadas de colaboração" (sublinhados nossos).
Note-se que, num ordenamento com muito de comum - designadamente. em
termos históricos - com o português, o Estatuto de los trabajadores cspanhol
abandonou a referência a um pretenso "dever de fidelidade" do trabalhador c subs-
tituiu-o por uma expressa referência à boa fé enquanto instrumento básico de
hetero-integração contratual (alfnea a) do art .. 5.°; v.• também, o n.o 2 do art. 20.<> e
a alínea d) do n.o 2 do art. 54.°), no que se tratou claramente de uma adaptação à
Constituição de 1978.
Diga-se, todavia, que tal "dever de lealdade" (ou "de fidelidade".) nem scmpre
teve as conotações ideológicas que hoje lhe são atribufdas e que. pelo contrário. foram
razões humanitárias e sociais que estiveram na sua origem, quando a doutrina alemã
dos inícios do século tentou humanizar a locatia canductio operarum romana. É
assim que, com essa intcnção básica, PoTrnOFF (cfr. Probleme des Arbeitsrechts. p. 130
ss.), ao qualificar como "pessoaf' o contrato de trabalho, pretendia distingui-lo daquela.
tal como a entendia o direito romano, istoé, como mera relação patrimonial. c Quo
von GIERKE(cfr. Deutsches Privatrecht - 111.p. 594 ss.), introduziu naquele contrato
c1ementos pessoais. designadamcnte alguns deveres de protecção do trabalhador n
cargo do empregador. extraídos do velho Treuedienstvertrag germânico. Sobre o
ponto, V. SOu.NER,Arbeitsrecht, p. 205 55 .• e. também. MARTIN VALVERDE, p. 89 s!>.
Note-se que, por exemplo, na Alem'anha, as teorias comunitário-pessoais coo.
tinuaram a ser dominantes mesmo no após-guerra, pelo menos durantc mais dua';
d6cadas (cfr., entre os seus mais destacados defensores, A. HUECK. p. 129 s"
e NtKtSCIl, p. 167). Cfr. MENEZESCOROEtRO,"Da situação jurfdica laboral; pers-
pectivas dogmáticas do Direito do Trabalho", in ROA 1982, p. 110 55.
Para maiores desenvolvimentos. v. KUTI. Trellepjlic1uen ;", ArbeitsverhlJlt-
Ilis. com uma interessante investigação histórica. desde o Direito romano até li nctun-
lidadc.
Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais176
("6) DIEZ-PICAZO, p. 46.
("7) GALVÃO TELLES, p. 40.
(368) O art. 1258.° do Código Civil espanhol estatui que "os contralos ...
obrigam, não apenas ao cumprimento do expressamente pactuado, como também a
lodas as consequências que, segundo a sua natureZA,sejam conjomles à boa fé, aos
usos e à lei".
sula da boa fé, entendida em conformidade com os preceitos consti-
tucionais, tem efeitos integradores sobre as obrigações de ambos os
contraentes e é suficientemente flexível para, sem com isso ferir a
Constituição, fundamentar os distintos deveres acessórios impostos ao
trabalhador em função das exigências concretas da sua prestação.
2.2. Em termos gerais. pode dizer-se que a boa fé representa um
critério de conduta de cada um dos sujeitos da relação obrigacional,
um "arquétipo de conduta social" (366). caracterizado no essencial
pela lealdade e fidelidade à palavra dada, pelo respeito devido às
legítimas expectativas dos outros interessados na relação, pela actua-
ção conforme às regras de procedimento honesto, esmerado e diligente
- por outras palavras, pela actuação em conformidade com "as exi-
&ências profundas da natureza das coisas, da justiça, da lealdade" (367).
E nesse clima que aqueles sujeitos devem desenvolver a sua convi-
vência, cumprindo, não só o conteúdo estrito do contrato, mas ainda
tudo aquilo que, em cada caso concreto, é imposto pelos referidos
valores de ordem ética (368). Numa palavra, eles devem proceder
como pessoas de bem.
A boa fé traduz, no fundo, a ide ia de que o exercício dos direi-
tos e o cumprimento dos deveres devem respeitar toda uma série de
regras implícitas na ordem jurídica, que são impostas pela cons-
ciência social e correspondem a um determinado conjunto de valo-
res éticos dOTIÚnantemente aceites na sociedade.
Este princípio vale para o credor enquanto proibição de abusar
do seu direito de crédito e para o devedor enquanto critério de deter-
minação do alcance da prestação e da forma do seu cumprimento. Ao
primeiro "incumbe evitar que a prestação se torne desnecessaria-
mente mais onerosa para o obrigado e proporcionar ao devedor a
cooperação de que ele razoavelmente necessite, em face da relação
179
("') AN11JNESVARELA, p. 110.
(370) MENEZES CORDEIRO, Direita das Obrigações, I, p. 149.
(371) Cfr. MENEZES CORDEIRO,Direito das Obrigações,!' p. 127 e 144, pnl'O
quem a boa fé se traduz fundamentalmente na velha máxima romana "altcrum 11011
laedere", o que informa a assunção de toda uma série de devcrcs acc$$órios de
conduta.
A boa fé é, ao fim e ao cabo, na conhecida fórmula de Sicbcrt c Knopp, "o
consideração pelos interesses legftimos e expectativas da conlrapafte". Para AI~EII)"
COSTA. p. 81, nota I, "no fundo. tudo se reconduz à actuação da figura c1ásSIClldo
bonus paterfamilias", impondo-sc a cada uma das partes "uma conduta honesta c cons.
cienciosa, a fim de que não resultem afecLados os legftimos interesses da outl'll"
(p. 699).
Relacionado com o sentido geral do nosso princípio, também faz. apelo no
critério do banus paterfamilias MENEZESCORDEIRO,Direito lÚlsObrigações, I, p. 151,
autor que realça igualmente a articulação entre o princípio (nomcadamente no que
toca à tutela da confiança) e os relativos à proibição do venire COllfrafactllm pm.
prium e à culpa in contrahendo. Cfr. MENFZES CORDEIRO, Da boa fé .... p. 648 H!l.
e 1234 ss. (1254), e Teoria geral .... p. 386 SS.; no mesmo senlido, poder-se-no
ver ainda os artigos de BAPTISTA MACHADO, in RU. 11.° 117, p. 229 55.. c RI",},
n.O 119. p. 6S 55., e de BIANCA, "La nozione di buona fede qual e rcgola di com~
portnmeqto contrnltu.le", RDC 1983-1, p. 209 ss. .
Na estcira da doutrina germânica (em que a idcia de fragmentaçüo cOllcclllml
da boa fé não tem sido levantada), este autor sustenta a unidade cOllcdtlial dn ho"
fé (que di7. ser "a solução imposta pela origem social do instituto c pelu lllni~ele-
mentar mctodologil1 jUl'fdica"), superando, portanto, :t conll'aposiçl'l.o,tmdicionrd Il(\S
obrigacional, para realizar a prestação devida" (369); deve, pois, exer.
cer o seu direito sem contrariar a lealdade e sem trair a confiança c
a consideração com que o devedor pode razoavelmente contar (nomea-
damente, não deverá desviar o direito do fim para cuja realização é
reconhecido, nem fazer exigências despropositadas). Mas a boa fé
exige igualmente do devedor "todos os comportamentos razoávcis
para 'a efectiva satisfação do interesse do credor, não se contentando
simplesmente com um cumprimento meramente formal" (370), pelo que
o mesmo deverá cumprir a obrigação, não só na sua letra, mas tam-
bém no seu espírito, da forma razoavelmente esperada pelo credor.
Em síntese, este princípio significa que tanto um como o oulro
deverão abster-se de assumir quaisquer atitudes que possam acarre.
tar prejuízos gratuitos à contraparte. É este o sentido geral que tem
a boa fé enquanto regra de conduta (371).
Capo 1JI - A Eficácia dos Direitos FundamentaisContrato de Trabalho e Direitos Fundamentais178
o:denamentos latinos, entre boa fé psicológica e boa fé ética (sobre tal contrnposl.
çao, v., por lodos,. PIRES DE LIMA I ANTUNES VARELA, li, nota 3 ao art. 762.").
. . Aldeia umtária de boa fé reparte. se, contudo~ por dois prismas. objectivo c sub.
