Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
~ Q""'P.!'" UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitor Jose Carlos Ferraz Hennemann Vice-Reitor e Pr6-Reitor de Coordena~ao Acad~mica Pedro Cezar Dutra Fonseca EDITORA DA UFRGS Diretora Jusamara Vieira Souza Conselho Editorial Ana'"l:fgia Lia de Paula Ramos cassilda Colin Costa Comelia Eckert Flavio A. de 0. Camargo lara Concei~o Bitencourt Neves Jose Roberto Iglesias Llicia Sa Rebello M6nica Zielinsky Naill Farenzena SRvia Regina Ferraz Petersen Tania Mara Calli Fonseca Jusamara Vieira Souza, presidente - t '! I f t I I I .t. I I I Repensando as relac;6es internacionais Fred Halliday segunda Edi~ao TRADU<;Ao Cristina Soreanu Pecequilo CONSULTORIA TECNICA DA TRADU<;Ao Paulo Fagundes Visentini ~ UFRGS EDITORA II fl~ lllOWlflllllll © de Fred Halliday 1 a edi~ao: 1999 \ I 'J ~,- Tftulo original: Rethinking international relations. London: Macmillan Press, 1994. Direitos reservados desta edi~ao: Universidade Federal do Rio Grande do Sui Capa: Carla M. Luzzatto Revisao e editora~ao eletrfinica: Paulo Ricardo Furaste Campos Serie Rela~oes Internacionais e Integra~ao Coordenada por Paulo G. Fagundes Visentini Fred H«lliday Academico britftnico, e professor de Relac;oes Internacionais na London School of Economics. Publicou varios livros sobre o Oriente Medio, bern como sobre a Guerra Fria e as revolu~oes no Terceiro Mundo. Foi membro do Transnational Institute (Amsterdam) e editor da New Left Review. H188r Halliday, Fred · Repensand<;> as relac;oes internacionais I Fred Halliday; traduc;lio de Cristina Soreanu Pecequilo; consultoria tecnica da traduc;lio de Paulo Fagundes Visentini. - 2.ed. -Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. (Serle Relac;oes Internacionais e Integrac;lio). Titulo original em ingll!s: Rethinking international relations. Inclui prefacio a edic;lio brasileira e a edic;lio inglesa. Inclui apl!ndices. 1. Cil!ncia politics. 2. Direito internacional privado. 3. Economia internacional. 4. Relac;Oes internacionais. 5. Hist6ria contemporiinea. 6. Guerra fria. 7. Fundamentalismo. 8. Materialismo hist6rico. 9. Marxismo. 10. Mulher-Direitos humanos. I. Halliday, Fred. II. Pecequilo, Cristina Soreanu. III. Visentini, Paulo Fagundes. IV: Titulo. V. Serle. CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogac;lio na Publicac;lio. (Ana LVcia Wagner- CRB10t1396) ISBN 978-85-7025-947-9 CDU327 Agradecimentos da edi9ao inglesa 0 autor e os editores agradecem aos Routledge Journals e aos editores de Economy and Society; aos editores de Millennium, The Journal of International Studies; a Cambridge University Press; aos editores de New Left Review; Blackwell Publishers e aos editores de Political Studies; e aos editores de Review of International Studies por permitirem a reprodu9ao do material de copyright. ··- Nota do editor Incluimos como apendices ao livro, com a permissao do autor, tres artigos representativos no contexto de sua obra. Os dois primeiros, escri- tos durante a crise terminal do campo sovietico, enfatizaram premonito- riamente as dificuldades intemacionais que adviriam. 0 segundo, inclu- sive, inexplicavelmente foi excluido da traduc;ao brasileira de Depois da queda. 0 terceiro aborda outra area de especializac;ao do autor, o Oriente Medio. Fluente em arabe e outros idiomas da regiao, Halliday analisa urn dos grandes problemas contemporaneos, o fundamentalismo. sumario ! Prefacio a edi<;ao brasileira ................................................. 9 Prefacio a edi<;ao inglesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Introdu<;ao: a importancia do "intemacional" ...................... 15 0 "internacional" em perspectiva .......................................... 15 As influencias formativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 A emergencia da teoria ................................... ~............. 20 0 realismo e o behaviorismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 As rela~oes internacionais desde 1970 ............................... : . . . . . . 30 Os parfimetros do "repensamento" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 As teorias em disputa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 0 empirismo tradicional: a hist6ria e a escola inglesa.................... 38 0 "empirismo cientffico": a atra~ao do behaviorismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 0 neo-realismo: "sistema" sem conteudo 45 A hist6ria mais elevada: o p6s-modernism~ ~ ~ ·i~t~~~~i~~~~ : : : : : : :: : : : 51 Conclusao: outro caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Urn encontro necessaria: o materialismo hist6rico e as rela<;6es internacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Urn desafio evitado .......................................................... 61 0 marxismo e os tres "grandes debates" das RI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 0 potencial do materialismo hist6rico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 0 paradigma materialista hist6rico ........... ~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 As inibi~oes da teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 0 marxismo alem da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 0 Estado e a sociedade nas rela<;6es internacionais . . . . . . . . . . . 87 0 impasse sobre o Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Defini~oes em oposi~ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 0 Estado como a tor domestico e internacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Os interesses estatais e as for~as sociais .................................. 100 As sociedades e os sistemas de Estado ................................... 101 A sociedade internacional como homogeneidade ............. . Os significados de "sociedade internacional" 0 transnacionalismo e os seus limites . . . . .......................... . 0 paradigma "constitutivo" e os seus prot~g~~i~t~~-: ·B~~k~: M~~~- ~- .. . Fukuyama .................................................................. . As implica~oes para as relac;:oes internacionais ......................... . 107 107 116 120 132 '1'\. sexta grande potencia": as revoluc;6es e o sistema intemacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Urn caso de desaten¥liO mutua..................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 As revolu¥5es e os seus efeitos ............................................ 142 A formayao do sistema intemacional ..................................... 146 Os padroes hist6ricos ....................................................... 148 As ligayoes ddrnesticas e as internacionais ............................... 153 As revolu¥5es e a guerra . . . . . . .. . .. . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . 157 Ausente das relac;6es intemacionais: as mulheres e a arena internacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 0 sil€ncio das rela¥5es intemacionais .................................... 161 Uma preocupa¥lio emergente:quatro dimensoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 0 Estado e as mulheres: o nacionalismo e os direitos humanos . . . . . . . . 175 Implicayoes e problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 0 conflito intersistemico: o caso da Guerra Fria ................. 187 Uma forma distinta de conflito ............................................ 187 As teorias da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 As fontes de resist€ncia te6rica .. .. .. .. . . . .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. .. .. .. .. .. 194 A proeminencia da heterogeneidade .. .. .. . . .. . . . .. . . . . . .. . . .. .. . . .. .. . . . . 197 As implica¥5es analfticas .................................................. 201 Urn colapso singular: a Uniao Sovietica e a competic;ao interestatal ............................................. 207 Uma nova luz sobre velhas questOes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 A transformayao desde cima. . .. .. .. .. .. .. .. . .. . . . . . . . .. . .. .. .. .. . .. .. .. .. . 209 A transiyao do socialismo para o capitalismo ............................ 211 Os fatores internacionais e a Guerra Fria ......................... · ........ 214 Urn fracasso comparativo .................................................. 222 Os tres nfveis de competi¥lio intemacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 As rela<;6es internacionais e o "fim da hist6ria" . : ................ 231 0 depois da Guerra Fria .............. , ..................................... 232 Variedades de avalia¥lio hist6rica ......................................... 237 0 .. fim da hist6ria" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 As perspectivas para a democracia liberal e a paz ....................... 247 Conclusao: o futuro das rela<;6es internacionais ................ 251 0 desafio do normativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 As alternativas em pesquisa ................................................ 256 Apendices .................................................................... 259 Urn mundo, urn mito ....................................................... 