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APOSTILA – ATÉ NP1
Módulo 1 - Conceitos iniciais: a questão de raça e etnia
Para começar, reflita sobre as seguintes questões: negros e brancos são tratados igualmente em nossa sociedade? Negros e brancos possuem as mesmas oportunidades de acesso à educação, emprego, saúde e outros direitos sociais? Afinal, somos um povo racista ou não? Por que precisamos de uma lei que afirme que “o racismo é crime inafiançável”? E como podemos realizar uma educação das relações étnico-raciais?
E então? Percebeu como questões complexas estão envolvidas nas relações étnico-raciais? Essa será nossa preocupação nesta disciplina, desvendar os porquês da permanência do racismo, suas causas e consequências, bem como as múltiplas implicações na promoção da igualdade racial na escola e na comunidade. 
A partir da aprovação da Lei Federal 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira, o interesse pela questão das relações étnico-raciais e afrodescendência aumentou consideravelmente. Nesse sentido, poder público, sociedade civil, movimentos sociais, enfim, toda a sociedade deve estar envolvida no projeto de uma educação pela igualdade étnico-racial no Brasil. Leia o que afirma o Parecer do Conselho Nacional de Educação, CNE-CP 3/2004 com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana:
(...) um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. O racismo, segundo o Artigo 5º da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola. (BRASIL, 2004, p. 7)
Nesse sentido, prossiga seus estudos e envolva-se pessoalmente nesse projeto.
1.1  Raça
A palavra raça será tomada a partir de uma perspectiva sócio-histórica, segundo preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aprovadas em junho de 2004 pelo Ministério da Educação:
É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira (Brasil, 2004). 
Portanto, podemos assumir o uso do termo raça quando quisermos nos referir aos aspectos físicos (à aparência exterior herdada e transmitida hereditariamente), que mostram repercussões negativas nas relações entre brancos e negros, ou seja, quando for necessário demonstrar as tensões existentes a partir das diferenças na cor de pele, olhos, tipos de cabelo etc., a partir de um padrão estético branco e europeu, que estabelece também relações de dominação.
1.2  Etnia
Trata-se de um conceito que compreende as relações sociais estabelecidas entre sujeitos que, entre outras coisas, se reconhecem possuidores de uma origem comum, em contraste com outros, integrantes de grupos diferentes, na sociedade abrangente. Vejamos o verbete “etnia” apresentado no Dicionário de Relações Étnicas e Raciais (apud Cashmore, 2000, p. 196):
Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade, composto por pessoas conscientes, pelo menos em forma latente, de terem origens e interesses comuns. Um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou de um setor da população, mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadas por experiências compartilhadas.
Fica claro, portanto, que etnia implica, por um lado, posicionamento, pertencimento, opção, escolha, autodenominação do sujeito tendo por referência determinado grupo étnico. Nesse sentido, a atribuição de pertença de determinada pessoa a determinado grupo étnico é, em primeiro lugar, endógena, ou seja, parte do próprio sujeito, devendo ser necessariamente a decisão de pertencimento da própria pessoa que se afirma como parte daquele grupo étnico. Entretanto, a definição da identidade étnica não é somente endógena, mas diz respeito também aos significados atribuídos por outros grupos, ou seja, é na mesma medida exógena.
 
Leitura obrigatória:
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora Senac, 2001 (Texto 1A: Preleção antes do embarque, p. 23-37).
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Texto 1B: Algumas definições, conceituações básicas sobre o racismo e seus derivados, p. 60-65). Disponível em: <http://dominiopublico.qprocura.com.br/dp/86779/superando-o-racismo-na-escola.html>
LIMA, Marcus Eugênio Oliveira; VALA, Jorge. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos de Psicologia (Natal), dez. 2004, v.9, n.3, p.401-411. (Texto 1C) Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000300002>
 ZENAIDE, Maria de Nazaré, et al. Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2008. (Texto 1D: FLORES, Elio Chaves. Nós e Eles: etnia, etnicidade, etnocentrismo, p. 21-40). Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/03/03_elio_etnicidade.pdf> 
 
Leitura para aprofundamento:
BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Ministério da Educação e Cultura: Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
BRASIL. MEC – Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Parecer CNE/CP 3/2004 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, MEC, 2004. 
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
Filme: Olhos Azuis. Dir.: Jane Elliott. EUA, 1985.
Filme: A Cor Púrpura. Dir.: Steven Spielberg. EUA: 1985.
Filme: Hotel Ruanda. Dir.: Terry George. Canadá / Reino Unido / Itália / África do Sul, 2004.
Filme: Um Grito de Liberdade. Direção: Richard Attenborough. Inglaterra: 1987.
Música: Lavagem Cerebral, Gabriel, o Pensador.
Música: A Mão da Limpeza, Gilberto Gil.
Música: Flor da Bahia, Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro.
 
