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Repensando as relações internacionais - Fred Halliday

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~ 
Q""'P.!'" UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL 
Reitor 
Jose Carlos Ferraz Hennemann 
Vice-Reitor e Pr6-Reitor 
de Coordena~ao Acad~mica 
Pedro Cezar Dutra Fonseca 
EDITORA DA UFRGS 
Diretora 
Jusamara Vieira Souza 
Conselho Editorial 
Ana'"l:fgia Lia de Paula Ramos 
cassilda Colin Costa 
Comelia Eckert 
Flavio A. de 0. Camargo 
lara Concei~o Bitencourt Neves 
Jose Roberto Iglesias 
Llicia Sa Rebello 
M6nica Zielinsky 
Naill Farenzena 
SRvia Regina Ferraz Petersen 
Tania Mara Calli Fonseca 
Jusamara Vieira Souza, presidente 
- t '! 
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I 
Repensando 
as relac;6es 
internacionais 
Fred Halliday 
segunda Edi~ao 
TRADU<;Ao 
Cristina Soreanu Pecequilo 
CONSULTORIA TECNICA DA TRADU<;Ao 
Paulo Fagundes Visentini 
~ 
UFRGS 
EDITORA 
II fl~ lllOWlflllllll 
© de Fred Halliday 
1 a edi~ao: 1999 
\ I 'J 
~,-
Tftulo original: Rethinking international relations. London: Macmillan Press, 1994. 
Direitos reservados desta edi~ao: 
Universidade Federal do Rio Grande do Sui 
Capa: Carla M. Luzzatto 
Revisao e editora~ao eletrfinica: Paulo Ricardo Furaste Campos 
Serie Rela~oes Internacionais e Integra~ao 
Coordenada por Paulo G. Fagundes Visentini 
Fred H«lliday 
Academico britftnico, e professor de Relac;oes Internacionais na London School 
of Economics. Publicou varios livros sobre o Oriente Medio, bern como sobre a 
Guerra Fria e as revolu~oes no Terceiro Mundo. Foi membro do Transnational 
Institute (Amsterdam) e editor da New Left Review. 
H188r Halliday, Fred 
· Repensand<;> as relac;oes internacionais I Fred Halliday; traduc;lio de Cristina 
Soreanu Pecequilo; consultoria tecnica da traduc;lio de Paulo Fagundes Visentini. 
- 2.ed. -Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. 
(Serle Relac;oes Internacionais e Integrac;lio). 
Titulo original em ingll!s: Rethinking international relations. 
Inclui prefacio a edic;lio brasileira e a edic;lio inglesa. 
Inclui apl!ndices. 
1. Cil!ncia politics. 2. Direito internacional privado. 3. Economia internacional. 4. 
Relac;Oes internacionais. 5. Hist6ria contemporiinea. 6. Guerra fria. 7. Fundamentalismo. 
8. Materialismo hist6rico. 9. Marxismo. 10. Mulher-Direitos humanos. I. Halliday, Fred. 
II. Pecequilo, Cristina Soreanu. III. Visentini, Paulo Fagundes. IV: Titulo. V. Serle. 
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogac;lio na Publicac;lio. 
(Ana LVcia Wagner- CRB10t1396) 
ISBN 978-85-7025-947-9 
CDU327 
Agradecimentos da edi9ao inglesa 
0 autor e os editores agradecem aos Routledge Journals e aos 
editores de Economy and Society; aos editores de Millennium, The 
Journal of International Studies; a Cambridge University Press; aos 
editores de New Left Review; Blackwell Publishers e aos editores de 
Political Studies; e aos editores de Review of International Studies 
por permitirem a reprodu9ao do material de copyright. 
··-
Nota do editor 
Incluimos como apendices ao livro, com a permissao do autor, tres 
artigos representativos no contexto de sua obra. Os dois primeiros, escri-
tos durante a crise terminal do campo sovietico, enfatizaram premonito-
riamente as dificuldades intemacionais que adviriam. 0 segundo, inclu-
sive, inexplicavelmente foi excluido da traduc;ao brasileira de Depois da 
queda. 0 terceiro aborda outra area de especializac;ao do autor, o Oriente 
Medio. Fluente em arabe e outros idiomas da regiao, Halliday analisa urn 
dos grandes problemas contemporaneos, o fundamentalismo. 
sumario 
! Prefacio a edi<;ao brasileira ................................................. 9 
Prefacio a edi<;ao inglesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 
Introdu<;ao: a importancia do "intemacional" ...................... 15 
0 "internacional" em perspectiva .......................................... 15 
As influencias formativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 
A emergencia da teoria ................................... ~............. 20 
0 realismo e o behaviorismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 
As rela~oes internacionais desde 1970 ............................... : . . . . . . 30 
Os parfimetros do "repensamento" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 
As teorias em disputa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 
0 empirismo tradicional: a hist6ria e a escola inglesa.................... 38 
0 "empirismo cientffico": a atra~ao do behaviorismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 
0 neo-realismo: "sistema" sem conteudo 45 
A hist6ria mais elevada: o p6s-modernism~ ~ ~ ·i~t~~~~i~~~~ : : : : : : :: : : : 51 
Conclusao: outro caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 
Urn encontro necessaria: o materialismo hist6rico 
e as rela<;6es internacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
Urn desafio evitado .......................................................... 61 
0 marxismo e os tres "grandes debates" das RI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 
0 potencial do materialismo hist6rico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 
0 paradigma materialista hist6rico ........... ~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 
As inibi~oes da teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 
0 marxismo alem da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 
0 Estado e a sociedade nas rela<;6es internacionais . . . . . . . . . . . 87 
0 impasse sobre o Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 
Defini~oes em oposi~ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 
0 Estado como a tor domestico e internacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 
Os interesses estatais e as for~as sociais .................................. 100 
As sociedades e os sistemas de Estado ................................... 101 
A sociedade internacional como homogeneidade ............. . 
Os significados de "sociedade internacional" 0 transnacionalismo e os seus limites . . . . .......................... . 
0 paradigma "constitutivo" e os seus prot~g~~i~t~~-: ·B~~k~: M~~~- ~- .. . 
Fukuyama .................................................................. . 
As implica~oes para as relac;:oes internacionais ......................... . 
107 
107 
116 
120 
132 
'1'\. sexta grande potencia": as revoluc;6es 
e o sistema intemacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 
Urn caso de desaten¥liO mutua..................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 
As revolu¥5es e os seus efeitos ............................................ 142 
A formayao do sistema intemacional ..................................... 146 
Os padroes hist6ricos ....................................................... 148 
As ligayoes ddrnesticas e as internacionais ............................... 153 
As revolu¥5es e a guerra . . . . . . .. . .. . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . 157 
Ausente das relac;6es intemacionais: 
as mulheres e a arena internacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 
0 sil€ncio das rela¥5es intemacionais .................................... 161 
Uma preocupa¥lio emergente:quatro dimensoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 
0 Estado e as mulheres: o nacionalismo e os direitos humanos . . . . . . . . 175 
Implicayoes e problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 
0 conflito intersistemico: o caso da Guerra Fria ................. 187 
Uma forma distinta de conflito ............................................ 187 
As teorias da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 
As fontes de resist€ncia te6rica .. .. .. .. . . . .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. .. .. .. .. .. 194 
A proeminencia da heterogeneidade .. .. .. . . .. . . . .. . . . . . .. . . .. .. . . .. .. . . . . 197 
As implica¥5es analfticas .................................................. 201 
Urn colapso singular: a Uniao Sovietica 
e a competic;ao interestatal ............................................. 207 
Uma nova luz sobre velhas questOes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 
A transformayao desde cima. . .. .. .. .. .. .. .. . .. . . . . . . . .. . .. .. .. .. . .. .. .. .. . 209 
A transiyao do socialismo para o capitalismo ............................ 211 
Os fatores internacionais e a Guerra Fria ......................... · ........ 214 
Urn fracasso comparativo .................................................. 222 
Os tres nfveis de competi¥lio intemacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 
As rela<;6es internacionais e o "fim da hist6ria" . : ................ 231 
0 depois da Guerra Fria .............. , ..................................... 232 
Variedades de avalia¥lio hist6rica ......................................... 237 
0 .. fim da hist6ria" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 
As perspectivas para a democracia liberal e a paz ....................... 247 
Conclusao: o futuro das rela<;6es internacionais ................ 251 
0 desafio do normativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 
As alternativas em pesquisa ................................................ 256 
Apendices .................................................................... 259 
Urn mundo, urn mito ....................................................... 261 
Os finais da Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269 
· Fundamentalismo e o mundo contemporaneo: 
desafios polfticos e eticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292 
Prefacio a edi<;ao brasileira 
Os ensaios que formam parte deste livro fora:m primeiro publi-
cados no infcio dos anos 1990. ·Eles se sustentam sob a premissa de 
que OS eventos e processos intemacionais sao, tanto quanto OS da 
politica e da sociedade domestica, passiveis de uma analise racional 
e comparativa e que este conhecimento pode desempenhar urn pa-
pel em toma-los mais sujeitos aos controles democraticos. lgualmen-
te, eles eram uma resposta ao duplo contexto daqueles tempos, por 
urn lado, ao fim da Guerra Fria e o colapso do comunismo e, por 
OUtrO, a crescente diversidade dentro da teoria das rela~OeS intema-
cionais que sucedeu a destitui~ao do .. realismo" como a teoria uni-
ca ou dominante. Minhas pr6prias contribui~oes foram concebidas 
para f9mecer uma considera~ao hist6rica e te6rica da conjuntura 
anterior, a Guerra Fria e a sua conclusao e, ao mesmo tempo, para 
defender, a partir do interior da teoria das rela~<>es intemacionais, 
uma pesquisa que estivesse aberta a analise hist6rica e sociol6gica. 
Desde que escrevi este livro, conclui mais outros dois que Ie-
vam adiante as discuss5es deste volume e que se ocupam do Tercei-
ro Mundo de uma maneira mais explicita: urn, Islam and the Myth 
of Confrontation, tenta fomecer uma analise hist6rica e sociol6gica 
do Oriente Medio em oposi~ao as considera~5es mistificadoras ba-
seadas na cultura e na religiao. Portanto, e uma interven~ao a res- . 
peito dos debates sobre uma area especffica do -Terceiro Mundo e os 
mitos que sao produzidos, dentro e fora da regiao, sobre ela. Aiem 
dos argumentos dirigidos contra os que reivindicam uma especifici-
dade particular para a regiao, tambem examino questoes individu-
ais- a Revolu~ao Iraniana, a Guerra do Golfo de 1990-1991 e os 
direitos humanos - a luz de minha abordagem te6rica mais ampla. 
