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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MICROBIOLOGIA 1 www.medresumos.com.br BACTÉRIAS ANAERÓBICAS DE MAIOR SIGNIFICADO CLÍNICO As bactérias anaeróbias são encontradas em todo o corpo humano – pele, superfície das mucosas, trato gastrointestinal, microbiota normal. Infecções causadas por bactérias anaeróbicas patogênicas causam patologias como: botulismo, tétano, gangrena gasosa. A disseminação do tétano se dá por objetos ou pelo solo contaminado com esporos, mas não se trata de uma doença contagiosa. Estudaremos neste capítulo as bactérias anaeróbicas do gênero Clostridium. CLOSTRIDIUM TETANI O C. tetani é um bacilo Gram-positivo (o que se diferencia da maioria dos outros bacilos, que são Gram-negativos), sendo eles anaeróbios estritos móveis (apresentam vários flagelos em sua superfície). A presença de esporos terminais faz com que esses bacilos sejam extremamente importantes para a clínica. O habitat natural desse bacilo é o solo, estando presente na pele de alguns animais (como o cavalo). Estes micro-organismos crescem em meio de cultura enriquecidos (como, por exemplo, o Ágar-Sangue), à 37ºC, sendo necessária a condição de anaerobiose: uso de jarras de anaerobiose (Métodos Gaspack), que são materiais completamente fechados e à vácuo que condicionam a anaerobiose para a cultura desse bacilo. TOXINA Este bacilo em relato apresenta a produção de duas importantes toxinas biologicamente ativas: a neurotoxina chamada de tetanospasmina e uma hemolisina. Tetanospasmina: é esta neurotoxina a responsável por toda a sintomatologia do tétano. É uma exotoxina produzida por esta bactéria e liberada para o meio ambiente. O bacilo, porém, só libera esta neurotoxina quando sofre lise (morte). A tetanospasmina é um polipeptídio de alto peso molecular codificada em um gene plasmidial. Sua maior função é atuação no SNC: ela impede o processo de relaxamento, ligando-se a gangliosídeos do SNC, causando a inibição dos neurônios medulares pós-sinápticos. Esse fato bloqueia a liberação de um mediador inibidor o que resulta na hiperreflexia e espasmos musculares. Hemolisina: PATOGENIA O C. tetani não é um micro-organismo invasor. A infecção, por tanto, permanece estritamente localizada na área do tecido desvitalizado (ferida, queimadura, lesão, coto umbilical ou sutura cirúrgica). No mesmo local da lesão, o bacilo produz toxinas, sendo estas as responsáveis por circular no organismo e causar as toxemias (que culmina no tétano), o que significa a presença da toxina na corrente sanguínea. Para a germinação do esporo e o desenvolvimento do micro-organismo para a produção de toxinas, é necessário duas condições: presença de tecido necrótico (para atender a sua anaerobiose) e infecções piogênicas associadas. Tétano: é causada por uma toxemia por meio da disseminação da tetanospasmina no sistema sanguíneo ou SNC. Quando há a introdução completa dos esporos na lesão, atendendo as devidas condições de anaerobiose, haverá a germinação e multiplicação do bacilo. É apenas uma questão de morte deste bacilo para que a toxina seja liberada e ligue-se a junções neuromusculares para ser endocitada. Através do transporte axônico, ou mesmo pela corrente sanguínea, a toxina atinge o sistema nervoso central. A toxina causa a inibição do γ- aminobutírico (Gaba) e glicina pelos neurônios, o que gera a paralisia espástica. O período de incubação pode variar de 2 a 14 dias (sendo o mais comum 8 dias). Na maioria dos casos, quanto mais afastada do sistema nervoso estiver a ferida, mais longo é o período de incubação. O período de incubação e a probabilidade de morte são inversamente proporcionais. Tétano generalizado: O tétano caracteriza-se pelos espasmos musculares e suas complicações. Eles são provocados pelos menores impulsos, como barulhos e