 
Exercício comentado:
As afirmações abaixo apresentam definições adequadas para o termo etnia, exceto:
A) As relações sociais entre sujeitos que se denominam de uma origem comum, em contraste com grupos diferentes dentro de uma sociedade abrangente.
B) Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade, composto por pessoas conscientes, pelo menos em forma latente, de terem origens e interesses comuns.
C) Carrega conteúdos significativos definidos pelo sujeito a partir de suas experiências subjetivas, ou seja, suas práticas cotidianas. 
D)  A atribuição étnica pode ser endógena, que parte do próprio sujeito, ou exógena, quando é atribuída por outros grupos.
E) Agrupamento de pessoas ou de um setor da população, com aspectos físicos comuns.
 
 Comentário: Alternativa correta (E):
O termo etnia não diz respeito apenas a um agrupamento de pessoas ou setor da população, mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadaspor experiências compartilhadas. Também não importam os aspectos físicos comuns, mas a origem e interesses comuns.
 
 Módulo 2 - Relações étnico-raciais no Brasil: o racismo científico, o racismo à brasileira e o mito da democracia racial
2.1 O racismo científico e as ideias eugenistas no Brasil
Foi no século XIX que a ciência, através da teoria positivista, produziu uma ampla explicação que colocava os seres humanos organizados hierarquicamente, partindo do princípio de que há diferenças entre as raças que os colocam naturalmente uns superiores aos outros. É importante frisar que a palavra “naturalmente” é tomada aqui no seu sentido mais estrito, trazendo para o plano da natureza a lógica e a organização dos grupos sociais. A esse respeito, afirmam Lima e Vala (2004, p. 402):
O racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada), a qual é ressignificada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento. Por exemplo, a cor da pele sendo negra (marca física externa) pode implicar a percepção do sujeito (indivíduo ou grupo) como preguiçoso, agressivo e alegre (marca cultural interna). É neste sentido que (...) o racismo é uma redução do cultural ao biológico, uma tentativa de fazer o primeiro depender do segundo. 
Portanto, uma vez que a ciência passou a definir uma ordem natural da realidade social, todas as diferenças dos traços exteriores, como cor de pele, cabelo, fisionomias, serviriam a partir de então para colocar homens e mulheres “naturalmente” uns superiores aos outros e, contra essa “verdade inquestionável”, nada nem ninguém poderia se contrapor ou fazer alguma coisa a respeito.
O estudo detalhado sobre a eugenia no Brasil encontra-se no livro de Pietra Diwan. Tratava-se de uma ciência para o “aprimoramento da raça humana”, a partir da qual várias políticas foram implantadas no Brasil, visando o “branqueamento da população” e a “cura da fealdade” do povo brasileiro. 
Para esses intelectuais, médicos, escritores, juristas e políticos pertencentes às sociedades eugênicas fundadas no Brasil, a miscigenação era impedimento para o desenvolvimento do país, pois provocava loucura, criminalidade e doenças. A cura para os males do Brasil seria “civilizar a herança indígena roubada pelos portugueses e branquear nossa herança negra”, segundo estudos da autora. As soluções para o “problema da miscigenação” no Brasil, encontradas pelo Estado Republicano na passagem para o século XX, foi a implantação no país de várias medidas eugenistas, a saber: a) branqueamento pelo cruzamento; b) controle da imigração; c) regulação casamentos; d) segregacionismo e esterilização.
É muito importante que você leia o texto completo de Pietra Diwan, a fim de compreender profundamente o significado da eugenia, uma das questões mais controversas em nossa história recente, que se torna praticamente um tabu, tendo em vista a forma como se deu o banimento desse assunto em todos os livros de história e biografias no Brasil e no mundo (a autora também usa a expressão “amnésia”). É como se a eugenia nunca tivesse existido, ficando a impressão de que somente os nazistas alemães teriam sido “desumanos” o bastante para levar adiante um projeto eugenista daquela envergadura. Tomados como “bodes expiatórios” da ciência eugenista mundial, ficam conhecidos como os “grandes vilões da história”, por terem praticado o holocausto contra 6 milhões de judeus na II Guerra Mundial.
2.2 O racismo à brasileira e o mito da democracia racial
O racismo que surge e se preserva na história do Brasil tem uma configuração muito própria, conforme chamaremos neste módulo de “racismo à brasileira”
Roberto DaMatta é um dos autores que nos chama a atenção para o nosso passado extremamente ambíguo, uma vez que vivíamos uma condição social fortemente hierarquizada e, ao mesmo tempo, precisávamos nos colocar no cenário internacional como uma nação dita moderna, democrática, de iguais. Voltaremos a essas questões históricas nos próximos módulos. Neste ponto de nossa reflexão, queremos enfatizar o aspecto contraditório que até hoje não foi resolvido em nosso meio, o chamado “mito da democracia racial”. A esse respeito, vejamos o que nos diz DaMatta (1987, p. 69):
Pode-se, pois, dizer que a “fábula das três raças” se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o país, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante: um sistema totalizado de ideias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura.
Portanto, durante muito tempo, negamos o racismo em nossa sociedade, apoiados nesses argumentos sobre a cordialidade do brasileiro e a fábula das três raças, atrasando em muitas décadas a inclusão de grupos excluídos ao longo de nossa história. Somente a partir do final dos anos de 1990 é que passamos a adotar medidas legais de ações afirmativas para acelerar o acesso de grupos afrodescendentes aos direitos sociais fundamentais.
Leitura obrigatória:
DIWAN, P. Raça Pura. São Paulo: Contexto, 2007 (Texto 2A: Introdução: Eugenia, o último tabu do século XX, passados que não passam. O Paradoxo Tupiniquim: a intelectualidade brasileira embriaga-se com as ideias eugenistas, p. 9-13; p. 87-121).
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora Senac, 2001 (Texto 2B: O arco-íris brasileiro, p. 39-59).
 