0 segundo livro que completei, Revolution and World Politics, de-
senvolve em maior extensao e mais sistematicamente as discuss5es do 
Capitulo 6 deste volume: ao mesmo tempo em que reafrrmo que as re-
volu~<>es foram uma for~a formativa fundamental na hist6ria intemaci-
onal modema, examino, em urn grau maior do que o indicado-por este 
capitulo, o papel das ideias intemacionalistas na composi~ao das revo-
Iu~5es e de suas polfticas extemas. Pois, apesar de todas as ilus<>es que 
expressaram, as revolu~<>es eram produto de algo material, as contradi-
Repensando as rela<;6es internacionais 9 
r 
~oes da modernidade ~apitalista: o mito da revolu~ao criado em 
1789 pode ter morrido em 1989, mas enquanto o capitalismo conti-
nuar a produzir urn mundo de desigualdade e hierarquia, existirao 
tensoes pol:lticas e sociais que poderao resultar em formas de con-
testata~ao de massa, incluindo a revolucionaria. Na verdade, a glo-
baliza~ao dos anos recentes tern produzido urn mundo mais desi-
gual do que qualquer outro: somente por esta razao o estudo das 
revolu~oes pode ser de maior importancia historica. 
As instabilidades e as desigualdades inerentes ao capitalismo 
global nao precisam ser destacadas para 0 leitor brasileiro. 0 tema 
com o qual come~o este livro, e que permeia a sua maior parte, e a 
maneira pela qual os desenvolvimentos sociais e polfticos dentro 
dos Estados sao, em urn grau maior do que o admitido, moldados 
pelos processos internacionais. A questao nao e se as a~oes dos 
lideres poHticos sao resultado das instru~oes, trai~oes ou represen-
ta~oes vindas de fora, mas sim qual e 0 impacto- intelectual, cul-
tural, economico, politico e militar - da conjuntura historica mun-
dial sob todas as sociedades em uma determinada epoca. 
Tive a sorte de visitar o Brasil pela primeira vez em 1973, durante 
0 auge da ditadura militar e das primeiras aberturas associadas a "des-
compressao" da futura presidencia Geisel. Nada poderia ilustrar mais 
graficamente o impacto da Guerra Fria sob os palses do Terceiro Mun-
do e o uso de doutrinas de seguran~a internacionalmente legltimas para 
a repressao domestica do que o Brasil dessa epoca. Algumas pouc~s se-
manas depois, em setembro de 1973, a liga~ao entre a Guerra Fna e a 
repressao domestica foi confirmada para aAmerica Latina como urn todo 
pelos eventos no Chile - a derrubada do govemo da Uniao Popular e o 
come~o da ditadura Pinochet. 
As visitas ao Brasil em 1994 e 1998 foram, em termos politicos, a 
urn pals diferente,. em plena fluxo de debate polftico e de mobiliza~ao 
para a a~ao polftica: o fim da Guerra Fria e o encerramento dos regimes 
da direita autoritaria pela pressao popular foram processos paralelos. 
Entretanto, esta democratiza~ao, acompanhada como o foi pela reforrna 
economica, tambem trouxe o Brasil para a zona de influencia de outro 
processo internacional: a globaliza~ao. Ao faze-lo, aumentou a sua vul-
nerabilidade as flutua~oes financeiras e do mercado, cuj9 pre~o foi pago, 
principalmente, pelos pobres. Enquanto escrevo este prefacio, a crise fi-
nanceira que confronta o Brasil permanece sem solu~ao a medida que 
as for~as irresponsaveis dos mercados de cambia e de capital mundiais 
continuam a perseguir beneffcios de curto prazo e a propagar analisesalarmistas para sabotar as vidas e o emprego das popula~oes de outros 
pafses. Nada coloca mais em questao a validade do modelo presente de 
globaliza~ao do que a maneira pela qual a vida de dezenas de milhoes 
de pessoas esta subordinada a este sistema especulativo de prerrogati-
vas caprichosas e oligarquicas. 
10 Fred Halliday 
0 maior perigo na analise, como na vida real, e o da complacen-
cia, da cren~a que o mundo nao enfrenta grandes problemas e que as pra-
ticas correntes podem, e irao, superar quaisquer dificuldades que enfren-
temos. Isto certamente tern sido a disposi~ao dominante dos anos 1990, 
pelo menos ate a crise financeira recente que come~ou em 1997. Os pro-
blemas de analisar a historia enquanto ela acontece e os desafios colo-
cados pela propria teoriza~ao sugerem que precisamos de uma aborda-
gem mais critica e ambiciosa para questionar as ortodoxias da polftica e 
da pesquisa academica. Aqui, a analise academica e ligada a a~ao polfti-
ca, em particular ao objetivo de subordinar os processos economicos e 
sociais ao controle democratico. 
Este empreendimento e necessariamente intemacional, pois ele 
deve olhar para os contextos e as estruturas intemacionais dentro das quais 
todos os Estados e sociedades precisam funcionar, mas tambem porque 
e por meio do dialogo intemacional, atraves das fronteiras e dos conti-
nentes, e desafiando barreiras culturais convencionais, que tal repensa-
mento pode ocorrer. Como alguem que se beneficia, e tem-se beneficia-
do, por muitos anos deste dia.logo internacional, nao somente com cole-
gas e amigos brasileiros, eu ofere~o este livro, marcado pelo seu tempo 
e seu Iugar de origem, ao leitor brasileiro. Todos nos, em qualquer pals 
que estivermos vivendo, enfrentamos urn desafio comum de combinar a 
analise academica com o engajamento racional e democratico aos pro-
blemas de nosso tempo. 0 intemacional, considerado por muito tempo 
imune a compreensao polftica e ao controle democratico, requer esta 
reavalia~ao critica. 
Londres 
Fred Halliday 
Repensando as rela<;:6es intemacionais 11 
Prefacio a edigao inglesa 
Os capftulos deste livro sao uma dupla resposta aos avan~os na te-
oria polftica, na social e no estudo academico das rela~oos intemacio-
nais e as mudan~as do pr6prio sistema intemacional ao Iongo dos ulti-
mos anos, em particular o colapso do bloco sovietico. Neste sentido, e 
no que pode ser uma reversao da pnitica convencional, as reflexoos ge-
rais, e em parte teoricas, sao feitas a partir de estudos mais concretos sobre 
o sistema intemacional e sobre os principais conflitos em seu interior por 
mimja publicados, mais especificamente The Making of the Second Cold 
War (1983) e Cold War, Third World (1989) e urn numero de estudos de 
caso sobre o Terceiro Mundo. Fazendo isso, espero simplesmente nao 
s6 ampliar estas reflexoos sobre as rela~oos intemacionais, mas tambem 
extrair hip6teses e questoos que estao, em maior ou menor grau, nelas 
presentes. As rela~oos intemacionais, como todas as areas do conheci-
mento, enfrentam dois perigos: ode considera~oos factuais desprovidas 
de reflex6es te6ricas, explicativas ou eticas eo de teoriza~ao sem o apoio 
da analise hist6rica. Minha esperan~a e que estes ensaios, como respos-
tas a ideias e eventos, contomem estes dois perigos. Ao fazer algumas 
observa~oos gerais sobre a natureza do sistema intemacional e de onde 
sua analise pode proceder, tambem examinei algumas questoos particu-
lares. Minha inten~ao e seguir esta visao geral do assunto com dois vo-
lumes adicionais, te6ricos e hist6ricos, urn sobre o papel das revolu~oos 
no sistema intemacional e outro sobre a tensao etica entre o nacionalis-
mo e o intemacionalismo. 
Na prep~o destes ensaios, beneficiei-me do estimulo e critica de 
muitos amigos e colegas ao Iongo da decada passada. Em particular, gos-
taria de agradecer aos meus colegas e estudantes no Departamento de Re-
la~oos Intemacionais {RI) da London School of Economics {LSE) que, 
atraves de contatos individuais e seminarios gerais de Rl, suscitaram-me 
tal desafio e estimulo. A Martina Langer, do Departamento de Rela~Oes 
lntemacionais, sempre tao prestativa no auxflio da prepara~o do texto. 
Tambem gostaria de agradecer aos membros do grupo de discussao de re-
la~Oes intemacionais "1990" e aoTransnational Institute por fornecercon-
textos intelectuais adequados para trabalhar muitas destas ideias. Meus 
maiores agradecimentos a minha parceira, Maxine Molyneux, cujo apoio 
e ideias foram tao enriquecedores quanto indispensaveis. 
Repensando as rela<;:6es intemacionais 13 
' Muitos dos capftulos deste livro foram atualizados e desenvolvi-
dos a partir de ideias e argumentos contidos em urn conjunto de artigos 
e ensaios publicados ao Iongo dos ultimos anos, em particular, partes dos 
Capftulos 1 e 2 apareceram em Political Studies (v. 38, n. 3, September 
1990), Economy and Society (v. 18, n. 3, August 1989) e Millennium (v. 
22, n. 2, summer 1993): uma versao previa do Capftulo 4 foi publicada 
em Millennium (v. 16, n. 2, 1987); do Capftulo 5 emMillennium (v. 21, 
n. 3, winter 1992); do Capftulo 6 em Review of International Studies (v. 
16, n. 3, summer 1990); do Capftulo 7 em Millennium (v. 17, n. 3, win-
ter 1988); do Capftulo 8 em Mike Bowker e Robin Brown (eds.) From 
Cold War to Collapse: Theory and World Politics in the 1980s (Cambridge 
University Pre~s. 1993); do Capftulo 9 em Contention (n. 2, winter 1992); 
Capftulos 10 e 11 incluem material de New Left Review (n. 193, May-
June 1992) e de Barclay Enterprise Lecture, proferida na LSE, 17 de maio 
de 1993, "Sleep-Walking Through History: The New World and its Dis-
contents", depois publicada pelo Centro para o Estudo de Goveman~a 
Global da London School of Economics 
Londres 
Fred Halliday 
14 Fred Halliday 
INTRODUc;Ao: AIMPORTANCIA 
DO "INTERNACIONAL 
Este capftulo possui dois objetivos: primeiro, examinar o sig-
nificado do termo "intemacional" e a confusao que causae, segun-
do, fomecer uiiii:d)reve""coiisJ.dera~ao do crescimento da disciplina 
e dos fatores ligados a seu desenvolvimento. As rela~oes int~macio­
nais (RI) tern ocupado urn Iugar desconfortavel, freqlientemente 
marginal, no estudo e no ensino das ciencias sociais. Entretanto, seu 
objeto de estudo 6, nos termos mais simples, claro suficiente eAbrange 
tres formas de intera~ao: as rela~oes entre os Estados, as ~a~oes 
nao-estatais ou rela~oes tiansnacionais (atraves das fronteiras) e as 
opera~oes do sistema como urn todo, dentro do qual os Estados e as 
sociedades sao os principais componente~Embora possam variar 
no destaque que dao a cada uma dessas formas de intera~ao, todas 
as teorias do "intemacional" propoem alguma explica~ao de cada 
uma delas. Na verdade, os principais debates dentro das !{I giram 
em tomo, em maior ou menor grau, dessas tres dimensoes e da pri-
ma?:ia de uma ou de outra. 