luzes, e continuam durante períodos prolongados. O primeiro sinal de tétano é o trismus, ou seja, contração dos músculos mandibulares, não permitindo a abertura da boca. Isto é seguido pela rigidez do pescoço, costas, riso sardônico (riso causado pelo espasmo dos músculos em volta da boca), dificuldade de deglutição, rigidez muscular do abdômen. O paciente permanece lúcido e sem febre. A rigidez e espasmos dos músculos estendem-se de cima para baixo no corpo. Sinais tardios típicos de tétano incluem uma elevação da temperatura corporal de entre 2 a 4°C, diaforese (suor excessivo), Arlindo Ugulino Netto. MICROBIOLOGIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MICROBIOLOGIA 2 www.medresumos.com.br aumento da tensão arterial, taquicardia (batida rápida do coração). Os espasmos duram de 3 a 4 semanas, e recuperação completa pode levar meses. Cerca de 30% dos casos são fatais, por asfixia devido a espasmos contínuos do diafragma. A maioria das mortes ocorre com pacientes idosos. Tétano localizado: afetam principalmente a área da lesão (mal higienizada) e pode preceder ao tétano generalizado. O paciente apresenta-se consciente e a dor pode ser intensa. Em geral a morte resulta da interferência na mecânica da respiração. Tétano neonatal: contaminação do coto umbilical. A manifestação se dá com cerca de 3 a 12 dias. A criança apresente dificuldade de sugar o leite e diminuição ou paralisia dos movimentos. Manutenção de práticas inadequadas é a principal causa de mortes por tétano neonatal (cordão umbilical é recoberto com materiais como terra, argila, esterco de vaca). Apesar de facilmente evitável por meio da vacinação materna, o tétano neonatal - que acomete bebês com até 28 dias - ainda é causa de mortes no Brasil e em outros países. Os óbitos acontecem principalmente em áreas rurais e carentes, onde são mantidas práticas inadequadas de corte e tratamento do coto umbilical (resíduo do cordão umbilical). DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico, feito por meio da observação clínica da lesão e do histórico do paciente. Recolhimento de amostras de líquido da ferida rico em toxina e inoculação em animal de laboratório (rato). Observação de sinais de tétano no animal. É feito ainda o diagnóstico diferencial do tétano por meio do envenenamento por estricnina (veneno alcaloide retirado da planta Nux vomica). EPIDEMIOLOGIA O tétano, de uma forma geral, ocorre em indivíduos no mundo todo e é associado com a injúria traumática com objetos contaminados com esporos: pregos enferrujados, usuários de drogas injetáveis, explosões de fogos de artifício. O bacilo de Clostridium tetani podem ser encontrados ainda no solo (especialmente aquele utilizado para agricultura), nos intestinos e fezes de cavalos, carneiros, gado, ratos, cachorros, gatos e galinhas. Os esporos são encontrados também em solos tratados com adubo animal, na superfície da pele e em heroína contaminada. Hoje em dia, com os programas de vacinação universais, o tétano é raro nos países desenvolvidos. Há, contudo, 300 mil casos mundiais por ano, com mortalidade de 50%. PREVENÇÃO E TRATAMENTO A prevenção do tétano depende: Toxoide tetânico: uso do mecanismo de imunização ativa de todas as crianças por meio da vacina tríplice bacteriana (a DTP), que confere imunidade contra difteria, tétano e coqueluche (pertussis). Antitoxina: preparada em animais ou humanos que pode neutralizar a toxina apenas antes da sua fixação ao SNC. Medidas cirúrgicas: desbridamento cirúrgico e remoção do tecido necrótico. Antibióticos: a penicilina causa a inibição do C. tetani e interrompe a liberação de toxina tetânica. A ferida deve ainda ser limpa. É administrado antídoto, um anticorpo que se liga à toxina e inibe a sua função. São também administrados fármacos relaxantes musculares. A penicilina e o metronidazol eliminam