Leitura para aprofundamento:
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro, Rocco, 1986 (Texto: A ilusão das relações raciais, p. 29-40).
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
    Filme: Cobaias. Dir.: Joseph Sargent. EUA: 1997.
Filme: O fio da memória. Dir.: Eduardo Coutinho. Brasil, 1991.
Filme: Quase Dois Irmãos. Dir.: Lucia Murat. Brasil, 2005.
    Música: A Carne, Seu Jorge, Marcelo Yuca e Ulisses Cappelletti.
Música: Preconceito de cor, Bezerra da Silva.
Música: Não Existe Pecado ao Sul do Equador, Chico Buarque.
 
 
Exercício comentado:
As explicações abaixo referem-se ao que se definiu como racismo científico:
I - Ideologia construída no século XIX, que procurou diferenciar os indivíduos e grupos sociais em hierarquias, sendo uns superiores aos outros.
II - Doutrina científica que passou a definir uma ordem natural da realidade social.
III - Teoria que assume a igualdade entre todos os seres humanos, independente de cor, origem, gênero, idade, classe social etc.
IV - Suas explicações associam as características físiológicas, como cor de pele, de cabelo e traços exteriores, ao status social determinado a cada grupo. 
V - Vertente que trouxe para o plano da natureza a lógica e a organização dos grupos sociais.
VI - Foi uma doutrina que serviu de base para a publicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
Assinale apenas as afirmações corretas:
A) I, III, IV, V e VI.
B) I, II, IV e V.
C) I, II, III, IV e V.
D) III e VI.
E) III, IV, V e VI.
 
