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9 7 8 8 5 7 3 3 5 1 3 0 9 ISBN 85-7335-130-6 HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL Reitor Carlos Augusto Moreira Júnior Vice-Reitora Maria Tarcisa Silva Bega Diretor da Editora UFPR Luís Gonçales Bueno de Camargo Conselho editorial Elias Karam Júnior EnEida Kuchpil José antonio GEdiEl José carlos cifuEntEs luís lopEs diniz filho luiz ErnandEs KozicKi marcus lEvy albino bEncostta maria bEniGna m. dE olivEira marilEnE WEinhardt ricardo mEndEs Júnior Wilson da silva spinosa HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL MÁRCIA C. M. MARQUES E RICARDO MIRANDA DE BRITEZ (ORGS.) ALEXANDRE SALINO CARINA KOZERA CARLOS BRUNO REISSMANN FERNANDO CÉSAR VIEIRA ZANELLA LUCIANA A. PIRES MÁRCIA C. M. MARQUES MARIA CRISTINA SOUZA PAULO EUGÊNIO A. M. OLIVEIRA RICARDO MIRANDA DE BRITEZ RICARDO R. RODRIGUES ROBERTO XAVIER DE LIMA RODOLFO ÂNGULO RODRIGO DE ANDRADE KERSTEN SANDRO MENEZES SILVA SERGIO NEREU PAGANO SIMONE ATHAYDE VALÉRIA DOS SANTOS MORAES VINÍCIUS ANTONIO DE OLIVEIRA DITTRICH © Organizadores Márcia C. M. Marques & Ricardo Miranda de Britez HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL Coordenação Editorial Marildes Rocio Artigas Santos Projeto Gráfico e Capa Rachel Cristina Pavim Revisão: Patrícia Domingues Ribas Revisão Final: dos Organizadores Editoração Eletrônica: Alquimia Estúdio de Arte-final Ilustração da Capa: Fotografias de Zig Koch Série Pesquisa, n. 110 Coordenação de Processos Técnicos. Sistema de Biblioteca. UFPR ISBN 85-7335-131-4 Ref. 407 Direitos desta edição reservados à Editora UFPR Centro Politécnico – Jardim das Américas Tel./fax (41) 3361-3380 Caixa Postal 19.029 81531-980 – Curitiba – Paraná – Brasil editora@ufpr.br www.editora.ufpr.br 2005 História Natural e conservação da Ilha do Mel / organizadores H 673 Márcia C. M. Marques e Ricardo Miranda de Britez; [colaboradores] Alexandre Salino...[et al.].—[Curitiba] : Editora UFPR, [2005]. 271p. : il.; grafs., tabs. (Pesquisa; n.110) Inclui bibliografia 1. Comunidades vegetais. 2. Ecologia vegetal. 3. Vegetação- Mel, Ilha do(PR) – Classificação. 4. Recursos naturais – Conservação. Mel, Ilha do(PR) – Descrições e viagens. I. Marques, Márcia C.M. II.Britez, Ricardo Miranda de. III. Salino, Alexandre. Série. CDD 20.ed. 918.162 ________________________________________________________ Samira Elias Simões CRB-9 / 755 aprEsEntação A Ilha do Mel é certamente uma das mais belas paisagens do litoral paranaense. A geologia, o relevo, a proximidade do continente e o regime climático determinaram a ocorrência de ecossistemas diversificados e importantes dentro do Bioma Mata Atlântica, fato este que contribuiu para a inclusão da Ilha, juntamente com o litoral norte paranaense, dentro da Reserva da Bioesfera da Mata Atlântica estabelecida pela Unesco. Aliado a isso, a Ilha do Mel foi cenário de importantes fatos históricos regionais, que resultaram na construção da Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, no século XVIII, e do Farol das Conchas no século XIX. Por todos estes motivos, desde o início da década de 1980 o fluxo de turistas tem aumentado vertiginosamente na Ilha, o que gerou pressão sobre os recursos naturais, com incremento de áreas ocupadas por construção de edificações, principalmente voltadas à indústria do turismo. A partir de reivindicações de profissionais ligados ao meio ambiente e da motivação política do governo estadual, nos anos de 1982 e 2002, respectivamente, foram criados a Estação Ecológica e o Parque Estadual da Ilha do Mel, instrumentos legais que propiciam a conservação da maior parte dos ecossistemas da Ilha. No entanto, sabe-se que, além de estabelecer as áreas de proteção, a efetiva conservação se alcança a partir do conhecimento dos processos que mantêm o ecossistema, para que se possa predizer as implicações da pressão proporcionada pelo homem sobre a biota. No início da década de 1980, a partir principalmente da iniciativa de pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Paraná, foram iniciadas várias pesquisas que procuraram avaliar os componentes físico, biológico e social da Ilha do Mel. Ao longo destes 20 anos, várias dissertações, teses e monografias foram realizadas, resultando num vasto volume de informações. A execução desta quantidade ímpar de pesquisas focadas em um só local foi possível devido ao apoio, em diferentes épocas, da própria Universidade Federal do Paraná, de financiadores de projetos (CNPq e Capes), mas principalmente de iniciativas dos próprios pesquisadores que na maior parte dos casos trabalharam de forma voluntária. Além do fantástico conjunto de dados gerados, de importância no contexto dos estudos sobre Floresta Atlântica, os trabalhos na Ilha do Mel permitiram a capacitação de profissionais que nos dias de hoje atuam em diferentes campos das ciências ambientais. História Natural e Conservação da Ilha do Mel disponibiliza grande parte destas informações técnicas, na maioria inéditas, resultando em trabalhos que abordam o meio físico, o meio biológico e a conservação da Ilha do Mel. Certamente as informações servirão de base tanto para comparações com outros trabalhos acadêmicos em áreas semelhantes no litoral brasileiro, quanto para direcionar os futuros procedimentos que possam de alguma forma garantir a conservação, com um turismo controlado na Ilha do Mel. Os organizadores ColaboradorEs ALEXANDRE SALINO Departamento de Botânica, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal 486 - 30123-970 Belo Horizonte, MG salino@icb.ufmg.br CARINA KOZERA Av. Senador Salgado Filho, 4876, Uberaba - Curitiba, PR. kozera23@yahoo.com CARLOS BRUNO REISSMANN Departamento de Solos e Fitotecnia, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná Rua dos Funcionários, 1540 - 80035-050 Curitiba, PR reissman@ufpr.br FERNANDO CÉSAR VIEIRA ZANELLA Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Federal de Campina Grande, Caixa Postal 64 - 58700-970 Patos, PB fzanella@cstr.ufcg.edu.br LUCIANA ANDRÉA PIRES Pós-graduação em Biologia Vegetal, Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP luapires@hotmail.com MÁRCIA CRISTINA MENDES MARQUES Laboratório de Ecologia Vegetal, Departamento de Botânica, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná Caixa Postal 19031 - 81531-970 Curitiba, PR MARIA CRISTINA DE SOUZA Pós-Graduação em Geologia, Laboratório de Estudos Costeiros - LECOST, Departamento de Geologia, Setor de Ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná Caixa Postal 19001 - 81531-990 Curitiba, PR cristinasouza@ufpr.br PAULO EUGÊNIO A. M. DE OLIVEIRA Departamento de Biociências, Instituto de Biociências, Universidade Federal de Uberlândia Caixa Postal 593 - 38400-902 Uberlândia, MG poliveira@ufu.br RICARDO MIRANDA DE BRITEZ Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental. Rua Gutemberg, 296, Batel - 80420-030 Curitiba, PR cachoeira@spvs.org.br. RICARDO RIBEIRO RODRIGUES Departamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Caixa Postal 9 - 13418-900 Piracicaba, SP, rrr@esalq.usp.br ROBERTO XAVIER DE LIMA Ministério do Meio Ambiente SAS QD 05 lote 05 Bl “H” 3º andar sala 305 - 70070914 Brasília, DF roberto.lima@mma.gov.br RODOLFO JOSÉ ANGULO Laboratório de Estudos Costeiros LECOST, Departamentode Geologia, Setor de Ciências da Terra da Universidade Federal do Paraná UFPR, Jardim das Américas, Caixa Postal 19001 - 81531-990 Curitiba, PR angulo@ufpr.br RODRIGO DE ANDRADE KERSTEN Rua José de Alencar 158 apto. 124 80050-240 Curitiba, Paraná, Brasil kersten@bol.com.br SANDRO MENEZES SILVA Fundação O Boticário de Proteção a Natureza Rua Gonçalves Dias, 225 - 80240-340 Curitiba, PR sandros@fundacaoboticario.com.br SÉRGIO NEREU PAGANO Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP SIMONE FERREIRA DE ATHAYDE R. Amintas de Barros, 93 apto 502 80060-200 Curitiba, PR simone@socioambiental.org VALÉRIA DOS SANTOS MORAES Sociedade Paranaense de Ensino e Informática (SPEI) R. Carlos de Carvalho, 256 - 80410-180, Curitiba, PR Endereço atual: R. Simão Álvares, 137 - 05417-020, São Paulo, SP valerias.moraes@uol.com.br VINÍCIUS ANTONIO DE OLIVEIRA DITTRICH Pós-graduação em Biologia Vegetal, Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP vinarc@ig.com.br sumário Meio FísiCo 13 Caracterização geral Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 19 Geologia e Geomorfologia Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 35 Solos Ricardo Miranda de Britez Meio BiológiCo 49 A Vegetação da Planície Costeira Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 85 Flora pteridofítica Alexandre Salino, Sandro Menezes