;eetlvo, sendo O segundo mera projecção"do primeiro. Com efeito. tendo de ser rccOn-
~uzidaa normas jurídicas. a bo~ fé (objecliva) vai traduzir-se nas situações subJcc.
Uvas: o seu acatamento implica uma situação de boa fé (subjectiva), sendo o invcl'so
uma situação de má fé (cfr. MENEZES CORDEIRO, ibidem, p. 127).
. . rn) Pode mesmo dizer-se que esta segunda faceta permite até dotar lllis
direItos ~e u~a eventual capacidade modificadora das obrigações contratuais, scm~
pre que ISSO ajude a promover o seu exercício. v., contudo, nota (376), infra, sobre
a questão de saber se os direitos fundamentais podem ou não ser invocados para impor
ao empregador um dever de t;ldequação da empresa à melhor prossecução da Iiher-
dade civil do trabalhador.
181
("') VAWe< DAL-RI\, p. 296.
(374) V.g., com a teoria dos limites internos ou imanentes, pela qual se pro-
cura vedar o exercício abusivo dos direitos fundamentais.
(375) Sendo, aliás, definível exactamentc nos mesmos termoS da que por
nqucle é devida, enquanto lealdade ao contrato. crI'. WmsE, p. 278.
(376) Dessa aplicação poderiiomesmo extrair.sc aUlênticos deveres pm'3 o empl'c-
Glldor,havendo quem veja nessa I'cinlerprclaçãodos deveres contratuais fi luz da COlHi~
liLUiçfio :1maior nhcrnção doglllfllicn sorri da pclo rcgime do contlillo de tmh:llho desde
{'(lI" UI - A Eficácia dos Direitos Fundamentais
Esquecendo-se que os direitos fundamentais (também) limitam
I" poderes patronais, procura-se apenas verificar se o trabalhador sc
excede ou não no exercício daqueles direitos, recorrendo a meros
critérios contralUalistas, o que origina. por vezes, uma inaceitável
"dcgradação do exercício" desses direitos(373).
Pode, por exemplo, verificar-se que, normalmente, o recurso ao
IIhuso do direito é feito num só sentido (374) ou, ainda, que também
só (ou quase só) se fala de um "dever de lealdade" do trabalhador,
csquecendo-se, curiosamente, que a mesma "lealdade" vincula igual-
mcnte o empregador (375).
A Constituição, porém, oferece dados normativos e pressupostos
político-jurídicos que propiciam uma interpretação de duplo sentido,
'1ue aprofunde realmente, com efectivas consequências jurídicas, as
idcias de reciprocidade e de harmonização dos interesses de ambas
."s partes da relação laboral.
Os próprios princípios contratuais deverão ser reelaborados i\
luz desta perspectiva, a única coerente com o significado do Estado
Social de Direito, passando a servir também para garantir, no seio d"
empresa, os direitos fundamentais, cujo equilíbrio com os poderes
patronais há que assegurar.
A lógica constitucional impõe, na verdade, que a aplicação dos
direitos fundamentais ao contrato de trabalho represente uma pro-
funda alteração no âmbito deste.
Não se pretende, evidentemente, destruir o contrato, nem a sua
força vinculativa, mas sim obrigar a uma nova perspectivação dos
deveres contratuais e, de uma forma geral, a uma reconsideração das
consequências, das implicações, que o seu correcto cumprimento
deve comportar (376).
Contrato de Trabalho e Direitos Fundalllf'IItIHf180
2,.3, Do exposto resulta que, no âmbito da relação de trabalho, l1
conteudo dos deveres contratuais radicados na boa fé (bem C0ll10 11i
sua possível influência sobre os direitos do trabalhador) devel'lI Mor
aferido à luz da Constituição, o que exige a dupla valoração daquel,! .
cláusula, consequência, aliás, da dualidade e conflitualidade prescnlOI
na sociedade em geral e no sistema de relações laborais em particulUl,
O entendimento correcto da boa fé contratual passa por reconho-
cer-Ihe natureza recíproca, como forma de permitir o desejado equl.
líbrio cntre os direitos do trabalhador e os poderes patronais.
Se tal cláusula tem indiscutivelmente uma vertente promocional
do tráfico jurídico privado em conformidade com a autonomia privod,.
e a segurança jurídica, a qual justifica a sua actuação como limlll'
genérico ao exercício dos direitos fundamentais, ela tem igualtneOlo
uma outra faceta, que se traduz em que os próprios princípios con-
tratuais devem também servir para assegurar o equilíbrio entre o.
poderes patronais e estes direitos (372).
A necessidade de encarar deste modo o problema continua Il
ser escamoteada, muito por influência de preconceitos de cariz libe-
ral. O que se continua a perguntar é se o uso que o trabalhador fu?
dos seus direitos é ou não consentido pelos valores contratuais; é h
lu~ destes, que continuam a ser vistos como desempenhando o papol
p~mclpal, que aparece "filtrada" a eficácia daqueles, havendo aiodu
dIficuldade em aceitar a ide;a de conflito de bens ou interesses todos
igualmente merecedores de tutela. '
Como pode ler-se num aresto do Tribunal Constitucional espa-
h 1(377) " "'dno, a eXlstenCIa e uma relação contratual entre trabalhador e
empregador gera um complexo de direitos e obrigações recíprocas
~ue condIcionam o exercício da liberdade civil do trabalhador (... ). Tal
hberda?e não poderá obviamente ser invocada para romper o quadro
normatIvo e contratual definidor da referida relação, mas também os
princípios que informam esta última, que preservam o honesto e leal
cumprimento pelas partes das suas obrigações, nunca poderão che-
gar ao ponto de impedir, além dos imperativos impostos pelo contrato
o exercício da liberdade civil que a Constituição tutela". '
Esta liberdade é parte integrante da conflitualidade inerente ao
contrato de trabalho (378).
O empregador e o trabalhador têm direitos e interesses autóno-
mos, devendo tanto a liberdade de empresa como os direitos do tra-
balhador ser respeitados na sua máxima amplitude possível (379).
há muito. Como se acabou de referir, há até quem sustente que o empregador teria o
dever de adequar a sua empresa à melhor prossecução da liberdade civil do trabalha-
dor (efr., por t<><:l0s, MOU~A ~AVARREfE, p. 63). Pense-se no caso de um futebolista que.
por ser A~ventlsta ~o 7. Dia, pretenda que o seu clube o dispense de jogar aos sába-
dos, ou, amda, da tnpulação de um avião, que pretenda ter um espaço próprio para fuma-
dores, etc. Em. nosso entender, porém, não resulta da aceitação da eficácia dos direi-
tos f~ndamentals que o trabalhador possa impor ao empregador as modificações da
r~açao co~tratualque considere oportunas. Fazendo nossas as palavras de um acór-
dao do Tnbunal Constitucional espanhol (Te 19/85, de 13-02-85. apud CASASBAA-
t.t.0NDE I BA;.LOS GRAU I EsCUDERO RODRIGUEZ,p. 209), já anteriormente referido,
~Ir.se.~q~e o que a Constituição proíbe ao empresário é uma coercibilidade contrá-
na a taIs_l~berdad~s,.mas não o obriga a estruturar a organização produtiva em função
do exerClCIO d: dIreItos fundamentais dos trabalhadores ao seu serviço".
Para maIores desenvolvimentos sobre a matéria deste ponto, v., por todos,
TOMAND~, T~eue-und Fürsorgepjlicht im Arbeitsrecht, onde, para além de um
estudo hlstónco-cornpar~tivo entre os ordenamentos alemão e austríaco (p. 1 ss.
e.4l ss.), se co~tém uma mteressante perspectiva dogmática do tema (p. 71 55.); pode
amda ser refe~do, sobre a eficácia pré- e pós.contratual do dever de lealdade, o
estudo. ai conudo, de Zõllner (p. 91 ss.).
(377) M.. aiS concretamente, na célebre sentença de 21 de Janeiro de 1988, em
que o tnbunal abordou exaustivamente a nossa temática.
(378) LYDN-CAEN I JEAMMAUD,Droit du Travail, Démocratie et Crise, p. lO,
e Hector-Hugo BARBAGELATA,O particularismo do Direito do Trabalho, p. 21 ss.
("9) RAMM.in JZ 1991, p. 4.