 Comentário: Alternativa correta (B):
O racismo científico não concebe a vida social enquanto uma realidade igualitária, mas ao contrário, como uma diferenciação hierarquizada dos grupos sociais. A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi publicada em 1948 pela ONU - Organização das Nações Unidas, como uma resposta contra as ideologias racistas do século XIX.
Módulo 3 - Africanidades: alguns aspectos da História Africana dos Negros no Brasil
Em primeiro lugar, cabe-nos definir o conceito de africanidades brasileiras. Trata-se de um processo de valorização e resgate da história e cultura africana e afro-brasileira, a fim de desfazer os estereótipos raciais construídos pelos grupos dominantes (brancos, homens, proprietários, livres e ricos). Assim, podemos dizer que esse é um paradigma que considera a perspectiva dos negros brasileiros na formação da cultura e da sociedadebrasileira. Significa enxergar o mundo através de uma lente sob a perspectiva dos afrodescendentes, segundo nos define Silva (2003, p. 26):
A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia.
(...) Então, estudar Africanidades Brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências, e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles.
A partir, portanto, dessas concepções, é mister que façamos essa reconstrução histórica através de uma perspectiva diferente daquela que temos utilizado em nossas escolas durante tanto tempo. Uma perspectiva que dê a conhecer a grande participação dos africanos na formação do Brasil. Uma perspectiva que os apresente não apenas em sua condição de escravizados, mas como personagens participantes da construção histórica, que, com suas culturas, línguas, formas de organização e economia, participaram expressivamente da construção disso que somos hoje.
3.1. Pegando o fio da história: a África antes de 1500
Em geral, fomos ensinados a pensar a partir de uma série de concepções bastante deturpadas ou incompletas sobre o continente africano e sua população, concepções essas em geral propagadas pelo pensamento conservador, responsável em grande medida pela formulação do chamado racismo científico.
É nesse sentido que toda a história da África passou a ser sistematicamente distorcida, esquecida ou menosprezada nos livros de história e assim foi transmitida a nós e aos nossos alunos há tantas gerações. Vamos começar a rever um pouco tudo isso e tentar pegar o fio dessa história, primeiramente com um trecho de Salum (2005, sem página):
Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza. 
De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística.
A impressão que temos a partir do que estudamos em nossa vida escolar, é de que a África, antes do início da exploração portuguesa, era um território “perdido no mapa”, com povos “primitivos”, sem cultura escrita e com tribos selvagens que guerreavam e se escravizavam mutuamente. Atualmente, nosso conhecimento sobre esse continente é tão parco que chegamos a pensar nele como um único país, “a África”. Oliva (2003, p. 423) inicia seu artigo, intitulado “A História da África nos bancos escolares: representações e imprecisões na literatura didática”, fazendo a seguinte pergunta: “O que sabemos sobre a África?”. Repare como sua resposta nos parece infelizmente bastante familiar:
Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui.
É verdade: temos que reconhecer que sabemos nada ou quase nada sobre a África. A partir dessa primeira constatação, cabe-nos, como educadores, a responsabilidade de sanar tal deficiência em nossa formação e procurar nos apropriar dos conteúdos sobre a história da África e dos negros no Brasil, disponíveis na íntegra para downloads na Internet.
 