Silva, Vinícius Antônio de Oliveira Dittrich & Ricardo Miranda de Britez 103 Floresta Ombrófila Densa Submontana: florística e estrutura do estrato inferior Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 125 Florística e estrutura de comunidades de epífitas vasculares da planície litorânea Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 145 Ciclagem de nutrientes na planície costeira Ricardo Miranda de Britez, Luciana A. Pires, Carlos Bruno Reissmann, Sergio Nereu Pagano, Sandro Menezes Silva, Simone Ferreira de Athayde & Roberto Xavier de Lima 169 Características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 189 Abelhas da Ilha do Mel: estrutura da comunidade, relações biogeográficas e variação sazonal Fernando César Vieira Zanella 209 Aves Valéria dos Santos Moraes Conservação 229 As unidades de conservação Simone Ferreira de Athayde & Ricardo Miranda de Britez 249 Conhecimento Etnobotânico Roberto Xavier de Lima mEio físico 13 Caracterização geral Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques Localização, dimensões, toponímia e jurisdição A Ilha do Mel localiza-se na entrada da baía de Paranaguá, centro do litoral do Estado do Paraná (Figura 1), estando separada do continente (Ponta Inácio Dias, em Pontal do Paraná) por aproximadamente 2.800 metros. Em sua porção oriental afronta o oceano Atlântico, onde encontram-se as Ilhas das Palmas e da Galheta. Ao norte encontram-se as Ilhas das Peças e Superagüi; a oeste é banhada pelo chamado Mar de Dentro e avizinha-se das Ilhas das Cobras, da Cotinga e Rasa da Cotinga (Figura 1). Tem o formato de um oito mal traçado, mais largo ao Norte que ao Sul, sendo essas duas porções unidas por um istmo atualmente bastante reduzido. O perímetro é de 35 quilômetros e a área total de 2894 hectares. Os pontos extremos são, ao norte, a Ponta do Hospital (25o 29’ S, 48o 21’ 18’’ W), a leste a Ponta do Morro do Farol das Conchas (25o 32’ 17’’ S, 48o 17’ 15’’ W), ao sul a Ponta do Morro das Encantadas (25o 34’ 32’’ S, 48o 18’ 21’’ W) e a oeste a Ponta Oeste ou da Coroazinha (25o 30’ S, 48o 23’ 16’’ W) (Figura 2). A maior parte da ilha encontra-se ao nível do mar, sendo poucas as regiões com elevações (Figura 2). As maiores são o Morro Bento Alves (também chamado Morro do Miguel ou da Nhá Pina) com 148 m, o Morro do Meio (ou Morro do Belo) com 101 m, Morro da Fortaleza (ou Baleia) com 82 m, o Morro das Encantadas (ou Morro Principal) com 70 m, o Morro do Joaquim com 62 metros e o Morro do Farol das Conchas com 50 m (Figueiredo 1956). No perímetro da Ilha destacam-se as praias das Conchas (ou do Farol) e da Fortaleza, além da praia de Fora, a praia Grande, a praia do Miguel e a praia do Belo, na porção sul da Ilha. Ao norte e oeste destacam-se as localidades denominadas Ponta do Bicho e a Ponta do Cassual (onde encontra-se o rio com o mesmo nome). A região voltada para o continente, no sudoeste da Ilha, é conhecida como Saco do Limoeiro (Figura 2). Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 14 A Ilha pertence ao município de Paranaguá e sua jurisdição está a cargo do Instituto Ambiental do Paraná, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Paraná. O acesso à Ilha é feito de barco a partir do terminal de embarque localizado no Balneário de Pontal do Sul, em Pontal do Paraná, ou da cidade de Paranaguá. Clima O Brasil caracteriza-se por duas áreas climáticas: a zona temperada na região sul e a zona tropical. O clima do litoral paranaense está na transição entre essas duas zonas, sendo considerado por Maack (1981) como de transição entre a região tropical e subtropical, incluindo-se, segundo a classificação Köppen, na zona climática Af. Este autor acrescentou a letra “t” para indicar essa transição. As cartas climáticas elaboradas pelo Iapar (1978) caracterizam o clima como mesotérmico, superúmido, sem estação seca e isento de geada. O clima da região é fortemente influenciado pela corrente marítima quente do Brasil e pelos constantes avanços e recuos de massas polares e tropicais, resultando em modificações severas no clima nas diferentes estações do ano (Maack 1981). Os meses de maior precipitação equivalem ao período no qual Figura 1 - Localização da Ilha do Mel no Brasil, Estado do Paraná e no litoral. Meio Físico – Caracterização Geral 15 existem descontinuidades entre a massa de ar tropical marítima proveniente do Atlântico Sul e a massa de ar polar proveniente da região polar sul da América do Sul. Nesse período, em que há grande interação entre essas duas massas polares, são freqüentes fortes chuvas diárias (Nimer 1977). A partir dos dados climáticos obtidos na Estação Meteorológica de Paranaguá-PR (25o31’S e 48o31’W, 4,4 m s.n.m., a cerca de 20 km da Ilha) para o período de 1948 a 1988, observa-se um padrão climático bem definido para esse período de 41 anos (Figura 3). A temperatura média anual foi de 21,09 oC, sendo a média mensal mais alta registrada em fevereiro (25,14 o C), e a mais baixa em julho (17,26o C). A precipitação anual média do período foi de 1959 mm, sendo que os meses de janeiro a março tiveram as maiores médias de pluviosidade (272 mm a 286 mm), enquanto em julho e agosto registraram-se as menores (72 mm e 73 mm). Esses dados denotam um padrão sazonal, no qual os meses de verão Figura 2 - Contorno geral, esboço planialtimétrico, toponímia e localização das unidades de conservação. Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 16 (janeiro a março) apresentam as maiores temperaturas e pluviosidades. Nessa região, além da alta pluviosidade, a freqüência de chuvas também é bastante elevada, com uma média de dias de ocorrência de chuva por ano de 180 dias (média dos anos de 1985 a 1988), ou seja, em quase metade do ano ocorrem chuvas (Silva 1990). A umidade relativa do ar é alta, com médias acima de 80% durante o ano todo, sendo os valores mais altos registrados em agosto e setembro, indicando uma grande quantidade de vapor d’água trazido pelos ventos úmidos dos quadrantes S, SW e SE (dados de 41 anos, Silva 1990). Segundo Moraes (1993), as chuvas orográficas que ocorrem na costa brasileira associada à Floresta Atlântica são formadas pela grande quantidade de vapor d’água queos ventos alísios do sudeste, constantes na direção do oceano para o continente, trazem e que, ao encontrar a Serra do Mar, resultam em densos nevoeiros e precipitação. Embora o clima para a região de Paranaguá seja superúmido, sem estação seca e normalmente haja excedente hídrico no solo (Silva 1990), em alguns anos é possível a ocorrência de invernos mais secos, com menores valores de precipitação, principalmente nos meses de julho e agosto, levando à ocorrência de deficiência hídrica. Tal fato foi verificado nos anos de 1989, 1991 e 1993 (Britez 1994). Figura 3 - Distribuição mensal das médias de precipitação (mm) e temperatura (ºC) para a região de Paranaguá no período de 1948-1988. Fonte: 7º Disme/Inmet - Paranaguá. Fonte: Silva (1990). Meio Físico – Caracterização Geral 17 Referências BRITEZ, R.M. 1994. Ciclagem de nutrientes minerais em duas florestas da planície litorânea da Ilha do Mel. Dissertação de Mestrado em Agronomia, Universidade Federal do Paraná, Paranaguá. FIGUEIREDO, J.C. 1954. Contribuição à geografia da Ilha do Mel (Litoral do Paraná). Tese de Doutorado em Geografia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. IAPAR. 1978. Cartas climáticas básicas do Paraná. Instituto Agronômico do Paraná. MAACK, R. 1981. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. José Olympio, Rio de Janeiro. NIMER, E. Clima. In Geografia do Brasil - Região Sul (E. Nimer). IBGE, 1977. SILVA, S.M. 1990. Composição florística e fitossociologia de um trecho de floresta de restinga na Ilha do Mel, município de Paranaguá, PR. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas 19 Geologia e Geomorfologia Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza A Ilha do Mel, localizada na desembocadura da Baía de Paranaguá, é formada principalmente por morros rochosos e planícies arenosas, semelhantes às que constituem a planície costeira paranaense. Dentre os trabalhos que abordam aspectos da geologia e geomorfologia da Ilha do Mel destacam-se os trabalhos pioneiros de Bigarella (1946) e Figueiredo (1954), o mapeamento geológico da Comissão da Carta Geológica do Paraná (Rivereau et al. 1968), o trabalho de síntese sobre o litoral paranaense de Bigarella et al. (1978) e as contribuições de Martin et al. (1988), Angulo (1992a, b, 1999), Paranhos Filho et al. (1994), Angulo et al. (1996), Araújo (2001) e Giannini et al. (2004). Os morros da Ilha do Mel concentram-se na parte sul da ilha e têm alturas variáveis que podem alcançar 148 metros, como no Morro Bento Alves (Figura 2 em Britez & Marques deste volume). Os morros são constituídos por rochas do embasamento cristalino, principalmente migmatitos estromáticos com paleossoma de biotita-hornblenda gnaisse, mica-quartzo xisto, ultrabasitos, metabasitos e anfibolitos do Complexo Gnáissico Migmático Costeiro do Proterozóico Inferior (Mineropar 1989). Essas rochas estão cortadas por enxames de diques basálticos, microdioritos, quartzo- microdiorito e diorito pórfiro, do Juro-Cretáceo (Mineropar 1989), relacionados à abertura do Oceano Atlântico Sul. A erosão diferencial entre as rochas do Complexo Costeiro e dos diques gerou quebras nas vertentes dos morros e reentrâncias e grutas nos costões da ilha, tais como a Gruta de Encantadas (Figura 1). As planícies têm relevo suave ondulado por causa da presença de cordões litorâneos (Figura 2) e altitudes predominantes entre 1 e 4 metros sobre o nível médio do mar, podendo alcançar 25 metros em locais onde ocorrem dunas eólicas. As planícies são constituídas por sedimentos arenosos do Quaternário, principalmente areias finas bem selecionadas, com diversas estruturas sedimentares, tais como estratificação cruzada de baixo ângulo com laminação plano-paralela suborizontal; laminação cruzada de migração de marcas onduladas assimétricas, Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 20 Figura 1 - Gruta de Encantadas, na parte sul da Ilha do Mel, originada por erosão diferencial entre migmatitos e pequeno dique basáltico, visível na parte superior da gruta. Figura 2 - Foto aérea vertical de 1980 na qual se observam, ressaltados pela vegetação, os cordões litorâneos próximos ao Morro da Fortaleza na Ilha do Mel. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 21 às vezes acrescionais; estruturas de corte e preenchimento de canal e icnofósseis Ophiomorpha atribuídos a tubos de Callichirus major. Essas estruturas sugerem que a deposição desses sedimentos ocorreu em ambiente de face praial (beach face) (Angulo 1992a). Na base de afloramentos próximos ao Saco do Limoeiro foram observadas estratificações cruzadas de grande porte que foram atribuídas a dunas subaquosas em ambiente de delta de maré enchente (Araújo 2001). Os sedimentos que formam a planície costeira freqüentemente apresentam um horizonte com diagênese precoce e coloração castanho-escura, conhecido popularmente como piçarra (Figura 3), que é originado principalmente por enriquecimento epigenético em matéria orgânica relacionado a processos pedogenéticos em Espodossolo (Angulo 1992b). Completam a geologia da Ilha do Mel os ambientes de sedimentação atuais, tais como praias, planícies de maré, dunas frontais e deltas de maré. Figura 3 - Falésia em sedimentos arenosos do Holoceno próxima à Ponta Oeste da Ilha do Mel. Na parte inferior da falésia os sedimentos apresentam enriquecimento epigenético em matéria orgânica, formando um horizonte conhecido popularmente como piçarra. A parte superior da falésia é formada por areias brancas com lâminas escuras devidas à concentração de minerais pesados. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 22 Evolução geológica e paleogeográfica Para compreender as evoluções geológica e paleogeográfica das zonas costeiras durante o Quaternário, deve-se lembrar que estas foram comandadas pelas variações do nível do mar relacionadas aos ciclos glacial-interglacial ocorridos no período. Essas variações podem ser identificadas por meio de indicadores de paleoníveis marinhos a partir dos quais podem ser construídas curvas de variação do nível relativo do mar. Na costa paranaense foram encontrados diversos indicadores de paleoníveis marinhos que contribuíram para o conhecimento dessas variações (Angulo et al. 2002) (Figura 4). Especificamente na Ilha do Mel foram descritos indicadores espaciais de paleoníveis marinhos, tais como paleotômbolos erosivos, paleopilares marinhos (Figura 5), icnofósseis Ophiomorpha atribuídos a Callichirus major, locas de ouriço e limites de fácies sedimentares (Angulo 1993a, 1994). Também foram descritos indicadores espaço-temporais correspondentes a restos de recifes formados por gastrópodes fixos da espécie Petaloconchus (Macrophragma) varians (Angulo 1993a). A partir do conhecimento atual, a evolução geológica e paleogeográfica do litoral paranaense e especificamente da Ilha do Mel pode sintetizar-se como segue: a) Durante o último interglacial, no Pleistoceno Tardio, o mar teria subido até alcançar uma elevação de 8 ± 2 m acima do nível atual aproximadamente 120.000 anos antes do presente (a.p.) (Martin et al. 1988). Durante esse máximo a costa paranaense apresentava configuração recortada, estando a Serra do Mar em contato com o mar. Em alguns locais podem ter existido ilhas barreiras associadas a lagunas e estuários. Nesse período, a Ilha do Mel estava reduzida a um pequeno arquipélago de ilhas rochosas correspondentes aos morros que atualmente fazem parte da ilha (Figura 6a). Entre os morros das Encantadas e Caraguatá, provavelmente existia um tômbolo erosivo (Figura 6a’). b) Durante a fase regressiva subseqüente ao máximo, formaram-se na região extensas barreiras regressivas, que se estendiam em direção à plataforma, muito além de sua atual faixa de afloramento. Na atual localização da Ilha do Mel provavelmente existiam planíciesregressivas, semelhantes às existentes em outros setores da costa paranaense, que posteriormente foram erodidas. c) Durante o período de mar baixo, correspondente ao último período glacial, que teve seu máximo entre 21.500 e 18.000 anos a.p. (Pirazzoli 1996), o nível do mar esteve em torno de 130 metros abaixo do atual, Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 23 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 0500100015002000250030003500400045005000550060006500 Idade (anos A.P.) Pa le on ív el (m ) (1) (2) (3) Figura 4 - Paleoníveis marinhos holocênicos no litoral paranaense e na Ilha do Cardoso, no sul paulista, e curva de variação do nível relativo do mar a partir de tubos de vermetídeos (Angulo et al. 2002). (1) paleonível com margem de erro inferida a partir de tubos de vermetídeos; (2) paleonível mínimo inferido a partir de conchas de moluscos com predominância de Anomalocardia brasiliana; (3) paleonível mínimo inferido a partir de indicadores compostos, principalmente estruturas associadas a fragmentos de madeira ou conchas. Figura 5 - Paleopilar no Morro do Joaquim, na Ilha do Mel, formado provavelmente durante o último máximo transgressivo no Holoceno. Note-se a concentração de matacões no sopé da encosta, entre 2 e 3 m acima do nível de preamar atual, atribuída ao retrabalhamento de colúvios pela ação das ondas durante nível relativo do mar superior ao atual (Angulo 1994). Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 24 estabelecendo-se na região uma rede de drenagem fluvial que dissecou a planície costeira e cujas evidências são freqüentes em diversos setores da costa paranaense e norte catarinense. Durante esse período a Ilha do Mel deixou de existir, tornando- se parte de uma extensa planície que se estendia entre a Serra do Mar e a atual borda da plataforma continental. d) Durante o último pós-glacial o mar subiu aceleradamente, até aproximadamente 6.000 anos a.p. para posteriormente ter relativa estabilização. O máximo da transgressão pós-glacial teria ocorrido no Holoceno, entre 5.000 e 5.400 anos a.p., e alcançado altitude em torno de 3,5 ± 1,0 m acima do atual (Angulo & Souza 1999). Nesse período, teriam existido na região ilhas-barreira e amplos estuários (Lessa et al. 2000). Durante a ascensão do nível do mar, os terraços do Pleistoceno Superior foram erodidos e afogados e, durante o máximo da transgressão, poucos vestígios deles tinham restado. Poderiam ser do Pleistoceno Figura 6 - Evolução paleogeográfica da Ilha do Mel durante o Quaternário até o máximo da transgressão pós-glacial (modificado de Angulo 1992b, Araújo 2001). (a) Arquipélago do Mel durante o máximo da transgressão do Pleistoceno Tardio, ocorrido aproximadamente 120.000 anos a.p.; (b) Arquipélago do Mel durante o período de mar alto no Holoceno, cujo máximo ocorreu entre 5.400 e 5.000 anos a.p. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 25 Tardio, apenas, dois pequenos terraços existentes em Encantadas e o terraço subjacente às dunas entre os morros do Meio e do Miguel, mas as idades desses depósitos precisam ser confirmadas (Figura 6b’). Durante a subida do nível do mar provavelmente existiam na região campos de dunas transgressivas, cujos últimos remanescentes seriam as dunas existentes na Ilha do Mel entre os morros do Meio e do Miguel; contudo, datações dessas dunas seriam necessárias para confirmar essa hipótese (Figura 6b’). Durante o período de mar alto existia, na área correspondente à parte oeste da ilha, um delta de maré enchente (Figura 6b), cujos depósitos afloram na ilha e foram detectados em subsuperfície por meio de sondagens (Araújo 2001). e) A partir do máximo da transgressão, ou talvez 1.000 anos antes, formaram-se na região extensas barreiras regressivas com cordões litorâneos. A descida do nível relativo do mar também propiciou a diminuição do tamanho dos estuários. Durante o período também formaram-se esporões arenosos que migravam para norte sob o efeito das correntes de deriva litorânea, deslocando as desembocaduras dos estuários na mesma direção. As barreiras regressivas constituem a maior parte da Ilha do Mel. Inicialmente, formou-se a parte mais ocidental, que progradou para norte-nordeste (Figura 7a); posteriormente, os cordões litorâneos migraram para nordeste, leste-nordeste e finalmente para leste, sendo provável que tenham ocorrido períodos de retrogradação, como evidenciam os truncamentos dos feixes de cordões litorâneos (Figuras 7b e 7c). À medida que os cordões progradavam para leste, a ilha formada pelo Morro da Fortaleza começou a funcionar como um anteparo, provocando a refração das ondas e a conseqüente inflexão dos cordões em direção ao morro, até formar um tômbolo (Figura 7c). A barreira, cujos depósitos foram identificados por sondagens, estendia-se para o sul, e foi erodida pelas ondas e correntes existentes no Saco do Limoeiro (Araújo 2001). Posteriormente, formou-se a planície que liga as partes noroeste e sudeste da ilha (Figura 7d). f) Nas últimas centenas de anos até o presente, num período em que o mar já apresentava nível semelhante ao atual, ocorreram processos de progradação, com a formação de cordões litorâneos aproximadamente paralelos à linha de costa atual, e de retrogradação, evidenciados pelas superfícies de truncamento entre os cordões (Figura 7e). Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 26 Figura 7 - Evolução paleo-geográfica das barreiras regressivas na Ilha do Mel durante o Holoceno (modificado de Angulo 1992b, Araújo 2001). (a) primeiro estágio; (b) segundo estágio; (c) terceiro estágio; (d) quarto estágio; (e) formação de cordões litorâneos nas últimas centenas de anos com nível do mar semelhante ao atual. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 27 Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 28 Ambientes atuais de sedimentação Na Ilha do Mel e área próxima podem ser reconhecidos cinco ambientes de sedimentação principais: praias, dunas frontais, planícies de maré, deltas de maré enchente e deltas de maré vazante. Praias As praias da Ilha do Mel são constituídas predominantemente por areia fina a média, com diâmetro médio entre 3,6 e 2,1 phi, bem selecionada, composta por quartzo e subsidiariamente biodetritos calcários e minerais pesados, tais como ilmenita, zircão, rutilo e turmalina (Paranhos Filho 1996, Giannini et al. 2004). As praias ocorrem ao longo de quase todo o perímetro da ilha, exceto onde as rochas do embasamento alcançam o mar e onde as ondas não possuem energia suficiente para remover os sedimentos finos. A dinâmica das praias da Ilha do Mel é fortemente influenciada pela dinâmica das desembocaduras da Baía de Paranaguá, especificamente pelas correntes de maré e pelos deltas de maré que ocorrem associados. Segundo Angulo (1993c), as praias da ilha apresentam grande mobilidade, sendo comuns rápidos e intensos processos de erosão e sedimentação. Ainda não existem estudos sobre a morfodinâmica dessas praias. Dunas frontais As dunas frontais são freqüentes na Ilha do Mel. Elas são formadas pela acumulação de areia retirada pelo vento da praia e depositada junto à linha de costa com o auxílio da vegetação. Na Praia do Forte (Figura 2 do Capítulo 1.1) são freqüentes os campos de dunas dômicas de altura inferior a 1 metro (Figura 8); nas praias de Fora, Grande, do Miguel e de Fora em Encantadas (Figura 2 do Capítulo 1.1) são comuns cordões de dunas frontais que podem alcançar 2 a 4 metros de altura (Angulo 1993b). Planícies de maré As planícies de maré da Ilha do Mel estão restritas à margem voltada para a baía, destacando-se a existente entre o morro do Miguel e o istmo. Elas incluem ecossistemas de manguezais, marismas e bancos não vegetados. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 29 Figura 8 - Dunas dômicas próximasao Morro do Farol das Conchas, na Ilha do Mel. Figura 9 - Imagem Landsat-7 ETM+ de 1999, composição colorida RBG (processada no Laboratório da Oceanografia Costeira e Geoprocessamento do CEM/UFPR) da desembocadura do complexo estuarino de Paranaguá, na qual se observam bancos e zonas de arrebentação de ondas correspondentes aos deltas de maré vazante associados às desembocaduras. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 30 Figura 10 - Fotografia aérea vertical do Saco do Limoeiro ou Mar de Dentro, na Ilha do Mel, de 1980, interpretado como delta de maré enchente e no qual se observam ondas de areia (sand waves) e dunas subaquosas (Angulo 1999). Figura 11 - Vista aérea de ondas de areia (sand waves) durante a maré baixa, no Saco do Limoeiro, na Ilha do Mel. Estas dunas migram para oeste (seta) sob o efeito das correntes de maré enchente (Angulo 1999). Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 31 Deltas de maré Os bancos arenosos que existem associados às desembocaduras dos complexos estuarinos da costa paranaense foram caracterizados como deltas de maré por Angulo (1992a, 1999). Dois grandes deltas de vazante ocorrem associados às desembocaduras da Baía de Paranaguá (Figura 9). A mobilidade desses deltas é responsável por importantes processos de erosão e sedimentação nas costas da ilha. O Saco do Limoeiro foi caracterizado como um delta de maré enchente, no qual ocorrem campos de ondas de areia (sand waves) e dunas subaquosas (Angulo 1999) e cuja dinâmica foi estudada por Araújo (2001) (Figuras 10 e 11). Variações da linha de costa e erosão costeira As costas da Ilha do Mel apresentam rápidas variações da linha de costa e intensos processos de erosão e sedimentação, que já foram identificados nos trabalhos pioneiros da década de 1950 (Figueiredo 1954). Nos anos 1950, o istmo da ilha tinha 152 metros de largura, medido entre as linhas de preamares (Figueiredo 1954). Nessa mesma área, na década de 1980, iniciou-se processo Figura 12 - Esporão arenoso ancorado no Morro do Farol das Conchas formado durante a década de 1990, simultaneamente ao processo de erosão no istmo. Anteriormente à formação do esporão, a linha de costa localizava-se aproximadamente junto à linha de vegetação arbórea. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 32 Figura 13 - Variação da linha de costa na Ilha do Mel (Angulo et al. 2004). erosivo que se intensificou nos anos 1990. Em 2001 existia no istmo um trecho de 300 metros de comprimento sem qualquer remanescente da planície do Holoceno, existindo comunicação entre as águas da baía e as do mar. A intensificação da erosão na década de 1990 foi simultânea à formação de um esporão arenoso ancorado na Ponta do Farol das Conchas, cuja velocidade de crescimento longitudinal média foi estimada em 100 m.ano-1 (Giannini et al. 2004) (Figura 12). Em outros locais da ilha foram identificadas variações de dezenas de metros nas últimas décadas (Angulo et al. 2004) (Figura 13). Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 33 Referências ANGULO, R.J. 1992a. Ambientes de sedimentação da planície costeira com cordões litorâneos no Estado do Paraná. Boletim Paranaense de Geociências 40:69-114. ANGULO, R.J. 1992b. Geologia da Planície Costeira do Estado do Paraná. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo. ANGULO, R.J. 1993a. 