261 Os finais da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269 · Fundamentalismo e o mundo contemporaneo: desafios polfticos e eticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292 Prefacio a edi<;ao brasileira Os ensaios que formam parte deste livro fora:m primeiro publi- cados no infcio dos anos 1990. ·Eles se sustentam sob a premissa de que OS eventos e processos intemacionais sao, tanto quanto OS da politica e da sociedade domestica, passiveis de uma analise racional e comparativa e que este conhecimento pode desempenhar urn pa- pel em toma-los mais sujeitos aos controles democraticos. lgualmen- te, eles eram uma resposta ao duplo contexto daqueles tempos, por urn lado, ao fim da Guerra Fria e o colapso do comunismo e, por OUtrO, a crescente diversidade dentro da teoria das rela~OeS intema- cionais que sucedeu a destitui~ao do .. realismo" como a teoria uni- ca ou dominante. Minhas pr6prias contribui~oes foram concebidas para f9mecer uma considera~ao hist6rica e te6rica da conjuntura anterior, a Guerra Fria e a sua conclusao e, ao mesmo tempo, para defender, a partir do interior da teoria das rela~<>es intemacionais, uma pesquisa que estivesse aberta a analise hist6rica e sociol6gica. Desde que escrevi este livro, conclui mais outros dois que Ie- vam adiante as discuss5es deste volume e que se ocupam do Tercei- ro Mundo de uma maneira mais explicita: urn, Islam and the Myth of Confrontation, tenta fomecer uma analise hist6rica e sociol6gica do Oriente Medio em oposi~ao as considera~5es mistificadoras ba- seadas na cultura e na religiao. Portanto, e uma interven~ao a res- . peito dos debates sobre uma area especffica do -Terceiro Mundo e os mitos que sao produzidos, dentro e fora da regiao, sobre ela. Aiem dos argumentos dirigidos contra os que reivindicam uma especifici- dade particular para a regiao, tambem examino questoes individu- ais- a Revolu~ao Iraniana, a Guerra do Golfo de 1990-1991 e os direitos humanos - a luz de minha abordagem te6rica mais ampla. 0 segundo livro que completei, Revolution and World Politics, de- senvolve em maior extensao e mais sistematicamente as discuss5es do Capitulo 6 deste volume: ao mesmo tempo em que reafrrmo que as re- volu~<>es foram uma for~a formativa fundamental na hist6ria intemaci- onal modema, examino, em urn grau maior do que o indicado-por este capitulo, o papel das ideias intemacionalistas na composi~ao das revo- Iu~5es e de suas polfticas extemas. Pois, apesar de todas as ilus<>es que expressaram, as revolu~<>es eram produto de algo material, as contradi- Repensando as rela<;6es internacionais 9 r ~oes da modernidade ~apitalista: o mito da revolu~ao criado em 1789 pode ter morrido em 1989, mas enquanto o capitalismo conti- nuar a produzir urn mundo de desigualdade e hierarquia, existirao tensoes pol:lticas e sociais que poderao resultar em formas de con- testata~ao de massa, incluindo a revolucionaria. Na verdade, a glo- baliza~ao dos anos recentes tern produzido urn mundo mais desi- gual do que qualquer outro: somente por esta razao o estudo das revolu~oes pode ser de maior importancia historica. As instabilidades e as desigualdades inerentes ao capitalismo global nao precisam ser destacadas para 0 leitor brasileiro. 0 tema com o qual come~o este livro, e que permeia a sua maior parte, e a maneira pela qual os desenvolvimentos sociais e polfticos dentro dos Estados sao, em urn grau maior do que o admitido, moldados pelos processos internacionais. A questao nao e se as a~oes dos lideres poHticos sao resultado das instru~oes, trai~oes ou represen- ta~oes vindas de fora, mas sim qual e 0 impacto- intelectual, cul- tural, economico, politico e militar - da conjuntura historica mun- dial sob todas as sociedades em uma determinada epoca. Tive a sorte de visitar o Brasil pela primeira vez em 1973, durante 0 auge da ditadura militar e das primeiras aberturas associadas a "des- compressao" da futura presidencia Geisel. Nada poderia ilustrar mais graficamente o impacto da Guerra Fria sob os palses do Terceiro Mun- do e o uso de doutrinas de seguran~a internacionalmente legltimas para a repressao domestica do que o Brasil dessa epoca. Algumas pouc~s se- manas depois, em setembro de 1973, a liga~ao entre a Guerra Fna e a repressao domestica foi confirmada para aAmerica Latina como urn todo pelos eventos no Chile - a derrubada do govemo da Uniao Popular e o come~o da ditadura Pinochet. As visitas ao Brasil em 1994 e 1998 foram, em termos politicos, a urn pals diferente,. em plena fluxo de debate polftico e de mobiliza~ao para a a~ao polftica: o fim da Guerra Fria e o encerramento dos regimes da direita autoritaria pela pressao popular foram processos paralelos. Entretanto, esta democratiza~ao, acompanhada como o foi pela reforrna economica, tambem trouxe o Brasil para a zona de influencia de outro processo internacional: a globaliza~ao. Ao faze-lo, aumentou a sua vul- nerabilidade as flutua~oes financeiras e do mercado, cuj9 pre~o foi pago, principalmente, pelos pobres. Enquanto escrevo este prefacio, a crise fi- nanceira que confronta o Brasil permanece sem solu~ao a medida que as for~as irresponsaveis dos mercados de cambia e de capital mundiais continuam a perseguir beneffcios de curto prazo e a propagar analisesalarmistas para sabotar as vidas e o emprego das popula~oes de outros pafses. Nada coloca mais em questao a validade do modelo presente de globaliza~ao do que a maneira pela qual a vida de dezenas de milhoes de pessoas esta subordinada a este sistema especulativo de prerrogati- vas caprichosas e oligarquicas. 10 Fred Halliday 0 maior perigo na analise, como na vida real, e o da complacen- cia, da cren~a que o mundo nao enfrenta grandes problemas e que as pra- ticas correntes podem, e irao, superar quaisquer dificuldades que enfren- temos. Isto certamente tern sido a disposi~ao dominante dos anos 1990, pelo menos ate a crise financeira recente que come~ou em 1997. Os pro- blemas de analisar a historia enquanto ela acontece e os desafios colo- cados pela propria teoriza~ao sugerem que precisamos de uma aborda- gem mais critica e ambiciosa para questionar as ortodoxias da polftica e da pesquisa academica. Aqui, a analise academica e ligada a a~ao polfti- ca, em particular ao objetivo de subordinar os processos economicos e sociais ao controle democratico. Este empreendimento e necessariamente intemacional, pois ele deve olhar para os contextos e as estruturas intemacionais dentro das quais todos os Estados e sociedades precisam funcionar, mas tambem porque e por meio do dialogo intemacional, atraves das fronteiras e dos conti- nentes, e desafiando barreiras culturais convencionais, que tal repensa- mento pode ocorrer. Como alguem que se beneficia, e tem-se beneficia- do, por muitos anos deste dia.logo internacional, nao somente com cole- gas e amigos brasileiros, eu ofere~o este livro, marcado pelo seu tempo e seu Iugar de origem, ao leitor brasileiro. Todos nos, em qualquer pals que estivermos vivendo, enfrentamos urn desafio comum de combinar a analise academica com o engajamento racional e democratico aos pro- blemas de nosso tempo. 0 intemacional, considerado por muito tempo imune a compreensao polftica e ao controle democratico, requer esta reavalia~ao critica. Londres Fred Halliday Repensando as rela<;:6es intemacionais 11 Prefacio a edigao inglesa Os capftulos deste livro sao uma dupla resposta aos avan~os na te- oria polftica, na social e no estudo academico das rela~oos intemacio- nais e as mudan~as do pr6prio sistema intemacional ao Iongo dos ulti- mos anos, em particular o colapso do bloco sovietico. Neste sentido, e no que pode ser uma reversao da pnitica convencional, as reflexoos ge- rais, e em parte teoricas, sao feitas a partir de estudos mais concretos sobre o sistema intemacional e sobre os principais conflitos em seu interior por mimja publicados, mais especificamente The Making of the Second Cold War (1983) e Cold War, Third World (1989) e urn numero de estudos de caso sobre o Terceiro Mundo. Fazendo isso, espero simplesmente nao s6 ampliar estas reflexoos sobre as rela~oos intemacionais, mas tambem extrair hip6teses e questoos que estao, em maior ou menor grau, nelas presentes. As rela~oos intemacionais, como todas as areas do conheci- mento, enfrentam dois perigos: ode considera~oos factuais desprovidas de reflex6es te6ricas, explicativas ou eticas eo de teoriza~ao sem o apoio da analise hist6rica. Minha esperan~a e que estes ensaios, como respos- tas a ideias e eventos, contomem estes dois perigos. Ao fazer algumas observa~oos gerais sobre a natureza do sistema intemacional e de onde sua analise pode proceder, tambem examinei algumas questoos particu- lares. Minha inten~ao e seguir esta visao geral do assunto com dois vo- lumes adicionais, te6ricos e hist6ricos, urn sobre o papel das revolu~oos no sistema intemacional e outro sobre a tensao etica entre o nacionalis- mo e o intemacionalismo. Na prep~o destes ensaios, beneficiei-me do estimulo e critica de muitos amigos e colegas ao Iongo da decada passada. Em particular, gos- taria de agradecer aos meus colegas e estudantes no Departamento de Re- la~oos Intemacionais {RI) da London School of Economics {LSE) que, atraves de contatos individuais e seminarios gerais de Rl, suscitaram-me tal desafio e estimulo. A Martina Langer, do Departamento de Rela~Oes lntemacionais, sempre tao prestativa no auxflio da prepara~o do texto. Tambem gostaria de agradecer aos membros do grupo de discussao de re- la~Oes intemacionais "1990" e aoTransnational Institute por fornecercon- textos intelectuais adequados para trabalhar muitas destas ideias. Meus maiores agradecimentos a minha parceira, Maxine Molyneux, cujo apoio e ideias foram tao enriquecedores quanto indispensaveis. Repensando as rela<;:6es intemacionais 13 ' Muitos dos capftulos deste livro foram atualizados e desenvolvi- dos a partir de ideias e argumentos