3. A lógica contratual e os limites aos direitos funda-
mentais
IR3
(380) Neste sentido, BAG 20-12-84, BAGE 47,363. e BAG 24-05-89. lJAGE
62, 59, ou, na doutrina, MAYER-MALY, in FS Müller, p. 325 ss., KONZEN.Rupp,
p. 114 ss., e RÜFNER. in RdA 1992, p. 1 ss.
(381) DÜRIG.in I'S Nawiasky, p. 158.
('82) VAI.Di;sDAL-Ri;. p. 291.
3.2. Ora, como se viu, mais do que qualquer outra, a relação dc
trabalho gera um complexo de direitos e de obrigações com uma
especial aptidão para condicionar o exercício dos direitos funda-
mentais do trabalhador, podendo mesmo dizer-se que os direitos da
pessoa humana têm, no âmbito dessa relação, uma vigência "debili-
tada" (382).
3.1. É evidente que a lógica da empresa impõe uma ordem,
uma disciplina, em consonância com a qual o trabalhador contrata a
alienação da sua liberdade. É ela que, em atenção à sua finalidade,
legitima determinadas limitações aos direitos fundamentais do tra-
balhador.
É, em princípio, inadmissível alguém invocar os seus direitos flln-
damentais para se recusar a cumprir o contrato de trabalho. Por
c"emplo, em caso de colisão entre a prestação laboral e a consciên-
cia do trabalhador, só em casos absolutamente excepcionais é que este
poderá ser exonerado do dever de trabalhar (380).
A autonomia da vontade, sendo o fundamento do contrato dc
trabalho, é-o também das limitações que aqueles direitos podem
sofrer em virtude da celebração desse contrato. É esse princípio que
rege as relações entre particulares, nas quais o cidadão comum pode.
em princípio, afastar-se dos valores constitucionais e os negócios
feitos à margem desses valores são em regra legítimos (381). É assim
que, normalmente, quando, no uso dessa autonomia, os particulares
pratiquem determinados actos e assumam determinadas obrigações, não
lhes é lícito vir invocar a eficácia dos preceitos constitucionais para
se exonerarem do dever de cumprimento pontual e conforme à boa
fé das referidas obrigações, por eles livremente asumidas.
Ca,.,. 111- A é}kácia dos Direitos FundamentaisContrato de Trabalho e Direitos Fll1ldamc11tt1I,I'182
('83) REY GUANTER (1994), p. 32.
(384) RIVERO(t982), p. 423.
(385) C ., I.orno J3 se 5a leotou, supra [nota (64)], é de facto o exercício dos direi-
tos - e não a sua titularidade - que fica condicionado.
(386) Pense-se, por exemplo, em decisões como a não admissão ou a recusa
de promoção do trabalhador, a sua mudança de funções ou a transferência do local
de trabalho. etc.
(387) Algumas restrições quase passam despercebidas. Pense-se, por exem-
plo. ?as que são impostas à liberdade de deslocação, com a simples fixação do
horário de ~a~alho ou a proibiçã~ ~e acesso a certos locais; também a liberdade pes-
S?al é restnnglda por regras de higiene ou de obrigatoriedade de uso de determinado.
tipo de vestuário, etc. E os exemplos poder-se-iam multiplicar indefinidamente.
Nela, todas, ou quase todas, as liberdades e direitos fundamen-
tais do trabalhador se encontram, ao menos potencialmente, sob
ameaça, face à autoridade e direcção do empregador.
Do contrato nasce para o trabalhador uma dependência, quc
pode ameaçar os seus direitos.
Os poderes patronais, pela sua própria natureza, contêm em si a
potencialidade de acarretar limitações, mais ou menos severas, a
todos os direitos e liberdades do trabalhador, com as quais se encon-
tram frequentemente em conflito (383).
. O próprio conceito de subordinação jurídica e as regras de fun-
clOn~mento de qualquer organização assim o impõem, não podendo
os dtreltos fundamentais romper o esquema de equilíbrio contratual,
baseado precIsamente nessa subordinação (384).
Devido ao carácter continuado do débito laboral e à natureza
do poder determinativo da função, a posição contratual do trabalha-
dor é objecto de uma definição (quase) permanente, potencialmente
ameaçadora dos seus direitos.
Ainda que seja um cidadão igual a todos os outros, ao entrar na
empresa, o trabalhador, independentemente de qualquer estipulação
contratual, vê diminuídas as possibilidades de livre exercício (385)
das suas libe~d~des e pode inclusivamente ser censurado e/ou preju-
dIcado, explICItamente ou não, pela forma como os exerce (386).
Na prática, o poder de direcção do empregador é susceptível
de atlllglr todos os direitos do trabalhador que se exercem na
empresa (387).
4. A presunção de liberdade ("Freibeitsvermutung") - seu
significado e consequências
. 4.1. Na verdade, a liberdade, expressa nos direitos constitucio-
nalmente consagrados, é o valor fundamental do ordenamento (389)e
o poder de direcção do empregador não pode impor-lhe senão res-
trições estritamente finalizadas e necessárias ao bom funcionamento
da empresa e à correcta execução do contrato (390).
18S
(388) Havendo, inclusivamente, casos de p6s.eficácia do dever de le~ld~d~
do trabalhador, de que são exemplo os chamados "pactos de não concorrenCla
("Wettbewerbsabsreden"). Sobre estes pactos, no direito alemão, v., por exemplo,
BAG 29-06-62, BAGE 13. 168, e BAG 13-09-69, BAGE 22. 125. ou. ainda, BVerfG
7-02-90, 8VerfGE 81, 242, decisões em que é sustentada a invalidade dos mesm~s.
Na doutrina, pode ver-se, para o direito alemão, Helga LOWE,Der InreressenallsgLelch
zwischen Arbeitgeber und Arbeitnehmer beim nachvertragLichen Wettbewerbsver.
bOI, Frankfurt am Main (1988), e, para o direito português, VIEIRA GO~ES, As cláu-
sulas de não concorrência no Direito do Trabalho (Algumas questoes), paSSlnl,
MENEZES CORDEIRO,"Concorrência laboral e justa causa de despedimento", ROA 1986,
p. 504 S5. (e também Da pós-eficácia das obrigações), e MON:cIRO .FERNANDES.
"Dever de lealdade e proibição de concorrência". in Temas LaborQls,COimbra, 1984,
p. 59 ss.
(389) VERDlER, in DS 1982, p. 4t9.
('90) Cfr. RAMM, in JZ 1991. p. 5 e 11 ss., e VALDÉS DAL-RÉ, p. 277.
Algumas manifestações de libcrdade, legítimas noutros contex-
los, não o são necessariamente no âmbito de uma relação dc traba-
lho subordinado, podendo, em certas circunstâncias, os direitos fun-
. .d (388)damentais do trabalhador aparecer compnml os .
Pela sua própria natureza, o vínculo que liga o trabalhador à
empresa supõe a renúncia (ainda que parcial) do trabalhador ao exer-
cício de alguns desses direitos.
O contrato é uma fonte legítima de limitações aos direitos fun-
damentais.
A questão está em saber até onde pode ir a subordinação do
trabalhador, que obviamente não pode deixar de ser protegido quando
as limitações aos seus direitos sejam injustificadas ou desrazoáveis.
A sua liberdade deve ser respeitada.
Capo 11/ - 1\ I~jh:(j(:i{/ dos Dirr:ifO .••.hfllr/a1lu:llfai.l'COl/tralo de 'lioo!Ja/l1O (; IJ;f(:ilO.I' Fundolll(,IIICIi.\'IX4
(391) VALDÉS DAL-RÉ, p. 278 S., e MOLlNA NAVARRETE, p. 90.
(392) Como escreve SAVATIER, in DS 1990, p. 51, "o trabalhador não aliena a
sua pessoa".
Como se viu, na nota (281), supra, na própria Inglaterra. cujo direito é ainda
marcado por uma clara prevalência da Commoo Law, começam já a notar-se alguns
traços "constitucionais" da tutela do indivíduo.
4.2. A análise juscomparativa a que se procedeu mostrou que,
de facto, os preceitos constitucionais podem servir - e têm servido
- para fixar as ideias de subordinação jurídica e de deveres con-
tratuais, entendendo-se que o vínculo laboral se limita à execução do
trabalho, sem que isso comporte para o trabalhador a renúncia aos seus
direitos enquanto pessoa e cidadão (392).