0 "INTERNACIONAL' EM PERSPECTIVA 
A diversidade te6rica 6 uma for~a. nao uma fraqueza, das rela-
-~9es 1iiiemacio~~is. 1 As dificuldades experimentadas-residem-iiKo 
em qualquer uniformidade ou paralisia te6rica, mas, acima de tudo, 
em bases metodol6gicas e hist6ricas. Excessivamente defensiva 
sobre seu pr6prio vigor metodol6gico e disciplinar, as RI tern sido 
tratadas como urn apendice de outras disciplinas mais estabelecidas. 
Polftica nacional, economia e sociologia sao os focos principais e o 
1A cren~a em urn paradigma unico como "normal" e desejavel recebeu confirma~ao de 
The Structure of Scientific Revolution de Thomas Khun (London: University of Chica-
go, 1962). 0 argumento contriirio, que a diversidade e desejavel, foi feito em Against 
Method de Paul Feyerabend (London: NLB, 1975). 
Repensando as rela<;:6es intemacionais 15 
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''intemacional" e urn elerrfento excedente,uma op~ao para os estu-
dantes, urn penultimo capftulo para o academico. 
Nas 6ltimas duas decadas, a mudan~a dramatica no status do 
"internacional" somente potencializou isso. Agora que se tornou 
moda destacar a difusao do "internacional" e a destitui~ao da es-
pecificidad~ nacional pela "globaliza~ao", esta dimensao, antes ne-
gligenciada, tornou-se propriedade de todos: a exclusao ?eu lug~r 
i!. promiscuidade./Alem disso. nes!e pr~cess~. o grau de mternacl-
onaliza~ao do mimdo atual tern stdo dtstorctdo e exagerado e lo-
calizado de maneira extremamente simplista, em mudan~as ocor-
ridas entre 1945 e 1960. Este reducionismo hist6rico assume vari-
as formas, como a afirma~ao injustificada da literatura transnacio-
nalista sobre a obsolescencia do Estado-na~ao e do pape!,~da for-
~a. ou a invoca~ao de uma nova era de "p6s-modemidade'i A con-
tinua adapta~ao entre o global e o particular na polftica, na cultura 
e na economia e subestimada, assim como se escondem as diver-
sas hist6rias dos processos internacionais que datam das origens 
do sistema no seculo XVI. 
Estas duas abordagens - a nega~ao e o exagero - nada mais sao do 
que dois lados da mesma moeda. Os que prop5em a ultima constroem 
sua argumenta~ao contrapondo o mundo contemporaneo a urn perfodo 
em que. supostamente, os Estados, as na~oes e as sociedades, eram se-
parados e isolados entre si. Entretanto, a "intemacionaliza~ao" nao co-
me~ou com urn ~ercado financeiro global ou com a CNN e sua trans-
missao mundial.~ pr6prio nacionalismo, a despeito de sua evolu~ao, de 
seu carater aparentemente individual e de sua celebra~ao do especffico, 
e urn processo intemacional, urn produto da mudan~a intelectual, social 
e econornica compartilhada pelas sociedades e estimulada por sua inte-
ra~ao nos 6ltimos d~is seculoi] Na verda~e, pode-se argumentar q~e 
Ionge do "internacwnal" nascer do nacwnal e de uma expansao 
gradual dos la~os entre entidades distintas, o processo re_al se de.u 
de maneira in versa: a hist6ria do sistema modemo e a ~~ !:t~J~_J:'IlaCl­
onaliza~ao e da quebra, em partes separadiis;-crosif~xos pre~xisten­
"ies -de pessoas, reHg1~o e comerdo; a pre_<;:(mdi~ao~para a forma~ao 
do Est~d<:>-na~ao.'~~~~rn() foi 9. 4~senyolvimento d~ rima eco~omia 
e cll.lty.rainte.macional, dentro da qual eles. s~ r~t1111:r:~m depms. 
---·- Os.autores na Gra-Bretanha e nos Estados Unidos alardeiam 
que durante OS ultimos 20 OU 30 anos as formas de controle polftico 
e soberania foram corrofdas por processos transnacionais: mas esta e uma 
presun~ao gigantesca, nascida das hist6rias nacionais peculiares, e mui-
2Este contexto "intemacional" para a disseminac;;:iio do nacionalismo e reconhecido por 
varias teorias, sejam elas a teoria politica de Elie Kedourie (Nationalism, London: 
Hutchinson, 1960) ou a abordagem sociol6gica de Ernest Gellner (Nations and 
Nationalism, Oxford: Basil Blackwell, 1983). 
16 Fred Halliday 
--~ 
to excepcionais, destes Estados. /Dos 190 Estados soberanos do 
mundo de hoje, ou algo em torno disso, somente meia sJ.uzia esca-
pa:ram de ocupa~ao extema nos dois seculos passadosfMesmo no 
caso da Gra-Bretanha, por exemplo, urn pafs onde a consciencia 
insular e maior do que nos demais, e urn dos poucos a escapar da 
ocupa~ao extema, nao existe uma hist6ria puramente nacional. De 
Julio Cesar a Santo Agostinho, das invasoes anglo-saxonicas a 1066, 
da Reforma a emergencia do Estado Modemo em conflito com os 
vizinhos europeus, ate o tempo do imperio e da guerra mundial~ 
nadonal e o internacional sem re interagiram. s Estados Unidos 
aa-AiiieiTca:·-escaparariiaaocupa~ao es e a m pendencia em 1783, 
mas todo o seu desenvolvimento tern sido urn de intera~ao com o 
intemacional/Desde a aquisi~ao pela for~a e compra da maior parte 
de seu territ6rio de outros Estados e povos, ate o fluxo em massa de 
popula~oes de outros pafses, a expansao global de seu poder finan-
ceiro e industrial em 1890, o sistema polftico americana tern sido 
!!J.oldado ~~!li!!!.9.int~rri~~l9n~!~- ·· ··-· -·- ···· · ·- · -- · · ·- ·· 
~9-~.2:~i~ _ _pafses, a per~-~P£~() cl~ il}Sl!laridade confo~~ Q_m,iJ£.~0 
desenvolvim~Q,to"p()Jl,ti_c9 g~J.~,t eY9~\l~~o _n~o:-:vi.2!~~t~:· Apesar de terem 
adquirido legitirnidade pela dissernina~ao gradual da democracia, o Reino 
Unido e os Estados Unidos foram Estados criados e mantido~-~la..f2J::.£~ 
em mais de uma oportunidade. Alem disso, mesmo a mais breve das pes-
quisas comparativas mostrara, ou pelo menos indicara, queJi. disserni-
na~ao das formas democraticas e a chegada do sufnigio universal foram 
. processos intemacionais, resultado tanto de mudan~as nas normas quanto -4-
do impacto nas diferentes sociedades de seus fenomenos: por urn lado, 
da industrializa~ao e da ascensao da sociedade de mass~~ por outro, 
das pressoes poHticas nascidas das duas guerras mundiai§JO mesmo se 
aplica a hist6ria das economias nacionais: as necessidades da competi-
~ao interestatal moldaram o comercio e a interven~ao estatal, a planta-
~ao de carvalhos e a constru~ao de estradas, a prom~ao da industria, da 
tecnologia e da educa~ao. Igualmente, urn processo como a aboli~ao da 
escravatura, preservada em termos particularistas e etnicos, reflete mu-
dan~as amp las no comercio internacional e na produ~ao. 3 
0 que e vivido, e normalmente estudado como al_g__Q_gue acontece\1. 
"dentron·-ae-jiais~s;·_r~"Yer~:::~~2m9 .P.~!~:~e-·processos. in't~iili~~I§ !li~--a!!!P19.§.Ae m!!f!~~_golfJ!£l!.. e ~9§!!2fuic~~Atraves das his-
t6rias "nacionais", a competi~ao intemacional desempenha urn papel 
formativo bastante central, como influencia e exemplo. A taxa~ao para 
prop6sitos militares e a arrecada~ao de taxas no comercio habitam o co-
ra~ao do Estado modemo: o departamento de alfandega e a receita bri-
tanica gozam de ampla autonornia dos ministerios govemamentais por-
3Robin Blackburn, The Overthrow of Colonial Slavery, 1776-1848 (London: Verso, 1988). 
Hf'pf'nsanclo as wla<;6es intemacionais 17 
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que existem ha mais tempofortanto, nao pode haver uma hist6ria 
puramente nacional de qualquer Estado: da mesma forma, nao pode 
haver teoria da economia, do Estado e das rela~oes sociais ~ ne-
gue o impacto formative, residual ou recente, do intemacionaJJPor-
tanto, nenhuma das abordagens convencionais, a nega~ao e o exa-
gero, faz justi~a a questao comum a todos OS cientistas Sociais e que, 
dentro da 6tica particular da disciplina das rela~oes intemacionais, 
e a sua preocupa~ao constitutiva: a intera~ao do nacional e do inter-
nacional, do intemo e do extemo. 
AS INFLUENCIAS FORMATIVAS 
0 assunto das rela~oes internacionais e, como em todas as dis-
cipJinas academicas, localizado ern mais de uma dimensao. Todas 
asjtiencias sociais devem suas origens e desenvolvimento a intera-
~ao com o rnundo de forJ a economia nasceu como uma resposta 
ao comercio e a industrialha~ao dos seculos XVIII e XIX, a socio-
logia da evolu~ao das sociedades urbanas, a antropologia do encontro 
colonial. Ainda assim, cada uma tern sua pr6pria agenda como area 
de estudo na universidade, uma necessidade de resistir as modas do 
momento e as pressoes do poder para olhar com imparcialidade seu 
objeto, urna rnissao de usar sua substancia e metodos como urn meio 
de agu~ar e treinar as mentes dos estudantes e seu pr6prio conjunto 
permanente de preocupa~oes disciplinares. 
Nas rela~oes intemacionais, como evidenciado pelo ambito 
comum dos cursos oferecidos, estas preocupa~oes possuem dois 
aspectos distintos: urn e amplamente -~PJ!Jill~?.. e se refere ao papel 
do Estado nas rela~oes intemacionais, ao problema da ordem na ausen-
cia de uma autoridade suprema, ao relacionamento entre o poder e a se-
guran~a, a intera~ao da economia com a for~a militar, as causas do con-flito e as bases da coopera~ao. 0 outro e normative e diz respeito a ques-
tao de quando e como e legftimo usar afor~a:'As0briga~6es devidas ou 
nao ao nosso Estado, ao Iugar da moralidade nas rela~6es intemacionais 
e aos erros e acertos da interven~ao. 