as bactérias mas não têm efeito no agente tóxico que elas produzem. Os depressores do sistema nervoso central (como o diazepam) também são dados, reduzindo a ansiedade e resposta espásmica aos estímulos. CLOSTRIDIUM PERFRINGENS O C. perfringens é um gram-positivo, anaeróbico,produtor de esporos. A doença é produzida pela formação de toxinas no organismo. Ele é o responsável por realizar a gangrena gasosa, doença de prognóstico ruim. É uma espécie de Clostridium que produz infecções invasivas. O Clostridium perfringens apresenta um subtipo designado como subtipo A que produz toxina chamada de lecitinase, que causa danos à membrana citoplasmática das células humanas. Além de produzir esta lecitinase, este bacilo produz uma enterotoxina podendo provocar intoxicações alimentares. PATOGENIA Gangrena gasosa: Os esporos dos clostrídios podem ser encontrados no solo e nas fezes. Tecidos com baixo teor de oxidação-redução facilita a germinação de células vegetativas e a multiplicação das mesmas. Com isso, há a produção de gás (dióxido de carbono e hidrogênio) e de toxina necrotizante (que causa fermentação do tecido muscular, resultando em odor pultrido) e hialuronidase (fator de propagação). A infecção generalizada leva a uma anemia hemolítica e toxemia grave, resultando facilmente em morte. Como manifestações clínicas, destacam-se a ferida contaminada (de 1 a 3 dias), com secreção de odor fétido, necrose, febre e hemólise devido a toxemia, o que pode gear o choque e a morte. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MICROBIOLOGIA 3 www.medresumos.com.br DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Amostras: material colhido feridas, pus e tecidos. Esfregaços: grandes bastonetes Gram-positivos serão observados. Cultura: Meios Tioglicolato e Ágar sangue sob incubação anaeróbica. TRATAMENTO Desbridamento cirúrgico imediato e excisão de todo o tecido desvitalizado. Administração de agentes antimicrobianos: penicilina. Administração de antitoxinas. CLOSTRIDIUM BOTULINUM E INTOXICAÇÃO ALIMENTAR O botulismo é uma forma de intoxicação alimentar rara mas potencialmente fatal, causada por uma toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, presente no solo e em alimentos contaminados e mal conservados. Os C.botulinum são grandes bacilos Gram-positivos, com cerca de 8 µm por 3, produtores de esporos e toxinas, relacionados com o gênero Bacillus, cujo habitat normal é a água. São móveis, possuindo flagelos em toda a sua superfície. São bacilos formadores de esporos que podem sobreviver em água fervendo por até 5h. Produzem uma neurotoxina que funciona como uma enzima metaloprotease, destruindo as proteínas envolvidas na exocitose (Exocitose é o para o ambiente aquático, por modificação da membrana celular, ou seja, sem ser por difusão) do neurotransmissor acetilcolina na placa nervosa motora. A sua ação resulta da paralisia dos músculos, e se for extensa a paralisia do diafragma pode impedir a respiração normal e levar à morte por asfixia. O botulismo (botulus = salsicha) é, por tanto, uma intoxicação alimentar (e não uma infecção, pois é causada pela toxina secretada pelo C. botulinum). A toxina botulínica apresenta sete variedades antigênicas (classificadas de A – G) das quais a sequência A, B, E e F são as principais causadoras da doença em humanos, estando sempre presentes no alimento. A toxina botulínica é uma proteína neurotóxica com alto peso molecular (PM 150.000), sendo ela codificada não por um gene próprio da bactéria, mas por genes virais de bacteriófagos intermitentes a este micro-organismo. A dose letal para o ser humano é mínima: 1-2 µg. Esta toxina, como um efeito inverso ao da proteína tetânica, bloqueia a passagem da acetilcolina na fenda sináptica, causando o relaxamento generalizado. PATOGENIA Botulismo: é uma intoxicação alimentar causada