A eficácia daqueles direitos apenas deverá ceder perante interesses
relevantes, do empregador ou de terceiros. Só após avaliadas a natu-
reza e a importância desses interesses, é que se poderá justificar a pre-
terição daqueles direitos.
O trabalhador, ao entrar na empresa, não perde a sua condição
de pessoa e de cidadão.
A autoridade do empregador não tem carácter absoluto: visa
apenas assegurar o bom funcionamento da empresa e a execução do
contrato (391).
É a finalidade em concreto da empresa, a necessidade de asse-
gurar o seu funcionamento, que fixa a medida da subordinação jurí-
dica e (também) da liberdade aí exercitável.
Só ela é que pode levar a admitir restrições aos direitos funda-
mentais do trabalhador, carecendo de sentido qualquer limitação des-
tes que vá além das exigências próprias dessa finalidade.
Os direitos do trabalhador só podem ser legitimamente limita-
dos se - e na medida em que - o seu exercício impedir ou difi-
cultar a normal actividade da empresa ou a execução da prestação
estipulada.
A compressão desses direitos apenas é legítima quando vise
assegurar a tutela do direito de empresa, isto é, quando seja absoluta
e estritamente necessária ao bom funcionamento da empresa e à exe-
cução do contrato; caso contrário, já o não será.
187
(393) Hector.Hugo 8ARBAGELATA, o particularismo do Direito do Trabalho.
p. 21 ss.
Note-se que, mesmo nestes sistemas, em que a conflitualidade é protegida. é
em nome da sua ausência que se aceita, por exemplo, o conceito de organizaçôe,\'
de tendência, perante as quais é possível fazer relevar, do ponto de vista contratual,
condutas absolutamente irrelevantes noutro contexto, sendo aí fortemente acentuado
o carácter fiduciário da relação.
Sem que seja esta a sede para desenvolver o ponto, sempre se dirá que il
questão principal é a de saber se uma organização constituída para a prossecução de
um fim ideal elou a divulgação de urna determinada ideologia deverá ou não vcr esse
valor prevalecer sobre os direitos fundamentais do indivíduo, que, como trabalhado!'
subordinado, se associa à realização dessa tendência.
O conceito, aceite pela generalidade dos ordenamentos. deve efectivamcntc
ser considerado relevante, no contexto de uma sociedade pluralista. Todavia. o
mesmo comporta alguns perigos, se a sua utilização não for dcvidamente ponderadA,
Não se deve alargar demasiado o âmbito desse conceito, nem se deve. em nome du
referida ausência de conflito, levar o seu significado ao extremo de deixar lotal~
mente desprotegidos os direitos dos seus trabalhadores.
Para além das obras já citadas, a propósito dosdireitos alemão, italiano c
francês. poder-se-á ainda consultar: para o ordenamento espanhol, o artigo de AI'A"
RICIO TOVAR, "Relaci6n de trabajo y libertad de pensamienLo en las empresas ideo-
lógicas", in Lecciones de Derecho dei Trabajo en homenaje a los Profesores 8aydl1
Chacón y dei Peso y Calvo (1980), e as monografias de BLAT GIMENO, Relacione,\'
laborales el! empresas ideológicas (1986) e de CALVO GALLEGO, CollfralO de lra/Jojo
y libertad ideol6gica (1995); para o português, o cstudo de DIAS COIMBRA,"Empre-
sas dc tendência c trabalho dcpendentc", in RVES 1989 - n.(I~ 1-2, p. 197 ~r.,
Contudo, estas premissas nem sempre têm sido levadas até às últi-
mas consequências, aparecendo ainda hoje a tutela dos direitos fun-
damentais muito influenciada por uma lógica meramente contratual
e havendo ainda grandes dificuldades em aceitar a ideia de conflito
de bens ou interesses, todos igualmente merecedores de tutela.
No entanto, só essa ideia, precisamente porque representa o
único entendimento aceitável à luz dos princípios do Estado Social
de Direito, e designadamente à luz do direito português (393), responde
cabalmente ao nosso problema.
Apenas uma concepção que extraia todas as consequências
dessa ideia de conflitualidade pode tutelar plenamente a liberdade
civil do trabalhador, que, precisamente por lhe ser co-natural, não
deve, obviamente, ser totalmente sacrificada aos interesses do empre-
gador - não tendo, pois, razão de ser alguma a prevalência da
Capo UI - A Eficácia dos Direitos FundamentaisContrato de Trabalho e Direitos Fundamentais186
liberdade contratual, em termos de permitir justificar a renúncia do
trabalhador aos seus direitos e/ou a imposição de limitações a essa
liberdade para além do que é estritamente necessário.
Impõe-se antes recorrer às regras próprias dos conflitos de direi-
tos, sem subaltemização dos direitos do trabalhador à liberdade de
empresa (394).
4.3. O que, de facto, está em causa são os limites da subordi-
nação jurídica, sendo certo que, ao celebrar o contrato, o trabalha-
dor não renuncia à sua liberdade enquanto pessoa e cidadão e que o
seu dever de lealdade não poderá, seja em que circunstâncias for,
ultrapassar a lealdade ao contrato - e só a este, na estrita medida
do seu conteúdo (395), sem quaisquer implicações, por exemplo. para
a sua vida extraprofissional e para os seus outros direitos.
É sabido que a definição desse dever de lealdade constitui mui-
tas vezes o ponto de referência para o confronto entre interesse da
empresa e liberdade civil do trabalhador, designadamente através da
noção de justa causa de despedimento.
Em nome dele, são por vezes admitidas limitações desmedidas
aos direitos fundamentais do trabalhador, v. g., à sua liberdade de
expressão e à reserva da vida privada (396).
(394) De certo modo, é uma ideia inversa a que está subjacente a certas posi-
ções restritivas, por exemplo em matéria de liberdade de expressão, em função de
valores como a "paz lia empresa" (s 74 da BetrVG) e a "mútua colaboração baseada
na boa/é" (s 2.1 da BetrVG), como se viu ocorrer no direito alemão. Tal é. como
também já se disse, explicável pela particular natureza do Direito Colectivo do Tra-
balho neste pais.
A liberdade do trabalhador parece, pois, encontrar-se melhor salvaguardada
num ordenamento, como o italiano, que aceite e proteja a conflitualidade.
(395) Ou seja, na estrita medida em que também se pode falar de um "dever
de lealdade" do empregador. Neste sentido, WIESE, p. 278.
(396) Entendendo-se muitas vezes que o carácter fiduciário da relação abrange
toda a personalidade do trabalhador. Pergunta-se, por exemplo, se actos da vida pri-
vada podem integrar o conceito de justa causa de despedimento; ou se a objecção
de consciência é uma violação do contrato ou, pelo contrário, o exercfcio de um
direito; etc.
Como também é sabido, para a concretização do conceito de justa causa de des-
pedimento, a jurisprudência tem recorrido com frequência à ideia de perda da con-
IR9
fiança que necessariamente é pressuposta pela relação de trabalhO"O que acontece
é que tal valor-confiança aparece a maior parte das vezes absoluttzado, em termos
que vão muito para além da (essa, sim, devida) lealdade ao contra!o .. Entre nós,
v., por exemplo, os diversos acórdãos do STJ a que fazemos referencla no nossO
Ensaios, p. 130, notas (41) a (45).
Sobre a perda de confiança como fundamento para o despedimento, RAY, in
OS 1991, p. 376 (382). e GAUDU. in OS 1991. p. 419, e OS 1992, p. 32 (36).
Sobre a natureza objectivo-normativa do conceito de justa caus_ade dc~pedl~
mento, v. anotação de João LEAL AMADO ao acórdão da Relaçao de Lisboa
de 13-10-93. in Questões lAborais. n." 2 (1994). p. 109 ss. (maxime, ll3 e 116).
(397) Como já se disse, fala-se sempre de um "dever de lealdade" do traba-
lhador, esquecendo-se que Oempregador tambem deve "lealdade" ao contrato (e sô
ao contrato, exactamente nos mesmos termos do trabalhador).
(398) Ao fim e ao cabo, o conceito e o regime de exercício da liberdade no
interior da empresa acabam por ser encarados dentro do espírito"do ~. 4.: da D.ecla.
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo o qual la liberte C011Ststeà
pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à auzrui".