contidos em urn conjunto de artigos e ensaios publicados ao Iongo dos ultimos anos, em particular, partes dos Capftulos 1 e 2 apareceram em Political Studies (v. 38, n. 3, September 1990), Economy and Society (v. 18, n. 3, August 1989) e Millennium (v. 22, n. 2, summer 1993): uma versao previa do Capftulo 4 foi publicada em Millennium (v. 16, n. 2, 1987); do Capftulo 5 emMillennium (v. 21, n. 3, winter 1992); do Capftulo 6 em Review of International Studies (v. 16, n. 3, summer 1990); do Capftulo 7 em Millennium (v. 17, n. 3, win- ter 1988); do Capftulo 8 em Mike Bowker e Robin Brown (eds.) From Cold War to Collapse: Theory and World Politics in the 1980s (Cambridge University Pre~s. 1993); do Capftulo 9 em Contention (n. 2, winter 1992); Capftulos 10 e 11 incluem material de New Left Review (n. 193, May- June 1992) e de Barclay Enterprise Lecture, proferida na LSE, 17 de maio de 1993, "Sleep-Walking Through History: The New World and its Dis- contents", depois publicada pelo Centro para o Estudo de Goveman~a Global da London School of Economics Londres Fred Halliday 14 Fred Halliday INTRODUc;Ao: AIMPORTANCIA DO "INTERNACIONAL Este capftulo possui dois objetivos: primeiro, examinar o sig- nificado do termo "intemacional" e a confusao que causae, segun- do, fomecer uiiii:d)reve""coiisJ.dera~ao do crescimento da disciplina e dos fatores ligados a seu desenvolvimento. As rela~oes int~macio nais (RI) tern ocupado urn Iugar desconfortavel, freqlientemente marginal, no estudo e no ensino das ciencias sociais. Entretanto, seu objeto de estudo 6, nos termos mais simples, claro suficiente eAbrange tres formas de intera~ao: as rela~oes entre os Estados, as ~a~oes nao-estatais ou rela~oes tiansnacionais (atraves das fronteiras) e as opera~oes do sistema como urn todo, dentro do qual os Estados e as sociedades sao os principais componente~Embora possam variar no destaque que dao a cada uma dessas formas de intera~ao, todas as teorias do "intemacional" propoem alguma explica~ao de cada uma delas. Na verdade, os principais debates dentro das !{I giram em tomo, em maior ou menor grau, dessas tres dimensoes e da pri- ma?:ia de uma ou de outra. 0 "INTERNACIONAL' EM PERSPECTIVA A diversidade te6rica 6 uma for~a. nao uma fraqueza, das rela- -~9es 1iiiemacio~~is. 1 As dificuldades experimentadas-residem-iiKo em qualquer uniformidade ou paralisia te6rica, mas, acima de tudo, em bases metodol6gicas e hist6ricas. Excessivamente defensiva sobre seu pr6prio vigor metodol6gico e disciplinar, as RI tern sido tratadas como urn apendice de outras disciplinas mais estabelecidas. Polftica nacional, economia e sociologia sao os focos principais e o 1A cren~a em urn paradigma unico como "normal" e desejavel recebeu confirma~ao de The Structure of Scientific Revolution de Thomas Khun (London: University of Chica- go, 1962). 0 argumento contriirio, que a diversidade e desejavel, foi feito em Against Method de Paul Feyerabend (London: NLB, 1975). Repensando as rela<;:6es intemacionais 15 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ''intemacional" e urn elerrfento excedente,uma op~ao para os estu- dantes, urn penultimo capftulo para o academico. Nas 6ltimas duas decadas, a mudan~a dramatica no status do "internacional" somente potencializou isso. Agora que se tornou moda destacar a difusao do "internacional" e a destitui~ao da es- pecificidad~ nacional pela "globaliza~ao", esta dimensao, antes ne- gligenciada, tornou-se propriedade de todos: a exclusao ?eu lug~r i!. promiscuidade./Alem disso. nes!e pr~cess~. o grau de mternacl- onaliza~ao do mimdo atual tern stdo dtstorctdo e exagerado e lo- calizado de maneira extremamente simplista, em mudan~as ocor- ridas entre 1945 e 1960. Este reducionismo hist6rico assume vari- as formas, como a afirma~ao injustificada da literatura transnacio- nalista sobre a obsolescencia do Estado-na~ao e do pape!,~da for- ~a. ou a invoca~ao de uma nova era de "p6s-modemidade'i A con- tinua adapta~ao entre o global e o particular na polftica, na cultura e na economia e subestimada, assim como se escondem as diver- sas hist6rias dos processos internacionais que datam das origens do sistema no seculo XVI. Estas duas abordagens - a nega~ao e o exagero - nada mais sao do que dois lados da mesma moeda. Os que prop5em a ultima constroem sua argumenta~ao contrapondo o mundo contemporaneo a urn perfodo em que. supostamente, os Estados, as na~oes e as sociedades, eram se- parados e isolados entre si. Entretanto, a "intemacionaliza~ao" nao co- me~ou com urn ~ercado financeiro global ou com a CNN e sua trans- missao mundial.~ pr6prio nacionalismo, a despeito de sua evolu~ao, de seu carater aparentemente individual e de sua celebra~ao do especffico, e urn processo intemacional, urn produto da mudan~a intelectual, social e econornica compartilhada pelas sociedades e estimulada por sua inte- ra~ao nos 6ltimos d~is seculoi] Na verda~e, pode-se argumentar q~e Ionge do "internacwnal" nascer do nacwnal e de uma expansao gradual dos la~os entre entidades distintas, o processo re_al se de.u de maneira in versa: a hist6ria do sistema modemo e a ~~ !:t~J~_J:'IlaCl onaliza~ao e da quebra, em partes separadiis;-crosif~xos pre~xisten "ies -de pessoas, reHg1~o e comerdo; a pre_<;:(mdi~ao~para a forma~ao do Est~d<:>-na~ao.'~~~~rn() foi 9. 4~senyolvimento d~ rima eco~omia e cll.lty.rainte.macional, dentro da qual eles. s~ r~t1111:r:~m depms. ---·- Os.autores na Gra-Bretanha e nos Estados Unidos alardeiam que durante OS ultimos 20 OU 30 anos as formas de controle polftico e soberania foram corrofdas por processos transnacionais: mas esta e uma presun~ao gigantesca, nascida das hist6rias nacionais peculiares, e mui- 2Este contexto "intemacional" para a disseminac;;:iio do nacionalismo e reconhecido por varias teorias, sejam elas a teoria politica de Elie Kedourie (Nationalism, London: Hutchinson, 1960) ou a abordagem sociol6gica de Ernest Gellner (Nations and Nationalism, Oxford: Basil Blackwell, 1983). 16 Fred Halliday --~ to excepcionais, destes Estados. /Dos 190 Estados soberanos do mundo de hoje, ou algo em torno disso, somente meia sJ.uzia esca- pa:ram de ocupa~ao extema nos dois seculos passadosfMesmo no caso da Gra-Bretanha, por exemplo, urn pafs onde a consciencia insular e maior do que nos demais, e urn dos poucos a escapar da ocupa~ao extema, nao existe uma hist6ria puramente nacional. De Julio Cesar a Santo Agostinho, das invasoes anglo-saxonicas a 1066, da Reforma a emergencia do Estado Modemo em conflito com os vizinhos europeus, ate o tempo do imperio e da guerra mundial~ nadonal e o internacional sem re interagiram. s Estados Unidos aa-AiiieiTca:·-escaparariiaaocupa~ao es e a m pendencia em 1783, mas todo o seu desenvolvimento tern sido urn de intera~ao com o intemacional/Desde a aquisi~ao pela for~a e compra da maior parte de seu territ6rio de outros Estados e povos, ate o fluxo em massa de popula~oes de outros pafses, a expansao global de seu poder finan- ceiro e industrial em 1890, o sistema polftico americana tern sido !!J.oldado ~~!li!!!.9.int~rri~~l9n~!~- ·· ··-· -·- ···· · ·- · -- · · ·- ·· ~9-~.2:~i~ _ _pafses, a per~-~P£~() cl~ il}Sl!laridade confo~~ Q_m,iJ£.~0 desenvolvim~Q,to"p()Jl,ti_c9 g~J.~,t eY9~\l~~o _n~o:-:vi.2!~~t~:· Apesar de terem adquirido legitirnidade pela dissernina~ao gradual da democracia, o Reino Unido e os Estados Unidos foram Estados criados e mantido~-~la..f2J::.£~ em mais de uma oportunidade. Alem disso, mesmo a mais breve das pes- quisas comparativas mostrara, ou pelo menos indicara, queJi. disserni- na~ao das formas democraticas e a chegada do sufnigio universal foram . processos intemacionais, resultado tanto de mudan~as nas normas quanto -4- do impacto nas diferentes sociedades de seus fenomenos: por urn lado, da industrializa~ao e da ascensao da sociedade de mass~~ por outro, das pressoes poHticas nascidas das duas guerras mundiai§JO mesmo se aplica a hist6ria das economias nacionais: as necessidades da competi- ~ao interestatal moldaram o comercio e a interven~ao estatal, a planta- ~ao de carvalhos e a constru~ao de estradas, a prom~ao da industria, da tecnologia e da educa~ao. Igualmente, urn processo como a aboli~ao da escravatura, preservada em termos particularistas e etnicos, reflete mu- dan~as amp las no comercio internacional e na produ~ao. 3 0 que e vivido, e normalmente estudado como al_g__Q_gue acontece\1. "dentron·-ae-jiais~s;·_r~"Yer~:::~~2m9 .P.~!~:~e-·processos. in't~iili~~I§ !li~--a!!!P19.§.Ae m!!f!~~_golfJ!