3.2. Heranças coloniais africanas e a formação de um país chamado Brasil 
Primeiramente, acompanhe conosco esta breve revisão histórica: sabemos que o Brasil é resultado de um longo processo de exploração colonial promovido por Portugal, com apoio financeiro da burguesia de então que, apesar de ainda não deter o poder político no século XVI, já era proprietária de boa parte das riquezas disponíveis na época, reservas suficientes para servirem de investimentos às empresas colonizadoras portuguesas rumo às Américas.
Assim, é importante ficar claro que já estávamos em pleno capitalismo moderno e que o Brasil nada mais era do que um negócio bastante interessante e promissor, tanto para os monarcas portugueses que comandaram politicamente a empreitada colonizadora, quanto para os burgueses e homens de negócio da Europa que patrocinavam tais empreendimentos.
Existe uma linha de raciocínio que já faz parte de nosso senso comum, segundo a qual os problemas do Brasil estão diretamente ligados à formação de sua população, uma vez que teriam sido mandados para cá os “piores cidadãos” portugueses, indesejados na Europa, quase “deportados” para uma terra onde poderiam “fazer do seu jeito” todas as coisas reprováveis que antes faziam em Portugal. Daí vem também uma das explicações correntes sobre o nosso “jeitinho brasileiro”, no sentido de que as leis não funcionam aqui porque desde a formação do Brasil foram trazidos para cá somente ladrões, bandidos, vagabundos, prostitutas e desocupados de todo tipo.
Isso não é verdade e a explicação fundamental está no fato de sermos, naquela época, a empresa mais rentável de Portugal. 
Portanto, tínhamos aqui uma base importante para o sustento da monarquia portuguesa, que já enfrentava problemas sérios, tanto políticos quanto econômicos, para se manter nas relações capitalistas europeias daquele momento. É nesse sentido que homens e mulheres passam a ser enviados ao Brasil com a incumbência de fazer esse país-continente fornecer riquezas suficientes para sustentar os luxos e extravagâncias da família real e sua aristocracia e, ao mesmo tempo, para pagar os investimentos feitos pela burguesia de então, elite econômica durante aquele período.
Foi com essa mentalidade que os portugueses começaram a explorar de todas as formas o território brasileiro, retirando de nossos solos e florestas todas as matérias-primas que tivessem algum valor no mercado capitalista europeu.
Muito cedo, entretanto, os portugueses perceberam que um dos grandes problemas que teriam em sua missão de exploração brasileira seria a escassez de mão de obra para realizar um trabalho de tão grande monta como o que precisava ser realizado por aqui. 
Uma solução encontrada foi a de trazer negros africanos, vindos de Angola e do Congo, para trabalharem na agricultura. Como os portugueses já dominavam a arte das navegações, não foi difícil forçar populações africanas a se transferirem para o Brasil, submetendo-os a uma das condições de vida e trabalho mais desumanas que a história já assistiu.
É interessante que, mais uma vez, o que aprendemos em nossos bancos escolares a respeito das justificativas sobre o tráfico negreiro aponta os índios como seres acostumados à liberdade e que se recusaram ao trabalho escravo; já os negros, por estarem acostumados à escravidão já existente no continente africano, teriam se submetido mais passivamente à condição de objeto, coisa. Novamente, são explicações que não fazem qualquer sentido lógico. 
Pois é, mais uma vez podemos verificar como esse processo, cujas raízes são profundas, perdura até os dias de hoje, sendo que tais representações ainda aparecem na maioria dos livros didáticos disponíveis para nossos alunos e professores.
É nesse sentido que acreditamos ser possível enxergar a História da África e suas implicações para a História do Brasil de maneira bastantediferente daquela utilizada em nossos bancos escolares. Ao nosso ver, a apropriação que fazemos de cada fato histórico recontextualizado segundo a perspectiva das africanidades brasileiras, abrirá possibilidades e potencialidades na ação/relação educativa, capazes de refazer nossas raízes autoritárias e racistas e promover, por fim, uma realidade de igualdade entre todos e todas.
Leitura obrigatória:
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora Senac, 2001 (Texto 3A: A trilha do círculo vicioso: A forma como se deu a abolição, 1º passo, p. 61-85).
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Africanidades brasileiras: esclarecendo significados e definindo procedimentos pedagógicos. Revista do Professor. Porto Alegre, jan./mar. 2003, v. 19, n. 73, p. 26-30. (Texto 3B)
SILVÉRIO, Valter Roberto; ABRAMOWICZ, Anete; BARBOSA, Lúcia Maria Assunção (Coords). Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade. Módulo II - Ensino Médio. 2004. Universidade Federal de São Carlos – NEAB / UFSCar  (Texto 3C: MUNANGA, Kabengele. Alguns aspectos da História Africana dos Negros no Brasil, p. 59-84). Disponível em: <http://www.ufscar.br/~neab/pdf/enmedio_verde_compl.pdf>
 
Leitura para aprofundamento:
SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). África: culturas e sociedades. Sítio Arte Africana, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP) São Paulo, jul. 2005. Disponível em: <http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/africa_culturas_e_sociedades.html> Acesso em: 27 de jul. 2011. 
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
         Filme: Amistad. Dir.: Steven Spielberg. EUA, 1997.
         Filme: Quilombo. Dir.: Cacá Diegues. Brasil, 1984.
         Música: O Mestre-Sala Dos Mares, Aldir Blanc e João Bosco.
         Música: O Canto das Três Raças, Mário Duarte e Paulo César Pinheiro.
 