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A Ilha do Mel apresenta essas duas conformações, sendo que a planície litorânea representa cerca de 93,8% (2714 ha) e os morros 6,3% (180 ha) da área total da ilha. Conforme o mapa do Levantamento de Reconhecimento dos Solos do Estado do Paraná, elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pelo Serviço Nacional de Levantamentos e Conservação de Solos (SNLCS) (1984 e escala 1:600.000), os solos de maior expressão no litoral paranaense são: Latossolos Vermelho-amarelo Álicos; Podzóis; Solos Indiscrimi- nados de Mangue; Cambissolos Álicos; Podzólicos Vermelho-amarelo Distróficos; Cambissolos Distróficos; Solos Hidromórficos Gleyzados Indiscriminados, e Afloramentos de Rocha. No presente capítulo são descritos os solos que ocorrem na Ilha do Mel, considerando-se as descrições regionais feitas pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa 1994) e principalmente os trabalhos de Sema (1996), Britez (1994), Britez et al. (1997) e Pires (2001) e algumas observações de campo. Ricardo Miranda de Britez 36 Os solos da Ilha do Mel São encontradas quatro ordens e dez subordens de solos na Ilha do Mel (Tabela 1), denominados segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa 1999). Os Neossolos compreendem os solos constituídos por material mineral ou por material orgânico pouco espesso em conseqüência da baixa intensidade de atuação dos processos pedogenéticos, que não conduziram, ainda, a modificações expressivas do material de origem. Tal situação ocorre em virtude de diversos aspectos, como as características do próprio material, resistência ao intemperismo, composição química e relevo, os quais podem impedir ou limitar a evolução desses solos. Os Neossolos Litólicos são solos com horizonte A ou O hístico com menos de 40 centímetros de espessura, em contato direto com a rocha, sobre um horizonte C ou Cr ou sobre material com predomínio de fragmentos de rocha com diâmetro maior que 2 milímetros (cascalhos, calhaus e matacões) e que apresentam um contato lítico dentro de 50 centímetros da superfície do solo. Admitem um horizonte B em início de formação cuja espessura não satisfaz a qualquer tipo de horizonte B diagnóstico. Os Neossolos Quartzarênicos têm como seqüência de horizontes A-C, sem contato lítico dentro de 50 centímetros de profundidade. Apresentam textura areia ou areia franca nos horizontes até, no mínimo, a profundidade de 150 centímetros a partir da superfície do solo ou até um contato lítico. O material é essencialmente quartzoso, tendo nas frações areia grossa e areia fina 95% ou mais Tabela 1 - Principais ordens e subordens de solos encontrados na Ilha do Mel, de acordo com a nomenclatura adotada por Embrapa (1999), e suas respectivas localizações. Meio Físico – Solos 37 de quartzo, calcedônia e opala e, praticamente, ausência de minerais primários alteráveis (menos resistentes ao intemperismo). Os Cambissolos são constituídos por material mineral, e apresentam horizonte A ou hístico com espessura de 40 centímetros seguido de horizonte B incipiente. Têm seqüência de horizontes A ou hístico, Bi, C, com ou sem R. Por causa da heterogeneidade do material de origem, das formas de relevo e das condições climáticas, as características desses solos variam muito de um local para outro. Assim, a classe comporta desde solos fortemente até imperfeitamente drenados, de rasos a profundos, de cor bruna ou bruno-amarelada até vermelho escuro, e de alta a baixa saturação por bases e atividade química da fração coloidal. Cambissolos hísticos são solos com horizonte O hístico com menos de 40 centímetros de espessura, ou menos de 60 centímetros quando 50% ou mais do material orgânico for constituído de ramos finos, raízes finas, casca de árvores e folhas, parcialmente decompostos. Já o Cambissolo Húmico apresenta horizonte A húmico e os Cambissolos Háplicos são os demais solos com características de Cambissolo que não se enquadram nas subordens anteriores. Argissolos compreendem solos constituídos por material mineral, que têm como características diferenciais argila de atividade baixa e horizonte B textural (Bt), imediatamente abaixo de qualquer tipo de horizonte superficial, exceto o hístico. Parte dos solos desta classe apresenta um evidente incremento no teor de argila, do horizonte B para baixo do perfil. A transição entre os horizontes A e Bt é usualmente clara, abrupta ou gradual. São de profundidade variável, desde forte a imperfeitamente drenados, de cores avermelhadas ou amareladas e, mais raramente, brunadas ou acinzentadas. A textura varia de arenosa a argilosa no horizonte A e de média a muito argilosa no horizonte Bt, sempre havendo aumento de argila daquele para este. São forte a moderadamente ácidos, com saturação por bases alta ou baixa, predominantemente caulinítico. As subordens se distinguem principalmente em função da cor, e as principais são Argissolos Acinzentados (matiz mais amarelo que 5 YR e valor 5 ou maior e croma < 4 na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B), Argissolos Amarelos (matiz mais amarelo que 5 YR na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B) e os Argissolos Vermelho-Amarelos (matiz 5 YR ou mais vermelho e mais amarelo que 2.5 YR na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B). Os Espodossolos são solos constituídos por material mineral, apresentando horizonte B espódico, imediatamente abaixo de horizonte E ou A, dentro de 200 centímetros da superfície do solo, ou de 400 centímetros de Ricardo Miranda de Britez 38 profundidade, se a soma do horizonte A + E ultrapassa 200 centímetros de profundidade. Os Espodossolos são chamados de Cárbicos quando apresentam acúmulo, principalmente de carbono orgânico e alumínio, no horizonte B espódico, com presença só de horizonte Bh, e de Ferrocárbicos quando apresentam acúmulo, principalmente, de carbono orgânico e ferro. As Unidades Fisiográficas Áreas de Morro Nos morros, apesar da pequena elevação (entre 50 e 148 metros; ver Britez & Marques neste volume), em função de condições topográficas os solos estão sujeitos a forte ação erosiva. O relevo variando desde suave ondulado (nos topos) ao montanhoso e escarpado resulta em um material de origem associado ao complexo gnaissico-migmatítico costeiro (Mineropar 1989). Apesar de não terem sido realizados estudos sistematizados dos solos dos morros, com base em Sema/Iap (1996) foram identificadas as ordens, de Cambissolo e Argissolo. Nas porções mais dissecadas da paisagem de quase todos os morros da Ilha, observam-se afloramentos rochosos associados a Neo-solos Litólicos, onde o material orgânico é pouco espesso, por causa da dificuldade de fixar-se nas porções de alta declividade. Esses solos apresentam-se bastante heterogêneos, com variações na seqüência de horizontes (A/R ou A/C/R) e com o horizonte superficial (h A) em geral moderado. Também próximo aos costões sobre influência direta do mar é comum encontrar uma camada fina de solo sobre as rochas, em uma sucessão gradativa de rocha exposta para solos cada vez mais profundos, à medida que ocorre um desenvolvimento mais acentuado da vegetação. Onde houve condições para um melhor desenvolvimento dos solos, surgem os Cambissolos, que podem apresentar variações quanto à fertilidade (álicos ou distróficos), estrutura e textura (em geral argilosa), podendo exibir pedregosidade (seixos subangulosos e cascalhos) ao longo do perfil. Além disso, há variações na permeabilidade interna e grau de hidromorfismo do solo. No morro do Joaquim, onde ocorre acúmulo de água, foi observada a presença significativade Cambissolo com caráter intermediário para solo Glei Pouco Húmico, ou seja, Cambissolo Gleico (Sema/Iap 1996). Segundo Embrapa (1984), também ocorre nos morros solo Podzólico Vermelho Amarelo latossólico. Meio Físico – Solos 39 Áreas de Planície Quase toda a área da planície é constituída por um sistema de diferentes tipos de Espodossolos. Ocorrem ainda, ocupando uma área bem menor, o Neo- solo Quartzarênico e os Solos Indiscriminados de Mangue (Sema/Iap 1996). Os Neossolos Quartzarênicos ocorrem nas áreas onde a deposição de sedimentos é recente, em alguns pontos da costa da Ilha e sobre formações eólicas (terraços da parte sul). Nesses casos há uma descontinuidade entre o material que formou a planície costeira original e os sedimentos novos, com horizonte A fraco sobre horizonte C inconsolidado, podendo apresentar lentes de material máfico ao longo do perfil do solo. Destacam-se também áreas de marismas onde ocorrem Neossolos Quartzarênicos hidromórficos com caráter solódico e/ou tiomórfico, intermediárias para Solos de Mangue (Sema/Iap 1996). Os Solos Indiscriminados de Mangue não são muito representativos na Ilha, e sua ocorrência está relacionada com a presença da vegetação dos mangues, que ocorrem no Saco do Limoeiro e na parte noroeste da Ilha (área da Estação Ecológica), na região da Ponta Oeste, Ponta do Hospital e rio Cassual (ver Britez & Marques e Silva & Britez neste volume). Estes estão sujeitos à influência direta do fluxo e refluxo das marés, localizando-se nas desembocaduras dos rios, reentrâncias da costa e margens de lagoas, onde as águas são mais calmas e o substrato é de aspecto lodoso. Os sedimentos da planície de maré são argilo-arenosos, com altos teores de matéria orgânica. A diminuição da