£l!.. e ~9§!!2fuic~~Atraves das his- t6rias "nacionais", a competi~ao intemacional desempenha urn papel formativo bastante central, como influencia e exemplo. A taxa~ao para prop6sitos militares e a arrecada~ao de taxas no comercio habitam o co- ra~ao do Estado modemo: o departamento de alfandega e a receita bri- tanica gozam de ampla autonornia dos ministerios govemamentais por- 3Robin Blackburn, The Overthrow of Colonial Slavery, 1776-1848 (London: Verso, 1988). Hf'pf'nsanclo as wla<;6es intemacionais 17 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce que existem ha mais tempofortanto, nao pode haver uma hist6ria puramente nacional de qualquer Estado: da mesma forma, nao pode haver teoria da economia, do Estado e das rela~oes sociais ~ ne- gue o impacto formative, residual ou recente, do intemacionaJJPor- tanto, nenhuma das abordagens convencionais, a nega~ao e o exa- gero, faz justi~a a questao comum a todos OS cientistas Sociais e que, dentro da 6tica particular da disciplina das rela~oes intemacionais, e a sua preocupa~ao constitutiva: a intera~ao do nacional e do inter- nacional, do intemo e do extemo. AS INFLUENCIAS FORMATIVAS 0 assunto das rela~oes internacionais e, como em todas as dis- cipJinas academicas, localizado ern mais de uma dimensao. Todas asjtiencias sociais devem suas origens e desenvolvimento a intera- ~ao com o rnundo de forJ a economia nasceu como uma resposta ao comercio e a industrialha~ao dos seculos XVIII e XIX, a socio- logia da evolu~ao das sociedades urbanas, a antropologia do encontro colonial. Ainda assim, cada uma tern sua pr6pria agenda como area de estudo na universidade, uma necessidade de resistir as modas do momento e as pressoes do poder para olhar com imparcialidade seu objeto, urna rnissao de usar sua substancia e metodos como urn meio de agu~ar e treinar as mentes dos estudantes e seu pr6prio conjunto permanente de preocupa~oes disciplinares. Nas rela~oes intemacionais, como evidenciado pelo ambito comum dos cursos oferecidos, estas preocupa~oes possuem dois aspectos distintos: urn e amplamente -~PJ!Jill~?.. e se refere ao papel do Estado nas rela~oes intemacionais, ao problema da ordem na ausen- cia de uma autoridade suprema, ao relacionamento entre o poder e a se- guran~a, a intera~ao da economia com a for~a militar, as causas do con-flito e as bases da coopera~ao. 0 outro e normative e diz respeito a ques- tao de quando e como e legftimo usar afor~a:'As0briga~6es devidas ou nao ao nosso Estado, ao Iugar da moralidade nas rela~6es intemacionais e aos erros e acertos da interven~ao. As rela~oes intemacionais, entretanto, sao igualmente locali- zadas em uma outra dimensao, aquela do mundo "real" ou, talvez mais precisamente, "nao-reflexivo". No intemacional, como em mais nenhum outro campo da ampla atividade humana, o mftico eo ima- ginario desempenham urn papel central no discurso cotidiano. Bas- ta-se lembrar das for~as de identifica~ao e 6dio nacional, da quase que universal incidencia de teorias de conspira~ao e suspeitas sobre "estrangeiros", a extraordinaria ignorancia, mesmo entre os mais instru- fdos, sobre outros pafses, e a facilidade com que as paixoes publi- 18 Fred Halliday cas sao provocadas pela representa~ao enganosa do.estrangeiro, do estranho, do "outro". · De todos os estudantes de ciencias sociais nas universidades, os de rela~oes intemacionais sao os que provavelmente irao encon- trar mais incompreensao e ignorancia e os que irao se envolver em mais depura~ao conceitual, etica e factual. Somente isto ja fomece uma relevancia distinta as RI, mesmo que empreste urn certo carater laborioso a explora~ao das questoes intemacionais. Quando pesso- as aparentemente instrufdas e experientes incluem em suas discus- soes sobre o futuro internacional de outros pafses estere6tipos pri- mitives como "a mente alema", "a psicologia japonesa", somos to- dos lembrados de que ainda precisamos avan~ar muito. Talvez, o melhor que as rela~oes intemacionais poderiam fazer em sua esfera de atividade seria aplicar o famoso ensinamento de Freud sobre a psicanalise: reduzir a neurose a miseria normal de cada dia. A rela9ao do estudo academico das rela~oes intemacionais com o mundo de fora e certamente moldado e estimulado por outras pre- ocupa~oes. Algumas sao evidentes, outras nao. A mais 6bvia e que as pessoas sentem que 0 intemacional e importante, que e uma fon- te de amea9a, mais obviamente militar, que e uma arena onde gran- des beneffcios e perdas economicas podem ocorrer, que aparente- mente e cada vez mais intrusive nas vidas cotidianas. 0 estudo aca- del]lico das r~la9oes intemacionais come~oucomo uma teniativa de pes- quisar"as causas da niaior de-iodas·estas intiusoes, qual seja, ~.guerra, e de desenvolver meios para reduzir sua futura incidencia. D~Cfc:teiitao, ele passou a en&Iobar uma !!genda mais ampla, em particular de ativida- de economica. A medida que o mundo muda, tambem mudam as ques- t6es colocadas para o estudo academico do inteinacional. A dificuldade e que a pr6pria pressao das questoes intemacionais e a demanda para sua analise e comentario podem agir nao s6 como urn estimulante e urn re- gulador do pensamento, mas tambem como urn desvio: o resultado e que nao somente a curiosidade com rela9ao ao mundo, mas o pr6prio traba- lho feito nas universidades, e moldado pelo que os financiadores e poli- cy makers leem no jomal da manha. Determinar a agenda academica das rela~oes intemacionais por tais preocupa~oes e, entretanto, perigoso nao s6 pela perda de independencia, mas tambem pela perda de perspectiva, hist6rica e conceitual. Economistas ficam felizes em serem consultados e fazerem comentarios sobre a bolsa de val ores ou a taxa de infla~ao, os cientistas polfticos podem emitir vis6es sobre os resultados das pr6xi- mas elei~oes, mas nestes casos, assim como no das rela96es intemacio- nais, isto nao deve sera base do que se ensina na universidade. Entretanto, nas r~la~oes intemacionais a pressao e maior por cau- sa de urn fator adicional e menos evidente que pode ser definido como sua invisibilidade te6rica. A exce~ao dos que tern como sua profissao Repensando as rela<;6es intemadonais 19 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce / ensinar e estudar em uma universidade, o assunto nao tern uma de- fini~ao, alem do sabio comentario sobre as noticias de ontem ou a breve apari~ao da hist6ria intemacional comparada e contempodi- nea. Parte disso nasce da confusao diaria sobre a palavra "internaci- onal". 0 proprio termo, inventado por Jeremy Bentham, em 1780, para indicar OS la~os legais entre OS Estados, e incorreto, considera- do o significado subseqtiente do termo "na~ao", ja que a men or de suas preocupa~oes era a rela~ao entre as na~oes em seu sentido atu- al. As na~oes e Estados podem ou nao coincidir, mas, mesmo quan- . do coincidem, ~-~ rela~oes convencionalmente_~Q.amadas "interna- ci9~~]s" dizem res:fieifo-aO-~t,!e S~_-pl:!$S~-~!ltre OS govemos·e~e as popula~oes. Alem disso, para a maioria aos·queuSaiii o termo, ••assufftO'STntemacionais" abrange duas coisas bastante diferentes, incluldas nas paginas dos jornais: a politica domestica dos outros · palses (assuntos intemos) e os assuntos internacionais propriamen- te ditos, as relac;oes entre os Estados e as sociedades. •, A isto tambem se acrescenta urn problema final e curioso. A maio- ria das pessoas genericamente interessadas em ciencias sociais esta ci- ente do trabalho te6rico em varios campos, mesmo que nao possam di- zer o que as teorias falam. Assim, o leitor medio do mais serio dos jor- nais ou do New York Review of Books ja tera lido os te6ricos da econo- mia, como Keynes ou Friedman e sabera dos debates na filosofia entre Rawls, Nosick e seus seguidores, ou das ideias gerais de Foucault e do p6s-modemismo. Nas relac;oes intemacionais, as coisas sao bern dife- rentes, pois poucos fora da area conhecem qualquer urn dos envolvidos em trabalhos te6ricos e muito menos suas questoes. Supoem-se que se possa fazer a magica com uma combinac;ao estimulante de assuntos cor- rentes, de senso comum e ••pitadas" de referenda hist6rica. A preserva- ~ao de equilfurio adequado e criativo entre estas duas dimensoes das re- la~oes intemacionais, a academica e a poHtica e, portanto, muito mais diffcil. Especialmente pela pressao do presente e preciso deixar isto o mais claro posslvel. A EMERGENCIA DA TEORIA No restante deste capitulo, tentarei fomecer urn breve esboc;o de como a teorizac;ao das relac;oes internacionais tern caminhado-4Q desen- volvimento das RI, como ode todas as ciencias sociais, e produto de tres, e nao de dois, clrculos concentricos de influencia: a mudanc;a e 0 debate dentro da propria disciplina, o impacto dos desenvolvimentos do mun- do e a influencia de novas ideias de outras areas da ciencia sociallEn- quanto genealogias academicas sao comuns, as duas ultimas reci;'bem menos atenc;ao. As RI tern urn "autoconhecimento" muito limitado e uma 20 Fred Halliday considerac;ao inadequada dos fatores extradisciplinares que as afe- tam. Entretanto, isto e muito evidente: OS principais_ eventos da his- t6ria do seculo XX (a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Fria eo seu encerramento) moldaram o foco das RI tanto quanto as disputas interparadigmaticas. Contudo, como qualquer ciencia so- cial, as RI tendem a esconder estas conexoes por medo da perda de prestfgio intelectual. Assirn, a arregimentac;ao do "realismo" pela Guerra Fria ou o papel da Guerra do Vietna na prornoc;ao da consci- encia da interdependencia sao negligenciados. Igualmente, diferen- ~as nacionais, de hist6ria e sociedade, tern determinado a analise e a pesquisa: o que nos EUA e urn estudo de tomada de decisao, pode tornar-se na Alemanha a analise da relac;ao entre a democracia e a poHtica externa;4 os palses do Terceiro Mundo estao freqtientemen- te preocupados com a dominac;ao externa, os pafses desenvolvidos com a. integra<;ao. ~-~!s--~~!!~!i£~ID§D(~. Jl, l?J.9J~XiJL.::hilii!Q£~£idaQe" ge ~c;:!!s>~l!..-~n!~!:&.Y!!~i{! _ ~m £9t:!!~:x;t()sp3:rticulares e, em termos anaf1ttcos, ~~a r~!.~Y!.I!S.~~-cml--P-.~I!Q49~.~~e4cfficos, e negada. · A hga<;ao da hist6ria intelectual com-a "hist6r1a"ei1i'geral per- manece intermitente e obscura, assim como a das RI com as outras tend~~ciasA nas fiencias sociais. (':_s_.9.';1~~t?~~ deteoria internaci_<?.t.l~!