pela neurotoxina secretada pelo C. botulinum. Os esporos sobrevivem em alimentos comuns condimentados, defumados embalados a vácuo ou enlatados ingeridos sem cozimento. Os esporos do Clostridium botulinum germinam em anaerobiose. Quando as formas vegetativas crescem, há o início da produção de toxinas. A toxina bloqueia a liberação de acetilcolina (responsável pela contração muscular) nas sinapses e junções neuromusculares resultando em uma paralisia flácida. Dessa forma, o paciente acometido terá dificuldade de realizar movimentos básicos como a deglutição, queda das pálpebras (ptose), visão dupla (diplopia), etc. São relatados três tipos de botulismo: Botulismo clássico: ingestão das neurotoxinas juntamente com o alimento contaminado. Botulismo de lesões: o esporo penetra pelo ferimento mal tratado e, ao encontrar condições ideais para a sua sobrevivência, produz a toxina. Botulismo infantil: ingestão de esporos de Clostridium botulinum (toxigênese intestinal). O botulismo de origem alimentar é caracterizado por um período de incubação de 12 a 36h. A sintomatologia é inicial é bastante semelhante a uma intoxicação alimentar comum: problemas intestinais, náuseas, vômitos e diarreia. Porém, a ação neurotóxica da toxina causa: fadiga e fraqueza muscular, queda de pálpebras, visão dupla, dificuldade de deglutição, musculatura respiratória paralisada. A morte acontece de 3 a 5 dias por parada respiratória. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Pesquisa da toxina no soro do paciente por meio da hemaglutinação. Isolamento do Clostridium botulinum de resto de alimentos. TRATAMENTO Soroterapia: antitoxina trivalente (anula o efeito das toxinas A, B, E) pela via intravenosa. Lavagens: restabelecimento da função respiratória. O botulismo trata-se de uma emergência que requer administração de antitoxina (antídoto) imediata. Se o doente apresenta déficit respiratório deve ser usada uma máquina de respiração artificial até a paralisia terminar, o que pode demorar alguns dias. São usados enemas para remover todos os restos de comida contaminada ainda não absorvidos do intestino. Se possível deve ser dado a anti-toxina específica. Caso não identificada, é administrado o soro polivalente. http://pt.wikipedia.org/wiki/Clostridium_botulinum Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MICROBIOLOGIA 4 www.medresumos.com.br EPIDEMIOLOGIA É uma doença de baixa ocorrência, mas de alta letalidade. Ocorre no mundo todo, em geral conservas caseiras são os alimentos envolvidos. Muito raramente ocorre em conservas industrializadas. O C. botulinum e seus esporos estão amplamente disseminados no solo, pelo qual contaminada os alimentos. São anaeróbios estritos, por isso só se desenvolvem em alimentos hermeticamentes fechados, onde não há oxigênio. No Brasil se registraram casos nos últimos anos (1995-2007) em conserva de palmito, torta de frango, patê de fígado e tofu em conserva (importação da China, clandestina). Desenvolve-se nas conservas, produz a toxina, a qual é destruída pelo calor. Por isso ocorre sempre em conservas não aquecidas. Na América Latina (Brasil e Argentina), os principais surtos de botulismo estão relacionados com a toxina botulínica do tipo A; na Europa, os principais surtos são decorrentes da toxina botulínica do tipo E (presente, comumente, em frutos do mar); nos EUA, os principais surtos acontecem mediante a preparação de alimentos caseiros (mel e legumes de maneira geral). MEDIDAS DE CONTROLE Microbiota competitiva: a própria microbiota intestinal compete com o clostrídio a fim de impedir a sua colonização. Micro-organismos fermentativos que produzem o ácido lático (forte inibidor do botulismo) Nitritos e nitratos: servem como conservantes de carne Tratamento térmico elevado: 80ºC a 30 minutos.
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