corrente de água favorece a deposição de sedimentos finos argilosos ou argilo-siltosos, mas não exclui a possibilidade da presença de depósitos arenosos. Portanto, são solos de textura variável, dependente da natureza do substrato e com conteúdos variáveis de sais, principalmente de Na+, Mg++, Ca++, K+ e outros; a concentração desses sais no solo também é dependente da maior ou menor influência da água do mar. Nesses locais, há uma grande variação nas características definidoras das classes de solo, com gradações intermediárias entre os Solos de Mangue e Espodossolos. As principais variações observadas em campo são o tipo de horizonte A (moderado até hístico), caráter tiomórfico, textura (arenosa até siltosa, com diferenciações na granulometria da fração areia) e seqüência de horizontes/suborizontes subsuperficiais. Apesar de sua importância ecológica, as áreas transicionais para manguezais são pouco expressivas em termos geográficos (Sema/Iap 1996). Os Espodossolos ocupam a maior área da ilha, com cerca de 80% da área total. De acordo com a Embrapa (1984), estes ocorrem no litoral do Estado do Paraná numa extensão de 855 quilômetros quadrados (0,43% da área do Ricardo Miranda de Britez 40 Estado). A sua característica mais marcante é a presença de um horizonte espódico, de acúmulo de material de natureza orgânica e mineral. Ao contrário dos demais tipos de solo, esses solos foram mais estudados na ilha. Figueiredo (1954) analisou cinco amostras de solo em diferentes locais na Ilha do Mel, caracterizou os solos como sendo originários de sedimentos quaternários recentes, constituídos de alto teor de areia grossa uniforme com pouco húmus e insignificante porcentagem de argila; em alguns locais eram providos de Ca e P, por causa da presença nas amostras de fragmentos de conchas. Silva (1990), ao analisar as características dos solos em uma área da planície arenosa da Ilha do Mel, identificou os solos da restinga como oligotróficos, com baixa CTC e poucos sítios para retenção de íons, alta potencialidade de lixiviação, distróficos, fortemente ácidos e, portanto, com limitações para o estabelecimento e desenvolvimento vegetal. Pires (2001) descreveu um Espodossolo Cárbico Órtico Espessarênico, na Praia Grande, porção sul da Ilha, paralelamente à linha da praia, na vertente interna das dunas eólicas do primeiro cordão, e Britez et al. (1997), um Espodossolo Cárbico Órtico e um Espodossolo Cárbico hidromórficos na Estação Ecológica da Ilha do Mel. Cabe salientar que, embora não tenha havido um estudo específico sobre outros Espodossolos, foi observada a ocorrência de Ferrocárbicos órticos dúricos típicos e Ferrocárbicos hidromórficos, inclusive com a ocorrência de inclusões de Organossolos. A situação típica da planície litorânea pode ser representada pelo estudo de Britez et al. (1997) no qual duas áreas florestais (Floresta não inundável e Floresta inundável, de acordo com Silva & Britez neste volume) com estruturas diferenciadas (Menezes-Silva 1998) localizadas ao nordeste da Ilha foram analisadas (Figura 1). Nas áreas onde o relevo é mais elevado, a vegetação é mais baixa e o lençol freático é mais profundo. A profundidade do horizonte B iluvial também está relacionada com a faixa de oscilação do lençol freático. Ocorrem também dois compartimentos distintos de nutrientes, um no horizonte A1 e outro no B iluvial. Segundo os autores, a disponibilidade de água e de nutrientes do horizonte B deve influenciar na estrutura das duas florestas. Na Floresta inundável (mais alta), tanto o lençol freático como o horizonte B estão mais próximos da superfície, possibilitando que essa formação esteja menos sujeita ao estresse hídrico provocado pela falta de água no sistema radicial, que é superficial, além de poder aproveitar mais facilmente os nutrientes acumulados no horizonte B (Britez et al. 1997, Figura 1). Já na Floresta não inundável, nos períodos de seca o solo não tem capacidade Meio Físico – Solos 41 de reter a água por causa do seu caráter arenoso, e nesse sistema a absorção de nutrientes ocorre principalmente nos primeiros centímetros da superfície do solo, provavelmente influenciando na produtividade do sistema e conseqüentemente na estrutura da floresta (Britez 1994). Na parte central da Ilha na Estação Ecológica, também na planície litorânea, em algumas regiões o lençol permanece sobre a superfície do solo boa parte do ano, propiciando o desenvolvimento de uma vegetação de maior porte (Menezes-Silva 1998). Com exceção de pequenas elevações no terreno, de onde estabelecem-se as árvores, nas depressões, o afloramento do lençol freático provoca a formação de pequenos canais de escorrimento de água, fazendo com que o microrrelevo da área seja bastante irregular. Nessas áreas ocorrem os Espodossolos Cárbicos hidromórficos. A descrição morfológica e a classificação de um perfil característico de Espodossolo da planície litorânea da Ilha do Mel são exemplificadas abaixo (Britez 1994). Ricardo Miranda de Britez 42 Os Espodossolos apresentam uma classe textural arenosa, com muito pouca quantidade de argila, e valores mais elevados de silte no horizonte A1, como pode ser observado na Tabela 1 referente ao perfil de solo descrito acima. A textura arenosa confere-lhe boa aeração e drenagem e promove uma baixa capacidade de retenção de nutrientes e água; a alta pluviosidade da região tende a lixiviar a maior parte dos nutrientes (Britez et al. 1997). Em relação às características químicas dos Espodossolos, exemplificadas na Tabela 2, os valores de pH em CaCl2 são muito baixos, variando de 3,4 a 4,2. Pires (2001) e Silva (1990) também encontraram a mesma faixa de valores para esse solo em outra porção da Ilha. A forte acidez do solo propicia o aparecimento de alumínio trocável, o que é comprovado pelas altas porcentagens de saturação em alumínio. Em contrapartida, os valores de V são menores que 20 %, indicando que apenas pequenas quantidades de bases trocáveis ocupam os sítios de carga negativa, e que a maior parte delas está sendosaturada pelo Al (Britez 1994). A matéria orgânica é a principal responsável pela retenção de cátions nos solos estudados. Além do carbono, os elementos trocáveis, a soma de bases, a capacidade de troca catiônica, cálcio, magnésio, potássio e o fósforo apresentam valores mais elevados no horizonte A1. O acúmulo de matéria orgânica na superfície do solo origina-se da deposição da serapilheira, o que propicia que os horizontes superficiais acumulem uma quantidade maior de nutrientes. Hay & Lacerda (1980) e Hay et al. (1981) obtiveram correlações altas entre matéria orgânica e capacidade de troca catiônica em solos de restinga. Silva (1990), além da correlação da matéria orgânica e capacidade de troca catiônica em espodossolos na Ilha do Mel, obteve correlações significativas entre matéria orgânica e P, K, Mg e Ca. Também Pires (2001) correlacionou o conteúdo de Mg, S, Na, SB (soma de bases) e CTC (capacidade de troca catiônica) com a porcentagem de argila, Tabela 2 - Análise granulométrica de um perfil de Espodossolo na planície litorânea da Ilha do Mel (Britez 1994). Meio Físico – Solos 43 que, no entanto, trata-se de partículas mais finas de matéria orgânica, o que foi detectado na análise granulométrica como argila. Também ocorre um acúmulo de matéria orgânica e outros nutrientes no horizonte B iluvial proveniente da translocação do horizonte E (Britez 1994). O Espodossolo caracteriza-se pela remoção do Fe do horizonte E, sendo transferido para a parte mais inferior do horizonte B, precipitando-se junto com o Al e o Mn (Vieira 1988). Ocorrem algumas diferenças em termos de teores de alguns nutrientes no solo relativas à distância do mar. Comparando os solos localizados mais distantes do mar (Moraes 1993, Britez et al. 1997) com os valores de Pires (2001), todos os elementos trocáveis, principalmente Ca, K e P, foram mais elevados no horizonte A1 dos solos mais próximos do mar, provavelmente por causa da influência de aerossóis marinhos na deposição de nutrientes no solo. A relação direta entre diversos atributos da comunidade, inclusive nível de nutrientes no solo com a proximidade do mar, foi comentada por Henriques & Hay (1992). Segundo Clayton (1972), os íons Ca e K não são transportados até muito distante do oceano, pelo fato de estarem em concentrações baixas na água do mar. O nível alto encontrado para o elemento Ca pode exercer um efeito positivo na retenção dos demais cátions, possibilitando uma maior capacidade de troca catiônica. Embora a fertilidade do solo seja considerada muito baixa, vários autores que estudaram comunidades vegetacionais