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Linguagem, cultura e alteridade Guto

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Texto Guto
A noção de cultura  é inerente ao campo das Ciências Sociais, particularmente para a Antropologia. A diversidade das formas de viver humanas e a condição essencial do homem como ser cultural, um ser de cultura, é a fonte do debate que através dos tempos, visa superar uma visão biologizante da vida em sociedade e dele fazem parte, as diversas noções elaboradas por diferentes teorias – das mais clássicas às mais recentes. 
No entanto, falar  de culturas, hoje reconhecidamente plural, significa falar de identidades, relações entre grupos e supor que as mesmas encontram-se permeadas tanto por relações materiais de existência, nas quais os homens produzem suas vidas, como por relações imateriais, compreendendo aí o plano simbólico e suas múltiplas formas de expressão desde costumes, língua, religião, crenças, saberes e outros. 
Um aspecto fundamental consiste na compreensão de que as culturas se fazem como realidades dinâmicas, sempre em processo e que no interior de cada uma, o homem se humaniza e se faz particular, como particular é o modo de vida que constrói como membro de um determinado grupo. Compreende-se que, por pressupor as relações entre homens, a cultura seja também comunicação e, neste sentido, envolva símbolos, códigos e significados que permitem a comunicação entre eles e com outros grupos, antes de mais nada, porque permitem interpretar a realidade atribuindo-lhe sentido. Portanto, a cultura não é somente traços, elementos culturais, mas um todo complexo que exige compreender como é construído, pensado e vivido por sujeitos particulares. Esse o desafio daqueles que buscam compreender o que é e como opera uma determinada cultura, a cultura de um grupo social específico e, em particular, as culturas das chamadas sociedades complexas, sociedades como a nossa, organizada em torno de classes sociais e das relações entre elas. 
A existência dos mais variados grupos e de grupos que portam características sociais e étnicas diversas, resultantes de contextos históricos determinados, no caso da sociedade moderna, exige compreender que a cultura envolve a produção da vida biológica e social, sua dimensão material e simbólica, bem como, a dimensão de poder entre grupos e entre sociedades. As culturas resultam assim em sistemas simbólicos e operam como tal, tendo por base a experiência humana vivenciada, experienciada e concebida. Mais que fruto do contato entre coisas, as culturas resultam do diálogo do homem consigo mesmo e com o outro diferente de si, parte de uma mesma humanidade, nem sempre vista como tal, posto que são todas, a um só tempo una e diversa, universal e singular. Esta complexidade, pode-se dizer, constitui outro desafio na compreensão de suas formas de expressão e constituição, principalmente quando pensamos sociedades como a nossa em que as relações entre os homens refletem posições de hierarquia e de poder profundamente desiguais. 
No âmago dessas relações, as culturas são também mediações, pois fazem com que as condições objetivas de vida sejam expressas pelos sujeitos sociais, não pelo que são e representam, mas, pela forma pela qual o próprio real é significado, percebido e interpretado. Cabe assim, aos diferentes grupos sociais, perceber, significar e interpretar a si mesmos em relação ao que vivem e experimentam. Cabe aos que buscam compreender as chamadas culturas modernas, questionar o campo político das relações entre sujeitos, para então compreender-lhes os muitos significados e os significados em jogo naquilo que seus sujeitos expressam. 
As culturas são também, expectativas e sentimentos que chegam a nós, não somente verbalmente, mas por meio de imagens, impressões, movimentos corporais, gestos e tantos outros processos. São assim, imediatamente linguagem não restrita às formas verbais, expressas pela oralidade e pela escrita. 
As culturas envolvem, portanto, modos de ser, fazer sentir e pensar que dotam a vida de significado, dando-lhe sentido e razão. Ordenam e organizam a vida social, mas de modo profundamente dinâmico, não fixo e cristalizado. As culturas enquanto prática simbólica e estruturas de mediação, constituem um campo político de muitas possibilidades, já que envolvem seletividade, ideologia e mudança; envolvem o espaço político das relações entre os homens, implicando em relações de poder vigentes para cada grupo e sociedade, embora não se confundam com esses processos. Por tudo isso, pode-se afirmar a impossibilidade de se definir de modo único e total, um conceito de cultura, principalmente ao se tratar de sociedades complexas. 