~. ~ca~~~~fs-~~-~~~~~le~~~~b~~sa:~a c~~~~-a~~~~:i~:·}Ji~tfi~~f0~t;t~= bbes 's'obre· a natureza do poder, Gr6cio sobre o direito .internacio- nal, Kant e Marx sobre as precondi<;oes para o cosmopolitismo sao alguns dos antecedentes mais 6bvios. Estas considera<;oes sao, en- tretanto, parte de urn empreendimento te6rico mais amplo de hist6- ria, direito, filosofia, teoria politica e raramente emergem como re- flexoes sobre urn assunto te6rico distinto: o ••internacional". Como uma disciplina acadernica separada, as rela<;6es interna- cionais tern menos de urn seculo. 0 estudo das rela<;6es internacio- IJJJis~£() .. ~~~-c;>-~_!!.9. .. 1Jw _g.~---£rimejra 9\i~ii~J\1:¥ii!l.I~1.l.. eiifocando ··as fatores que precipitararn a guerra e os meios para prevenir a sua re- correncia. Foi oeste perlodo que as primeiras cadeiras e departamen- tos foram estabelecidos nas universidades britanicas, em Aberystwyth, LSE e Oxford, enquanto na esfera nao-academica o Royal Institute of International Affairs foi fundado para elaborar a polftica publica. Con- 4 Ulrich Albrecht, Internationale Politik (Munich: Oldenbourg, 1986), capitulo 9, 'Das Demokratieproblem in der intemationale Politik'. 5Para pesquisas disto, ver Howard Williams, International Relations in Political Theory (Milton Keynes: Open University Press, 1992); Torjbom Knutsen, A History of International Relations Theory (Manchester: Manchester University Press, 1992): Teny Nardin e David Mapel (eds) Traditions of International Ethics (Cambridge: Cambridge University Press, 1992); Martin Wight, International Theory: The Three Traditions (Leicester University Press, 1991). Repensando as rela<;6es intemacionais 21 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce / temporaneamente, e pelas mesmas raz6es, os departamentos acade- micos e o Council on Foreign Relations foram estabelecidos nos Estados Unidos. Os tres elementos constitutivos das Rl, o interestatal, o trans- n_a,£J_qg~[e:~o~IJf~.!J:lis!J~--- p~rmitem--~uitas-·es-pe-clalfza~·oe-s··e-vanas !!:lJQ:tdagens teodc!_!s. Hoje, as Rl abrangem, como subcampos so- mados a teoria intemacional (isto e, a teoriza~ao destes tres elemen- tos),ps estudos estrategicos, os estudos de conflito e paz, a analise de politica extema, a economia politica intemacional, a organiza- ~ao intemacional e urn grupo de quest6es normatlvas pertinentes a guerra: obriga~ao, soberania e direitos/A estes subcampos, analiti- camente distintos, pode ser somado o das especializa~6es regionais nos quais as abordagens teoricas sao aplicadas aos estudo de Esta- dos individuais e de grupos de Estados. Tais subcampos podem nao envolver diferentes perspectivas teoricas, mas variam consideravel- mente na enfase relativa atribufda as quest6es, por exemplo, de ide- alogia e direito, de economia ou de poder militar. So nos anos 1980, varias novas quest6es intemacionais foram incorporadas ao ambito analitico da disciplina e ensinadas em curses separados: uso do mar e politica dos oceanos, mulheres e a arena intemacional, as rela~6es intemacionais no Terceiro Mundo, as quest6es ecologicas, as dimen- s6es intemacionais da comunica~ao, dentre outras. · Os ja abordados crescimento e varia~ao dos assuntos dentro das RI sao paralelos a uma evolu~ao nas abordagens teoricas. 6 Em sua fase inicial, as RI buscaram distinguir-se daquelas disciplinas a partir das quais se originaram. Assim, eram distintas da historia diplomatica (intemacional) em sua abordagem comparativa e teo- rica. Ao Iongo do tempo, separaram-se do direito intemacional com a ado~ao de uma abordagem normativa (e nao positivista) e na analise da intera~ao das dimens6es do intemacional atem do legal. Distinguiram-se da ciencia polftica ao buscar combinar o poHtico com o economico e o militar e, em tomar como seu objeto de ana- lise, nao o sistema poHtico interne de urn pafs qualquer, mas o sis- tema internacional caracterizado pela ausencia de uma autoridade soberana e a maior importancia da violencia em seu interior. Ape- sar disso, sua evolu~ao teorica envolveu emprestimos e a continua 6Para hist6rias gerais e pesquisas de RI, ver, entre outros, Margot Light e A.J.R Gordon (eds.) International Relations: A Handbook of Current Theory (London: Frances Pinter, 1985; 2.ed. para 1994); Steve Smith (ed.) International Relations: British andAmerican Perspectives (Oxford: Basil Blackwell, 1985); Hugh Dyer e Leon Mangassarian (eds.) The Study of International Relations: The State of the Art (London: Macmillan, 1989); Marc Williams (ed) International Relations in the Twentieth Century: A Reader (Basingstoke: Macmillan, 1989); A.J.R Gordon e William Onuf, International Relations then and now (London: Routledge, 1992). 22 Fred Halliday ,. intera~ao com essas disciplinas, bern como outras das ctencias sociais, especialmente a economia. Duas disciplinas com as quais as RI parecem ligadas, apesar de nao existir qualquer rela~ao, sao a sociologia e a geografia. Embora, como veremos nos Capftillos 3 e 4, as RI tenham utilizado certas ideias da sociologia, especial- mente ''sociedade" e, em seu perfodo formative, tenham compar- tilhado preocupa~6es da geopoHtica, nenhuma das duas discipli- nas teve urn impacto importante. Dentre outras coisas, o resultado foi que os desenvolvimentos teoricos subseqlientes nestas discipli- nas nao foram reconhecidos dentro das RI. Somente recentemen- te, ao superarem sua fase ''protecionista'\ e que as RI come~aram a explicitamente aprender e contribuir com outras areas das cien- cias sociais. Urn exemplo relevante deste novo posicionamento e o recente interesse na sociologia historica, no domfnio das preo- cupa~6es estrategicas, da guerra e seu impacto na forma~ao do Es- tado e do grau em que o intemacional, mais do que os fatores en- dogenos, determinou o desenvolvimento estatal. Seas Rl possu(ssem uma 4is<;:ipJin~ materna, esta nao seria a his- toria au· a-denc!~ pgl!t~~-3:~ m~-~ q"c:J..it:~ito intemadona1. Na Europa con-:' tinental, estepadrao prevalece em muiios"aepartameiitos. Em sua fase inicial, depois da Prime ira Guerra Mundial, as RI adotaram uma abor- dagem predominantemente legal, hoje erroneamente apresentada como "utopica" ou "idealista". Esta escola da "paz atraves da lei" emergiu, em parte, do liberalismo de Woodrow Wilson e buscou limitar ou pre- venir a guerra por tratados intemacionais, procedimentos de negocia- ~ao e o crescimento das organiza~6es intemacionais, especialmente a Liga das Na~oes. Os crfticos academicos dessa abordagem freqliertte=) mente referem-se a ela como "utopismo", mas esta e uma categoriza-' ~ao enganosa por tres raz6es: primeiro, porque confunde uma tentati-. vade regular e melhorar as rela~6es intemacionais, urn projeto perfei-; tamente viavel, com a persegui~ao de urn ideal, de uma "utopia"; se-' gundo, porque ignora o que era para Wilson uma precondi~ao central• a efetiva~ao da paz atraves da lei, qual seja, a dissemina~ao geral dai democracia lioeral, algo que ele estava errado em antecipar depois da1 Primeira Guerra Mundial, mas que, como veremos no Capitulo 9, tern; implica~6es consideraveis para o internacional;7 e, terceiro, por-: que ao depreciar os "utopicos·", 'estes cdticos desacreditam, a par-' tir do proprio conceito e da analise da utopia, uma parte duradou-, ra e valida da teoria social e poHtica. . 'Woodrow Wilson, 'The coming age of peace' de The State (1918), excerto em Evan Luard (ed) Basic Texts in International Relations (Basingstoke:Macmillan, 1992) p. 267-71. Repensando as relac;6es internacionais 23 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce I 0 REALISMO E 0 BEHAVIORISMO Com as crises dos anos 30, o .. idealismo" deu Iugar ao .. ~-:: ~· inicialmente com o trabalho de E.H Carr e, depois, com o de varios escritores nos Estados Unidos, incluindo Hans Morgenthau, Henry Kissinger e Kenneth Waltz.1£Ies tomam como ponto de par- tida a busca do poder dos Estados, a centralidade da for~a militar dentro deste poder e a inevitabilidade duradoura do conflito em urn ~.mundo de multipla soberania. Mesmo nlio negando inteiramente o · papel da moralidade, do direito e da diplomacia, os realistas dlio maior peso a for~a militar como instrumento de manuten~ao da paz/£les acreditavam que o mecanisme central para r~g~Ja,r o_ cggflito era o equilfbrio de.P:Qg~ atraves do qual a for~a maior de urn Estado seria eoiiiiiensada pelo aumento da for~ a ou pel a ex pan sao· das alian~as dos outros: est~ .. ~Jtl!a,£~_<? __ (!ra dada no sistema, mas tambem poderia ser promovicfii__cg:n,~~:::t~n~e.m~iite~- ·· ·····--·----~ · ·· ·· Paialelamente, urn grupo de realistas do lado europeu doAtlantico desenvolveu o que ficou conhecido como a .. escola inglesa": Charles Manning, Martin Wight, Hedley Bull e Fred N offfiedge--e~f.~~iz~r:~m o grau ~.m.g:gy__~-~!~~ellla int~rn.~cion~l era .. amirqui£0", isto e, sem urn go- v~f!l9.£xntx:al. 9 Eles perceberam is so nlio _CC!ll,:lO <?. C~()S, mas como urn -~erto tipo de sociedade: isto e, urn grupo de Estados que intera- gjll. deacoroocO:m certa~ conven~oes.,;Estas inclufam a diplomacia, o direito internacional, o equilfbrio de poder, o papel dos grandes poderes e, mais controvertidamente, a propria guerra/Esta escola continua a produzir trabalhos consistentes, com orienta~lio e quali- dade, como e evidente nos escritos de Alan James, Michael Done- lan, James Mayall, Adam Watson e outros. 10 Depois da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento do estudo academico das rela~5es intemacionais, o realismo se tornou a a- bordagem dominante, senlio unica na area. Ele possufa~m~.t?X..PJ!ca~lio poderosa e abrangente das rela~5es internacionals"'e do conflito. Em · 8 E.H Carr, The Twenty Years Crisis (London: Macmillan, 1966); Hans Morgenthau, Politics Among Nations, 5.ed. (New York: Alfred Knopf, 1978); Henry Kissinger, A World Restored (Boston: Houghton Mifflin, 1957); Kenneth Waltz, Man, the State and War (New York: Columbia University Press, 1954). "Hedley Bull, The Anarchical Society (Oxford: Oxford University Press, 1977); Fred Northedge, The International Political System (London: Faber & Faber, 1976). 