Ora, uma tal construção desse dever, enquanto implicando obri-
gações apenas para o trabalhador (397), é claramente repudiada )leia
Constituição, que protege a ideia de conflitualidade, como algo inc.
rente ao contrato de trabalho, e configura o trabalhador e o empre.
gador como portadores de interesses distintos, devendo tania uns
como outros ser respeitados.
Só a necessidade de defender a empresa das consequências dano.
sas que o exercício abusivo da liberdade do trabalhador lhe possa acal'.
retar legitima a limitação dessa liberdade.
Na empresa, o trabalhador não deixa de ser um cidadão C0l110
qualquer outro e, por isso, a sua liberdade deve manter-se na máxima
extensão possível, isto é, até onde não colida com as exigências )lI'6.
prias da finalidade em concreto da empresa e dos deveres conll'a.
tuais (398).
A dignidade da pessoa humana, garantida pelos direitos funda-
mentais, é o cerne da ordem de valores estabelecida pela Constitui-
ção, que, como tal, deverá valer para todos os ramos de direito,
designadamente para o Direito do Trabalho; por isso, não podem os
direitos fundamentais do trabalhador - enquanto expressão da sua
dignidade, (também) enquanto pessoa e enquanto cidadão - ser
totalmente sacrificados à liberdade de empresa.
Capo /lI - A 1~/ldj{:ia dos Direito,,' FIfIlr/mlU'IJla_i._, _COfltrrJlO rk 7hlbaIJIO c D;m;IOS PUfldflll/('llfal.l'.IRR
(399) BARBAGELATA, p. 21.
(400) GOMES CANOTILHO I VITAL MOREIRA, Constituição anotada, p. 286.
(401) Neste sentido, Peter SCHNEIDER, num artigo cujo título é bem suges-
tivo: "In dubio pro libertale", in FS 100. DJT - m, p. 263 ss.
4.4. Deste entendimento decorre, em nossa opinião, uma pre-
sunção de liberdade ("Freiheitsvermutung") (401), na qual assentará
o critério que deve reger as relações entre contrato de trabalho e
direitos fundamentais, critério que julgamos ser conforme à função
última do Direito do Trabalho, que é subordinar os poderes empre-
sariais à cidadania, isto é, impedir que a liberdade do cidadão-tra-
balhador seja reduzida ou aniquilada por tais poderes.
Significa a mesma que, na empresa, a liberdade civil do traba-
lhador se encontra protegida contra limitações desnecessárias e que
qualquer limitação imposta a essa liberdade deverá revestir uma natu-
reza absolutamente excepcional, só podendo encontrar justificação
na necessidade de salvaguardar um outro valor (a correcta execução
do contrato) que, no caso concreto, se deva considerar superior.
Tal liberdade deverá, pois, ser a mais ampla possível, só podendo
ser restringida quando, e na medida em que, o seu exercício entre em
I')I
(402) Cabendo, aliás, aoempregador o ónus da prova da legitimidade de intro-
duzir limitações à referida liberdade do trabalhador- e, mesmo assim, como se vaí
ver, sempre dentro de critérios de necessidade e de proporcionalidade.
(403) E também não são considerados legítimos os despedimentos baseados em
factos de que se tomou conhecimento por meios atentatórios dos direitos do traba~
Ihador. Cfr" por exemplo, Cassalion 20-11-91, in DS 1992, p. 28, e respectiva
anotação.
Trata-se, no fundo, de um problema mais geral, o problema da relevância
(processual) da prova iUcita, sobre o qual poderão ser vistos, para o direito ale-'
mão, HABSCHElD, "Das Perstlnlichkeitsrecht aIs Schranke der Wahreitsfindung im
Prozessrecht", in GS Hans Petas, p. 840 SS., e, para o português, o nosso "Prova
ilícita", RJ 1986, p. 7 ss.
colisão com as exigências próprias da finalidade concreta da empresa
e dos deveres contratuais (402).
Por isso, o trabalhador não pode, por exemplo, ser despedido ou
sofrer qualquer outra sanção por exercer os seus direitos (403).
O Direito do Trabalho deverá ter por preocupação essencial a
tutela dos direitos de cidadania no âmbito da relação de trabalho,
garantindo, por exemplo, os direitos do trabalhador à não sujeição a
formas de controlo de actividade contrárias à sua dignidade, à inli-
midade da vida privada, à não discriminação, à liberdade ideológica
e de expressão, etc.
Não é admissível que, em nome dos poderes de autoridade e
direcção, uma empresa possa, por exemplo, regulamentar a organi-
zação e as condições da prestação de trabalho em termos de con.
trolar a vida extraprofissional do trabalhador, de definir o que ele
pode ou não vestir ou, ainda, de impor limites à sua liberdade de
expressão; tal como também o não é que do contrato de trabalho
constem cláusulas pelas quais o trabalhador renuncie aos seus direi-
tos fundamentais. Cláusulas de renúncia a esses direitos são obvia-
mente nulas. Tal vale, sem dúvida, para cláusulas de renúncia à
greve, a qualquer actividade partidária ou sindical, à maternidade ou
ao casamento, ou para cláusulas de aceitação de testes de gravidez,
bem como, em princípio (cfr. o art. 36.0 da LCT), também para a cláu-
sula pela qual um trabalhador ao serviço de uma firma se obrigue a
não trabalhar, durante um certo prazo após a eessação do contrato, no
mesmo ramo de negócio, etc.
Cat>, !lI - 1\ 1~'jk(J(:iados Din!ifOS FlIfldolllCllf(l;SCOlltrafO de Trabalho C Direi/os hmt!(l/J/ollfJis
Pelo conlrário, devem esses direitos ser acautelados, consti-
tuindo limites ao exercício dos poderes patronais e só podendo ser res-
tringidos face à existência - e na medida dela - de interesses rele-
vantes da empresa, ligados ao seu bom funcionamento e ao correcto
desenvolvimento das prestações contratuais, que se oponham à sua
plena expansão.
A liberdade do trabalhador é co-natural à conflitualidade da rela-
ção laboral (399), reconhecida e protegida pela Lei Fundamental (400),
pelo que não tem razão de ser a prevalência da liberdade contratual
em termos de justificar a renúncia do trabalhador aos seus direitos,
nem a têm as limitações à referida liberdade para além do estritamente
necessário.
A regra nesta matéria não poderá deixar de ser a de uma forte
tutela da liberdade das pessoas, entendendo-se que, em princípio, o
trabalhador é livre para tudo aquilo que não diga respeito à execu-
ção do seu contrato.
190
192 Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais Capo lU - A Eficácia dos Direitos Fundamentais 193
Também certos actos da vida privada só poderão eventualmente
relevar desde que representem a violação de um dever contratual (404):
a regra não poderá, uma vez mais, deixar de ser uma forte tutela da
liberdade pessoal (405), sendo que, em princípio, o trabalhador é livre
para tudo aquilo que não diga respeito à execução do seu contrato (406).
Como já se realçou (407), é precisamente a propósito da rele-
(404) Será o caso de um piloto de uma companhia aérea ou, mesmo, de um
jogador de futebol, que, através de uma vida desregrada, poderão pôr em perigo a
correcta execução dos seus deveres laborais. Para a primeira situação, V., por exem-
plo, Ac. ReI. Lisboa 17-06-93, in Col. Ju, 1993-1Il, p. 187 ss., confirmado por Ac.
STJ 11-05-94. BMJ n," 437. p. 335 ss. Sobre as especialidades da relação laboral
desportiva, v. g. no que toca à relevância da vida extraprofissional do praticante
desportivo. cfr. J. LEAL AMADO, "O DL TI,O 305/95, a relação laboral desportiva e a
relação laboral comum", in Questões Laborais n.o 6 (1995), p. 187 ss. (189), e
Contrato de trabalho desportivo. Anotado, anot. 11 a IV ao art. 13.° do referido
Decreto-Lei n.O305/95, de 18-11, cuja alínea b) estatuía que o praticante desportivo
é obrigado a "preservar as condições físicas que lhe permitam participar na com-
petição desportiva objecto do contrato" [hoje, tendo o Decreto-Lei n.o 305/95 sido
revogado pela Lei n.o 28/98, de 26-06, o art. 13.°, alínea c), desta mantém, todavia,
o disposto naquele art. 13.°, alínea b), do primeiro diploma].
(405) Neste sentido, entre outros, VERDlER, DS 1982, p. 419, RAMM, in JZ
1991, p. 5, e MENEZES CORDEIRO (1998), p. 37.