também estabelecidas em solos oligotróficos (Jordan 1985, Moraes 1993, Britez 1994) salientam que a eficiência na ciclagem de nutrientes compensa essa restrição para o desenvolvimento das plantas. Também existem diferenças específicas das plantas quanto às suas exigências nutricionais, capacidade de absorção de nutrientes e desenvolvimento radicial, e dos vários mecanismos de adaptação, tais como a tolerância ao alumínio, Tabela 3 - Análise química de um perfil de solo da planície litorânea da Ilha do Mel. Ricardo Miranda de Britez 44 por mecanismos de exclusão das raízes, aumento do pH da rizosfera, excreção de mucilagens na zona apical do meristema de raízes e complexação do alumínio, eficiência na utilização dos nutrientes, principalmente P, Ca e Mg, pela associação com micorrizas (Marchner 1986, Britez 2001). Figura 1 - Desenho esquemático da localização dos perfis nas Floresta não inundável e Floresta inundável, de acordo com Britez et al. (1997). Os horizontes são definidos da seguinte maneira: A - horizonte superficial, E - horizonte eluvial, Bhs - horizonte com acúmulo de matéria orgânica e ferro, Bs - horizonte com acúmulo de ferro. Meio Físico – Solos 45 Referências BRITEZ, R.M. 1994. Ciclagem de nutrientes minerais em duas florestas da planície litorânea da Ilha do Mel, Paranaguá. Dissertação de Mestrado em Agronomia, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. BRITEZ, R.M. et al. 1997. 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Encontram-se na literatura desde relatos genéricos sobre os seus principais aspectos fitofisionômicos até listagense descrições detalhadas de diferentes regiões do litoral, além de várias propostas de mapeamento e denominação dos seus diferentes tipos e/ou comunidades vegetacionais. O objetivo deste capítulo é, com base nas descrições e relatos disponíveis na literatura e em um extenso trabalho de levantamento em campo, apresentar um proposta de classificação para a vegetação da planície costeira da Ilha do Mel, bem como uma descrição de cada tipo vegetacional ocorrente na área. Esta proposta de classificação tem a característica de poder ser adaptada para outros trechos de planície costeira no Brasil, pois tem uma abordagem hierarquizada e flexível. A vegetação das planícies costeiras brasileiras Na primeira tentativa de classificação fitogeográfica do Brasil, elaborada por Karl P. Von Martius em 1824, a região litorânea foi incluída na província denominada “Dryas”, representada principalmente pela conhecida “floresta atlântica”, sem distinção entre a vegetação das planícies costeiras e das encostas da serra (Martius 1951). Outros naturalistas que passaram pelo Brasil deram contribuições importantes para o conhecimento da vegetação litorânea, além de Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 50 aspectos geográficos da costa, principalmente porque muitas das áreas descritas atualmente encontram-se completamente descaracterizadas (Lacerda et al. 1982; Araujo 1987). Alguns desses relatos foram traduzidos e lançados no Brasil, destacando-se os trabalhos de Avé-Lallemant (1980), Gardner (1942), Saint Hillaire (1935, 1936, 1941, 1974), Spix & Martius (1938), Wettstein (1970) e Wied-Neuwied (1958), entre outros. Até aproximadamente meados do século passado, diversos naturalistas e pesquisadores mencionaram a região costeira em trabalhos sobre a vegetação brasileira, em geral referindo-se a esse conjunto de tipos de vegetação como um “complexo”, dada a sua grande heterogeneidade (Campos 1912, Sampaio 1934, Santos 1943, Azevedo 1950, Rizzini 1963, Romariz 1964, Kuhlmann 1956, Andrade-Lima 1966, Veloso 1966, entre outros) Foi a partir do trabalho clássico de Rizzini (1979) que a vegetação da zona costeira do Brasil passou a ter um tratamento mais detalhado, considerando a diversidade de tipos fisionômicos encontrados nessa região. Alguns termos que ficaram bastante conhecidos para referenciar tipos costeiros de vegetação foram inicialmente empregados por esse autor, tais como “floresta paludosa”, “floresta esclerófila”, “thicket” e “scrub”. Eiten (1983), misturando termos universalizados com outros de uso regional e considerando características climáticas e fisionômicas, reconheceu no litoral a “restinga costeira”, diferenciada em “arbórea, arbustiva fechada, arbustiva aberta, savânica e campestre”, e os “campos praianos”. Seguindo a tendência de reconhecer o solo como um fator condicionador importante na vegetação litorânea, e procurando adequar a classificação da vegetação brasileira a um sistema internacional, a equipe do projeto Radam, posteriormente Radambrasil, realizou diferentes tentativas de classificação fitogeográfica do espaço brasileiro, sumarizadas por Veloso & Góes-Filho (1982) e Veloso et al. (1991), que, embora passíveis de críticas, principalmente no que diz respeito à escala de trabalho, apresentam critérios objetivos de classificação. As planícies litorâneas brasileiras incluem áreas representativas de diferentes unidades fitoecológicas, como a Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (região da Floresta Ombrófila Densa) e as Formações pioneiras com influência marinha, flúvio-marinha ou fluvial/lacustre (Sistemas Edáficos de Primeira Ocupação). Dentro das Formações pioneiras com influência marinha, às quais também denominaram de “restinga”, Veloso et al. (1991) reconheceram os tipos Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 51 arbóreo, arbustivo e herbáceo de vegetação, procurando contemplar as suas principais variações fisionômicas. A denominação empregada para designar e classificar a vegetação litorânea e para diferenciar as suas respectivas fitofisionomias é bastante diversa, e em alguns casos um tanto quanto confusa. A chamada “restinga” e também os “manguezais”, ambos tipos vegetacionais expressivos da planície costeira, são reconhecidos praticamente em todos os trabalhos citados, mas a definição das suas diferentes “comunidades”, “fisionomias” e/ou “formações” ainda é pouco clara, e muitas vezes carece de critérios de classificação mais objetivos e flexíveis. Desde os trabalhos clássicos de Löfgren (1896) para o litoral paulista, de Ule (1901) para a região de Cabo Frio (RJ) e de Lindman (1906) para o Rio Grande do Sul, algumas propostas foram feitas por outros autores, destacando-se Rawischter (1944), que apresentou uma proposta para o litoral brasileiro como um todo, e de Dansereau (1947), Hueck (1955) e Reitz (1961), para as regiões litorâneas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina, respectivamente. Vale ainda mencionar os estudos realizados por Stellfeld (1949b), Romariz (1964), Klein (1980) e Roderjan & Kunyoshi (1988), além de outros com enfoques mais regionais, destacando-se os estudos de Araujo & Henriques (1984) para o Rio de Janeiro e Waechter (1985, 1990) para o Rio Grande do Sul. Várias publicações posteriores a estas utilizaram a classificação proposta por Araujo & Henriques (1984), às vezes com algumas adequações, dentre os quais destacam- se Henriques et al. (1986), Araujo & Oliveira (1988), Pereira (1990), Sá (1992) e Pereira & Gomes (1994), entre outros. Araujo (1992), baseando-se em todo o conjunto de informações produzidas em quase 10 anos de pesquisa nas “restingas” fluminenses, propôs uma primeira aproximação de classificação da vegetação das planícies costeiras arenosas do Brasil que, embora de grande valor, não se aplica integralmente a todo o litoral brasileiro em função de sua grande diversidade de ambientes. Atualmente pode-se dizer que a vegetação ocorrente nas planícies costeiras arenosas do Brasil, notadamente das regiões sul e sudeste, onde essas feições são mais características, tem vários dos seus aspectos relativamente bem conhecidos, notando-se um grande incremento nos trabalhos produzidos nos últimos 20 anos. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 52 A vegetação da planície costeira no Paraná A planície costeira no Paraná, conforme definida por Angulo (1992), é bem desenvolvida em relação aos estados vizinhos, chegando a cerca de 50 km de largura; sua delimitação é o Oceano Atlântico a leste e a Serra do Mar a oeste, incluindo sedimentos de naturezas distintas. Os trabalhos pioneiros abordando de forma mais definida a vegetação costeira paranaense, principalmente com uma abordagem fitogeográfica clássica, podem ser creditados a Maack (1949, 1950, 1981) e Stellfeld (1949a, 1949b), além de menções genéricas à cobertura vegetal da planície litorânea como Bigarella (1947), Fernandes (1946-47) e Figueiredo (1954), este último na própria Ilha do Mel. O primeiro trabalho de caráter ecológico feito na região litorânea do Paraná foi efetuado por Hertel (1959), que, além de ter abordado aspectos conceituais acerca de fitoecologia e fitogeografia, avaliou determinadas condições ambientais sob as quais a vegetação desenvolve-se e apontou as espécies mais típicas de cada situação, embora o trabalho não tivesse o propósito de uma caracterização florística da região litorânea. Trata-se sem dúvida de um trabalho muito interessante, de consulta obrigatória aos interessados na vegetação litorânea paranaense, embora seja pouco conhecido e referenciado. Outros trabalhos que preocuparam-se em descrever os diferentes tipos de vegetação instalados sobre a planície costeira paranaense, com ênfase e abordagens distintas, foram realizados por Roderjan & Kunyoshi (1988),Bòlos et al. (1991), Ziller (1992) e Jaster (1995), entre outros. Os tipos vegetacionais da planície litorânea da Ilha do Mel Os sistemas de classificação fitogeográfica propostos para o território brasileiro, notadamente aqueles associados a propostas de mapeamento (Rizzini 1963, 1979, Romariz 1964, Andrade-Lima 1966, e Veloso et al. 1991, entre outros), utilizaram escalas de trabalho incompatíveis com a variedade de tipos vegetacionais observada nas planícies costeiras, cujo conjunto é comumente designado como “restinga”. Essa heterogeneidade fica evidenciada pelo tratamento dado por alguns desses autores ao referirem-se a esta como um “complexo” ou “mosaico” de vegetação (Azevedo 1950, Rizzini 1963, 1979, Romariz 1964). Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 53 Estudos de abrangência regional, realizados em escalas de trabalho mais adequadas a este tipo de vegetação, conseguiram obter resultados mais satisfatórios, pois foi possível o reconhecimento de tais variações fisionômicas (v. Pfadenhauer & Ramos 1979, Henriques et al. 1986, Oliveira-Filho & Carvalho 1993). No entanto, à medida que se obtêm resultados mais detalhados, surge o problema de designação nomenclatural dada às diferentes fitofisionomias, muito variável entre as diferentes regiões estudadas. É grande a variedade de critérios, nomes e propostas de classificação da “restinga”, sendo muitas destas com aplicação eminentemente regional, como pode ser visto nos estudos de Waechter (1985, 1990) no Rio Grande do Sul, Reitz (1961) em Santa Catarina, Hueck (1955) em São Paulo, Araujo & Henriques (1984) para o Rio de Janeiro, Pereira (1990) no Espírito Santo, Oliveira-Filho & Carvalho (1993) na Paraíba e Bastos et al. (1995) no Pará, para citar somente os de maior área de abrangência. Com base em observações em campo, estudos florísticos e estruturais (Silva et al. 1994, Menezes-Silva 1998), estudos descritivos de solo (Britez et al. 1987) e análises de imagens de satélite, ao longo de mais de 18 anos (1985 a 2003), foi possível sugerir uma proposta de classificação para a vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel. Conforme já observado em outras regiões do litoral brasileiro, a vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel também mostra muitas variações, sendo representada por formações campestres, arbustivas e florestais, com cobertura e altura da sinúsia dominante muito variáveis entre os diferentes locais. Uma síntese das formações, com as respectivas denominações empregadas, critérios usados para o reconhecimento e localização na planície litorânea da Ilha, pode ser vista na Tabela 1. Formações campestres Predominam espécies herbáceas (rizomatosas, cespitosas e reptantes), com pequenos arbustos e árvores de ocorrência isolada e pouco expressiva; tais formações foram denominadas de “campos”, termo de conotação puramente fisionômica, cujo uso normalmente é direcionado para formações mais extensas e contínuas de localização planáltica, e com predomínio fisionômico de espécies “graminóides”. As formações campestres descritas na planície costeira da Ilha do Mel têm variações nas suas respectivas fisionomias e composições, assim como nos seus graus de cobertura, além de ocorrerem em ambientes com condições bastante Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 54 Tabela 1 - Principais formações vegetais ocorrentes na planície litorânea da Ilha do Mel, Paranaguá, PR. Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 55 diferenciadas. O substrato nos locais de ocorrência dos campos variam desde areia quartzosa marinha exposta e praticamente desprovida de cobertura orgânica, passando por locais inundados por água doce ou salobra, até áreas inundáveis por água do salgada, afetadas pelo regime diário de marés. Foram reconhecidos quatro tipos de formações campestres: campo aberto não inundável, campo aberto inundável, campo fechado não inundável e campo fechado inundável. Campo aberto não inundável Vegetação com altura inferior a 50 cm, onde espécies herbáceas reptantes e cespitosas constituem as formas biológicas predominantes, com cobertura proporcionada pela sinúsia dominante variável, desde valores em torno de 10%, nas partes mais próximas ao mar e sujeitas ao alcance episódico das marés, até mais de 50% em locais mais afastados. Arbustos baixos podem ocorrer de forma isolada, aumentando em densidade à medida em que se afastam da atual linha de maré. Sua principal região de ocorrência são as partes superiores das praias e as chamadas “antedunas”, em locais com substrato arenoso, de formação relativa- mente recente (Figura 1). As áreas de praia, em alguns casos associadas a pequenas dunas e faixas mais ou menos extensas de “antedunas”, são bem representadas na Ilha do Mel; circundam cerca de 80% de sua área, na sua maior parte delimitando a Estação Ecológica (Sema/Iap 1996). O processo erosivo que atinge diferencial- mente a costa da Ilha destruiu parte das áreas de ocorrência dos campos não inundáveis mas, em contraposição a este fato, em locais próximos aos pontos intensamente erodidos, como no canto do Farol, nas praias Grande, do Cedro e do Bicho, observou-se nos últimos 15 anos um intenso processo deposicional, na primeira claramente notado pelo avanço de um banco de areia em forma de esporão, com cerca de 100 m, em direção ao mar (ver Angulo & Souza neste volume). A formação desses depósitos sedimentares é acompanhada pelo desenvolvimento dessa formação, e em locais próximos às desembocaduras dos pequenos canais de águas escuras, por formações arbustivas dominadas por Dalbergia ecastophylla, descritas na seqüência. Como espécies características dos campos não inundáveis podem ser mencionadas Blutaparon portulacoides, Alternanthera maritima e Ipomoea pescaprae, além de várias poáceas (Paspalum distichum, Spartina ciliata, Sporobolus virginicus, Andropogon arenarius, Cenchrus echinatus e Digitaria connivens) e ciperáceas (Cyperus ligularis, Cyperus polystachyos e Cyperus sesquiflorus), Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 56 que nas pequenas depressões mais úmidas e afastadas do mar constituem os elementos dominantes na formação. Espécies herbáceas reptantes e eretas de outras famílias, como Asteraceae e Fabaceae, podem destacar-se em alguns locais, sem constituírem, no entanto, elementos importantes fisionomicamente. Dalbergia ecastophylla, arbusto baixo com ramos prostrados, pode ocorrer isoladamente nesta formação, tornando-se mais expressivo nos locais onde faz vizinhança ao fruticeto fechado inundável, no qual é a espécie dominante. A distinção entre o que muitos autores denominaram de “comunidades halófitas” e “comunidades psamófitas” é imprecisa, não só estrutural como floris- ticamente, sendo estas muitas vezes tratadas em conjunto, conforme pode ser visto em Thomaz & Monteiro (1992). O fator principal nessa diferenciação deve ser a suscetibilidade ao alcance das marés, e por conseqüência a(s) espécie(s) dominante(s), além do estado sucessional local, uma vez que áreas mais recentemente colonizadas pela vegetação normalmente são compostas por um número menor de espécies e têm menor cobertura. A halofitia, isto é, a afinidade ou tolerância de uma determinada planta a um ambiente salino, freqüentemente referida para as plantas típicas desta formação, deve ser vista com ressalvas. Hertel (1959) analisou a salinidade da água subterrânea nestas áreas e concluiu que trata-se de um “halofitismo relativo”, chegando mesmo a afirmar que não existe formação verdadeiramente halófita na costa arenosa brasileira. O que na verdade ocorre são plantas psamófitas que toleram temporariamente a presença da água do mar. Pfadenhauer (1978) chegou a conclusão semelhante, embora tenha apontado a salinidade, juntamente com o transporte eólico da areia, como
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