Da perspectiva assimilacionista do passado à perspectiva atual de conflito e contradição, pode-se dizer que a Cultura é hoje, a um só tempo expressão simbólica e mediação e como tal insere-se no campo político das relações humanas envolvendo mecanismos práticos e ideológicos de viver e construir a vida, dada por relações concretas, historicamente determinadas e, é ainda, marcada por relações de poder. É por isso que se diz que no “fundo são as sociedades que decretam a cultura e não as culturas que formam as sociedades” (Cunha, 1998,p.88) Para compreender a cultura de um povo, de um grupo, é preciso conhecer a sociedade onde ele vive e está. É na vida em sociedade que as diferenças entre culturas constituem a imensa diversidade que nos torna parte da humanidade, encontram sentido e ganham expressão como realidade. 
Vale portando dizer, que se não olharmos para as múltiplas dimensões de uma cultura, corremos um sério risco, o de “entronizar” a cultura vendo nela, a única explicação dos comportamentos dos outros e, então, concebê-la tão somente como um conjunto de normas, valores e tradições conjuntas, compactas, fechadas, harmoniosas e dentro dela, os homens como mero portadores ou instrumentos (Santamaría, l998)  Cair-se-ia no perigo de instrumentalizá-la nos seus modos de fazer, mais imediatamente visiveis, sem dar conta das demais dimensões – do componente simbólico à mediação. Muitas vezes o risco torna-se maior ainda, quando um fazer na pesquisa, opera com traços culturais mascarando os contextos gerais de classe, ideologia, dominação, etc. As análises se enfraquecem, posto que deixam de considerar os enfrentamentos de homens e de culturas, através de uma ilusão discursiva e técnica. 
É preciso ver o mais geral e o mais particular e refletir sobre a interação cultural no plano social para interpretar pequenas realidades. Se este é o maior desafio para o antropólogo que tem no conceito de cultura a sua mais fundamental ferramenta, o que dizer quando migrando para outros campos de conhecimento, o conceito de cultura e o suporte teórico que o sustenta, torna-se adaptado e adaptável? 
Estabelecer o diálogo entre campos disciplinares diversos – a Antropologia e a Etnomatemática – e, encontrar o caminho de operacionalização de conceitos fundamentais de um campo a outro, é um desafio ao pesquisador e à produção do conhecimento que não pode ser negligenciada ou minimizada por quem quer que seja. Não se trata, porém de defender fronteiras rígidas entre campos de saber. Trata-se de se pôr em alerta, num campo e noutro, buscando possíveis formas de integração, de diálogo e de questionamento, que não permita a emergência de posições ingênuas de defesa pura e simples das diferenças, da singularidade do “outro”, os sujeitos de nossas pesquisas. 
As possibilidades de um trabalho profícuo, auspicioso têm em comum o fato de que ambas as disciplinas preocupam-se com o homem e o que o torna único – sua cultura. No entanto, o desafio está em articular valores universais da condição humana e as especificidades culturais enquanto dimensões de uma mesma realidade. Como diz Valente (l997), além de ser uma exigência teórica, tal articulação se impõem quando as realidades que se colocam como objeto de nosso olhar, são partes integrantes de processos democráticos que estão sendo desafiados pelo movimento global de pobreza, exclusão social e surgimento de particularismos absolutos. 
Para fazer avançar o pensamento é precisoconsiderar a indissociabilidade entre teoria e prática que exige de todos nós, estudiosos da realidade humana, a compreensão de nossas matrizes teóricas ou ainda, dos caminhos de sua construção quando não plenamente constituídos. No caso em debate, um mergulho profundo em um campo e noutro por todos interessados nesse diálogo, pode ser o melhor caminho para se alcançar a ambição comum: a alteridade do outro como um outro e um mesmo.

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