As rela~oes intemacionais, entretanto, sao igualmente locali-
zadas em uma outra dimensao, aquela do mundo "real" ou, talvez 
mais precisamente, "nao-reflexivo". No intemacional, como em mais 
nenhum outro campo da ampla atividade humana, o mftico eo ima-
ginario desempenham urn papel central no discurso cotidiano. Bas-
ta-se lembrar das for~as de identifica~ao e 6dio nacional, da quase 
que universal incidencia de teorias de conspira~ao e suspeitas sobre 
"estrangeiros", a extraordinaria ignorancia, mesmo entre os mais instru-
fdos, sobre outros pafses, e a facilidade com que as paixoes publi-
18 Fred Halliday 
cas sao provocadas pela representa~ao enganosa do.estrangeiro, do 
estranho, do "outro". · 
De todos os estudantes de ciencias sociais nas universidades, 
os de rela~oes intemacionais sao os que provavelmente irao encon-
trar mais incompreensao e ignorancia e os que irao se envolver em 
mais depura~ao conceitual, etica e factual. Somente isto ja fomece 
uma relevancia distinta as RI, mesmo que empreste urn certo carater 
laborioso a explora~ao das questoes intemacionais. Quando pesso-
as aparentemente instrufdas e experientes incluem em suas discus-
soes sobre o futuro internacional de outros pafses estere6tipos pri-
mitives como "a mente alema", "a psicologia japonesa", somos to-
dos lembrados de que ainda precisamos avan~ar muito. Talvez, o 
melhor que as rela~oes intemacionais poderiam fazer em sua esfera 
de atividade seria aplicar o famoso ensinamento de Freud sobre a 
psicanalise: reduzir a neurose a miseria normal de cada dia. 
A rela9ao do estudo academico das rela~oes intemacionais com 
o mundo de fora e certamente moldado e estimulado por outras pre-
ocupa~oes. Algumas sao evidentes, outras nao. A mais 6bvia e que 
as pessoas sentem que 0 intemacional e importante, que e uma fon-
te de amea9a, mais obviamente militar, que e uma arena onde gran-
des beneffcios e perdas economicas podem ocorrer, que aparente-
mente e cada vez mais intrusive nas vidas cotidianas. 0 estudo aca-
del]lico das r~la9oes intemacionais come~oucomo uma teniativa de pes-
quisar"as causas da niaior de-iodas·estas intiusoes, qual seja, ~.guerra, e 
de desenvolver meios para reduzir sua futura incidencia. D~Cfc:teiitao, 
ele passou a en&Iobar uma !!genda mais ampla, em particular de ativida-
de economica. A medida que o mundo muda, tambem mudam as ques-
t6es colocadas para o estudo academico do inteinacional. A dificuldade 
e que a pr6pria pressao das questoes intemacionais e a demanda para sua 
analise e comentario podem agir nao s6 como urn estimulante e urn re-
gulador do pensamento, mas tambem como urn desvio: o resultado e que 
nao somente a curiosidade com rela9ao ao mundo, mas o pr6prio traba-
lho feito nas universidades, e moldado pelo que os financiadores e poli-
cy makers leem no jomal da manha. Determinar a agenda academica das 
rela~oes intemacionais por tais preocupa~oes e, entretanto, perigoso nao 
s6 pela perda de independencia, mas tambem pela perda de perspectiva, 
hist6rica e conceitual. Economistas ficam felizes em serem consultados 
e fazerem comentarios sobre a bolsa de val ores ou a taxa de infla~ao, os 
cientistas polfticos podem emitir vis6es sobre os resultados das pr6xi-
mas elei~oes, mas nestes casos, assim como no das rela96es intemacio-
nais, isto nao deve sera base do que se ensina na universidade. 
Entretanto, nas r~la~oes intemacionais a pressao e maior por cau-
sa de urn fator adicional e menos evidente que pode ser definido como 
sua invisibilidade te6rica. A exce~ao dos que tern como sua profissao 
Repensando as rela<;6es intemadonais 19 
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ensinar e estudar em uma universidade, o assunto nao tern uma de-
fini~ao, alem do sabio comentario sobre as noticias de ontem ou a 
breve apari~ao da hist6ria intemacional comparada e contempodi-
nea. Parte disso nasce da confusao diaria sobre a palavra "internaci-
onal". 0 proprio termo, inventado por Jeremy Bentham, em 1780, 
para indicar OS la~os legais entre OS Estados, e incorreto, considera-
do o significado subseqtiente do termo "na~ao", ja que a men or de 
suas preocupa~oes era a rela~ao entre as na~oes em seu sentido atu-
al. As na~oes e Estados podem ou nao coincidir, mas, mesmo quan-
. do coincidem, ~-~ rela~oes convencionalmente_~Q.amadas "interna-
ci9~~]s" dizem res:fieifo-aO-~t,!e S~_-pl:!$S~-~!ltre OS govemos·e~e 
as popula~oes. Alem disso, para a maioria aos·queuSaiii o termo, 
••assufftO'STntemacionais" abrange duas coisas bastante diferentes, 
incluldas nas paginas dos jornais: a politica domestica dos outros 
· palses (assuntos intemos) e os assuntos internacionais propriamen-
te ditos, as relac;oes entre os Estados e as sociedades. 
•, A isto tambem se acrescenta urn problema final e curioso. A maio-
ria das pessoas genericamente interessadas em ciencias sociais esta ci-
ente do trabalho te6rico em varios campos, mesmo que nao possam di-
zer o que as teorias falam. Assim, o leitor medio do mais serio dos jor-
nais ou do New York Review of Books ja tera lido os te6ricos da econo-
mia, como Keynes ou Friedman e sabera dos debates na filosofia entre 
Rawls, Nosick e seus seguidores, ou das ideias gerais de Foucault e do 
p6s-modemismo. Nas relac;oes intemacionais, as coisas sao bern dife-
rentes, pois poucos fora da area conhecem qualquer urn dos envolvidos 
em trabalhos te6ricos e muito menos suas questoes. Supoem-se que se 
possa fazer a magica com uma combinac;ao estimulante de assuntos cor-
rentes, de senso comum e ••pitadas" de referenda hist6rica. A preserva-
~ao de equilfurio adequado e criativo entre estas duas dimensoes das re-
la~oes intemacionais, a academica e a poHtica e, portanto, muito mais 
diffcil. Especialmente pela pressao do presente e preciso deixar isto o 
mais claro posslvel. 
A EMERGENCIA DA TEORIA 
No restante deste capitulo, tentarei fomecer urn breve esboc;o de 
como a teorizac;ao das relac;oes internacionais tern caminhado-4Q desen-
volvimento das RI, como ode todas as ciencias sociais, e produto de tres, 
e nao de dois, clrculos concentricos de influencia: a mudanc;a e 0 debate 
dentro da propria disciplina, o impacto dos desenvolvimentos do mun-
do e a influencia de novas ideias de outras areas da ciencia sociallEn-
quanto genealogias academicas sao comuns, as duas ultimas reci;'bem 
menos atenc;ao. As RI tern urn "autoconhecimento" muito limitado e uma 
20 Fred Halliday 
considerac;ao inadequada dos fatores extradisciplinares que as afe-
tam. Entretanto, isto e muito evidente: OS principais_ eventos da his-
t6ria do seculo XX (a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a Guerra 
Fria eo seu encerramento) moldaram o foco das RI tanto quanto as 
disputas interparadigmaticas. Contudo, como qualquer ciencia so-
cial, as RI tendem a esconder estas conexoes por medo da perda de 
prestfgio intelectual. Assirn, a arregimentac;ao do "realismo" pela 
Guerra Fria ou o papel da Guerra do Vietna na prornoc;ao da consci-
encia da interdependencia sao negligenciados. Igualmente, diferen-
~as nacionais, de hist6ria e sociedade, tern determinado a analise e a 
pesquisa: o que nos EUA e urn estudo de tomada de decisao, pode 
tornar-se na Alemanha a analise da relac;ao entre a democracia e a 
poHtica externa;4 os palses do Terceiro Mundo estao freqtientemen-
te preocupados com a dominac;ao externa, os pafses desenvolvidos 
com a. integra<;ao. ~-~!s--~~!!~!i£~ID§D(~. Jl, l?J.9J~XiJL.::hilii!Q£~£idaQe" ge 
~c;:!!s>~l!..-~n!~!:&.Y!!~i{! _ ~m £9t:!!~:x;t()sp3:rticulares e, em termos 
anaf1ttcos, ~~a r~!.~Y!.I!S.~~-cml--P-.~I!Q49~.~~e4cfficos, e negada. · 
A hga<;ao da hist6ria intelectual com-a "hist6r1a"ei1i'geral per-
manece intermitente e obscura, assim como a das RI com as outras 
tend~~ciasA nas fiencias sociais. (':_s_.9.';1~~t?~~ deteoria internaci_<?.t.l~!~. 
~ca~~~~fs-~~-~~~~~le~~~~b~~sa:~a c~~~~-a~~~~:i~:·}Ji~tfi~~f0~t;t~= 
bbes 's'obre· a natureza do poder, Gr6cio sobre o direito .internacio-
nal, Kant e Marx sobre as precondi<;oes para o cosmopolitismo sao 
alguns dos antecedentes mais 6bvios. Estas considera<;oes sao, en-
tretanto, parte de urn empreendimento te6rico mais amplo de hist6-
ria, direito, filosofia, teoria politica e raramente emergem como re-
flexoes sobre urn assunto te6rico distinto: o ••internacional". 
Como uma disciplina acadernica separada, as rela<;6es interna-
cionais tern menos de urn seculo. 0 estudo das rela<;6es internacio-
IJJJis~£() .. ~~~-c;>-~_!!.9. .. 1Jw _g.~---£rimejra 9\i~ii~J\1:¥ii!l.I~1.l.. eiifocando ··as 
fatores que precipitararn a guerra e os meios para prevenir a sua re-
correncia. Foi oeste perlodo que as primeiras cadeiras e departamen-
tos foram estabelecidos nas universidades britanicas, em Aberystwyth, 
LSE e Oxford, enquanto na esfera nao-academica o Royal Institute of 
International Affairs foi fundado para elaborar a polftica publica. Con-
4 Ulrich Albrecht, Internationale Politik (Munich: Oldenbourg, 1986), capitulo 9, 'Das 
Demokratieproblem in der intemationale Politik'. 
