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RECURSOS NATURAIS E DESENVOLVIMENTO RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 1 11/09/13 09:25 Recursos naturais e desenvolvimento – estudos sobre o potencial dinamizador da mineração na economia brasileira João Furtado e Eduardo Urias, 2013 Edição Lavínia Fávero Pesquisadores colaboradores Anelise Pianna (capítulos 2 e 3) João Marcos Cotait (capítulo 3) Renato Garcia (capítulo 4) Suelene Mascarini (capítulo 4) Mauro Zackiewicz (capítulo 5) Daniel Lapolla (capítulo 6) Gabriel Cavalcanti (capítulo 6) Tatiana Massaroli (capítulo 7) Juan Sepúlveda (capítulo 7) Gérson Freitas Jr. (capítulos 8 e 9) Revisão Gislene Rodrigues Projeto gráfico e editoração eletrônica Ludo Design Gráficos e figuras Lobão Design Mapas do capítulo 4 Eder Roberto Silvestre Foto de capa Mármore silicoso visto no microscópio, por Mark S. Wagner DADoS InTERnACIonAIS DE CATALoGAção nA PUbLICAção (CIP) Furtado, João Recursos naturais e desenvolvimento: estudos sobre o po- tencial dinamizador da mineração na economia brasileira / João Furtado, Eduardo Urias. – 1. ed. – São Paulo : Ed. dos Autores/IbRAM, 2013. Inclui bibliograia. ISbn 97885915804-08 1. Recursos naturais – brasil. 2. Minas e recursos minerais – brasil – História. 3. Desenvolvimento econômico – brasil. 4. Indústria mineral. 5. Minas e recursos minerais – Inova- ções tecnológicas. I. Urias, Eduardo. II. Título. CDD – 338.20981 ISbn 97885915804-08 1a edição: 2013 1a impressão: 2013 Impressão e acabamento: Ipsis Gráica e Editora RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 2 11/09/13 09:25 João Furtado e Eduardo Urias RECURSOS NATURAIS E DESENVOLVIMENTO Estudos sobre o potencial dinamizador da mineração na economia brasileira RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 3 11/09/13 09:25 RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 4 11/09/13 09:25 AGRADECIMENTOS Devemos a primeira semente da pesquisa empreendida para este livro a Fernando Fajnzylber. Seu pensamento permitiu que nós e outros pesqui- sadores incorporássemos o tema dos recursos naturais, tão desprezado na tradição da América Latina, ao leque de assuntos relevantes para a reflexão econômica. o desdobramento dessa reflexão pioneira se deu no âmbito do Grupo de Estudos em Economia Industrial, da Unesp-Araraquara, cujos seminários sempre foram um espaço de debates. Contamos com a crítica firme e generosa de Rogério Gomes e Marcelo Pinho, que deram espaço para que ideias ainda frágeis pudessem florescer. Durante a execução do trabalho, os estudantes e os pesquisadores do Grupo de Estudos em Inovação e Desenvolvimento, da Poli-USP, contri- buíram com questionamentos que nos ajudaram a dar consistência a diver- sos argumentos. nosso reconhecimento a Diego Muñoz, Giovana nahas e Rosalina Mesquita por sua assídua contribuição. Agradecemos também a colaboração dos pesquisadores Anelise Pianna, Daniel Lapolla, Gabriel Cavalcanti, Gérson Freitas Jr., João Marcos Cotait, Juan Sepúlveda, Renato Garcia, Suelene Mascarini e Tatiana Massaroli na elaboração dos estudos aqui reunidos. Mauro Zackiewicz, além disso, par- ticipou ativamente da gestação e de parte importante da execução desses estudos, compartilhando esforços e projetos. Um agradecimento especial à equipe do Instituto Tecnológico Vale, na pessoa do professor Luiz Mello. Sua confiança e sua visão ajudaram a dar amplitude à nossa abordagem. A todos os que contribuíram para os argumentos que se materializaram neste livro, o nosso muito obrigado. J.F. e E.U. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 5 11/09/13 09:25 SUMÁRIO 1 Recursos naturais: uma criação humana 10 As técnicas de produção usam recursos. o dinamismo tecnológico cria recursos 17 os recursos naturais têm tanto ou mais potencial para gerar agregação de valor do que a indústria de manufatura 23 Possíveis impactos adversos de uma política tributária imediatista 25 2 Padrões de produção mineral e desenvolvimento econômico: efeitos da mineração sobre a indústria de equipamentos e serviços especializados 32 Desenvolvimento tecnológico: quatro elementos centrais para a sua compreensão 35 Elemento 1: convergência tecnológica 37 Elemento 2: complementaridades 39 Elemento 3: impacto cumulativo de melhorias incrementais 39 Elemento 4: relações intersetoriais 40 Da tipologia dos padrões setoriais aos sistemas nacional e setorial de inovação 41 Experiências históricas das relações entre mineração e fornecedores de soluções 42 Países nórdicos 42 Estados Unidos 49 Alemanha 55 Canadá 57 Austrália 61 África do Sul 64 RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 6 11/09/13 09:25 Comércio internacional de máquinas e equipamentos para mineração: uma discussão sobre barreiras à entrada 68 3 Padrões de produção mineral e efeitos sobre a infraestrutura: a experiência internacional 76 Infraestrutura e desenvolvimento econômico 78 Infraestrutura na mineração 82 Experiências históricas das relações entre mineração e infraestrutura 85 Canadá 85 Austrália 90 Bolívia 95 Chile 98 Papua Nova Guiné 99 4 Efeitos regionais da demanda do setor mineral 102 As visões pessimistas 104 As visões otimistas e conciliadoras 107 Experiências internacionais 108 Sudbury, Canadá 108 Antofagasta, Chile 110 Suécia, Finlândia e Noruega 113 Mapeamento das regiões brasileiras com atividades mineradoras relevantes 116 Distribuição regional do emprego nas atividades mineradoras por estado 118 Distribuição regional do emprego nas atividades mineradoras por microrregião geográica 121 Tipologia das microrregiões mineradoras no Brasil 127 Indicadores regionalizados 133 Indicadores socioeconômicos 133 Indicadores de ciência, tecnologia e inovação 139 RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 7 11/09/13 09:25 5 O papel da ciência e da tecnologia no setor mineral 146 Trajetória da C&T brasileira na mineração 152 o potencial da C&T mineral no brasil 160 Grupos de pesquisa 167 Investimentos públicos 169 Investimentos privados 169 6 Estudo de patentes de setores avançados para o setor mineral 176 Mining Technologies 179 Tecnologias aplicadas à mineração 184 Nanotecnologia 186 Fornecedores da Mineração 187 Indústria química 189 Fornecedores de máquinas, equipamentos e serviços de engenharia 190 Empresas Mineradoras 193 7 Impactos setoriais nas exportações e nos investimentos: aplicação da matriz insumo-produto e análise de impacto das atividades econômicas vinculadas à mineração 198 Características produtivas da mineração de ferro 200 Metodologia para o cálculo da matriz de impactos intersetoriais 203 Análise dos resultados: exportações 212 Análise dos resultados: investimentos 223 8 Ciclos de preços e mudanças institucionais 230 os superciclos de preços 232 RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 8 11/09/13 09:25 o superciclo chinês 236 Entre a estatização e a privatização 239 Anos 2000: uma guinada nacionalizante 252 9 Atividades primárias e minerais em perspectiva histórica: a força e a permanência das ideias 258 Revisão dos argumentos da tese da deterioração dos termos de troca 264 Pilares da tese Prebisch-Singer 267 O progresso técnico na indústria é mais acelerado do que no setor primário-exportador 267 Disparidade de elasticidades 270 Os mercados de empresas e de trabalho são oligopolizados na produção industrial em maior grau do que na produção primária 273 Implicações da tese Prebisch-Singer para as políticas públicas 275 Principais críticas à tese Prebisch-Singer 279 Inversão da tendência de deterioração dos termos de troca 281 Uma abordagem alternativa: desenvolvimento apoiado em indústrias intensivas em recursos naturais 286 Referências bibliográficas 290 RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 9 11/09/13 09:25 1RECURSOS NATURAIS: UMA CRIAÇÃO HUMANA RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 10 11/09/13 09:25 11 A contribuição mais relevante da teoria econômica à compreensão das ati- vidades primárias e do papel dos recursos naturais pode ser sintetizada na proposição recursos naturais não existem, eles precisam ser criados. o signi- ficado dessa afirmação não é autoevidente e pode causar, à primeira vista, alguma estranheza. Poucos elementos são suficientes para torná-la clara. E, uma vez compreendido o seu alcance, a visão que a sociedade tem sobre o papel dos recursos naturais na riqueza dos países e no desenvolvimento econômico ganha uma nova perspectiva. Tome-se como exemplo a relação entre a agricultura e a terra. É a terra que possibilita a agricultura ou é a agricultura que torna a terra agriculturá- vel? Embora a primeira relação pareça natural, foi a segunda que prevaleceu ao longo da história, desde a antiguidade, mundo afora, até no brasil, em períodos recentes. Para implantar a agricultura, os homens tiveram que de- senvolver técnicas – de domínio dos ciclos das águas, de proteção do solo e das culturas, de limpeza e fertilização do solo, de adequação das sementes e das variedades de plantas a cada condição de solo e de clima… A terra era apenas um recurso em potencial, nunca se tornaria um recurso de fato sem a ação deliberada do homem. os recursos utilizados pelo ser humano, em sua ampla maioria, não são naturais. É verdade que a natureza dá ao homem a oportunidade de mostrar suas habilidades e de aplicar seus conhecimentos, que se reforçam mutua- mente e são elementos em contínua expansão. A visão segundo a qual as reservas de recursos naturais são apenas um dado de uma determinada área geográfica é errônea. Por essa ótica, um país, em determinado momento, possui uma reserva fixa que terá uma vida útil dependente da intensidade de uso e da eficiência do método de extração. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 11 11/09/13 09:25 12 Recursos naturais e desenvolvimento Há uma tendência de compreender os recursos naturais como um ativo único (o cobre, por exemplo), em vez de relacioná-lo a todo o complexo de substâncias, forças, condições, relações, instituições e políticas que ajudam a entender o funcionamento do cobre como recurso em dado momento. Essa preocupação com um simples fenômeno tangível na natureza cria a falsa impressão de que os recursos são algo estático. na verdade, eles são tão dinâmicos quanto a sociedade em si. na história brasileira recente, essa afirmação se aplica com facilidade à grande fronteira agrícola de hoje: o cerrado. Foi a ação humana deliberada, o uso efetivo do conhecimento científico, da pesquisa e da tecnologia, que criou o recurso natural chamado cerrado e o tornou disponível para o desenvolvimen- to agrícola. Muito antes, no século XIX, foram as ferrovias que tornaram as terras de São Paulo disponíveis como recurso para a cultura cafeeira. Até hoje, denominações de ferrovias inspiradas na geografia do estado (Araraquarense, Mogiana, Paulista, Sorocabana) são fortes no imaginário paulista. A mineração suscita uma reflexão análoga: os recursos minerais não são propriamente naturais. Embora se possa argumentar que o volume de mi- nérios seja fixo, o mesmo não pode ser dito sobre as reservas conhecidas e provadas. Descobrir e provar a existência de uma reserva mineral demanda a mobilização de outros recursos, bem como avanços em diferentes cam- pos da ciência e da tecnologia. Por outro lado, tampouco a intensidade de uso e a eficiência nos métodos de extração podem ser assumidas como fixas. Para que se tornem recursos produtivos, tenham valor econômico e social, os recursos minerais precisam ser criados. Em primeiro lugar, é necessário identificá-los. Essa identificação nunca ocorre sem um trabalho de prospecção, que está longe de ser trivial. Esse trabalho pode ser resultado do esforço de homens práticos, como foi durante muito tempo, ou de pessoas pre- paradas científica e tecnicamente para a tarefa, como ocorreu a partir de meados do século XIX, quando os Estados Unidos criaram diversas escolas superiores e profissionais voltadas para a geologia e para a mi- neração em novas bases. Identificada uma possível ocorrência, esse recurso que o conheci- mento humano localizou na natureza precisa ser dimensionado, e sua exploração, planejada e executada. Entre o minério, que nunca ocorre isolado, e seu uso pelas atividades humanas de produção industrial e RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 12 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 13 de consumo, existe um longo percurso, que cria o recurso natural por intervenção humana. Ao longo do século XIX, por exemplo, os EUA exploraram intensamente os seus recursos minerais. Essa exploração aumentou as reservas – um pa- radoxo aparente que ajuda a compreender o conceito de recursos naturais. A exploração mineral, numa perspectiva dinâmica, não resultou no seu esgotamento, mas ampliou a disponibilidade desses recursos e a riqueza associada a eles. Primeiro, porque cada ciclo de descoberta e de valorização ensejou mais esforços, novas descobertas e uma ampliação das reservas. Segundo, por- que o desenvolvimento de soluções em uma exploração permitiu o gradual aperfeiçoamento em outras oportunidades, alimentando soluções híbridas para problemas diferenciados e complexos. Terceiro, porque a exploração de uma mina com um determinado teor permitiu o desenvolvimento de outras com teores inferiores. o avanço das tecnologias vai permitindo tornar econômicos os recursos que se afiguravam não econômicos, portanto, não recursos. É o trabalho humano, assente em conhecimentos acumulados, o criador efetivo de todos os recursos. Como dito, os recursos naturais não são recursos, eles se tornam recursos. Esse processo é resultado de esforços em geração de conhecimento e de pro- gresso técnico pela humanidade. o carvão não era um recurso até seu uso como combustível ser inventado e posto em prática. Mais do que isso, sua viabilização como recurso dependeu de inúmeros avanços – inicialmente de grande magnitude, mas também por sucessivos desenvolvimentos incrementais de igual importância – tanto no seu uso quanto nos métodos para sua extração. Embora o carvão possa ser encontrado na natureza, carvão prontamente acessível e disponível para o uso é artigo raro. Sem o auxílio de máquinas, ferramentas e outras invenções, a humanidade não teria sido capaz de fazer proveito dele. Por outro lado, se o carvão ocorre na natureza, o mesmo não pode ser dito do coque, do sulfato de amônia, do alcatrão, dos corantes, da aspirina, do nylon e de muitos outros produtos criados pela indústria química derivada do carvão. Todos os elementos são encontrados na natureza, mas isso, por si só, não possui valor para o homem, que nem sequer pode ter consciência da existência deles ou ser capaz de isolá-los e utilizá-los.Para explorar um recurso, é necessário mobilizar antes outros recursos. A inteligência e o RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 13 11/09/13 09:25 14 Recursos naturais e desenvolvimento conhecimento dos geólogos, a informação computacional e os modelos complexos que auxiliam na interpretação dos dados (que também não são dados nem achados, são coletados, processados, interpretados…), os equipa- mentos e os indivíduos que se deslocam para o campo, as amostras, que são coletadas, processadas, interpretadas, os projetos que são elaborados para viabilizar o empreendimento, os recursos financeiros que precisam ser mobilizados para permitir os investimentos… Existe uma miríade de atos econômicos criadores de riqueza antes que a mina possa produzir o primeiro resultado material. A diferença é que os atos criadores de riqueza são apostas privadas com resultados sociaise precedem qualquer resultado que possa ser apropriado pelo empreendedor, pela empresa, pelos investidores. Daí a afirmação de que o maior de todos os recursos humanos é o co- nhecimento, a mãe de todos os outros recursos. Grande parte dos recursos é resultado da engenhosidade humana auxiliada por um processo lento, paciente, gradual e, por vezes, árduo, de aquisição de conhecimento e de experiência. Tudo isso mostra que os recursos naturais não existem, eles precisam ser criados. Eles não são estáticos, mas se expandem e se con- traem em resposta às necessidades e às ações humanas. As interpretações dos recursos naturais como um ativo tangível isolado e como um ativo de complexas relações tangíveis e intangíveis dão origem a dois modelos antagônicos de como as atividades econômicas primárias po- dem ser realizadas. Segundo a perspectiva do fluxo linear, o sistema de pro- dução é estático, e a atividade econômica é fruto da aplicação do estado da arte existente. A indústria se torna meramente extrativa, focada em retirar da natureza os elementos necessários para alguma atividade econômica situada em uma etapa posterior da cadeia de valor. não há geração de conhecimento, mas apenas o uso do conhecimento e das técnicas existentes para realizar a atividade. A atividade primária nada mais é do que um enclave no sistema econômico: possui uma lógica de funcionamento que não cria conexões com outras atividades produtivas além do fluxo do bem material em si. na perspectiva do fluxo iterativo, o sistema de produção é dinâmico, e a atividade econômica é fruto de avanços em diferentes campos do conhe- cimento técnico e científico voltados à solução de problemas colocados pela indústria primária. Essa indústria se torna uma articuladora do fluxo de conhecimento de diferentes campos científicos e de soluções técnicas RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 14 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 15 advindas de diversas indústrias. Isso permite a criação de elos que facilitam a geração e o fluxo de conhecimento não apenas entre diferentes atividades econômicas, mas também entre essas atividades e diferentes organizações de ensino e pesquisa. Em outras palavras, as atividades primárias criam e fornecem, além de insumos materiais, conhecimento e novos recursos para outras atividades industriais. Mas também são receptoras ativas de bens e de conhecimentos advindos de outros setores da economia e do sistema de ciência, tecnologia e inovação, que, por sua vez, são insumo para sua própria atividade criativa, que realimenta o processo. Sendo assim, do ponto de vista da atividade econômica, não importa a ati- vidade em si, mas a maneira como essa atividade é executada. Embora não seja o único fator, a tecnologia é um elemento-chave no processo de criação de recursos. o potencial de crescimento e desenvolvimento econômico baseado em recursos ditos naturais está relacionado à capacidade de gerar conheci- mentos científicos e tecnológicos que, ao mesmo tempo, facilitem a exploração desses recursos e permeiem outras atividades do sistema econômico. A riqueza do recurso natural está muito menos nele próprio do que nos recursos produtivos que precisam ser mobilizados para a sua exploração. É a exploração que incita a criação de conhecimentos, competências, equipa- mentos, instalações, insumos, energia, combinações de todos esses elemen- tos e capacidades de coordenação para explorar o recurso mineral. Mesmo que a exploração não resultasse nas quantidades projetadas de minério, a atividade primária (a mineração) teria, no processo, criado as riquezas cor- respondentes aos investimentos realizados. Para o empreendedor, o recurso só se torna rentável quando a venda do resultado da exploração supera os investimentos realizados. Mas, para a sociedade, a riqueza foi criada já no primeiro investimento, desde a prospecção até o momento no qual os equipamentos são colocados em funcionamento. o desenvolvimento de uma atividade primária, nessa acepção, envolve uma alimentação circular entre cada investimento e seus resultados. Essa alimentação se dá por meio de vários elos e circuitos. o conhecimento geológico acumulado numa exploração deve alimentar o estoque de co- nhecimento existente e suas possibilidades de aproveitamento em outras explorações. As soluções de engenharia construídas para uma determinada mina podem ser reaproveitadas e desenvolvidas em futuras explorações. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 15 11/09/13 09:25 16 Recursos naturais e desenvolvimento As técnicas de exploração dos minérios e a disposição e o reaproveitamento dos resíduos vão sendo aperfeiçoadas e permitem aumentar as possibilidades de desenvolvimento de novos investimentos, num fluxo que se realimenta. Um investimento pode se beneficiar dos investimentos anteriores, de modo que, ao final de cada ciclo, cria riquezas privadas e sociais. Uma exploração bem-sucedida suscita novos investimentos, novas mo- bilizações de recursos, novas prospecções e, com isso, vão aumentando os resultados e as reservas. Uma das constatações mais importantes da história da indústria mineral é precisamente essa relação, que demonstra que os recursos não são, eles se tornam, vêm a ser. Se o ambiente favorece a atividade, se a exploração produz resultados consistentes com o inves- timento realizado, o ânimo dos investidores é reforçado e, consequente- mente, as atividades de prospecção se multiplicam, abrindo possibilidades de ampliação das reservas. Esses argumentos ajudam a compreender a atividade primária (e a mine- ração, especificamente) de um modo dinâmico. A questão mais importante para o avanço da mineração, e para que ela possa cumprir um papel rele- vante no desenvolvimento de um país, é a criação de vínculos entre uma exploração e as próximas. numa economia cada vez mais integrada no plano internacional, a possibilidade de selecionar alguns projetos (e não outros) torna a competitividade de uma determinada exploração um elemento-cha- ve para a decisão sobre as próximas explorações. Por isso é necessário pensar o desenvolvimento da mineração numa pers- pectiva integrada e dinâmica. Se o empreendimento, se a empresa, se os investidores, zelosos dos seus recursos financeiros, são levados a fraturar o ciclo virtuoso da exploração que multiplica os recursos, a redução da exploração pode conduzir à redução das reservas. o país que alimenta seu ciclo virtuoso aumenta sua produção e suas reservas, mas o país que reduz sua exploração reduz também sua produção e suas reservas. Como dito, recursos não são, recursos se tornam. E se tornam por ação de esforços e da aplicação sistemática do principal recurso criado pela ação humana – o conhecimento. É o conhecimento que produz todos os recur- sos, mesmo os naturais. Essa visão sobre os recursos naturais e sobre sua criação pela ação humana se desdobra em várias dimensões relevantes e ajuda a compreender como tornar mais efetivos os recursos em potencial e a exploração dos recursos existentes. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 16 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 17 As técnicas de produção usam recursos O dinamismo tecnológico cria recursos Há uma série de estudos1 que argumentam a existência de uma correlação negativa entre o crescimento econômico e a abundância de recursos natu- rais e cunharam a expressão maldição dos recursos naturais. Segundo esses autores, países ricos em recursos minerais têm experimentado baixas taxas de inovação e de atividade empreendedora, governos ineficientes e baixo crescimento. no entanto, há pelo menos duas fragilidades dignas de nota nessa análise. Embora os autores apresentem instrumentais estatísticos que validam tal correlação negativa, não há nenhuma evidência de que a baixa taxa de crescimentoeconômico desses países tenha como causa a abundância de recursos naturais. Além disso, os estudos apresentam como variável inde- pendente a participação dos recursos naturais no Produto Interno bruto (PIb), o que não dá a medida de abundância de recursos naturais, mas sim da dependência de um país de uma determinada atividade produtiva.2 Intuitivamente é possível argumentar que não existe maldição dos recur- sos naturais, mas diferentes formas de exercer as atividades econômicas primárias, que podem favorecer ou não o crescimento econômico do país como um todo. A extração de recursos naturais sem mudança técnica – com uso das tecnologias já existentes e sem promoção de avanços na base de conhecimento, numa perspectiva de fluxo linear – representa o mero uso dos recursos. Sem organizações que demandem soluções, não há demanda por novos conhecimentos. Isso dificulta – e até impede – a geração dos incentivos necessários para que o sistema industrial se diversifique no entorno e além da indústria pri- mária. Para que a indústria primária seja motor do crescimento econômico no longo prazo, precisa ser catalisadora do progresso técnico e promotora de 1 Auty, 1990; Sachs & Warner, 1995; Idem, 2001. 2 Sachs & Warner são um exemplo dessa interpretação: “ [We] want to measure the importance of natural resources in the economy, not just per-capita. For example, Canada has higher natural resources per-capita than Zambia, yet in Zambia natural resource production is more than 50 percent of the economy while in Canada it is less than ten percent. Natural resources have much more potential to crowd out other economic activities in Zambia than in Canada” (2001, p. 831). RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 17 11/09/13 09:25 18 Recursos naturais e desenvolvimento diversificação. Essa diversificação pode ser para frente (indústria de proces- samento), para os lados na cadeia produtiva (indústria de máquinas, equi- pamentos e serviços tecnológicos para o setor primário e para a exportação) e para os lados em tecnologias de uso genérico (sistemas tecnológicos que possam ter uso em outras indústrias, como controles de processamento, controle atmosférico, sistemas de bombeamento, equipamento de constru- ção e serviços de engenharia).3 o possível impacto negativo causado por tal dependência em termos de crescimento econômico não deve ser visto como um problema causado pela indústria produtora de bens primários. na verdade, tal dependência é ape- nas reflexo da inabilidade do tecido econômico-industrial do país de criar elos intersetoriais dinâmicos que favoreçam a diversificação. Desse ponto de vista, a diversificação da economia poderia ser alcançada por meio da promoção e do suporte às atividades primárias, desde que voltadas à cria- ção do fluxo iterativo de bens, de conhecimentos e de novos recursos entre diferentes setores da economia, impulsionados pela indústria primária. Quando há mudança técnica, a indústria não se limita a utilizar os recur- sos: ela cria recursos. Mesmo sem o emprego de novas e melhores tecnolo- gias para a utilização de recursos, as reservas de minério podem aumentar devido a novas descobertas. o processo de descoberta é sujeito a avanços nos campos da ciência e da tecnologia. Avanços na geologia e na geografia propiciam a compreensão do processo de formação e de distribuição de diversos minérios, tornando possível prever onde muitos deles podem ser encontrados. o sensoriamento remoto via satélite e o uso de uma ampla gama de tecnologias e técnicas têm adicionado novas dimensões ao mapea- mento e à descoberta de minérios.4 o argumento de que a mineração é muito mais do que uma simples extração já foi desenvolvido por diversos autores.5 Embora, de acordo com o senso comum, o estoque de recursos naturais seja considerado dado, exógeno ao sistema econômico, o estoque de minerais é, até certo ponto, endógeno, produto do dinamismo do sistema econômico e dependente das regras institucionais. São elas que estimulam ou desestimulam os esforços 3 Jourdan, 2001. 4 De Gregori, 1987. 5 Wright, 1990. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 18 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 19 e os investimentos que permitem incorporar reservas desconhecidas ao acervo de recursos disponíveis para o desenvolvimento. Assim como na indústria, um grande aumento da produtividade tanto na descoberta quanto na exploração pôde e pode ainda ser obtido pela aplicação do conhecimento e pela existência de redes de suporte intelectual, tais como as fornecidas pelas escolas de mineração e por diversos campos científicos correlatos. o sucesso dos EUA na mineração, por exemplo, se caracterizou como um fenômeno de aprendizagem coletiva, incorporando, desde o investimen- to inicial em técnicas de exploração, a formação de engenheiros de minas e geólogos, fomentando uma revolução metalúrgica. o desenvolvimento de processos eletrolíticos na década de 1890 foi essencial para o avanço do cobre e do alumínio. Antes da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham o nível de capital humano mais elevado do mundo e podiam se orgu- lhar de possuir as melhores instituições de mineração, como a Universidade da Califórnia em berkeley e a Escola de Mineração em Columbia. Foi nesse sistema de aprendizado coletivo que nasceu essa figura singular do desenvolvimento dos EUA: o prospector. A indústria de mineração, e a de recursos naturais como um todo, pode, sim, ser intensiva em conhecimento. Mais importante do quê um país produz é como ele produz, observação feita por diversos estudiosos.6 A teoria ricardiana da dotação de fatores7 é uma explicação incompleta para a competitividade das nações, pois falha em explicar como a dota- ção mineral muda com o tempo, com frequência de forma drástica, com impactos nítidos na competitividade ao longo do processo. A competitivi- dade de um país dotado de recursos naturais está longe de ser assegurada a priori e pode ser desestruturada se não houver harmonia entre as dife- rentes perspectivas envolvidas. 