10 Alan James, Sovereign Statehood (London: Allen & Unwin, 1986) e seu contra-ataque aos desenvolvimentos te6ricos recentes nas RI 'The realism of realism: the state and the study of international relations', Review of International Studies, v.15, n.2, July 1989; Michael Donelan, Elements of International Political Theory (Oxford: Clarendon, 1990); James Mayall, Nationalism and International Society (Cambridge: Cambridge University Press, 1990); Adam Watson, The Evolution of International Society (London: Routledge, 1992). 24 Fred Halliday muitos debates publicos nos quais os assuntos internacionais eram discutidos, ele estava em harmonia com o senso comum. Alem dis- so, os eventos dos anos 30 e suas conseq tienchis reiifiiiliaram-no po- derosamente e sem contesta~lio. N ormalmente pressuposto como uma evolu~lio dentro do mundo de lfngua inglesa, Q_!ealismo arti- _c_lllc;)~l-~-~-~lli.kas. .. ~-~~~a d_~~-.N~~Q~~s .... e;spr~~~~~..F_~.!_a __ c!ir~a~i-des de os anos 20. 11 Na veraade, muitos dos temas centrais do -realismo·~ api"recem"c"omo descendentes (domesticados) do darwinismo soci- al militarista e racista do final do seculo XIX e infcio do XX. Ao mesmo tempo, seria de se esperar que a crescente preocupa~lio da ciencia polftica com o poder e com suas formas nlio constitucionais embasassem esta tendencia de estudo da ''polftica de poder" dentro do campo academico das rela~5es internacionais. 12 0 domfnio do realismo come~ou a ser desafiado nos anos 1960, permanecendo sob presslio desde entao. 13j\ partir de 1960, o beha- viorismo apareceu como uma alternativa as RI ortodoxas, como a outras areas das ciencias sociais nos nfveis metodol6gico e con- peitual-/Desta maneira, a nova escola .. cientffica" das rela~5es in- ;·ternacionais, quase exclusivamente americana, buscou afastar-se · dos usos tradicionalistas da hist6ria e de termos polfticos ortodo- xos como .. Estado", em dire~ao a urn novo estudo quantificadc:>. e do que podia ser observado, isto e, do comportamento que, neste caso, eram os processos e os relacionamentos internacionais. Karl Deutsch estudou o crescimento das comunica~oes internacionais; James Rosenau enfocou as intera~5es informais, .. liga~5es trans- nacionais" entre as sociedades que passavam ao largo das rela~5es ortodoxas entre Estado-Estado; Morton Kaplan desenvolveu teo- rizac;oes mais .. cientificas" dos sistemas internacionais. 14 Nas rela- ~5es internacionais, aconteceu urn debate variado e freqlientemente amargo entre .. tradicionalistas" e ''behavioristas", espelhado na substancia e nas nuances dos temas.levantados em discussoes pa- ralelas dentro da ciencia polftica. As crfticas severas de Bernard Cri- ck, o analista da polftica, sobre a ciencia polftica dos Estados Uni- dos, tiveram equivalentes nas Rl. Nesta troca, na qual ambos os lados ultrapassaram suas competencias filos6ficas e metodol6gi- "Carl Schmitt, The Concept of the Political (New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1975). 12Charles Merrian, Political Power (New York: McGraw-Hill, 1939); Harold Lasswell, Who Gets What, When, How (Cleveland, Ohio: The World Publishing Company, 1958). 13Para uma critica irrefutavel das afirma~oes realistas, ver Justin Rosenberg, 'What's the matter with realism?' Review of International Studies, v.16, n.3, October 1990. 14Karl Deutsch, Nationalism and Social Communications (New York: Wiley, 1953); James Rosenau (ed) Linkage Politics (New York: Free Press, 1969); Morton Kaplan, System and Process in International Politics (New York: Wiley, 1957). Repensando as rela<;6es intemacionais 25 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce I cas, a escola "inglesa" permaneceu firme, con'trapondo historia e "julgamento" contra o que era visto como a abordagem vulgar e enganosamente "cientffica" da ciencia politica americana. 15 A is to deveremos voltar no Capitulo 1. A tentativa completa dos behavioristas de suplantar as RI "tradi- cionais" falhou em tres aspectos-chaves. Primeiro, o realismo e a sua posterior varia~ao, o "neo-realismo", mantem-se como a abordagem dominante dentro do estudo academico e de polfticas das rela~oes internacionais. 16 Segundo, o proprio desafio teorico colocado pelo behaviorismo para suplantar o estudo pre-cientffico do "Estado" e de outros conceitos historicos convencionais com uma nova teoriza~ao cientffica nao foi Ionge o bastante, principalmente porque falhou em fornecer uma teoriza~ao alternativa do proprio Estado. Terceiro, sua promessa de teoriza~ao, e angariamento de fundos, para chegar a gran- des novas conclusoes sustentada pela for~a da coleta de dados, nun- ca foi cumprida. No fim, o behaviorismo tor~~)~::~~ urn.: acessorio, ao inves de uma alternativa:· a abofd;;igerii ·centrada_ no Estado. Apesar disso, a partir do desafio behaviorista e das posteriores teoriza:~oes dos fatores "transnacionais" e sistemicos, uma nova variedade de subcam- ·-i~~~~t-:~~~f~~-~~fs~-1i·W5fr{f~n~~:=:~o:~::~:;:!~~~:~ economia politica internacionaliAssim, se o ~eal_tsmo eo neo-rea}t~mo continuaram predominado, eles nao mats tmham o monopoho intelectual ou institucional dentro da disciplina. Ramos da abordagem behaviorista, da analise de polftica extema, da interdependencia e da economia politica intemacional, conseguiram conquistar urn Iugar per- manente no conjunto da discussao. . . A analise de politica externa, o estudo de fatores determman- do resultados de politica externa e decisoes em particular, foi uma tentativa ambiciosa e, em muitos aspectos, bem-sucedida de desafi- ar os pilares centrais do realismoY Ao busc~_!ll1~!i~-~ c?mg__~ P~}f:: tica extema e formulada, ela rejeitou a}gumas das preiDIS§aS reahs- . tas centrais: as de que o Estado pode ser tratado com um_ator unita:- , rio; que pode ser levado_ a _agir racionalmente para maximizar s_eu poder. e defender o i!lt~:t:~~~~-!la.~-~Q:rt~l; que o carater interne e as m- · "Este debate e resumido em Klaus Knorr e James Rosenau (eds.) Contending Approaches to International Politics (Princeton: Princeton University Press, 1969). Ver tambem o debate contemporaneo entre Rosenau e Northedge emMillenium, v.S, n.1, 1976. 16Sou particularmente grato ao meu colega Michael Banks por sua considerac;lio do de?ate: . ver, por exemplo, seu 'The inter-paradigm debate' em Light e Groom (eds.) lnternatwnal Relations. 17Ver, em particular, o capitulo em Light e Groom (eds.) International Relations de Christopher Hill e Margot Light. 26 Fred Halliday f},lj_e_~~i~~-.<:l~_UIIJ_J?~!:S.J?9..Q~!~L§~L~ratag~~2P:.<?_~~:~l!.llt~~--P~ est~ do de sua polftt.c~ ~~t~l}la - parttcularmente, esta ultima e uma aa·s relvindica~ao favoritas de. Waltz. Pelo contrario, a analise de polfti- ca extema examinou a composi~ao do processo de sua formula~ao, primeiro em termos de fragmenta~ao e rivalidade burocratica e in- dividual dentro do Estado e, entao, em termos de demandas polfti- cas mais amplas, incluindo as das legislaturas, da imprensa, da opi- niaoiublica e da ideologia. Esta abordagem abriu a possibilidade para o estudo comparado da p itica extema e das formas pelas quais as diferentes caracteristi- cas constitucionais, his~oricas e sociais afetam sua formula~ao e a im- plementa~ao, algo antes exclufdo pela nega~ao realista da relevancia dos fatores intemos:JA conclusao alcan~ada por este caminho, nas investiga~oes intemacionais e nas domesticas, foi que a premissa da "racionalidad~" ·deveria dar Iugar as_Jqt~~-J:?.yroc..r~1if~~ _t:f!!~.ffi~§, as conseqli8iiclas niio-iniendonal's;- As ·nusoes individuais~ e 'd.e grupos, ao "pensamento de grupo" e assim por diante. A suposi~ao de que os Estados poderiam ser tratados como maximizadores racionais de po- der e calculadores do interesse nacional provou-se uma base inade- quada e equivocada para a analise de politica extema. 0 mais importante desafio da analise de polftica foi, entretan- to, a reivindica~ao realista de que OS Estados podem ser tratados unicamente como unidades em urn ambiente, sem referenda as suas estruturas intemas e as mudan~as dentro deles. 0 que a analise de polftica extema procurou mostrar foi nao somente que sua aborda- gem, incorporando fatores domesticos, poderia fomecer uma con- sidera~ao mais persuasiva da formula~ao da politica extema, e de suas irracionalidades, mas tambem que era necessaria identificar as formas pelas quais os ambientes domesticos e os processes dos pa- fses eram afetados por fatores exteril.os, estivesse o Estado envolvi- do ou nao nesta intera~ao. Este foi evidentemente o caso dos pro- cesses economicos, alteta~oes no pre~o mundial do petroleo tinham efeitos sobre os pafses, independentemente do que os govemos es- colhessem fazer, e tambem dentro de varies processes ideol6gicos e politicos. As sociedades estavam interagindo de forma transnacio- nal, e estas "liga~oes", ao inves das interestatais, estavam tendo urn impacto na politica extema. Confrontados com tais desafios e influ- encias extemas, OS Estados, dependendo das circunsdincias, agiam para acomoda-las ou evita-las. A analise de politica extema, nascida da rejei~ao behaviorista de conceifos"liisiiiiidoiirus'' n~o "cfesenvoiveu"uma-ieoda'do ''Estado:'E:ia' tiiina'taiiioem outras Iiiiiita~oes: uma .. preocupa~aoestr~it;:'futichi cizada, com decisoes e urn conceito sociologicamente ingenue do "ambiente" intemo. Por esta razao, ela falhou em aproveitar a opor- Repensando as rela<;6es intemacionais 27 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce I tunidade, que depois beneficiaria a literatura da sociologia hist6ri- ca, de uma analise abrangente e combinada dos papeis internes e externos dos Estados. Mesmo assim, foram as conquistas da analise de polltica extema que levantaram esta questao e tornaram possfvel examinar a rela~ao interno-externo sob uma nova luz. Neste contexte, surgiu uma abordagem diversa baseada na .Jn= terdenendencia", urn conceito utilizado para examinar como as so- • . ~--4- .... ~. --·---'--,.