5Para pesquisas disto, ver Howard Williams, International Relations in Political Theory 
(Milton Keynes: Open University Press, 1992); Torjbom Knutsen, A History of 
International Relations Theory (Manchester: Manchester University Press, 1992): Teny 
Nardin e David Mapel (eds) Traditions of International Ethics (Cambridge: Cambridge 
University Press, 1992); Martin Wight, International Theory: The Three Traditions 
(Leicester University Press, 1991). 
Repensando as rela<;6es intemacionais 21 
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temporaneamente, e pelas mesmas raz6es, os departamentos acade-
micos e o Council on Foreign Relations foram estabelecidos nos 
Estados Unidos. 
Os tres elementos constitutivos das Rl, o interestatal, o trans-
n_a,£J_qg~[e:~o~IJf~.!J:lis!J~--- p~rmitem--~uitas-·es-pe-clalfza~·oe-s··e-vanas 
!!:lJQ:tdagens teodc!_!s. Hoje, as Rl abrangem, como subcampos so-
mados a teoria intemacional (isto e, a teoriza~ao destes tres elemen-
tos),ps estudos estrategicos, os estudos de conflito e paz, a analise 
de politica extema, a economia politica intemacional, a organiza-
~ao intemacional e urn grupo de quest6es normatlvas pertinentes a 
guerra: obriga~ao, soberania e direitos/A estes subcampos, analiti-
camente distintos, pode ser somado o das especializa~6es regionais 
nos quais as abordagens teoricas sao aplicadas aos estudo de Esta-
dos individuais e de grupos de Estados. Tais subcampos podem nao 
envolver diferentes perspectivas teoricas, mas variam consideravel-
mente na enfase relativa atribufda as quest6es, por exemplo, de ide-
alogia e direito, de economia ou de poder militar. So nos anos 1980, 
varias novas quest6es intemacionais foram incorporadas ao ambito 
analitico da disciplina e ensinadas em curses separados: uso do mar 
e politica dos oceanos, mulheres e a arena intemacional, as rela~6es 
intemacionais no Terceiro Mundo, as quest6es ecologicas, as dimen-
s6es intemacionais da comunica~ao, dentre outras. 
· Os ja abordados crescimento e varia~ao dos assuntos dentro 
das RI sao paralelos a uma evolu~ao nas abordagens teoricas. 6 Em 
sua fase inicial, as RI buscaram distinguir-se daquelas disciplinas 
a partir das quais se originaram. Assim, eram distintas da historia 
diplomatica (intemacional) em sua abordagem comparativa e teo-
rica. Ao Iongo do tempo, separaram-se do direito intemacional com 
a ado~ao de uma abordagem normativa (e nao positivista) e na 
analise da intera~ao das dimens6es do intemacional atem do legal. 
Distinguiram-se da ciencia polftica ao buscar combinar o poHtico 
com o economico e o militar e, em tomar como seu objeto de ana-
lise, nao o sistema poHtico interne de urn pafs qualquer, mas o sis-
tema internacional caracterizado pela ausencia de uma autoridade 
soberana e a maior importancia da violencia em seu interior. Ape-
sar disso, sua evolu~ao teorica envolveu emprestimos e a continua 
6Para hist6rias gerais e pesquisas de RI, ver, entre outros, Margot Light e A.J.R Gordon 
(eds.) International Relations: A Handbook of Current Theory (London: Frances Pinter, 
1985; 2.ed. para 1994); Steve Smith (ed.) International Relations: British andAmerican 
Perspectives (Oxford: Basil Blackwell, 1985); Hugh Dyer e Leon Mangassarian (eds.) 
The Study of International Relations: The State of the Art (London: Macmillan, 1989); 
Marc Williams (ed) International Relations in the Twentieth Century: A Reader 
(Basingstoke: Macmillan, 1989); A.J.R Gordon e William Onuf, International Relations 
then and now (London: Routledge, 1992). 
22 Fred Halliday 
,. 
intera~ao com essas disciplinas, bern como outras das ctencias 
sociais, especialmente a economia. Duas disciplinas com as quais 
as RI parecem ligadas, apesar de nao existir qualquer rela~ao, sao 
a sociologia e a geografia. Embora, como veremos nos Capftillos 
3 e 4, as RI tenham utilizado certas ideias da sociologia, especial-
mente ''sociedade" e, em seu perfodo formative, tenham compar-
tilhado preocupa~6es da geopoHtica, nenhuma das duas discipli-
nas teve urn impacto importante. Dentre outras coisas, o resultado 
foi que os desenvolvimentos teoricos subseqlientes nestas discipli-
nas nao foram reconhecidos dentro das RI. Somente recentemen-
te, ao superarem sua fase ''protecionista'\ e que as RI come~aram 
a explicitamente aprender e contribuir com outras areas das cien-
cias sociais. Urn exemplo relevante deste novo posicionamento e 
o recente interesse na sociologia historica, no domfnio das preo-
cupa~6es estrategicas, da guerra e seu impacto na forma~ao do Es-
tado e do grau em que o intemacional, mais do que os fatores en-
dogenos, determinou o desenvolvimento estatal. 
Seas Rl possu(ssem uma 4is<;:ipJin~ materna, esta nao seria a his-
toria au· a-denc!~ pgl!t~~-3:~ m~-~ q"c:J..it:~ito intemadona1. Na Europa con-:' 
tinental, estepadrao prevalece em muiios"aepartameiitos. Em sua fase 
inicial, depois da Prime ira Guerra Mundial, as RI adotaram uma abor-
dagem predominantemente legal, hoje erroneamente apresentada como 
"utopica" ou "idealista". Esta escola da "paz atraves da lei" emergiu, 
em parte, do liberalismo de Woodrow Wilson e buscou limitar ou pre-
venir a guerra por tratados intemacionais, procedimentos de negocia-
~ao e o crescimento das organiza~6es intemacionais, especialmente a 
Liga das Na~oes. Os crfticos academicos dessa abordagem freqliertte=) 
mente referem-se a ela como "utopismo", mas esta e uma categoriza-' 
~ao enganosa por tres raz6es: primeiro, porque confunde uma tentati-. 
vade regular e melhorar as rela~6es intemacionais, urn projeto perfei-; 
tamente viavel, com a persegui~ao de urn ideal, de uma "utopia"; se-' 
gundo, porque ignora o que era para Wilson uma precondi~ao central• 
a efetiva~ao da paz atraves da lei, qual seja, a dissemina~ao geral dai 
democracia lioeral, algo que ele estava errado em antecipar depois da1 
Primeira Guerra Mundial, mas que, como veremos no Capitulo 9, tern; 
implica~6es consideraveis para o internacional;7 e, terceiro, por-: 
que ao depreciar os "utopicos·", 'estes cdticos desacreditam, a par-' 
tir do proprio conceito e da analise da utopia, uma parte duradou-, 
ra e valida da teoria social e poHtica. . 
'Woodrow Wilson, 'The coming age of peace' de The State (1918), excerto em Evan Luard 
(ed) Basic Texts in International Relations (Basingstoke:Macmillan, 1992) p. 267-71. 
Repensando as relac;6es internacionais 23 
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0 REALISMO E 0 BEHAVIORISMO 
Com as crises dos anos 30, o .. idealismo" deu Iugar ao .. ~-:: 
~· inicialmente com o trabalho de E.H Carr e, depois, com o de 
varios escritores nos Estados Unidos, incluindo Hans Morgenthau, 
Henry Kissinger e Kenneth Waltz.1£Ies tomam como ponto de par-
tida a busca do poder dos Estados, a centralidade da for~a militar 
dentro deste poder e a inevitabilidade duradoura do conflito em urn 
~.mundo de multipla soberania. Mesmo nlio negando inteiramente o 
· papel da moralidade, do direito e da diplomacia, os realistas dlio maior 
peso a for~a militar como instrumento de manuten~ao da paz/£les 
acreditavam que o mecanisme central para r~g~Ja,r o_ cggflito era o 
equilfbrio de.P:Qg~ atraves do qual a for~a maior de urn Estado seria 
eoiiiiiensada pelo aumento da for~ a ou pel a ex pan sao· das alian~as 
dos outros: est~ .. ~Jtl!a,£~_<? __ (!ra dada no sistema, mas tambem poderia 
ser promovicfii__cg:n,~~:::t~n~e.m~iite~- ·· ·····--·----~ · ·· ·· 
Paialelamente, urn grupo de realistas do lado europeu doAtlantico 
desenvolveu o que ficou conhecido como a .. escola inglesa": Charles 
Manning, Martin Wight, Hedley Bull e Fred N offfiedge--e~f.~~iz~r:~m o 
grau ~.m.g:gy__~-~!~~ellla int~rn.~cion~l era .. amirqui£0", isto e, sem urn go-
v~f!l9.£xntx:al. 9 Eles perceberam is so nlio _CC!ll,:lO <?. C~()S, mas como 
urn -~erto tipo de sociedade: isto e, urn grupo de Estados que intera-
gjll. deacoroocO:m certa~ conven~oes.,;Estas inclufam a diplomacia, 
o direito internacional, o equilfbrio de poder, o papel dos grandes 
poderes e, mais controvertidamente, a propria guerra/Esta escola 
continua a produzir trabalhos consistentes, com orienta~lio e quali-
dade, como e evidente nos escritos de Alan James, Michael Done-
lan, James Mayall, Adam Watson e outros. 10 
Depois da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento do 
estudo academico das rela~5es intemacionais, o realismo se tornou a a-
bordagem dominante, senlio unica na area. Ele possufa~m~.t?X..PJ!ca~lio 
poderosa e abrangente das rela~5es internacionals"'e do conflito. Em · 
8 E.H Carr, The Twenty Years Crisis (London: Macmillan, 1966); Hans Morgenthau, 
Politics Among Nations, 5.ed. (New York: Alfred Knopf, 1978); Henry Kissinger, A 
World Restored (Boston: Houghton Mifflin, 1957); Kenneth Waltz, Man, the State and 
War (New York: Columbia University Press, 1954). 
"Hedley Bull, The Anarchical Society (Oxford: Oxford University Press, 1977); Fred 
Northedge, The International Political System (London: Faber & Faber, 1976). 
10 Alan James, Sovereign Statehood (London: Allen & Unwin, 1986) e seu contra-ataque aos 
desenvolvimentos te6ricos recentes nas RI 'The realism of realism: the state and the study of 
international relations', Review of International Studies, v.15, n.2, July 1989; Michael Donelan, 
Elements of International Political Theory (Oxford: Clarendon, 1990); James Mayall, 
Nationalism and International Society (Cambridge: Cambridge University Press, 1990); 
Adam Watson, The Evolution of International Society (London: Routledge, 1992). 