A ideia subjacente à Drittwirkung no âmbito do contrato de trabalho é preci-
samente, como afirma RAMM,in JZ 1991, p. 4, a de "verhindern, dass vermogens-
rechtliche lnteressen auf Kosten der Freiheitsentfaltung befriedigt werden" [ou seja,
impedir que os interesses patrimoniais (do empregador) sejam satisfeitos à custa da
liberdade (do trabalhador)].
(406) Havendo, por isso, que ter cuidado na anâlise de alguma jurisprudência,
frequente, aliás, em que se diz que "um acto da vida privada do trabalhador pode
ser tão grave que inviabilize absolutamente a sua relação de trabalho". V., por exem-
plo, o acórdão ReI. Porto 16-12-85, in Colo Ju, 1985-V, p. 212 SS. (bem como o acór-
dão STJ 31-10-86, BMJ n." 360, p. 468 ss" que o confirtUa), num caso relativo à con-
denação, por tráfico de droga, de um perito de uma companhia de seguros, em que
se diz que "a definição de justa causa ( ... ) não envolve apenas os comportamentos
do trabalhador no lugar e no tempo de trabalho e directamente relacionados com este"
e que "os meros aClas da vida privada do trabalhador também podem integrar
aquele conceito, desde que graves e culposos e que determinem a imedita impossi-
bilidade da relação laboral". Cfr., infra, nota (408), o que se diz sobre a solução adop~
tada nas ditas decisões, criticada, aliás, por Menezes Cordeiro (1998), p. 37. nos ler.
mos que igualmente aí aparecem mencionados.
(407) v., supra, nota (5).
vância jurídica das condutas extra-laborais, ou seja, do direito do
trabalhador à reserva da sua vida privada e da sua articulação com
o conceito de justa causa de despedimento, que é possível encon-
trar algumas (poucas) decisões dos tribunais portugueses em que a
nossa temática tem sido abordada, sendo que, de forma geral, e tal
como acontece nos outros países europeus, se tem entendido que os
direitos fundamentais da pessoa humana são plenamente eficazes no
âmbito da relação laboral - só lhes podendo ser assinalados como
limites "interesses legítimos", do empregador ou de terceiros - e, por
isso, factos da vida privada do trabalhador apenas poderão constituir
justa causa de despedimento se, e na medida em que, tiverem "refle-
xos prejudiciais no serviço", tornando, por essa via, praticamente
impossível a subsistência do vínculo.
O trabalhador na sua vida privada é livre, não podendo a mesma
ter relevo autónomo na relação laboral. Factos dessa vida privada só
podem ter relevância jurídico-laboral se afectarem a correcta execu-
ção do contrato, com repercussão negativa no seio da empresa; de,
qualquer modo, o que conta é, não aqueles factos enquanto tais, a con-
duta concreta do trabalhador, mas sim o seu reflexo negativo na dita
relação (408).
(408) Neste sentido da relevância meramente indirecta da vidaprivada do lra.
balhador para a consistência do vínculo laboral - não sendo, em todo o caso, essa
vida extraprofissional, mas apenas o seu reflexo negativo na empresa, que pode ser
sancionado pelo empregador - é possível encontrar decisões judiciais respeitanles
às mais diversas situações.
V., por exemplo, de forma muito clara, o ac. ReI. Porto 21-10-85, in Col. Jur.
1985-IV, p. 281 s., cuja matéria de facto se reportava a uma trabalhadora que, fora
do seu local de trabalho, agrediu uma colega, na presença de outras, que, de seguida,
passou também a insultar e a apedrejar, com a situação a prolongar-se mais tarde na
próprio local de trabalho, tendo o tribunal entendido estes reflexos prejudiciais no
serviço como inviabilizadores da manutenção da relação de trabalho e, por isso,
constitutivos de justa causa para o despedimento da referida trabalhadora. Situações
idênticas aparecem-nos igualmente nos acórdãos ReI. Porto 22-01-90, in Cal . .Iur.
1990-1, p. 274 s. (agressão física, fora do local de trabalho, mas relacionada com o
exercício da actividade laboral), e ReI. Coimbra 28-01-93, in Col. Jur. 1993~1, p. 85
ss. (ameaças c posterior agressão a uma colega fora do respectivo local de lrabalho),
em que também as condutas em causa roram julgadas inviabilizadoras do futuro
da relação de lrabalho. O mesmo crilério f()i utilizado pelo STJ no seu aeórdfio de,
"
14-11-86. JJM.I n." 361. p. 403. de acordo .. 7 • •
de dcspcdimento as ofensas co . .com o qual n.tO constituem Jusln cnusn
em lugarbastante afastado do IO~r~lspr~~cadaspor uma trabalhadomsobre oUlrn,
quer rcflex~na empresa em qU~am~: lra~~ih~~~~.tempo de serviço c sem qual-
A vcnficação de cen . ..inviabilizadora da manutene;os negatl~os no servIço fOi também julgada como
Pono 16-12-8S in C ç o da relaçao de trabalho nas situações dos Acs. Rei.
n.• 36O.. 468' 01. Jur. 1985-V. p. 212 ss .. confirmado por STJ 31-10-86. JJM.I
denação,Ppor trá~~~C::'dsrouPgra'dnota(406~, a referência a este caso, relativo à cc;m-
a, e um pen la de uma companh' d
ção adaptada nas ditas decisões é 'r d la e seguros; a saiu-
considerando não se ter provado rencn Ica a. por Menezes Cordeiro (1998), p. 37,
duta do trabaJhador].ReI. Lisboa 1;~;~.~aJ~n~~a~apenas potenciais - da cana
firmado por STJ II-OS-94. BMJ n .• 437 . 33So. u,: 199~-II1. p. 187 ss .• con.
tuais _ acessórios _ ' p. ss. (vlOlaçao de deveres contra-
e ReI. Lisboa 8-01-97~: ~mlc~mandante de aeronave fora do horário de trabalho),
Ihadora cometido po , o. ur. .]997:1, p. 1.73 s. (assédio sexual a uma traba-
, . r um seu supenor hierárqUIco).
].()(j.~~I:~~.t~~~~'1:9~~~~C~Çã;5do mesm.~critério levou o Ac. ReI. Coimbra
tivos sobre a empresa não ha~er . s.~a COnslerar,face à ausência de reflexos nega-
g~dadbanCária q~e soli'citaraempri~t~~oc:~s~i~:; ::~~:t~:e;~ob~CuOm(aãe~Pdr~-
clan o o respectivo proce d" I" " n o In I-b SSO ISC1Pmar qualquer prejufzo ou perdade co fi
~co, ou qualquer redução de movimentos ou cancelamento de c n ança no
clientes seus e designadamente daq I r . antas por parte de
partamento da requerentc" sendo ue a c lente que se mantfestou contra o com-
mentalmentc, à diffcil e c~m I qu~o ~mport~ento desta "foi devido, funda-
facto de ser divorciada com t~se~~hslluaçaodf~mlhare económica, decorrente do
e uma neta levand ' I as, uma e as deficiente, a seu cargo exclusivo
, o-a a socorrer-se da venda de bens r6 rios ar '
pagar a maior parte das suas dfvidas"). p p p a, entrctanto,
ss (;;:. .. ainda, oUÉtroscasos. também comentados por Meneres Cordeiro ibidem, 19
. tme, 37). asSimque, relativamenteao Ae ReI Lisbo 5 '. p.
.1989-IV. p. 176 ss.. confirmado por STl 29-0S-91. BMJ ~. 407 a ~~;89. m CoL Jur.
dlsclplmares graves cometidas r um em '. .' p. ss. (mfracções
tadas por inspecção feita às su:' contas b~~~adobancári~,mfracçõcs apenas detec-
autor em questão quc a conta bancária e tA as.pela entidade patronal):sustenta o
isso, o despedimento com base e I s protegida.pelo segredo profiSSIOnale, por
justa causa. Segundo cremos, es:r_c:-ment~s recolhidos por tal via é desprovido de
cessuaJ) da prova ilicitamente obtida, S~b~u~:~n~~ ~ problema da ~Ievãncia(pro-
posição, em termos genéricos, no nosso "Prova i1f~il:,I,V~~~~o~8rt6um~dede to~ar
para o qual, para maiores desenvolvimentos, nos limita~osagora ,p. ss., escnto
No mesmo tcxt . d a remeter.