6 Zimmermann, 1951; Wright, op. cit.; Wright & David, 1997; Ferranti et al., 2002. 7 Os fundamentos dessa teoria têm origem nas contribuições do economista inglês David Ricardo, expostas no livro Os princípios da política econômica e da taxação, de 1817. Segundo tal teoria, cada país deve se especializar nos setores nos quais possui maior produtividade em comparação ao país com o qual possui relações comerciais. O que importa aqui não é o custo absoluto de produção, mas a razão de produtividade que cada país possui. O conceito de vantagens comparativas constitui o alicerce das teorias modernas do comércio internacional, que, por sua vez, possuem como base as contribuições teóricas dos economistas suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin. O modelo Heckscher-Ohlin, formulado na primeira metade do século XX, tem como hipótese que o padrão de comércio de uma economia reflete a diferença na distribuição da dotação de fatores entre o exportador e o importador, e que as economias deveriam se especializar na exportação de bens relacionados aos fatores nos quais seriam mais bem dotados. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 19 11/09/13 09:25 20 Recursos naturais e desenvolvimento Contrastando com a noção tradicional de que os depósitos minerais cor- respondem a uma dotação de fatores não renovável e fixa, avanços nos campos da ciência e da tecnologia possibilitam a descoberta contínua de novos depósitos. Esse processo explica como os Estados Unidos passaram de um “país pobre em termos de recursos minerais”, como definiu benjamin Franklin em 1790, à condição de maior produtor de minérios do mundo um século depois.8 A extração de minérios nos Estados Unidos, muito mais do que um mo- vimento de esgotamento das reservas nacionais,pode ser descrita como um processo contínuo de aprendizado, investimento, progresso técnico e redução de custos, gerando transbordamentos intersetoriais fundamentais para o desenvolvimento econômico do país.9 o estabelecimento do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês), em 1879, ajuda a ilustrar essa afirmação. o USGS foi encarregado de classificar as terras públicas e de analisar a estrutura geológica, os recursos minerais e os produ- tos de domínio nacional, constituindo um dos mais ambiciosos e produtivos projetos científicos governamentais de todo o século XIX. na década de 1890 e nos primeiros anos do século XX, a indústria esta- dunidense introduziu notáveis desenvolvimentos tecnológicos, como a adap- tação do processo bessemer10 para a conversão de cobre, a introdução da eletrólise em escala comercial, mudanças na forma de transporte dos miné- rios, o emprego de técnicas mecanizadas de remoção de produtos e resíduos e o processo de flotação. Foi o progresso técnico que possibilitou à indústria local continuar explorando minas com rendimento cada vez mais baixo. Entre 1890 e 1910, o rendimento médio do minério de cobre nos EUA caiu de 3,3% para pouco abaixo de 2%, enquanto no Chile, outro grande produtor, esses valores permaneceram estáveis entre 10% e 13%.11 Teores que não eram considerados rentáveis foram alçados a essa condição e ajudaram no 8 Wright, 2001. 9 Wright & David, op. cit.; Wright, op. cit. 10 O método Bessemer é um processo de produção de aço batizado com o nome de seu inventor, o britânico Henry Bessemer, que registrou sua patente em 1855. A invenção foi o primeiro processo industrial de baixo custo para produção em massa de aço a partir de ferro-gusa fundido. Atualmente, o método mais atualizado é o processo Linz-Donawitz, que se baseia em uma técnica semelhante à de Bessemer, aperfeiçoada ao longo dos anos para criar metal de alta qualidade com poucas impurezas, reduzindo os custos de capital das plantas, o tempo de derretimento e a demanda de mão de obra. 11 Wright, op. cit. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 20 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 21 desenvolvimento dos EUA justamente pelo concurso de novas tecnologias. As velhas técnicas abusam dos recursos, mas as novas tecnologias os criam. o ponto a ser enfatizado aqui é que os avanços tecnológicos levaram diretamente à expansão da riqueza mineral dos Estados Unidos. Tais avan- ços foram fundamentais não apenas para aumentar a capacidade do país de descobrir novas reservas, mas também para elevar a eficiência técnica e econômica das explorações. os EUA não apenas foram a economia mine- ral mais importante do mundo no período durante o qual o país se tornou líder mundial na manufatura (grosso modo, de 1890 a 1910), mas criaram ligações e complementaridades em torno dos setores de recursos naturais que foram vitais para o sucesso da economia do país como um todo.12 o mesmo não ocorreu no Chile, onde a indústria era comparável ou mesmo superior à estadunidense em meados do século XIX. o país lati- no-americano não foi capaz de responder ao declínio da oferta de minério provindo de minas de alto rendimento que ocorreu por volta de 1880 – com novas descobertas ou avanços e incorporação de tecnologias. E até o pre- sente, não exerce um papel preponderante em termos de conhecimento no setor de mineração. o desempenho de longo prazo desses países reflete a capacidade da indústria de criar, adaptar e disseminar novas tecnologias, estabelecido em um emaranhado de interações com organizações empresariais, edu- cacionais, financeiras, de pesquisa e de suporte. A base indispensável dessas trajetórias é um ambiente capaz de harmonizar os interesses diver- sos numa perspectiva convergente, voltada para a consistência dos inves- timentos privados e públicos. A indústria de mineração, e a de recursos naturais como um todo, deve ser vista como elemento de aceleração do crescimento econômico e de promoção de mudança estrutural e susten- tável do sistema produtivo. o grande desafio é a criação de um ambiente econômico e institucional que propicie às atividades de mineração gerar outros benefícios além da receita obtida com impostos e royalties.13 A experiência internacional mostra que é imprescindível promover a acumulação de conhecimento e experti- se em campos considerados chave para diferentes etapas da atividade de 12 Wright & Czelusta, 2007. 13 Davis & Tilton, 2005. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 21 11/09/13 09:25 22 Recursos naturais e desenvolvimento qualquer indústria de recursos naturais. A produção de conhecimento em centros tecnológicos e o investimento em pesquisa de qualificação profis- sional adequada em níveis técnicos e de engenharia devem ser elementos básicos do sistema produtivo para que a demanda do setor mineral possa acelerar e promover o crescimento econômico de longo prazo. É claro que um elevado investimento em educação básica é pré-requisto desses elementos. o sistema produtivo só pode se desenvolver de forma dinâmica com mão de obra capaz de absorver o conhecimento produzido e transformá-lo em insumo. A promoção à pesquisa, ao desenvolvimento e às exportações por parte das organizações fornecedoras de bens e serviços para a cadeia de produção mineral também é um elemento importante para a geração de transbordamentos14 intersetoriais. Esses transbordamentos permitirão uma maior diversificação da economia com o auxílio da indústria de recursos naturais e não em sacrifício dela. Mesmo nesse cenário de promoção de diversificação, a indústria mine- radora ainda exerce um papel central: são seus investimentos em novas explorações, em melhorias de eficiência, em busca de menor impacto am- biental, que servem de gatilho para fomentar o florescimento de atividades econômicas baseadas em conhecimento. Dessa forma, a existência de um ambiente econômico-institucional que favoreça os investimentos da indús- tria de mineração também é um elemento indispensável. Diversos estudos15 apontam a importância do sistema de taxação, bem como de sua estabilidade, como elemento fundamental nas decisões de investimento das empresas mineradoras. Uma elevação demasiada dos im- postos e dos royalties pode ser improdutiva para o país, pois cria desincenti- vos para os investimentos tanto em exploração quanto no desenvolvimento da mina em si.16 Um ambiente regulatório e institucional frágil tende a promover a extração acelerada e desencoraja o desenvolvimento de recursos porque gera insegurança sobre os benefícios futuros.17 14 Nas ciências econômicas, transbordamentos são externalidades de certas atividades ou processos cujos impactos atingem outros agentes que não aqueles diretamente envolvidos. 15 The Fraser Institute, 2006; Johnson, 1990; Otto, 1992; idem, 1998; Otto et al., 2006. 16 Fritzsche & Stockmayer, 1978. 17 Ascher, 2000. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 22 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 23 Os recursos naturais têm tanto ou mais potencial para gerar agregação de valor do que a indústria de manufatura Muitos dos países tidos como mais desenvolvidos – a Austrália, o Canadá, os países da Escandinávia e os Estados Unidos, por exemplo – tiveram os recur- sos naturais como chave para um sucesso que souberam construir.18 não há nenhum sinal de trivialidade nas trajetórias seguidas, pelo contrário: elas de- monstram uma complexa coevolução das formas de organização empresarial e industrial, de ciência e de tecnologia, sem deixar de considerar as instituições de suporte. Em todos esses países, a educação e o treinamento exerceram um papel fundamental. Já em 1870, mais de 80% da população dos Estados Unidos e do Canadá com mais de 10 anos de idade eram alfabetizados, de três a quatro vezesmais do que os níveis observados na América Latina.19 A Suécia introduziu um sistema de educação obrigatória, em 1842, que foi crucial para a criação de uma base qualificada de capital humano e para a disseminação de tecnologias. Essa política erradicou o analfabetismo em cerca de três décadas. A política de educação universal na Austrália foi implementada em 1872, estabelecendo educação gratuita e compulsória no estado de Victoria, algo muito peculiar se considerado que, na década de 1840, o país ainda era colônia penal do Reino Unido.20 não foi apenas a educação básica que impulsionou o crescimento desses países: a existência de instituições de apoio à educação técnica e superior também foi determinante. Em 1820, a Suécia já possuía escolas técnicas, e as Universidades em Uppsala e Lund datam dos séculos XV e XVII, respectivamente. A Academia Sueca de Ciência foi fundada em 1739, e a Associação Sueca de Siderurgia, em 1747. Essa associação publicou um periódico científico de mineração em 1817 e financiou viagens de treinamento e estudo no exterior dos cientistas e engenheiros suecos. Reuniões técnicas e seminários de engenharia estabe- lecidos para a construção de pontes de ferro e dos portões do canal Göta serviram de centro de treinamento. Além disso, engenheiros suecos eram 18 Ferranti et al., op. cit. 19 Idem, ibidem. 20 Idem, ibidem. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 23 11/09/13 09:25 24 Recursos naturais e desenvolvimento com frequência treinados na Grã-bretanha e na Alemanha, ao mesmo tem- po em que engenheiros provenientes desses países também fizeram grandes contribuições à indústria sueca. Devido ao elevado nível de competência e habilidades técnicas, a Suécia possuía, em 1850, os fundamentos de uma moderna indústria de engenharia que, ao final do século XIX, exportava engenheiros e inovações para os Estados Unidos.21 o sucesso da Suécia está ligado ao fato de sua indústria ter sido capaz de superar os altos custos das matérias-primas e da mão de obra por meio de um extensivo processo de busca por caminhos alternativos. Esse processo foi apoiado por um sistema de ensino e de pesquisa vigoroso, que possibili- tou a mecanização dos processos produtivos e a incorporação de operações com maior valor agregado.22 Em grande medida, esse avanço – ocorrido nas primeiras décadas do século XX – foi baseado em inovações desenvolvidas na Suécia: turbinas a vapor, separadores centrífugos, rolamentos, chave-in- glesa, compressores a ar, dentre outros instrumentos e técnicas de precisão.23 Muitas dessas oportunidades foram criadas porque a indústria local foi capaz de estabelecer elos dinâmicos com instituições e organizações envolvidas na produção e na disseminação das habilidades e dos conhecimentos necessá- rios para manter e fortalecer a competitividade industrial. na Austrália, os primeiros engenheiros e metalúrgicos foram recrutados em 1886, fato ligado a inovações geradas nos Estados Unidos. Em 1920, havia 47 engenheiros para cada 100 mil habitantes na Austrália e 128 nos Estados Unidos. no entanto, em 1963, já existiam 163 engenheiros para cada 100 mil australianos, resultado obtido graças à rica infraestrutura de ensino e de pesquisa local. o Instituto de Mecânica de Sydney foi estabelecido em 1843, e o Colégio Técnico de Sydney, em 1878, ambos com o objetivo de difundir co- nhecimentos científicos da indústria de mineração. A Universidade de Sydney foi fundada em 1850 e, em meados da década de 1870, o país já contava com duas escolas de minas, em bellart (1870) e bendigo (1873). o conhecimento geológico e a expertise mineradora se tornaram parte da cultura australiana, enriquecida por escolas de minas de classe mundial, e sua indústria tem estado na primeira linha do desenvolvimento e da aplicação de 21 Idem, ibidem. 22 Blomström & Kokko, 2003. 23 Ferranti et al., op.cit. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 24 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 25 tecnologias para mineração. A existência de mão de obra livre e alfabetizada foi uma importante fonte de empreendedorismo e de inovação, e a adoção de tecnologias metalúrgicas e de mineração, sobretudo vindas dos Estados Unidos, permitiu a exploração das minas locais e gerou aprendizado – baseado na existência de instituições de suporte –, que faz da Austrália um grande exportador de conhecimento e de know-how em mineração. Atualmente, o país é líder em tecnologias de detecção de minérios, em técnicas de fecha- mento de minas e em conhecimento ambiental relacionado à mineração. o Serviço Geológico do Canadá foi a primeira agência científica fundada no país, em 1842.24 o Conselho nacional de Pesquisa do Canadá foi es- tabelecido em 1916, com o intuito de financiar pesquisa em universidades e constituiu um elemento crucial para a construção de competência cien- tífica em engenharia. no início da década de 1930, o conselho começou a desenvolver laboratórios de pesquisa próprios em áreas como química, física, biologia e aeronáutica. Em 1901, 83% dos canadenses já sabiam ler e escrever, apesar de ainda haver certa disparidade regional. no entanto, graças ao acesso universal à educação básica (e à morte da geração mais velha e não alfabetizada) após duas décadas, a taxa de alfabetização do país era homogênea, de 90%.25 Esses exemplos ajudam a documentar o longo caminho percorrido por essas economias no sentido de fazer da base de recursos naturais o motor do desenvolvimento pela via do progresso técnico. A característica típica dessas experiências foi a existência de um ambiente de aprendizado, de pes- quisa e de inovação no qual estava incrustado o desenvolvimento, puxado pela aplicação de novos recursos aos chamados recursos naturais. Possíveis impactos adversos de uma política tributária imediatista o objetivo principal da tributação dos recursos minerais é remunerar o Estado e a sociedade pela extração de um recurso não renovável que (quase sempre) é 24 Vodden, 1992. 25 Bothwell et al., 1990. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 25 11/09/13 09:25 26 Recursos naturais e desenvolvimento de sua posse e controle. Quanto mais o governo tributa o setor de mineração, maior será sua parcela na riqueza gerada pela indústria. no entanto, dentre muitas particularidades da indústria de mineração, o caráter cíclico – industrial e financeiro – precisa ser bem caracterizado antes de iniciar qualquer tipo de análise crítica dos sistemas tributários direcionados a essa indústria. É possível distinguir quatro estágios no ciclo industrial desse setor: (i) exploração: fase de custos e riscos elevados e na qual ainda não há recei- ta, durante a qual os governos adotam medidas para encorajar investimen- tos, tais como a permissão de que perdas nessa fase possam ser subtraídas dos lucros futuros; (ii) desenvolvimento da mina: também de custo elevado, sobretudo pelo alto volume de investimentos em capital que demanda; (iii) produção: estágio mais longo e lucrativo no ciclo industrial e, comumen- te, quando os pagamentos de tributos são realizados, e (iv) fechamento da mina: após a mina parar de produzir, o projeto pode demandar, por exemplo, custos significativos de reabilitação.26 o poder de barganha do investidor frente ao governo é muito mais ele- vado antes de o investimento ser feito, mas assim que ele investe recursos em ativos irrecuperáveis para viabilizar a exploração comercial de uma re- serva, fica em posição desfavorável frente ao Estado. Palmer (1980) faz o relato histórico de uma situação comum na indústria de mineração: antes da exploração, com os investidores em posição privilegiada, os governos concedem generosos benefícios fiscais para induzir os agentes privados a fazer os investimentos desejados. Uma vez que a descoberta é colocada em produção comercial,os termos do acordo inicial podem parecer generosos demais – sobretudo quando os preços dos minérios estão em fase de alta – levando a fortes demandas políticas por novas bases tributárias. nesse caso, a revisão das bases pode permitir ao governo recuperar uma parcela maior das rendas geradas pela extração mineral. no entanto, ao fazê-lo, o processo de renegociação au- menta os riscos políticos percebidos pelos novos investidores e, portan- to, eleva a taxa de retorno exigida para novos investimentos. o setor mineral é capaz de gerar benefícios substanciais para uma região ou para um país. numa perspectiva imediata, de curto prazo, existe sempre a tentação de encarar os impostos pagos como a maior contribuição gerada 26 Mitchell, 2009. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 26 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 27 pela atividade, além das receitas de exportação. Mesmo países que possuem capacidades competitivas reduzidas em atividades industriais, agrícolas ou de serviços podem ter sido abençoados com jazidas minerais e obter, as- sim, receitas em moeda estrangeira, que se tornam sua principal forma de inserção na economia internacional. o exemplo mais evidente dessa forma de inserção é o dos países petroleiros. os benefícios gerados pelas receitas de exportação e por meio de im- postos e de royalties representam apenas a forma mais visível e imediata da atividade mineradora. os maiores efeitos positivos pertencem, sobretu- do, a outras esferas. Do exame das experiências internacionais, é possível destacar que a indústria de mineração possui, nas economias tipicamente mineradoras, sem grande diversificação de suas atividades produtivas, a ca- pacidade de contribuir para melhorar a qualificação da mão de obra da po- pulação e de servir como núcleo do desenvolvimento econômico. baseada em políticas apropriadas, a indústria pode ser competitiva em qualquer país dotado de recursos naturais.27 Essa competitividade pode ser reforçada, ao longo do tempo, por relações que permitam o desenvolvimento de com- petências específicas, das firmas individuais e do sistema industrial que a mineração vai estimulando nos seus entornos. os efeitos positivos podem ir muito além. A mineração pode contribuir, por iniciativa própria ou de modo estimulado pelas políticas governamentais, para a criação de benefícios não pecuniários como a construção e a manu- tenção de rodovias e de ferrovias em regiões remotas, importantes para outras atividades econômicas e para a sociedade de um modo geral. A construção de escolas, de hospitais e de outros serviços sociais, a contratação de for- necedores locais e o desenvolvimento de atividades de processamento são outros exemplos nesse sentido. obviamente, essas atividades representam custos para as empresas mineradoras e precisam ser compatibilizadas com a manutenção da competitividade do setor, numa perspectiva internacional.28 A política tributária precisa considerar os riscos e os custos inerentes às diferentes fases do ciclo de vida da indústria. os recursos minerais pre- cisam ser descobertos e, mesmo após a descoberta, o valor real de um de- pósito não pode ser conhecido até ele ser explorado. A extensão e o custo 27 Bosson & Varon, 1977. 