---._..,...- .... ·--~~~-----~---~·•··•··~···-·- ... '""_ ...... , -- .. _,.,_...._.. .. , ... ,.,, -·"·--~.-~---~.-.- --.._......,rr......_,.._,..---;--- ·····. ct~d~des e os Estados estao ~e t()m~nd.o .. ~a,da y~~JJl .. l!!§... mterhga~Q§ e as conseqi.iehcias de tal_proc.esso .•. 0 desenvolvimento da literatura sobre interdepeii.d€nCla .. ilustra bern as oportunidades, e armadilhas, do r~conhecimento 4a con~"-li() __ ~n.t~~--() ~?.l!l~st.l~() e (? _ _liji~ijl~f:_ioria,I. Apesar de fomecer urn quadro para examinar esta liga~ao, ela fre- quentemente tern levado a simplifica~ao da relayiiO e a facil afirma- ~aO de que tudo, agora, e "interdependente". A "interdependencia" e urn termo que tern estado intermitentemente em voga par urn seculo. Em seu uso contempodineo, ele se originou como urn conceito na economia, onde comparativamente tinha urn sen- tido mais claro, de acordo com o qual duas economias sao interdepen- dentes quando existe uma relativa igualdade de poder entre elas e quando sua intera~ao mutua e tal que cada uma e significativamente vulneravel as a~oes da outra. A interconexao produzia vulnerabilidade e a partir daf a~uava como uma restri~ao ao que as outras poderiam fazer. Em sua fonna ch!ssica, a percep~ao era de fato que o aumento do comercio entre as na~oes fortaleceria a paz, uma ideia de sensa comum antes da Pri- meira Guerra Mundial, mas que desde entiio nao era ouvida. Sua ree- mergencia nos anos 1970 foi tanto uma resposta a eventos economicos - o declfnio do d6lar, a eleva~ao dos pre~os da OPEP (Organiza~ao dos Pafses Produtores e Exportadores de Petr6le~ - quanto ao impacto politico dentro dos EUA da Guerra do Vietna.p;m sua formula~ao dos anos 1970, e especialmente no trabalho de Robert Keohane e Joseph Nye, ela se sustentava em tres proposiyoes: que o Estado estava per- dendo a sua posi~ao dominante nas relay6es internacionais para atores e for~as "nao-estatais", como as corpora~oes multinacionais; que nao mais existia uma hierarquia de questoes internacionais, com os assun- tos m!Jitares e estrategicos, a high politics, no topo, e as questoes eco- nornicas e de bem-estar, a low politics, mais abaixo; e que o poder mi- . litar estaya perdendo sua importancia nas rela~oes intemacionaisf_ Mesmo se a visao realista de urn mundo estrategicamente orientado e estato-centrico tivesse sido verdadeira no perfodo anterior, este nao mais era o caso, a medida que as antigas barreiras cafram e as for~as econo- micas e polfticas prestavam cada vez menos aten~ao ao Estado. '"Robert Keohane e Joseph Nye (eds.) Transnational Relations and World Politics (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971). 28 Fred Halliday . A teoria da interdependencia foi criticada a partir de vanas pers- pectivas. Waltz argumentou que ela era historicamente erronea,ja que a interdependencia havia sido, em varios aspectos, muito maior no passado do que no presente. 19 Waltz e outros encararam a maior intera~ao como estimulando o conflito: "boas cercas fazem bons vizinhos", eles disseram. Northedge e Bull contestaram a visao de que para os Estados era verdadeiro ou desejavel perder o controle sobre suas popula~oes ou ceder a responsabilidade de administra- ~ao de assuntos internacionais: apesar de toda discussao sobre as "questoes globais" e os "bens comuns" universais, eram os Estados que, por bern ou por mal, continuavam responsaveis pela resolu~ao destas questoes de paz, fome e ecologia. Os indivfduos continua- vam se identificando tanto quanto antes com os Estados e os consi- deravam como essenciais para o desempenho de fun~oes de segu- ran~a, representa~ao e bem-estar. Os marxistas apontaram que a in- terdependencia aplicava-se, na melhor das hip6teses, a urn peque- no grupo de pafses ocidentais desenvolvidos e que sua utilizaylio nas rela~6es Norte-Sui escondia assimetrias de poder e riqueza que eram causadas pelo sistema imperialista. A ideia de interdependencia tambem perdeu importancia com a deteriora~ao das rela~6es internacionais no final dos anos 1970 e infcio dos 1980. Nos contextos leste-oeste e do Terceiro Mundo, parecia me- nos evidente que o poder rnilitar havia perdido sua importancia; as rela- ~oes internacionais pareciam concentrar-se uma vez mais, e de uma for- ma bastante tradicional, nos Estados, e nos grandes poderes em particu- lar; a substitui~ao1ou o desprezo ao Estado assumiam, em muitos casos, uma forma maligna, Ionge do que tinham previsto os expoentes liberais da teoria da interdependencia- seja em situa~oes de guerra civil (Lfba- no, Sri Lanka), como no crescimento dos processes transnacionais que nao eram bem-vindos- o terrorismo, a polui~ao e o voo de capitais, dentre eles. Os "atores nao-estatais", como os novos movimentos sociais, nao eram todos benignos: assim como os primeiros inclufam fac~oes religi- osas fam!ticas e movimentos de juventude racista, junto com o Oxfam, o Bandaid e Anistia Intemacional, a ultima categoria inclufa a Mafia e o Cartel de Medellin. 19Kenneth Waltz, 'The myth of national interdependence' em Charles Kindleberger (ed.) The International Corporation (Cambridge, MA: MIT Press, 1970). - Repensando as rela<;:6es intemacionais 29 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce I AS RELA<;;OES INTERNACIONAIS DESDE 1970 Os desafios do behaviorismo, da interdependencia e da eco- nomia polftica internacional ao realismo, minaram seu monop6lio anterior na area e produziram uma disciplina mais competitiva e diversa. Isto, por sua vez, encorajou a emergencia de varias outras abordagens, defendendo ou rejeitando o realismo. A reafirma¥ao do realismo, o ltm'SFl'~lflisni6"1, a qual voltarei no Capftulo I.lespondeu as preocupa¥6esda ecori'omia poHtica in- temacional, mas buscou restabelecer a primazia dos Estados e das preocupa¥6es polftico-militares, dentro de sua analise global/ Assim, Stephen Krasner atribuiu o fracasso dos Estados do Terceiro Mundo em arregimentar apoio para sua Nova Ordem Economica Intemaci- . onal nao a sua fraqueza economica, mas, ao inves dis so, a sua fra- ·,: queza como Estados e a sua adesao a principios que se chocavam :J.· .com os dos Estados dominantes no sistema internacional. 20 Robert : _.,. · Tucker destacou o contfnuo papel dos gran des poderes e da for¥a " militar na manuten¥ao do sistema internacional e imputou a pobre- za dos Estados do Terceiro Mundo a fatores polfticos e economicos end6genos. 21 Os pilares centrais do neo-realismo foram, entretanto, J.ostos com maior clareza em dois trabalhos do final dos anos ~ 970 - 'he Anarchical Society, de Hedley Bull; e Theory of Internatwnal e ations, de Kenneth Wattilcujos argumentos sao revistos critica- mente nos Capftulos 4 e 1, respectivamente). 22 Ambos reconhece- ram, e buscaram refutar, as crfticas das duas ultimas decadas. Desta for- ma, procuraram destacar a J?J:'jQJ.a,?:~~ d<>.~ ,E§ta®.!?_:Q..2 .• ~!~J~1J1Jl. intern..a~io nal e o.pqder~.P~P~~-~!1Por4~J:l~~?.cl:?.s ll~or~s''~!io.-:-estatais". Ao n:;tesmo tempo, eles debateram qu~ os .£!'£~~~so!.~SQnomJCOs, como qu~tsqu~r outras atividades transnaciOnats,..r~qY.~Q~tnqu.e . .os.Est!4.~s provtdenct- assem a segura.n¥a ea.regyla~ijQ_necessarias para a sua contiiiu1dade:'Eles eram ceticos quanto as reivindica¥OeS de que a interdependencia estava aumentando e destacaram a contfnua importancia dos grandes poderes na administra¥ao das rela¥6es intemacionais; j:>ara o bern ou pata o mal. Se o "neo-realismo" respondeu as crfticas ao realismo pela reafir- ma¥aO de seus pilares tradicionais, outros levaram a analise das RI para ainda mais Ionge da ortodoxia estabelecida. Em uma extensao radical do behaviorismo, John Burton, em seu World Society e outros trabalhos, desenvolveu uma teoria de rela¥6es intemacionais baseada nas necessi- dades individuais e no conjunto de questoes geradas por estas ne- 20Stephen Krasner, Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism (Berkeley: University of California Press, 1985). 21Robert Tucker, The Inequality of Nations (London: Martin Robertson, 1977). 22Kenneth Waltz, Theory of International Relations (New York: Random House, 1979). 30 Fred Halliday • '\ \ '' cessidades.23 Na visao de Burton, o sistema internacional era, par- tanto, uma teia de intera¥6es definidas por questoes, dentro das quais as estruturas especfficas do poder militar e estatal desempenhavam urn papel distinto, mas nao exclusive ou predominante. Enfatizan- do a resolu¥ao do conflito atraves das media¥6es de grupos peque- nos ou individuais, o trabalho de Burton rompeu ~e forma extrava- gante com a visao das rela¥6es intemacionais centrada no Estado pela introdu¥aO de uma analise· e abordagem alternativa de polftica. Paralelamente, no Projeto de Modelagem de Ordem Mundial, Richard Falk desenvolveu uma teoria de alternativas e oposi¥6es ao poder do Estado no nfvel intemacional, baseada nas necessidades huma- nas e nas intera¥6es transnacionais e nao-estatais. 