Ac. ReI. Évora 7-04~2~:e~~~n~l~i~;;~SOTrefcre ain~a,~i.~,o caso julgado pelo
mesma ReI. 4-02-92 . C I J 11. p. 321 s. (Idenueo ao do acórdão da
• In o. 1Ir.1992-1 p 297 s) em b I
sua colega mantiveram relações sexuais ~o iocal d~~bal~~e~~oO-:: ;~d~re u~a
por pessoas que os espreitaram através de frestas na pona da sala. u OI etecta o
1~4 COnll'(J/() dI' ",;",/10/110 {' l)I'rr.ifOs i'illu/rmU'flW/s Cap. 1/1 - A 1~'(ic(IC;{/ do.\' nin';I".\' FIIII(/t",U'lllflis
o empregador só pode averiguar e levar em conta dados dessa
vida privada ligados à aptidão profissional do trabalhador. iSlo é.
que tenham uma ligação directa e necessária com a arerição da su••
capacidade para a execução do contrato e scjam, por conscguinlc.
relevantes para a constituição ou desenvolvimento da relação laho-
ral (409) _ havendo que obedecer sempre a critérios de proporcio-
nalidade.
Mesmo uma condenação penal só poderá relevar neSles IcrmOS.
A asserção vale igualmente para o alcoolismo e a toxicodcpcndência,
que somente poderão constituir justa causa para a resolução do vín-
culo pelo empregador quando se reflictam negativamente na prcsta-
ção laboral. pondo em causa a correcta execução dos deveres con-
tratuais. Os testes de alcoolémia - ou de detecção de drogas -
apenas serão lícitos, em casos excepcionais, quando estejam cm causa
interesses relevantes. do trabalhador, do empregador ou, também. de
terceiros (4 tO).
Igualmente só razões de segurança. da empresa, dos trabalhadorcs
ou de terceiros, poderão justifica a video-vigilância, sempre sujcita ~
ponderação dos interesses em presença e ao respeito pela dignidade
das pessoas sob vigilância (não pode, por exemplo. colocar-se câma-
ras nas casas de banho).
Tal como deverá reconhecer-se a um médico ou a um outro pro.
fissional de saúde o direito à objecção de consciência, por excmplo
em situações de intenupção voluntária de gravidez.
Por seu turno, merece-nos reservas, do ponto de vista da sua
legitimidade, a exigência, feita pelo empregador a um trabalhador. de
não usar emblemas de um partido político, por isso ser susceptível.
em seu entender. de perturbar a paz da empresa.
(.•••) Nas palavras do art. 4.• da Recomendação do Conselho da Europa n .• 89.
de 18-0S-89. apenas é permitido ao empregador recolher dados de carãctcr pessoal,
desde que estes sc mostrem "peninentes e não excessivos".
(410) Sobre o teste de alcoolémia. veja-se. por exemplo. STJ 24-06.98. in
Col. Jur. (ST./) 1998-11. p. 292 ss. (= AV n.• 444. p. 1643 ss.). caso relativo h
recusa do trabalhador de se submeter a um teste desse tipo, em que o tribunal con-
siderou que o mesmo não viola o preceito constitucional que garante o direito 11
integridade pessoal.
. Como já se escreveu, a liberdade contratual nunca podcrá ser-
VIrpara dar cobertura a uma dupla ética no seio da sociedade a
qual existe quando por exemplo são censuradas ao Estado deten~i-
nadas condutas e, ao mesmo tempo, se aceitam iguais comporta-
mentos, em nome da produtividade das empresas e da autonomia
contratual e empresarial, quando o empregador é uma entidade par-
lJcular (411).
(::~) v., supra, nota (?78). No mesmo sentido, GOMES CANOTILHO; p. 1159.
_ (.) Cremos poder dizer que, de um modo geral, a legitimidade das restri-
çoes à lJberdade dos trabalhadores deve ser (como vimos ocorrer nos ordenamentos
europeu~mais desenvolvidos) balizada em razão das funções por si exercidas e/ou
por motIvo~de seguranç~. Tal é, em nosso entender, um critério adequado. que res-
ponde aos l~teressesem Jogo, e valerá para todas as restrições aosdiversos direitos
fu~d~m~ntalsdos trabalhadores, não s6 à sua liberdade de expressão e ao seu direito
à mtIml~ad.e da vida privada, mas também, por exemplo, à livre autodeterminação
da própna Imagem e a outros direitos.
Sobre o referido direito à livre confofilação da aparência exterior do trabalhador
(~0~1Oparte integrante do direito ao livre desenvolvimento da personalidade) e seus
lImItes, v.: por exemplo, STJ 3-03-98, in Colo Jur. 1998 - I, p. 275 ss. (ajudante
de farmáCia, cUJaapresentação revelava falta de higiene).
(413) RIVERO(1982), p. 424.
4.5. A ideia-base é a de que, na empresa, o trabalhador é um
c.idadãoigual a qualquer outro. Precisamente porque assim é, a sua
hberdade não poderá deixar de ser objecto de uma tutela o mais
ampla possível e ele é, em princípio, livre para tudo o que não res-
peite à execução do seu contrato (412).
Ele contrata a alienação da sua liberdade, mas essa alienação
tem limites.
a primeiro desses lirnítes, óbvio, é, desde logo, o de que ela
nunca poderá ser total.
. A l~berdad~de empresa não poderá, nunca, sejam quais forem as
clrcunstancJas, Impor sujeições incompatíveis com a dignidade fun-
damentaI da pessoa humana (413).
De facto, há uma parte da liberdade e da dignidade de cada
pessoa que é absolutamente indisponível. Essa liberdade e essa
dignidade são garantidas pelo "conteúdo essencial" dos direitos fun-
il)"i
(414) Constituindo, assim, um limite absoluto à autonomia da vontade. Cfr.
VERDlER(1982), p. 419. .
(415) Julgar aqui aplicável o n.o 3 do art. 18.0 da Constituição é. aliás. como
se diz de seguida no texto, uma decorrência lógica da solução que propugnamos em
sede geral do problema da Drittwirkung. .
Note-se igualmente que, também em relação aos critérios de n~cessldade e
de proporcionalidade, se está aqui face a uma aplicação das regras contIdas na parte
final do 0.° 2 do mesmo preceito constitucional.
damcntais, daí derivando quc csse conteúdo e, COIll ele, a dignidade
da pessoa humana são intangíveis (414).
Por conseguinte, os poderes do empregador c a liberdadc nego-
ciaI têm por limite intransponível a intangibilidade do conte,ido
essencial de qualquer dos direitos fundamentais do trabalhador.
a sacrifício destes direitos e as limitações que lhes sejam impostas
terão sempre que respeitar esse "conteúdo essencial", isto é, apenas
poderão ir até onde não afectem "a extensão e o alcance do conte,ido
essencial" de qualquer deles.
Se esse conteúdo for atingido, a limitação da liberdade deixa
de ser válida, é nula.
Mutatis mutandis, será aqui aplicável a regra do n.o3 do alt. 18."
da Constituição, que define um critério que, segundo julgamos, tem
carácter geral (415), valendo (também) para definir até que ponto os
direitos fundamentais podem ser limitados pela actuação dos parti-
culares, uma vez que o "conteúdo essencial" desses direitos, preci-
samente porque visa garantir a dignidade humana, é intangível, cons-
tituindo um limite intransponível quer para entidades públicas quer
privadas.
Além disso, tais lirnítações não podem ser injustificadas, arbi-
trárias ou desrazoáveis, tendo, pelo contrário,de mostrar-senecessárias
e adequadas ao fim por elas prosseguido, que é - só pode ser - a
correcta execução do contrato.
É, de facto, em consonância com a lógica da empresa que o
trabalhador contrata a alienação da sua liberdade - o que significa
que tal alienação só deverá ir até onde o justifique a necessidade
imposta por essa finalidade. .
Só a finalidade em concreto da empresa, a necessidade de asse-
Cal'. IfI - i\ I:...L,.~'tír.i({ rios /)irf'iros hl/lr/ttI/I('lIfOisCOl/tralo (h: naiJalJlO c Direi/m.' FIIJldallu:ntol,\'196
(416) Sobre o ponto, e em particular no que toca à ideia de menor restrição
p05s{vel dos direitos ou interesses em conflito. V., por todos. LERCHE,p. 316.