24 Fred Halliday 
muitos debates publicos nos quais os assuntos internacionais eram 
discutidos, ele estava em harmonia com o senso comum. Alem dis-
so, os eventos dos anos 30 e suas conseq tienchis reiifiiiliaram-no po-
derosamente e sem contesta~lio. N ormalmente pressuposto como 
uma evolu~lio dentro do mundo de lfngua inglesa, Q_!ealismo arti-
_c_lllc;)~l-~-~-~lli.kas. .. ~-~~~a d_~~-.N~~Q~~s .... e;spr~~~~~..F_~.!_a __ c!ir~a~i-des­
de os anos 20. 11 Na veraade, muitos dos temas centrais do -realismo·~ 
api"recem"c"omo descendentes (domesticados) do darwinismo soci-
al militarista e racista do final do seculo XIX e infcio do XX. Ao 
mesmo tempo, seria de se esperar que a crescente preocupa~lio da 
ciencia polftica com o poder e com suas formas nlio constitucionais 
embasassem esta tendencia de estudo da ''polftica de poder" dentro 
do campo academico das rela~5es internacionais. 12 
0 domfnio do realismo come~ou a ser desafiado nos anos 1960, 
permanecendo sob presslio desde entao. 13j\ partir de 1960, o beha-
viorismo apareceu como uma alternativa as RI ortodoxas, como a 
outras areas das ciencias sociais nos nfveis metodol6gico e con-
peitual-/Desta maneira, a nova escola .. cientffica" das rela~5es in-
;·ternacionais, quase exclusivamente americana, buscou afastar-se 
· dos usos tradicionalistas da hist6ria e de termos polfticos ortodo-
xos como .. Estado", em dire~ao a urn novo estudo quantificadc:>. e 
do que podia ser observado, isto e, do comportamento que, neste 
caso, eram os processos e os relacionamentos internacionais. Karl 
Deutsch estudou o crescimento das comunica~oes internacionais; 
James Rosenau enfocou as intera~5es informais, .. liga~5es trans-
nacionais" entre as sociedades que passavam ao largo das rela~5es 
ortodoxas entre Estado-Estado; Morton Kaplan desenvolveu teo-
rizac;oes mais .. cientificas" dos sistemas internacionais. 14 Nas rela-
~5es internacionais, aconteceu urn debate variado e freqlientemente 
amargo entre .. tradicionalistas" e ''behavioristas", espelhado na 
substancia e nas nuances dos temas.levantados em discussoes pa-
ralelas dentro da ciencia polftica. As crfticas severas de Bernard Cri-
ck, o analista da polftica, sobre a ciencia polftica dos Estados Uni-
dos, tiveram equivalentes nas Rl. Nesta troca, na qual ambos os 
lados ultrapassaram suas competencias filos6ficas e metodol6gi-
"Carl Schmitt, The Concept of the Political (New Brunswick, NJ: Rutgers University 
Press, 1975). 
12Charles Merrian, Political Power (New York: McGraw-Hill, 1939); Harold Lasswell, 
Who Gets What, When, How (Cleveland, Ohio: The World Publishing Company, 1958). 
13Para uma critica irrefutavel das afirma~oes realistas, ver Justin Rosenberg, 'What's the 
matter with realism?' Review of International Studies, v.16, n.3, October 1990. 
14Karl Deutsch, Nationalism and Social Communications (New York: Wiley, 1953); 
James Rosenau (ed) Linkage Politics (New York: Free Press, 1969); Morton Kaplan, 
System and Process in International Politics (New York: Wiley, 1957). 
Repensando as rela<;6es intemacionais 25 
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cas, a escola "inglesa" permaneceu firme, con'trapondo historia e 
"julgamento" contra o que era visto como a abordagem vulgar e 
enganosamente "cientffica" da ciencia politica americana. 15 A is to 
deveremos voltar no Capitulo 1. 
A tentativa completa dos behavioristas de suplantar as RI "tradi-
cionais" falhou em tres aspectos-chaves. Primeiro, o realismo e a sua 
posterior varia~ao, o "neo-realismo", mantem-se como a abordagem 
dominante dentro do estudo academico e de polfticas das rela~oes 
internacionais. 16 Segundo, o proprio desafio teorico colocado pelo 
behaviorismo para suplantar o estudo pre-cientffico do "Estado" e de 
outros conceitos historicos convencionais com uma nova teoriza~ao 
cientffica nao foi Ionge o bastante, principalmente porque falhou em 
fornecer uma teoriza~ao alternativa do proprio Estado. Terceiro, sua 
promessa de teoriza~ao, e angariamento de fundos, para chegar a gran-
des novas conclusoes sustentada pela for~a da coleta de dados, nun-
ca foi cumprida. No fim, o behaviorismo tor~~)~::~~ urn.: acessorio, ao 
inves de uma alternativa:· a abofd;;igerii ·centrada_ no Estado. Apesar 
disso, a partir do desafio behaviorista e das posteriores teoriza:~oes dos 
fatores "transnacionais" e sistemicos, uma nova variedade de subcam-
·-i~~~~t-:~~~f~~-~~fs~-1i·W5fr{f~n~~:=:~o:~::~:;:!~~~:~ 
economia politica internacionaliAssim, se o ~eal_tsmo eo neo-rea}t~­mo continuaram predominado, eles nao mats tmham o monopoho 
intelectual ou institucional dentro da disciplina. Ramos da abordagem 
behaviorista, da analise de polftica extema, da interdependencia e da 
economia politica intemacional, conseguiram conquistar urn Iugar per-
manente no conjunto da discussao. . . 
A analise de politica externa, o estudo de fatores determman-
do resultados de politica externa e decisoes em particular, foi uma 
tentativa ambiciosa e, em muitos aspectos, bem-sucedida de desafi-
ar os pilares centrais do realismoY Ao busc~_!ll1~!i~-~ c?mg__~ P~}f:: 
tica extema e formulada, ela rejeitou a}gumas das preiDIS§aS reahs-
. tas centrais: as de que o Estado pode ser tratado com um_ator unita:-
, rio; que pode ser levado_ a _agir racionalmente para maximizar s_eu 
poder. e defender o i!lt~:t:~~~~-!la.~-~Q:rt~l; que o carater interne e as m-
· "Este debate e resumido em Klaus Knorr e James Rosenau (eds.) Contending Approaches 
to International Politics (Princeton: Princeton University Press, 1969). Ver tambem o 
debate contemporaneo entre Rosenau e Northedge emMillenium, v.S, n.1, 1976. 
16Sou particularmente grato ao meu colega Michael Banks por sua considerac;lio do de?ate: . 
ver, por exemplo, seu 'The inter-paradigm debate' em Light e Groom (eds.) lnternatwnal 
Relations. 
17Ver, em particular, o capitulo em Light e Groom (eds.) International Relations de 
Christopher Hill e Margot Light. 
26 Fred Halliday 
f},lj_e_~~i~~-.<:l~_UIIJ_J?~!:S.J?9..Q~!~L§~L~ratag~~2P:.<?_~~:~l!.llt~~--P~ est~­
do de sua polftt.c~ ~~t~l}la - parttcularmente, esta ultima e uma aa·s 
relvindica~ao favoritas de. Waltz. Pelo contrario, a analise de polfti-
ca extema examinou a composi~ao do processo de sua formula~ao, 
primeiro em termos de fragmenta~ao e rivalidade burocratica e in-
dividual dentro do Estado e, entao, em termos de demandas polfti-
cas mais amplas, incluindo as das legislaturas, da imprensa, da opi-
niaoiublica e da ideologia. 
Esta abordagem abriu a possibilidade para o estudo comparado 
da p itica extema e das formas pelas quais as diferentes caracteristi-
cas constitucionais, his~oricas e sociais afetam sua formula~ao e a im-
plementa~ao, algo antes exclufdo pela nega~ao realista da relevancia 
dos fatores intemos:JA conclusao alcan~ada por este caminho, nas 
investiga~oes intemacionais e nas domesticas, foi que a premissa da 
"racionalidad~" ·deveria dar Iugar as_Jqt~~-J:?.yroc..r~1if~~ _t:f!!~.ffi~§, as 
conseqli8iiclas niio-iniendonal's;- As ·nusoes individuais~ e 'd.e grupos, 
ao "pensamento de grupo" e assim por diante. A suposi~ao de que os 
Estados poderiam ser tratados como maximizadores racionais de po-
der e calculadores do interesse nacional provou-se uma base inade-
quada e equivocada para a analise de politica extema. 
0 mais importante desafio da analise de polftica foi, entretan-
to, a reivindica~ao realista de que OS Estados podem ser tratados 
unicamente como unidades em urn ambiente, sem referenda as suas 
estruturas intemas e as mudan~as dentro deles. 0 que a analise de 
polftica extema procurou mostrar foi nao somente que sua aborda-
gem, incorporando fatores domesticos, poderia fomecer uma con-
sidera~ao mais persuasiva da formula~ao da politica extema, e de 
suas irracionalidades, mas tambem que era necessaria identificar as 
formas pelas quais os ambientes domesticos e os processes dos pa-
fses eram afetados por fatores exteril.os, estivesse o Estado envolvi-
do ou nao nesta intera~ao. Este foi evidentemente o caso dos pro-
cesses economicos, alteta~oes no pre~o mundial do petroleo tinham 
efeitos sobre os pafses, independentemente do que os govemos es-
colhessem fazer, e tambem dentro de varies processes ideol6gicos 
e politicos. As sociedades estavam interagindo de forma transnacio-
nal, e estas "liga~oes", ao inves das interestatais, estavam tendo urn 
impacto na politica extema. Confrontados com tais desafios e influ-
encias extemas, OS Estados, dependendo das circunsdincias, agiam 
para acomoda-las ou evita-las. 
A analise de politica extema, nascida da rejei~ao behaviorista de 
conceifos"liisiiiiidoiirus'' n~o "cfesenvoiveu"uma-ieoda'do ''Estado:'E:ia' 
tiiina'taiiioem outras Iiiiiita~oes: uma .. preocupa~aoestr~it;:'futichi­
cizada, com decisoes e urn conceito sociologicamente ingenue do 
"ambiente" intemo. Por esta razao, ela falhou em aproveitar a opor-
Repensando as rela<;6es intemacionais 27 
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tunidade, que depois beneficiaria a literatura da sociologia hist6ri-
ca, de uma analise abrangente e combinada dos papeis internes e 
externos dos Estados. Mesmo assim, foram as conquistas da analise 
de polltica extema que levantaram esta questao e tornaram possfvel 
examinar a rela~ao interno-externo sob uma nova luz. 