28 Otto et al., op. cit. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 27 11/09/13 09:25 28 Recursos naturais e desenvolvimento das atividades de pré-produção exigidas no desenvolvimento dos recursos minerais excedem o que é necessário para o desenvolvimento de diversas outras indústrias. Três longos estágios – amplas pesquisas geológicas, uma exploração detalhada e regional e uma elaborada delineação da massa de minérios (orebody delineation) – necessariamente precedem o desenvolvi- mento de uma mina. o intervalo de tempo entre o início da exploração e a produção comercial pode ser considerável.29 Uma análise detalhada não dá suporte à noção popular de que a indús- tria de mineração é uma das mais lucrativas. Isso porque os dados que embasam essa suposição estão, em geral, fundamentados em períodos de elevados lucros em projetos de grande magnitude e bem-sucedidos, que não são representativos da indústria como um todo. Se todos os gastos com a exploração forem incluídos, a indústria pode ser considerada de lucrati- vidade média ou pouco acima da média, mas com grande variância, dado o número de projetos arriscados que falham. no entanto, a figura lucrativa varia de ano para ano e de empresa para empresa. Em períodos de cresci- mento econômico, a indústria de mineração tende a se sair melhor do que outras indústrias, mas em períodos de instabilidade econômica, tende a apresentar um declínio mais severo.30 Frente aos riscos intrínsecos à atividade de mineração e aos riscos de mercados tão cíclicos quanto os de matérias-primas e de produtos primá- rios, a última coisa de que a atividade precisa, na perspectiva do seu desen- volvimento, são riscos regulatórios, políticos e institucionais. os riscos asso- ciados a uma eventual alteração do sistema tributário do setor de mineração são um componente importante da incerteza associada à indústria. Se eles são considerados elevados, as empresas são levadas a procurar incentivos que tornem mais curto o período de recuperação dos investimentos e que apresentem taxas de retorno mais favoráveis no curto prazo.31 numa perspectiva estática, de curto prazo e imediatista, é possível afir- mar que pode ser do melhor interesse de um governo elevar a tributação sobre um determinado setor. Afinal, os investimentos estão feitos, as em- presas são reféns, não há nada que possam fazer contra essa medida, e 29 Bosson & Varon, op. cit.; Mitchell, op. cit. 30 Idem, ibidem; Crowson, op. cit. 31 ICMM, 2009. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 28 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 29 o governo (e a sociedade desse país) só tem a ganhar. Essa perspectiva, consistente na aparência, tem falhas que podem criar efeitos indesejáveis. no médio prazo, taxas mais elevadas tendem a desencorajar a explora- ção e o desenvolvimento das minas, o que acaba por reduzir as receitas tributárias a um nível inferior ao que seria observado sem a elevação da taxa. Elevar o nível de taxação da mineração, impondo um novo ou mais elevado royalty, com frequência parece lucrativo no curto prazo, mas pode representar uma redução das receitas no longo prazo – ou mesmo antes, se o preço dos minérios cair – se as empresas optarem por reduzir o nível de exploração.32 Esse argumento é ainda mais válido quando se considera que muitas das empresas são, hoje, globalizadas ou possuem unidades de mine- ração em diferentes países e continentes. Elas podem deslocar contratos e produção de uma base nacional para outra, segundo as suas conveniências e em sentido contrário às mudanças regulatórias impostas. no longo prazo, taxas mais elevadas e mudanças regulatórias unilaterais podem produzir a quebra do ciclo de retroalimentação entre investimentos exitosos e novos investimentos. Com isso, mesmo com um ritmo de ex- ploração inferior, o nível das reservas é reduzido, e a atividade mineradora perde importância. Perdem importância também as atividades correlatas, que migram para outras bases territoriais que vão se desenvolver de modo mais efetivo graças à integração dos novos recursos produtivos. A competitividade na mineração e no processamento mineral é, em úl- tima instância, baseada nos custos de produção.33 Entram nos custos não apenas a remuneração do trabalho, o capital e outros fatores de produção, mas também os custos associados aos royalties, ao imposto de renda, aos requerimentos regulatórios e a outras políticas governamentais. Uma importante questão remete à potencial influência dos governos sobre a competitividade do setor de mineração, por meio dos custos que podemimpor à indústria. É recorrente o argumento de que uma política de taxação excessiva pode desencorajar investimentos e comprometer as minas existen- tes.34 Tilton (1992) argumenta que tais medidas geram impactos negativos na competitividade da indústria em três estágios: (i) o país perde competitividade 32 Otto et al., op. cit. 33 Tilton, 1992. 34 Bosson & Varon, op. cit. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 29 11/09/13 09:25 30 Recursos naturais e desenvolvimento em atrair investimentos necessários para desenvolver projetos em novas mi- nas ou em unidades de processamento (greenfield competitiveness); (ii) o país perde competitividade em atrair os capitais necessários para expandir as ope- rações existentes (brownfield competitiveness), e (iii) o país perde competitivi- dade em manter as operações existentes (redfield competitiveness). Se o custo variável médio de produção dessas unidades superar o custo total médio de outras operações, elas serão fechadas. Pode levar muitos anos até que a elevação das tarifas reduza o nível de produção de um país, o que reforça a miopia de políticas focadas apenas no curto prazo, fato ainda mais agravado pela ciclicidade característica da indústria de mineração. Em épocas de baixa demanda e de preço baixo, alguns governos fazem concessões excessivas às empresas de mineração – oferecendo baixas taxas e isenções fiscais diversas – porque seu poder de barganha frente a poten- ciais investidores é baixo. Ademais, as pressões de curto prazo em épocas de crise geram uma briga canibalística por investimentos entre países ricos em recursos naturais, que se traduz em uma baixa taxa de retorno, reforçando a concessão exagerada de benefícios à indústria. no entanto, quando as circunstâncias internacionais se alteram para um cenário de preços elevados e de demanda aquecida, a distribuição do poder de barganha se inverte, sobretudo porque os investidores já compromete- ram um montante considerável em ativos irrecuperáveis. Mais uma vez, a busca por elevar a receita advinda dos recursos minerais a curto prazo, uma preferência temporal politicamente motivada para receber mais receitas no presente do que no futuro, pode introduzir instrumentos tarifários retroati- vos, novos royalties ou a elevação das taxas existentes. Isso pode causar sérios danos à competitividade da indústria quando os preços e a demanda tomam a direção oposta, podendo gerar a exploração ineficiente dos depósitos minerais existentes ou o abandono precoce de minas em operação.35 A elevação dos tributos e dos royalties nos períodos de bonança reflete a pressa do Estado em realizar lucros no presente, fragilizando a possibilidade de gerar encadeamentos dinâmicos (e lucros supranormais, advindos do processo de criação de oportunidades econô- micas) no futuro. 35 Otto et al., op. cit.; ICMM, op. cit. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 30 11/09/13 09:25 Recursos naturais: uma criação humana 31 Ao contrário de uma análise puramente ricardiana36, a criação de rendas no setor de mineração requer não apenas a existência de depósitos mine- rais valiosos e de qualidade superior, mas também que tais depósitos sejam descobertos por meio de processos prospectivos e de criação por inovação de novas tecnologias que tornem viáveis depósitos considerados economica- mente inviáveis. Antes de serem descobertos e do desenvolvimento de tec- nologias que permitam sua exploração lucrativa, os recursos minerais não podem ser explorados. ou seja: os recursos não são, eles se tornam, vêm a ser. Essa busca por criar e capturar a renda supranormal fornece os incentivos para a exploração de muitos depósitos minerais. os geólogos que vasculham montanhas em busca de novas reservas de minério não estão buscando de- pósitos marginais, mas bonanças, com toda a renda supranormal associada. De maneira análoga, a busca por novas tecnologias que convertem depó- sitos minerais inviáveis do ponto de vista econômico em minério valioso é impulsionada pela expectativa de capturar as rendas supranormais que tais inovações bem-sucedidas são capazes de criar. Logo, taxar em excesso o setor de mineração, sob o pretexto de extrair as rendas supranormais que, por definição, não alterariam as decisões produtivas dos agentes econômi- cos, afeta diretamente suas estratégias inovativas. o efeito disso no longo prazo pode, até, acarretar a não reposição das reservas existentes pela falta de incentivo ao engajamento de atividades de elevado risco. nada é mais enganoso do que aplicar uma perspectiva estática aos recursos minerais. Eles são uma riqueza potencial e precisam ser desenvolvidos para se tornar uma fonte de riqueza efetiva. Esse desenvolvimento depende de mui- tos fatores, sendo o mais importante a compreensão de que o conhecimento, a tecnologia e o desenvolvimento de novas soluções para explorar suas possibili- dades depende de circunstâncias favoráveis. Algumas dessas circunstâncias são materiais, outras, intangíveis. o relacionamento da indústria com uma rede de fornecedores e parceiros comerciais assegura a geração de novas competências de modo duradouro, ampliando a produção, o rendimento e as reservas. Para que essa estruturação industrial e tecnológica possa ocorrer, uma base institucional adequada precisa ser estabelecida e consolidada. É sobre o ter- reno sólido das instituições seguras e das regras estáveis que os investimentos de longo prazo podem ocorrer e produzir os melhores resultados. Para as empresas, para os atores diretamente relacionados e para a sociedade. 36 Ver nota 7. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 31 11/09/13 09:25 2 PADRÕES DE PRODUÇÃO MINERAL E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: EFEITOS DA MINERAÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS ESPECIALIZADOS RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 32 11/09/13 09:25 33 Mais do que dependentes umas das outras, as atividades econômicas vão conquistando níveis de produtividade crescentes por ação de soluções in- tensivas em conhecimento. Muitas vezes, esses conhecimentos se corporifi- cam em produtos de setores específicos ou em serviços especializados, em- bora tenham origens em campos científicos e tecnológicos os mais variados. Essas soluções transformam cada atividade econômica e vão esmaecendo as fronteiras que existiam entre elas. A produção agrícola se torna intensiva em equipamentos e insumos in- dustriais e depende de serviços cada vez mais qualificados e diferenciados. A indústria depende dela mesma no fornecimento de insumos e equipa- mentos, mas compreende serviços que qualificam os seus produtos e pro- cessos, agregando novas margens de valor. os serviços dependem de outros serviços, mas também de insumos e equipamentos modernos e adequados a cada propósito. na base de cada uma dessas transformações tão relevan- tes, estão conhecimentos, profissionais qualificados e equipes dedicadas a desenvolver novas soluções. os organismos oficiais continuam a classificar as empresas a partir das suas atividades (às vezes recorrendo ao termo atividade principal), mas as fronteiras entre os setores vêm deixando de ser precisas. Mesmo quando o produto de uma atividade é claramente definido, a atividade é dependente de novos insumos, componentes, produtos e processos que se originam em outras atividades, e isso torna as definições menos claras e mais discutíveis. Quando se decompõe a produção de um setor nos seus elementos, veri- fica-se que uma parcela é formada por um valor novo, criado na etapa pro- dutiva em questão, e outra parcela é a transferência de valor dos elementos produzidos nas etapas anteriores. o arar a terra, por exemplo, é uma etapa RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 33 11/09/13 09:25 34 Recursos naturais e desenvolvimento do processo de produção agrícola, que demanda um trabalhonovo e en- volve também uma transferência parcial do valor criado anteriormente, no processo industrial de fabricação do trator e dos implementos necessários. A fiação transforma fibras em fios prontos para a tecelagem, mas em cada fio existe o trabalho feito na própria etapa de produção e o valor advindo de etapas anteriores: além das fibras, há uma fração das máquinas que, de modo invisível, vão sendo transferidas aos fios. Assim é com cada atividade econômica, mesmo com aquelas que pa- recem surgidas do nada, que não possuem insumos anteriores ou equipa- mentos de apoio. o profissional solitário também foi produzido ao longo dos anos, por investimentos e capacitações que o tornam apto a uma atividade produtiva. Classificada como atividade primária, a mineração é cada vez mais de- pendente de produtos industriais e de serviços. Embora esse relacionamen- to intenso de dependência seja uma característica bastante atual, sobretudo o grau de penetração da ciência e do conhecimento nas atividades minerais, a relação de demanda de soluções industriais avançadas pela mineração não é nova. os engenhos produzidos por Thomas newcomen (em 1712) e James Watt (em 1775) visavam à mineração e pretendiam resolver um dos seus principais problemas: as inundações, que limitavam a profundidade em que uma mina poderia ser escavada. Três séculos depois, a mineração continua a colocar problemas que inspiram e mobilizam os homens da ciência e da indústria e a estimular soluções que, como a máquina a vapor, têm aplicações que vão muito além das suas fronteiras. Como visto no capítulo anterior, os recursos naturais, longe de serem uma simples dádiva da natureza, têm que ser criados por ação do homem, do trabalho e do esforço social. o desenvolvimento mineral de vários países está associado à formação, ao desenvolvimento e à consolidação de em- presas com capacidades industriais e tecnológicas que subsistiram à perda de importância do setor no contexto da região ou do país e se tornaram elementos dinâmicos de projeção da economia nacional sobre o ambiente internacional. A indústria de mineração estimulou o nascimento e a con- solidação de uma indústria que se tornou fonte autônoma de capacitação tecnológica e industrial e, por essa via, contribuiu para o desenvolvimento das regiões nas quais está implantada, mesmo depois que a mineração per- deu sua forte participação. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 34 11/09/13 09:25 Padrões de produção mineral e desenvolvimento econômico 35 Desenvolvimento tecnológico: quatro elementos centrais para a sua compreensão A indústria de recursos naturais estimula, com o seu desenvolvimento, o surgimento e o aperfeiçoamento de soluções em diversos outros campos, que estão direta ou indiretamente relacionados. É esse o caso, por exemplo, dos equipamentos, importantes para toda a cadeia produtiva do minério, ou das aplicações que são geradas pelos diferentes minérios, a jusante da mineração. A importância da atividade mineradora como catalisadora do progresso técnico remonta ao início do século XVIII. Um marco pode ser estabelecido no ano de 1712, quando o inventor inglês Thomas newcomen introduziu o primeiro motor a vapor para bombeamento de água.1 Esse motor, popular- mente conhecido como máquina a vapor de Newcomen, foi introduzido de forma gradual em diversas minas da Grã-bretanha e da Europa continental, para contornar os problemas relacionados ao alagamento. o sistema de bombeamento propiciado pela máquina de newcomen se mostrou uma solução bastante eficaz para esse problema específico, mas foi James Watt o grande responsável pelos avanços que permitiram à máquina a vapor assumir a grandeza de uma das mais importantes inven- ções da humanidade, conquistando muitos outros usos. Em 1775, Watt (então fabricante de instrumentos na Universidade de Glasgow) patenteou uma nova máquina a vapor que, na verdade, apenas trazia melhorias sobre o modelo inventado por newcomen mais de se- tenta anos antes.2 Mas parece evidente que as melhorias – as de Watt e as de todos os que se seguiram – alargaram as possibilidades de uso do artefato e melhoraram o seu rendimento. A máquina de newcomen foi útil para bombear água de minas mas, devido a certas falhas na sua concep- ção, não podia ser empregada como fonte de energia em outras indústrias. 1 Newcomen, por sua vez, melhorou a eficiência de um artefato produzido por Thomas Savery, cuja patente original data de 1698. Savery trabalhou com Newcomen e foi responsável por vários outros inventos e patentes. Os aperfeiçoamentos de Watt à máquina de Newcomen iniciaram em 1765. 