HÃBERLE,Die Wesensgehaltsgaranrie ... , p. 67 SS.,MEOICUS,inAcP 1992, p. 35 ss.,
e BADURA, Staatsrecht. C-28.
(417) Tanto para um como para os outros princfpios, a análise terá de ser
sempre feita em concreto, face ao objecto da empresa, ao seu tipo de actividade e
às suas dimensões, às funções do trabalhador, etc.
Na verdade. as restrições à liberdade do trabalhador são muito variáveis, em
função desses faclores. É óbvio, por exemplo, que o dircctor de uma empresa tcm
gurar o seu bom funcionamento, é que pode levar a admitir restri-
ções aos direitos fundamentais do trabalhador; além das exigências
próprias dessa finalidade, qualquer limitação desses direitos carccc
de sentido.
Tendo em vista uma correcta delimitação dos direitos em conflito,
de forma a assegurar a concordância prática entre todos eles, a ordcm
jurídica apenas admite limitações aos direitos fundamentais do trabalhador
desde que se mostrem justificadas por critérios de proporcionalidade
(Verhii1tnismiissigkeit), numa tripla dimensão de estrita necessidade (dc
salvaguarda da correcta execução do contrato), de adequação (entre o
objectivo a alcançar com a limitação e o nível desta) e de proibição do
excesso (devendo a restrição ser a menor possível, em função da fina-
lidade a ser alcançada com a sua imposição) (416).
Em primeiro lugar, o exercício dos direitos fundamentais apenas
deverá ser limitado quando para isso exista justificação razoável. Só
a necessidade de salvaguardar a correcta execução do contrato é
causa justificativa da compressão daqueles direitos. devendo esta
mostrar-se absolutamente necessária - isto é, inevitável - com
vista à prossecução de tal finalidade. São infundadas as restrições à
liberdade do trabalhador que estejam para além dessa necessidade
inerente à correcta execução do contrato.
Por outro lado, deverá haver adequação entre o objectivo a atin-
gir com a limitação e o nível desta, o que significa que os limites ao
exercício dos direitos fundamentais, ainda que justificados, apenas
devem intervir na medida do que for estritamente necessário para
assegurar a finalidade que os impõe (a correcta execução do con-
trato), correspondendo à menor restrição possível em função dessa
finalidade (417).
19R COf/ll'(JIO d(~ 7i"tlballlO (' /);n';lnS Fundal1u:lI1ois Cap. 11/ - A lijit:ácio dos f)ireitos I'lIf1llall1clltais
Em conclusão, apenas são admissívcis limitações dos direilos
fundamentais se, c na medida em que, o seu exercício colidir com
interesses relevantes da empresa, ligados ao seu bom funcionamento
e ao correcto desenvolvimento das prestações contratuais, c, ainda
assim, sempre em obediência aos mencionados critérios de respeito
pelo conteúdo essencial mínimo do direito atingido c proporciona-
lidade,
As restrições aos direitos, liberdades e garantias devem, por con-
seguinte, "limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direi-
tos ou interesses constitucionalmente protegidos", e, além disso,
apenas ir até onde não afectem "a extensão e o alcance do cOlltelíd~
essencial" dos direitos em questão (cfr. n.os 2 e 3 do arl. 18,
da CRP),
Quaisquer limitações desnecessárias, inadequadas ou excessivas
são, pois, inválidas.
4.6. São estas, em nosso entender, as regras básicas aplicáveis
às relações entre contrato de trabalho e direitos fundamentais, •.
O problema é de conflito de direitos, de concordânCia pratica
entre todos os interesses envolvidos.
Face a cada caso concreto, perante todas as circunstâncias, deverá
averiguar-se se - e até que ponto - estão em jogo direitos funda-
mentais; no caso afirmativo, haverá, depois, que recorrer às regras
sobre conflitos de direitos, isto é, à ponderação (418) d,e todos os
interesses em presença (419), nomeadamente com a observancIa muta-
muito mais responsabilidades do que um contabilista ou do que um empregado de
balcão.
Haverá ainda que atender, muitas vezes, à extensão, duração e alcance geo:
gráfico da restriçlío em causa (basta pensar, por exemplo, na hipótese do art. 36.
da LCT. em relação à qual se pode colocar a questão de saber sehaverá algum
prejufzo pelo facto de o trabalhador vir a exercer numa localidade mUito distante).
Neste sentido. cfr. AROANT, p. 431, e VIEIRA GOMES,p. 951 ss. .
('tIS) Sempre a ser feita em concreto, sublinhe-se uma vez mais. !ambém
acentuando este aspecto, v., por exemplo, Bernardo loBO XAVIER, "A extmção do
contrato de trabalho", p. 445, e MONTEIRO FERNANDES, Direito do T:abalho, p..S~1.
(419) Este critério é. no fundo, o mais reclamado pela doutnna e J>e:laJun~-
prudência, desde logo na Alemanha. É também o critério que, em âmbllo mal!.
restrito (o do conceito de justa causa), tem sido sustentado, entre n6s, por exemplo,
por Bernardo LOBO XAVIER, Da justa causa de despedimento ... , maxime p. 204 55.,
"O exercício de rescisão por justa causa", ESC TI.o 23 (1967), p. 3 e 11-60 (16 55.
e passim), "Justa causa de despedimento: conceito e 6nus da prova", in RDES 1988
- n." I, p. 1 ss. (43 ss.), e "A extinção do contrato de trabalho", in RDES 1989
- n.OS3-4, p. 442 55., e também por MONTEIRO FERNANDES, "Justa causa de resci-
são", ESC, n." 20 (1966), p. 58 SS., e Direito do Trabatho, p. 490 SS.
(420) Pode dizer-se que. grosso modo, as entidades patronais estão. nesta
matéria, sujeitas a um princípio de competência, e não de liberdade, o que é um COTO-
lis mutandis dos crilérios definidos pelos n.'" 2. in filie, e 3 do
art. 18.0 da Constituição, que, apontados em primeira linha ao legis-
lador, valem também para definir até que ponto a actuação jurídica
dos particulares pode comprimir os direitos fundamentais.
Nas situações juridicas de poder-sujeição, como a que emerge do
contrato de trabalho, o fundamento e os limites da Drittwirkung
encontram-se na analogia com o poder do Estado.
Os poderes do empregador estão, pois, em regra, sujeitos à rele-
vância dos direitos fundamentais, só assim não acontecendo quando
tal represente o prejuízo desrazoável e injustificado da área de auto-
nomia que lhe é constitucional e legalmente reconhecida.
Só a aplicação deste critério permitirá proceder a uma correcta
delimitação dos direitos em colisão, assegurando-se a concordância
prática entre todos eles, como meio para alcançar a máxima efecti-
vidade da Constituição, entendida como sistema completo e coe-
rente.
Em termos práticos, significa a nossa concepção um repúdio
das teses que sufragam a sujeição da liberdade do trabalhador a um,
pretensamente superior, "inleresse da empresa", que justificaria, por
exemplo, que o titular desta pudesse fazer tudo aquilo que lhe não
fosse especificamente proibido (por via legal, convencional ou con-
tratual). A regra é, precisamente, a oposta: o empregador só poderá
limitar a liberdade do trabalhador quando 101 lhe seja especifica-
mente permitido (legal, convencional ou contratualmente) e/ou se
houver subjacentes à sua actuação interesses que, no caso concreto,
se moslrem merecedores de uma tutela superior à daquela liber-
dade (420).
201
lário no fundo da ideia de que a Drittwirkung encontra aqui o seu fundamento
d
c
" d 'bl" Cfr de certo mo 0,lI"mites na analogia com as relações com os po eres pu iCOS. .,
d d. . /' P 101 sstambém neste sentido, GARCIA PERElRA. Opa er ISClP mar..... .
O trabalhador deve lealdade ao contraIo, mas só a este. exaC- .
lamente nos mesmos termos em que também o empregador a dev(~.
De resto, na empresa ele continua a ser cidadão de corpo .inle~'o,
mantendo, em princípio, os direitos de que todos os outros cldadaos
também são titulares.
Cap. /lI - A l~ffcáci(l dos Di,.dfOs FlIIu/alllcllfaisCOlltrato de "i"flbalho t: /)il'r:iros FUl/dall/('1Ifa;.\'200
	00000001
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