Neste contexte, surgiu uma abordagem diversa baseada na .Jn= 
terdenendencia", urn conceito utilizado para examinar como as so-
• . ~--4- .... ~. --·---'--,.---._..,...- .... ·--~~~-----~---~·•··•··~···-·- ... '""_ ...... , -- .. _,.,_...._.. .. , ... ,.,, -·"·--~.-~---~.-.- --.._......,rr......_,.._,..---;--- ·····. 
ct~d~des e os Estados estao ~e t()m~nd.o .. ~a,da y~~JJl .. l!!§... mterhga~Q§ 
e as conseqi.iehcias de tal_proc.esso .•. 0 desenvolvimento da literatura 
sobre interdepeii.d€nCla .. ilustra bern as oportunidades, e armadilhas, 
do r~conhecimento 4a con~"-li() __ ~n.t~~--() ~?.l!l~st.l~() e (? _ _liji~ijl~f:_ioria,I. 
Apesar de fomecer urn quadro para examinar esta liga~ao, ela fre-
quentemente tern levado a simplifica~ao da relayiiO e a facil afirma-
~aO de que tudo, agora, e "interdependente". 
A "interdependencia" e urn termo que tern estado intermitentemente 
em voga par urn seculo. Em seu uso contempodineo, ele se originou 
como urn conceito na economia, onde comparativamente tinha urn sen-
tido mais claro, de acordo com o qual duas economias sao interdepen-
dentes quando existe uma relativa igualdade de poder entre elas e quando 
sua intera~ao mutua e tal que cada uma e significativamente vulneravel 
as a~oes da outra. A interconexao produzia vulnerabilidade e a partir 
daf a~uava como uma restri~ao ao que as outras poderiam fazer. Em sua 
fonna ch!ssica, a percep~ao era de fato que o aumento do comercio entre 
as na~oes fortaleceria a paz, uma ideia de sensa comum antes da Pri-
meira Guerra Mundial, mas que desde entiio nao era ouvida. Sua ree-
mergencia nos anos 1970 foi tanto uma resposta a eventos economicos 
- o declfnio do d6lar, a eleva~ao dos pre~os da OPEP (Organiza~ao dos 
Pafses Produtores e Exportadores de Petr6le~ - quanto ao impacto 
politico dentro dos EUA da Guerra do Vietna.p;m sua formula~ao dos 
anos 1970, e especialmente no trabalho de Robert Keohane e Joseph 
Nye, ela se sustentava em tres proposiyoes: que o Estado estava per-
dendo a sua posi~ao dominante nas relay6es internacionais para atores 
e for~as "nao-estatais", como as corpora~oes multinacionais; que nao 
mais existia uma hierarquia de questoes internacionais, com os assun-
tos m!Jitares e estrategicos, a high politics, no topo, e as questoes eco-
nornicas e de bem-estar, a low politics, mais abaixo; e que o poder mi- . 
litar estaya perdendo sua importancia nas rela~oes intemacionaisf_ 
Mesmo se a visao realista de urn mundo estrategicamente orientado e 
estato-centrico tivesse sido verdadeira no perfodo anterior, este nao mais 
era o caso, a medida que as antigas barreiras cafram e as for~as econo-
micas e polfticas prestavam cada vez menos aten~ao ao Estado. 
'"Robert Keohane e Joseph Nye (eds.) Transnational Relations and World Politics 
(Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971). 
28 Fred Halliday 
. A teoria da interdependencia foi criticada a partir de vanas pers-
pectivas. Waltz argumentou que ela era historicamente erronea,ja 
que a interdependencia havia sido, em varios aspectos, muito maior 
no passado do que no presente. 19 Waltz e outros encararam a maior 
intera~ao como estimulando o conflito: "boas cercas fazem bons 
vizinhos", eles disseram. Northedge e Bull contestaram a visao de 
que para os Estados era verdadeiro ou desejavel perder o controle 
sobre suas popula~oes ou ceder a responsabilidade de administra-
~ao de assuntos internacionais: apesar de toda discussao sobre as 
"questoes globais" e os "bens comuns" universais, eram os Estados 
que, por bern ou por mal, continuavam responsaveis pela resolu~ao 
destas questoes de paz, fome e ecologia. Os indivfduos continua-
vam se identificando tanto quanto antes com os Estados e os consi-
deravam como essenciais para o desempenho de fun~oes de segu-
ran~a, representa~ao e bem-estar. Os marxistas apontaram que a in-
terdependencia aplicava-se, na melhor das hip6teses, a urn peque-
no grupo de pafses ocidentais desenvolvidos e que sua utilizaylio nas 
rela~6es Norte-Sui escondia assimetrias de poder e riqueza que eram 
causadas pelo sistema imperialista. 
A ideia de interdependencia tambem perdeu importancia com a 
deteriora~ao das rela~6es internacionais no final dos anos 1970 e infcio 
dos 1980. Nos contextos leste-oeste e do Terceiro Mundo, parecia me-
nos evidente que o poder rnilitar havia perdido sua importancia; as rela-
~oes internacionais pareciam concentrar-se uma vez mais, e de uma for-
ma bastante tradicional, nos Estados, e nos grandes poderes em particu-
lar; a substitui~ao1ou o desprezo ao Estado assumiam, em muitos casos, 
uma forma maligna, Ionge do que tinham previsto os expoentes liberais 
da teoria da interdependencia- seja em situa~oes de guerra civil (Lfba-
no, Sri Lanka), como no crescimento dos processes transnacionais que 
nao eram bem-vindos- o terrorismo, a polui~ao e o voo de capitais, dentre 
eles. Os "atores nao-estatais", como os novos movimentos sociais, nao 
eram todos benignos: assim como os primeiros inclufam fac~oes religi-
osas fam!ticas e movimentos de juventude racista, junto com o Oxfam, 
o Bandaid e Anistia Intemacional, a ultima categoria inclufa a Mafia e o 
Cartel de Medellin. 
19Kenneth Waltz, 'The myth of national interdependence' em Charles Kindleberger (ed.) 
The International Corporation (Cambridge, MA: MIT Press, 1970). -
Repensando as rela<;:6es intemacionais 29 
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AS RELA<;;OES INTERNACIONAIS DESDE 1970 
Os desafios do behaviorismo, da interdependencia e da eco-
nomia polftica internacional ao realismo, minaram seu monop6lio 
anterior na area e produziram uma disciplina mais competitiva e 
diversa. Isto, por sua vez, encorajou a emergencia de varias outras 
abordagens, defendendo ou rejeitando o realismo. 
A reafirma¥ao do realismo, o ltm'SFl'~lflisni6"1, a qual voltarei 
no Capftulo I.lespondeu as preocupa¥6esda ecori'omia poHtica in-
temacional, mas buscou restabelecer a primazia dos Estados e das 
preocupa¥6es polftico-militares, dentro de sua analise global/ Assim, 
Stephen Krasner atribuiu o fracasso dos Estados do Terceiro Mundo 
em arregimentar apoio para sua Nova Ordem Economica Intemaci-
. onal nao a sua fraqueza economica, mas, ao inves dis so, a sua fra-
·,: queza como Estados e a sua adesao a principios que se chocavam 
:J.· .com os dos Estados dominantes no sistema internacional. 20 Robert 
: _.,. · Tucker destacou o contfnuo papel dos gran des poderes e da for¥a 
" militar na manuten¥ao do sistema internacional e imputou a pobre-
za dos Estados do Terceiro Mundo a fatores polfticos e economicos 
end6genos. 21 Os pilares centrais do neo-realismo foram, entretanto, 
J.ostos com maior clareza em dois trabalhos do final dos anos ~ 970 - 'he Anarchical Society, de Hedley Bull; e Theory of Internatwnal e ations, de Kenneth Wattilcujos argumentos sao revistos critica-
mente nos Capftulos 4 e 1, respectivamente). 22 Ambos reconhece-
ram, e buscaram refutar, as crfticas das duas ultimas decadas. Desta for-
ma, procuraram destacar a J?J:'jQJ.a,?:~~ d<>.~ ,E§ta®.!?_:Q..2 .• ~!~J~1J1Jl. intern..a~io­
nal e o.pqder~.P~P~~-~!1Por4~J:l~~?.cl:?.s ll~or~s''~!io.-:-estatais". Ao n:;tesmo 
tempo, eles debateram qu~ os .£!'£~~~so!.~SQnomJCOs, como qu~tsqu~r 
outras atividades transnaciOnats,..r~qY.~Q~tnqu.e . .os.Est!4.~s provtdenct-
assem a segura.n¥a ea.regyla~ijQ_necessarias para a sua contiiiu1dade:'Eles 
eram ceticos quanto as reivindica¥OeS de que a interdependencia estava 
aumentando e destacaram a contfnua importancia dos grandes poderes 
na administra¥ao das rela¥6es intemacionais; j:>ara o bern ou pata o mal. 
Se o "neo-realismo" respondeu as crfticas ao realismo pela reafir-
ma¥aO de seus pilares tradicionais, outros levaram a analise das RI para 
ainda mais Ionge da ortodoxia estabelecida. Em uma extensao radical 
do behaviorismo, John Burton, em seu World Society e outros trabalhos, 
desenvolveu uma teoria de rela¥6es intemacionais baseada nas necessi-
dades individuais e no conjunto de questoes geradas por estas ne-
20Stephen Krasner, Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism 
(Berkeley: University of California Press, 1985). 
21Robert Tucker, The Inequality of Nations (London: Martin Robertson, 1977). 
22Kenneth Waltz, Theory of International Relations (New York: Random House, 1979). 
30 Fred Halliday 
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cessidades.23 Na visao de Burton, o sistema internacional era, par-
tanto, uma teia de intera¥6es definidas por questoes, dentro das quais 
as estruturas especfficas do poder militar e estatal desempenhavam 
urn papel distinto, mas nao exclusive ou predominante. Enfatizan-
do a resolu¥ao do conflito atraves das media¥6es de grupos peque-
nos ou individuais, o trabalho de Burton rompeu ~e forma extrava-
gante com a visao das rela¥6es intemacionais centrada no Estado 
pela introdu¥aO de uma analise· e abordagem alternativa de polftica. 
Paralelamente, no Projeto de Modelagem de Ordem Mundial, Richard 
Falk desenvolveu uma teoria de alternativas e oposi¥6es ao poder 
do Estado no nfvel intemacional, baseada nas necessidades huma-
nas e nas intera¥6es transnacionais e nao-estatais. 