2 Entre as importantes (e nem sempre mencionadas) consequências dessa máquina está o reconhecimento das relações entre o conhecimento científico e a vida material: a máquina a vapor não nasceu do conhecimento profundo e rigoroso das leis da ciência, mas dos estímulos colocados à engenhosidade humana pelas necessidades da produção cotidiana. Foi a máquina a vapor que demandou dos homens de ciência o desafio de compreender os seus princípios e formular leis (neste caso, as da termodinâmica). RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 35 11/09/13 09:25 36 Recursos naturais e desenvolvimento As melhorias introduzidas por Watt aumentaram as possibilidades de apli- cação da máquina a vapor como fonte de energia universal na então emer- gente indústria de transformação. Só que o padrão estabelecido pelo motor de Watt não foi o melhor no poder de vapor. Cerca de trinta anos depois de sua contribuição, o desempenho dos motores a vapor havia aumentado de duas a três vezes, sem que o projeto básico do motor passasse por qualquer grande mudança. Em outras palavras, foram mudanças relativamente pequenas (ou incre- mentais) em partes fundamentais do motor (como caldeiras e cilindros) as responsáveis pela rápida melhoria no desempenho, ao invés de qualquer mudança radical ou revolucionária da tecnologia. A utilidade do artefato e a sua aplicação crescente foram suscitando novos aperfeiçoamentos, e esses resultados foram criando diferentes possibilidades de aplicação, num processo que ilustra as relações entre tecnologia e mercado, entre avanços técnicos e usos crescentes. À medida que esses usos foram ampliados, foram sendo definidas tra- jetórias de desenvolvimento tecnológico (por exemplo, nos materiais), e os usos se difundiram para outros campos técnicos e econômicos. Essas adaptações também foram cruciais para a difusão da máquina a vapor como fonte de energia em diversas atividades. A existência de motores menores e mais potentes permitiu, ao longo do século XIX, seu emprego de maneira crescente como fonte de energia em máquinas nas fábricas, nos moinhos, nas minas e em estações de bombeamento, além do uso como propulsor em diversos meios de transporte (locomotivas, navios, automóveis). A sequência desde a máquina de newcomen até a locomotiva a vapor realça a compreensão de tecnologia como um sistema de invenções que vão se sobrepondo mais ou menos logicamente. A máquina a vapor também ilustra ao menos quatro aspectos inerentes à tecnologia ressaltados em di- versos trabalhos do estadunidense nathan Rosenberg, teórico, investigador sistemático e especialista em história e economia da tecnologia: (i) conver- gência tecnológica; (ii) complementaridades; (iii) impacto cumulativo de melhorias incrementais, e (iv) relações intersetoriais. Tais aspectos são fundamentais para entender como a mineração, uma indústria dita primária, pode se inserir no tecido industrial, impulsionan- do o progresso técnico além de suas fronteiras. Esse referencial, produto da reflexão dos estudiosos dos processos de desenvolvimento tecnológico RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 36 11/09/13 09:25 Padrões de produção mineral e desenvolvimento econômico 37ligados à corrente evolucionária da economia, será de grande utilidade para a compreensão do papel que o setor primário pode desempenhar na estru- turação do setor industrial e no desenvolvimento econômico. Elemento 1: convergência tecnológica É interessante examinar a indústria de máquinas e equipamentos do ponto de vista dos processos de aprendizado. A produção de diferentes tipos de bens de capital possui uma gama de problemas (relativamente) análogos, assim como a solução de tais problemas envolve uma variedade de compe- tências e conhecimentos técnicos que guardam similaridade. o processo de industrialização impulsionado pela difusão do motor a vapor, por exemplo, foi caracterizado pela introdução de um número de certa forma pequeno de processos produtivos similares em um elevado nú- mero de atividades produtivas. Em cada uma dessas atividades, a máquina a vapor resolvia problemas e suscitava demandas por novas soluções. Uma vez que os princípios são compreendidos (com ou sem base científica for- malizada), o próprio artefato mostra suas necessidades, indicando outros caminhos: melhoria dos rendimentos, redução dos desgastes, aumento da confiabilidade. Essa trajetória vai abrindo oportunidades diferentes de apli- cação, algumas com sucesso (as locomotivas para as ferrovias), outras nem tanto (os automóveis). Em contraste à sequência de atividades paralelas e não relacionadas, Rosenberg (1963) chama a atenção para a existência de uma base tecno- lógica comum em diferentes indústrias, fenômeno que ele chama de con- vergência tecnológica. Essa convergência existe ao longo de todo o setor de máquinas e equipamentos de uma economia industrial. Mas não se limita a isso: a própria indústria de bens de capital guarda elementos, habilidades e conhecimentos comuns a diversas outras indústrias, sejam elas de base metalomecânica, eletrônica, microeletrônica ou, mais recentemente, as re- lacionadas às tecnologias de informação e de comunicação. Ao longo da cadeia produtiva dessas indústrias, há problemas técnicos mais ou menos comuns, como transmissão de energia, dispositivos de con- trole, mecanismos de alimentação e problemas relacionados às proprieda- des dos metais. É óbvio que essas similaridades são dinâmicas e sofrem RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 37 11/09/13 09:25 38 Recursos naturais e desenvolvimento mutações de acordo com a evolução da base de conhecimento subjacente, bem como são reflexo do caráter difuso e universal que essas tecnologias são capazes de assumir. É porque esses processos e problemas se tornaram comuns para o desen- volvimento e a produção de diversos produtos que indústrias, de naturezas e produtos finais não relacionados à primeira vista, se mostram ligadas na prá- tica (são tecnologicamente convergentes), pois assentam sobre uma mesma base tecnológica. Isso ocorre, por exemplo, em máquinas e implementos agrícolas e máquinas e equipamentos para mineração e construção, ou ain- da em soluções de gerenciamento de atrito e transmissão de energia para aplicações que vão de aviões a automóveis, equipamentos de mineração a instrumentos médicos. A compreensão desse fenômeno ajuda a entender os casos de empresas dos países nórdicos que, originalmente, desenvolviam tecnologias para a indústria de mineração local (caracterizada por minérios de baixa concen- tração e alta complexidade, agravada pela carência de recursos energéticos) e, por meio de uma sólida base de engenharia construída ao longo dos anos, se tornaram importantes exportadoras de bens e serviços que ultrapassam as fronteiras da indústria de mineração. As oportunidades de diversificação em uma mesma base tecnológi- ca são definidas pela existência de máquinas, processos, competências, conhecimentos e matérias-primas, que são complementares e estão in- timamente associadas no processo de desenvolvimento e de produção. Foi essa a abordagem de Edith Penrose, economista estadunidense que se destacou por suas contribuições teóricas sobre o crescimento das fir- mas, sobretudo em seu renomado livro A teoria do crescimento da firma, publicado em 1959. no entanto, diferentes bases tecnológicas podem conter conhecimen- tos, técnicas e outros elementos comuns, o que, muitas vezes, torna a fron- teira entre elas difícil de ser definida. Mas é claro que se mover para uma base tecnológica requer a aquisição de competências em áreas distintas, que permitirão diferentes combinações de elementos das bases de conhe- cimento mais ou menos comuns. A complementaridade existente entre as tecnologias retroalimenta as possibilidades de diversificação, induzindo um processo dinâmico de acumulação de novos conhecimentos e novas com- petências conforme se exploram bases tecnológicas vizinhas. RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 38 11/09/13 09:25 Padrões de produção mineral e desenvolvimento econômico 39 Elemento 2: complementaridades o caráter complementar entre diferentes tecnologias remete à constatação de que as invenções raramente funcionam de maneira isolada. Em outras pa- lavras, tecnologias dependem umas das outras e interagem de maneiras que podem não ser evidentes ao primeiro olhar. Cada tecnologia é um sistema que envolve a criação de partes adequadas de trabalho e de tecnologias de apoio. Essas partes levantam seus próprios desafios ou problemas, cuja solução pode levantar outros desafios e implicam pressões internas, que servem para forne- cer mecanismos de indução dinâmicos. A atenção e o esforço da equipe de engenharia são focados em problemas específicos, relacionados às mudanças dos pontos de estrangulamento que emergem conforme os desenvolvimentos avançam. Como resultado, a invenção é um processo de resolução de pro- blemas por método recursivo: avanços nas trajetórias tecnológicas envolvem a solução de novos problemas decorrentes do contato com outras bases de conhecimento que, por sua vez, ampliam o espectro de atuação das empresas. As transformações industriais só podem ser entendidas pelas interações de algumas tecnologias que fornecem a base para outras mudanças tecno- lógicas. Isso pode ser visualizado, no caso da máquina a vapor, como uma série de círculos concêntricos cada vez maiores, no centro dos quais emer- giram algumas inovações importantes na alimentação de vapor, metalurgia básica (principalmente ferro) e utilização em larga escala dos combustíveis minerais (em especial o carvão). Podem-se identificar os tipos similares de agrupamentos em torno da energia elétrica no final do século XIX, o motor de combustão interna no início do século XX e, nos anos mais recentes, dos plásticos, dos equipamentos eletrônicos e dos computadores. Em cada caso, uma inovação central ou pequeno número de inovações forneceram a base em torno da qual um número maior de novas melhorias cumulativas e invenções complementares foi se estabelecendo. Elemento 3: impacto cumulativo de melhorias incrementais o exemplo emblemático da máquina a vapor também deixa clara a im- portância das melhorias incrementais incorporadas à inovação inicial. os ganhos de desempenho e de produtividade se manifestam por meio de um RecursosNaturais_miolo_04_rev1.indd 39 11/09/13 09:25 40 Recursos naturais e desenvolvimento processo lento – e às vezes imperceptível – de sucessivas introduções de melhorias pequenas, se analisadas de maneira isolada, mas capazes de fazer uma grande diferença no sistema como um todo. os principais incrementos da produtividade continuam a chegar muito tempo depois de ter sido intro- duzida a inovação inicial. o produto e o projeto vão passando por inúmeras modificações sutis para atender às necessidades dos usuários finais. Essas alterações são alcançadas por meio de atividades rotineiras de pro- jeto e de engenharia e incluem desde o fluxo de melhorias na movimentação de cargas e
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