0 aprofundamento da rela¥ao entre o mJtt&ismo e as RI cons- titui outro desenvolvimento nao ortodoxo Cfos anos 1970 e 1980 e sera discutido no Capftulo 2. Como ja indicado, a porta de entrada do marxismo nas RI foi a questao do subdesenvolvimento e, de muitas maneiras, ele permaneceu -conflnado_a_esta .. iirea~-Avisao marxista classica, altemativa, sobre o desenvolvimento foi descon- siderada (segundo a qual interessava ao capitalismo desenvolver o Terceiro Mundo), assim como algum de seus conceitos funda- mentais, mais relevantes para as preocupa¥6es das RI, referentes as causas das guerra, ao papel das classes e ao carater da ideolo- gia, nao foram utilizados na analise internacional. Ao defender a primazia de uma agenda alternativa- as rela¥6es Norte-Sui e as estruturas internacionais de explora¥ao - o marxismo deixou as rela¥6es intemacionais inc6lumes. A separa¥ao das RI da influen- cia marxista foi maior do que nas outras areas das ciencias sociais e, certamente, foi causada pela predominancia dos escritos ameri- canos na area, que refletiam urn clima intelectual no qual o mar- xismo estava totalmente ausente. Somente nos anos 1980 esta situa¥ao come¥OU a mudar. Dentro dos escritos da economia poHtica internacional,(houve uma aplica¥aO dos conceitos marxistas para analisar as causas e as conseqliencias de urn mercado cada vez mais internacionalizado e das novas formas que ele estava assumin<J~en~o da analise de poHtica extema; tomou-se pos- sfvel nao somente exarhinar como os fatores burocraticos e constitucio- nais afetavam resultaoos polfticos, mas tambem como eles mesmos eram moldados pelos fatores hist6ricos e sociais mais amp los, incluindofato- 23John Burton, World Society (Cambridge: Cambridge University Press, 1972). Para uma critica de Burton ver Christopher Hill, 'Implications of the world society perspective for national foreign policies' em Michael Banks (ed.) Conflict in World Society: A New Perspective on International Relations (Brighton: Wheatsheaf, 1984). Repensando as rela<;6es intemacionais 31 ludmi Realce ludmi Realce ludmi Realce I res intemos de classe. 24 0 papel dos setores de produ<;ao militar na promo<;ao e exagero da confronta<;ao intemacional e urn exemplo 6bvio, e nao negligenchivel, disto. 0 crescimento da literatura de s6ciologia hist6rica sabre as questoes da competi~ao internacional e da forma<;ao de Estado, cri- ticamente engajada com o marxismo, forneceu uma oportunidade particularmente frutifera para urn novo trabalho sabre as rela~oes ex6genas-end6genas e sabre as formas pelas quais os Estados in- teragem com o sistema mundial. 25 ~§_taJit~X:~!':!'::~--!~E-~.<:>.':! . ..P_~ss!_y~_l_ di~~Qtir o mais imp()r!ante. ~ 11egligenciaclo _ele{ll~!l_to do realismo~_ _ .9.~-~~ seja, sua fC>!l~~P .. ~~-?}~gal:!~rritQr.i.aLde .. ~§_t~qo; urn assun~o ao qual voltarei no Cap1tulo 3~uase todo o debate entre o reahsmo eo marxismo tern girado efn:-torno do problema do Estado, mas raramente se reconhece que isto envolve duas concep~6es bastan- te distintas de "Estado" que levam a conjuntos diferentes de ques- t6es: uma das concep~6es e a legal-territorial, emprestada do di- t' reito e da ciencia politica tradicional; a outra e o conceito alterna- tive, emprestado do marxismo e da sociologia weberiana, segun- do o qual o Estado e percebido como uma entidade administrati- va-coercitiva, urn aparato dentro dos paises e das sociedades, ao inves do pais como urn tod~stas concep<;oes incluem as inopor- tunas questoes de como o i:ii"rernacional e o domestico interagem e como as rela~6es entre os Estados e as pessoas sao afetadas pelos fatores internacionais em mudan~a. sejam estes o papel dos Esta- dos na guerra ou a transforma~ao de padroes internacionais para o reconhecimento de urn governo legitime. Uma corrente ainda mais recente e critica a surgir das RI foi a in- fluenciada pelo feminismo, assunto do Capitulo 6 deste livro. Ate a me- tade dos anos 1980, as RI pareciam ser mais indiferentes as quest6es de genera do que qualquer outra area das ciencias sociais, uma situa~ao gerada pela aceita~ao generalizada da distin<;ao entre uma area conven- cionalmente "masculina:" da alta politica, da seguran~a internacional e do statecraft, e uma ''feminina" de domesticidade, de rela<;6es interpes- soais e de localidade. Esta indiferen<;a mutua tern, entretanto, sido subs- 24Para uma abordagem sociol6gica, altemativa, a polftica extema, ver David Gibbs The Political Economy of Thirld World Intervention: Mines, Money and U.S policy in the Congo Crisis (London: University of Chicago Press, 1991). 25Exemplos desta intera~ao entre a sociologia hist6rica e o intemacional incluem John Hall, Powers and Liberties (London: Pelican, 1986) e Michael Mann, The Sources of Social Power, vol. 1 (Cambridge: Cambridge University Press, 1988). Estas questoes foram exploradas adicionalmente em urna serie de seminruios patrocinados pelo Economic and Social Research Council sob o titulo 'Structural Decline in the West' realizados em Cambridge entre 1988 e 1991. As atas da primeira destas confer~ncias esHio em Michael Mann (ed.) The Rise and Decline of the Nation State (Oxford: Basil Blackwell, 1990). 32 Fred Halliday tituida face a dois processes convergentes. Urn provem da esfera da politica: em varias areas da politica internacional, as quest6es de genera ganharam proeminencia em anos recentes. Estas incluem as quest6es referentes as mulheres nos processes de desenvolvimento, ao direito internacional e as politicas da CE com rela~ao as mulhe- res e aos impactos diferentes, sabre homens e mulheres, de proces- ses socioeconomicos, dentre eles a migra~ao e as politicas de "ajus- te estrutural". A dispersao do envolvimento das mulheres em movi- mentos contra a guerra e as armas nucleares gerou urn outro ponto de interse<;ao especifica de genera/Em uma area bastante diferente, os escritos feministas come~aram a discutir alguns conceitos cen- trais da teoria das RI, questionando sua neutralidade de generql'"'"Es- tes _in~luem os conceitos de "interesse nacional", seguran~a, poder e dlreltos humanos, todos apr~sentii<Rrs-ifa'Tilerafura dominante como netitros. ·contudo, como 0 reexame feminista tern rilostiado~- cada urn deles tern urn significado de genera implicito. Acima de tudo o fe- • • -----...-...--,-~ •..• , •• ~--·"-~·· ........... .,....-..... ' -~ '•.· • ...,~ ...... •.····---···-·'""''""'1, •.. ,~- ' mm1smo, como as outras teonas que enfatizam os direitos individu- ais e sociais, questiona o nucleo da pratica convencional das rela- ~6es intemacionais: o valor supremo da soberania. Por exemplo, o estabelecimento ·de Estados independentes levou, em muitos paises, a deteriora~ao da posi<;ao das mulheres vis-a-vis OS homens, com afirma<;6es de soberania e identidade nacional sendo usadas para negar a legitimidade de tais questoes. Existe, portanto, urn e.spa<;o consideravel, na pratica e na teoria, para os questionamentos femi- nistas frente as reivindica~6es do nacionalismo e a suposta autori- dade do Estado soberano. OS PARAMETROS DO "REPENSAMENTO" Este capitulo discutiu que o "@t~aacional" nao e um com- E.2.!!~!!!e adis;io.u_l'!,1_~_u recente, da reah . a<!e. _§Qf.!~1 e pohhcli,IilaS- l1!1:1 4e._~e_~.J~.!.~m~nto·s-cru:raaourose-coiistitutivos. fguafmeiite;-·ere debateu o Iugar das"RI em-seu"contexioTntefe(;·t~uaT' e hist6rico mais amplo. Antes de mais nada, a parceria entre as RI e as outras cien- cias sociais pode ser definida pela abordagem conjunta que estas disciplinas podem oferecer sabre temas domesticos e internacio- nais: na considera~ao de questoes especificas ou eventos e possi- vel analisar em que medida o internacional desempenha ou nao urn papel determinante. 26 Tres grupos de t6picos inter-relacionados se 26Dois exemplos: o papel do "imperialismo" em mol dare distorcer as economias nacionais dos Estados do Terceiro Mundo; o papel da Guerra Fria no fortalecimento do govemo centralizado nos EUA e na produc;:ao de urn "estado de seguran~a nacional". . Repensando as rela<;:6es intemacionais 33 ludmi Realce ludmi Realce I mostraram presentes. 0 primeiro foi 0 de_questoes de oda"poJif ca no sentido mais tradicional e normattvo do _termo: o ng~ ~ao, seja Pll_~a com a !amilia, o Es!ado ou ,a s_octed~de cos~opolt ta; de justi~a, de sua tmplementa~ao n?s ~nvets na~wnal e mterna- cional e de seu conflito com valores nvats, espectalmente a segu- ran~a; da Iegitimidade da for~a e da coer~ao, dentro e entre os Estados; do direito de resistir a Estados ,s?beran~~-: 27 __ ~~m seg~.Q.. Iugar, existe urn conjunto de questoes teoncas no~n.tida-.l!I!ru_!!!£.<;J~ mais contempodineo: a analise do poder; a rela~ao e~tre as estru- turas pollticas, economicas e ideol6gic~s; a relev,a~cta dos mode- los de escolha racional para a a~ao soctal e a pohttca, para os Es- tados, as institui~oes e os individuos dentro del~s. 28_ • Finalmente, existe o fs>~s>__c_!~ste livro, a explt~a~ao ~e ststeiJ?.as politicos e sociais a lu~"d-os dete~ri:iinant~s domesttcos e mternact<:>- nais. <;::ada niy~l. 9.nact2nl,'!l e o. mtemactQ!l:~~!.-~~-~--~~~-llY!On<;_>~a ·arcY~CTodavia, como indicado acima, a separa~ao dos d?ts mve~s ~@udo, assim como ada ciencia politic~ e d~s. rela~oes n~t~rnact onais, tern causado danos a explica~ao e ~ anahse. Co~o J_a _arg~ mentado, nao e possivel explicar as politicas_ de Estados mdtvtduats sem referencia a varios fatores intermi.cionats do pa~sado e do p~e sente:/? "internacioi?-al" nao e ~lgo
Compartilhar