0 aprofundamento da rela¥ao entre o mJtt&ismo e as RI cons-
titui outro desenvolvimento nao ortodoxo Cfos anos 1970 e 1980 e 
sera discutido no Capftulo 2. Como ja indicado, a porta de entrada 
do marxismo nas RI foi a questao do subdesenvolvimento e, de 
muitas maneiras, ele permaneceu -conflnado_a_esta .. iirea~-Avisao 
marxista classica, altemativa, sobre o desenvolvimento foi descon-
siderada (segundo a qual interessava ao capitalismo desenvolver 
o Terceiro Mundo), assim como algum de seus conceitos funda-
mentais, mais relevantes para as preocupa¥6es das RI, referentes 
as causas das guerra, ao papel das classes e ao carater da ideolo-
gia, nao foram utilizados na analise internacional. Ao defender a 
primazia de uma agenda alternativa- as rela¥6es Norte-Sui e as 
estruturas internacionais de explora¥ao - o marxismo deixou as 
rela¥6es intemacionais inc6lumes. A separa¥ao das RI da influen-
cia marxista foi maior do que nas outras areas das ciencias sociais 
e, certamente, foi causada pela predominancia dos escritos ameri-
canos na area, que refletiam urn clima intelectual no qual o mar-
xismo estava totalmente ausente. 
Somente nos anos 1980 esta situa¥ao come¥OU a mudar. Dentro dos 
escritos da economia poHtica internacional,(houve uma aplica¥aO dos 
conceitos marxistas para analisar as causas e as conseqliencias de urn 
mercado cada vez mais internacionalizado e das novas formas que ele 
estava assumin<J~en~o da analise de poHtica extema; tomou-se pos-
sfvel nao somente exarhinar como os fatores burocraticos e constitucio-
nais afetavam resultaoos polfticos, mas tambem como eles mesmos eram 
moldados pelos fatores hist6ricos e sociais mais amp los, incluindofato-
23John Burton, World Society (Cambridge: Cambridge University Press, 1972). Para 
uma critica de Burton ver Christopher Hill, 'Implications of the world society perspective 
for national foreign policies' em Michael Banks (ed.) Conflict in World Society: A New 
Perspective on International Relations (Brighton: Wheatsheaf, 1984). 
Repensando as rela<;6es intemacionais 31 
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res intemos de classe. 24 0 papel dos setores de produ<;ao militar na 
promo<;ao e exagero da confronta<;ao intemacional e urn exemplo 
6bvio, e nao negligenchivel, disto. 
0 crescimento da literatura de s6ciologia hist6rica sabre as 
questoes da competi~ao internacional e da forma<;ao de Estado, cri-
ticamente engajada com o marxismo, forneceu uma oportunidade 
particularmente frutifera para urn novo trabalho sabre as rela~oes 
ex6genas-end6genas e sabre as formas pelas quais os Estados in-
teragem com o sistema mundial. 25 ~§_taJit~X:~!':!'::~--!~E-~.<:>.':! . ..P_~ss!_y~_l_ 
di~~Qtir o mais imp()r!ante. ~ 11egligenciaclo _ele{ll~!l_to do realismo~_ 
_ .9.~-~~ seja, sua fC>!l~~P .. ~~-?}~gal:!~rritQr.i.aLde .. ~§_t~qo; urn assun~o ao 
qual voltarei no Cap1tulo 3~uase todo o debate entre o reahsmo 
eo marxismo tern girado efn:-torno do problema do Estado, mas 
raramente se reconhece que isto envolve duas concep~6es bastan-
te distintas de "Estado" que levam a conjuntos diferentes de ques-
t6es: uma das concep~6es e a legal-territorial, emprestada do di-
t' reito e da ciencia politica tradicional; a outra e o conceito alterna-
tive, emprestado do marxismo e da sociologia weberiana, segun-
do o qual o Estado e percebido como uma entidade administrati-
va-coercitiva, urn aparato dentro dos paises e das sociedades, ao 
inves do pais como urn tod~stas concep<;oes incluem as inopor-
tunas questoes de como o i:ii"rernacional e o domestico interagem e 
como as rela~6es entre os Estados e as pessoas sao afetadas pelos 
fatores internacionais em mudan~a. sejam estes o papel dos Esta-
dos na guerra ou a transforma~ao de padroes internacionais para o 
reconhecimento de urn governo legitime. 
Uma corrente ainda mais recente e critica a surgir das RI foi a in-
fluenciada pelo feminismo, assunto do Capitulo 6 deste livro. Ate a me-
tade dos anos 1980, as RI pareciam ser mais indiferentes as quest6es de 
genera do que qualquer outra area das ciencias sociais, uma situa~ao 
gerada pela aceita~ao generalizada da distin<;ao entre uma area conven-
cionalmente "masculina:" da alta politica, da seguran~a internacional e 
do statecraft, e uma ''feminina" de domesticidade, de rela<;6es interpes-
soais e de localidade. Esta indiferen<;a mutua tern, entretanto, sido subs-
24Para uma abordagem sociol6gica, altemativa, a polftica extema, ver David Gibbs The 
Political Economy of Thirld World Intervention: Mines, Money and U.S policy in the 
Congo Crisis (London: University of Chicago Press, 1991). 
25Exemplos desta intera~ao entre a sociologia hist6rica e o intemacional incluem John 
Hall, Powers and Liberties (London: Pelican, 1986) e Michael Mann, The Sources of 
Social Power, vol. 1 (Cambridge: Cambridge University Press, 1988). Estas questoes 
foram exploradas adicionalmente em urna serie de seminruios patrocinados pelo Economic 
and Social Research Council sob o titulo 'Structural Decline in the West' realizados em 
Cambridge entre 1988 e 1991. As atas da primeira destas confer~ncias esHio em Michael 
Mann (ed.) The Rise and Decline of the Nation State (Oxford: Basil Blackwell, 1990). 
32 Fred Halliday 
tituida face a dois processes convergentes. Urn provem da esfera da 
politica: em varias areas da politica internacional, as quest6es de 
genera ganharam proeminencia em anos recentes. Estas incluem as 
quest6es referentes as mulheres nos processes de desenvolvimento, 
ao direito internacional e as politicas da CE com rela~ao as mulhe-
res e aos impactos diferentes, sabre homens e mulheres, de proces-
ses socioeconomicos, dentre eles a migra~ao e as politicas de "ajus-
te estrutural". A dispersao do envolvimento das mulheres em movi-
mentos contra a guerra e as armas nucleares gerou urn outro ponto 
de interse<;ao especifica de genera/Em uma area bastante diferente, 
os escritos feministas come~aram a discutir alguns conceitos cen-
trais da teoria das RI, questionando sua neutralidade de generql'"'"Es-
tes _in~luem os conceitos de "interesse nacional", seguran~a, poder 
e dlreltos humanos, todos apr~sentii<Rrs-ifa'Tilerafura dominante como 
netitros. ·contudo, como 0 reexame feminista tern rilostiado~- cada urn 
deles tern urn significado de genera implicito. Acima de tudo o fe-
• • -----...-...--,-~ •..• , •• ~--·"-~·· ........... .,....-..... ' -~ '•.· • ...,~ ...... •.····---···-·'""''""'1, •.. ,~- ' 
mm1smo, como as outras teonas que enfatizam os direitos individu-
ais e sociais, questiona o nucleo da pratica convencional das rela-
~6es intemacionais: o valor supremo da soberania. Por exemplo, o 
estabelecimento ·de Estados independentes levou, em muitos paises, 
a deteriora~ao da posi<;ao das mulheres vis-a-vis OS homens, com 
afirma<;6es de soberania e identidade nacional sendo usadas para 
negar a legitimidade de tais questoes. Existe, portanto, urn e.spa<;o 
consideravel, na pratica e na teoria, para os questionamentos femi-
nistas frente as reivindica~6es do nacionalismo e a suposta autori-
dade do Estado soberano. 
OS PARAMETROS DO "REPENSAMENTO" 
Este capitulo discutiu que o "@t~aacional" nao e um com-
E.2.!!~!!!e adis;io.u_l'!,1_~_u recente, da reah . a<!e. _§Qf.!~1 e pohhcli,IilaS-
l1!1:1 4e._~e_~.J~.!.~m~nto·s-cru:raaourose-coiistitutivos. fguafmeiite;-·ere 
debateu o Iugar das"RI em-seu"contexioTntefe(;·t~uaT' e hist6rico mais 
amplo. Antes de mais nada, a parceria entre as RI e as outras cien-
cias sociais pode ser definida pela abordagem conjunta que estas 
disciplinas podem oferecer sabre temas domesticos e internacio-
nais: na considera~ao de questoes especificas ou eventos e possi-
vel analisar em que medida o internacional desempenha ou nao urn 
papel determinante. 26 Tres grupos de t6picos inter-relacionados se 
26Dois exemplos: o papel do "imperialismo" em mol dare distorcer as economias nacionais 
dos Estados do Terceiro Mundo; o papel da Guerra Fria no fortalecimento do govemo 
centralizado nos EUA e na produc;:ao de urn "estado de seguran~a nacional". 
. Repensando as rela<;:6es intemacionais 33 
ludmi
Realce
ludmi
Realce
I 
mostraram presentes. 0 primeiro foi 0 de_questoes de oda"poJif 
ca no sentido mais tradicional e normattvo do _termo: o ng~­
~ao, seja Pll_~a com a !amilia, o Es!ado ou ,a s_octed~de cos~opolt­
ta; de justi~a, de sua tmplementa~ao n?s ~nvets na~wnal e mterna-
cional e de seu conflito com valores nvats, espectalmente a segu-
ran~a; da Iegitimidade da for~a e da coer~ao, dentro e entre os 
Estados; do direito de resistir a Estados ,s?beran~~-: 27 __ ~~m seg~.Q.. 
Iugar, existe urn conjunto de questoes teoncas no~n.tida-.l!I!ru_!!!£.<;J~ 
mais contempodineo: a analise do poder; a rela~ao e~tre as estru-
turas pollticas, economicas e ideol6gic~s; a relev,a~cta dos mode-
los de escolha racional para a a~ao soctal e a pohttca, para os Es-
tados, as institui~oes e os individuos dentro del~s. 28_ • 
Finalmente, existe o fs>~s>__c_!~ste livro, a explt~a~ao ~e ststeiJ?.as 
politicos e sociais a lu~"d-os dete~ri:iinant~s domesttcos e mternact<:>-
nais. <;::ada niy~l. 9.nact2nl,'!l e o. mtemactQ!l:~~!.-~~-~--~~~-llY!On<;_>~a 
·arcY~CTodavia, como indicado acima, a separa~ao dos d?ts mve~s ~@udo, assim como ada ciencia politic~ e d~s. rela~oes n~t~rnact­
onais, tern causado danos a explica~ao e ~ anahse. Co~o J_a _arg~­
mentado, nao e possivel explicar as politicas_ de Estados mdtvtduats 
sem referencia a varios fatores intermi.cionats do pa~sado e do p~e­
sente:/? "internacioi?-al" nao e ~lgo

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