Exercício comentado:
As alternativas abaixo apresentam alguns dos mitos e inverdades que acabaram sendo propalados a respeito de nosso passado colonial e escravista, exceto:
A) O nosso povoamento é fruto de uma política colonial que teria enviado às terras brasileiras os “piores cidadãos” portugueses, indesejados na Europa, como ladrões, corruptos e desqualificados de toda sorte.
B) Os índios não puderam ser escravizados, pois eram mais rebeldes, tinham o espírito de liberdade e não se sujeitaram às condições impostas pelo trabalho escravo.
C)  O Brasil já era parte de um grande projeto capitalista moderno desde o início de sua colonização, com altos investimentos da elite econômica da época, representada pela burguesia.
D) Os negros, por já estarem mais acostumados à escravidão no continente africano, foram mais facilmente trazidos ao Brasil e submetidos ao trabalho forçado.
E) A escravidão no Brasil foi uma das mais longas na história moderna devido ao caráter passivo e acomodado dos negros, que pouca ou nenhuma resistência apresentavam à sua condição de escravo.
 
Comentário: Alternativa correta (C):
Ao contrário do que algumas fontes apresentam, o Brasil colonial e agrário não representava uma sociedade arcaica e medieval, mas constituiu-se como a maior empresa capitalista de Portugal no período chamado de capitalismo monopolista-comercial-manufatureiro. As demais alternativas trazem afirmações errôneas, que em muito colaboraram e ainda colaboram para a construção de estereótipos a respeito dos negros na história do Brasil.
 
Módulo 4 - A condição dos afrodescendentes na sociedade brasileira: dados estatísticos, imagens e representações do negro no Brasil
4.1. Desigualdade racial revelada em números
O racismo no Brasil se confirma nos levantamentos estatísticos oficiais, produzidos pelo IBGE, dados esses que foram cuidadosamente analisados por nós, demonstrando que a condição dos afrodescendentes na sociedade brasileira ainda é desvantajosa quando comparada à de outros segmentos da população, nos mais diversos âmbitos sociais: distribuição racial por região, desenvolvimento econômico, mercado de trabalho, renda familiar, distribuição de renda, analfabetismo, desigualdade educacional em todos os níveis de ensino (do básico ao superior), condição feminina com relação a saúde, acesso à infraestrutura pública, saneamento e moradia, estrutura familiar e dedicação aos afazeres domésticos.
Os dados do Censo 2010, publicados no Diário Oficial da União do dia 04/11/2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a população brasileira já atinge a soma de 185.712.713 habitantes. Entretanto, quando o assunto é a igualdade social entre brancos e negros, os números são bastante desoladores e mostram que o país ainda precisa melhorar muito no que tange à distribuição equitativa de direitos e oportunidades.
Neste módulo, procuraremos estudar esses dados, a fim de confirmar a tese que estamos defendendo nesta disciplina: a de que o racismo é um traço perverso no tecido social brasileiro, demonstrado e confirmado pelos levantamentos estatísticos oficiais.
 
4.2. A Pedagogia da Exclusão: Imagens e representações do negro na literatura e na mídia. 
São incontáveis as pesquisas realizadas pela comunidade acadêmica sobre o tema proposto neste subtópico: as imagens e representações do negro nos diversos âmbitos da vida social. Importa destacar, inicialmente, que os resultados do processo de construção da ideologia do branqueamento continuam a marcar as imagens e representações feitas sobre o negro, seja na mídia, na literatura ou no ambiente escolar.
Comecemos analisando mais de perto como a literatura apresenta essa questão. Há um estudo, realizado por Lúcia Barbosa (2004), que analisa a imagem do negro presente nas personagens de algumas obras da literatura brasileira. Apenas para tomarmos um exemplo, a autora, ao estudar os textos de Monteiro Lobato, conclui que seus livros trazem uma visão extremamente preconceituosa sobre o negro, apesar de terem sido escritos após a abolição da escravidão.
Essa é uma crítica corrente entre os estudiosos e militantes do movimento negro, que veem nos textos de Monteiro Lobato a reprodução dos estereótipos do negro como submisso e subserviente, visto que, “embora liberto, não poderia sobreviver sem a tutela do senhor, pois era hereditariamente predisposto ao trabalho servil e desprovido de qualquer autonomia enquanto pessoa” (idem, p. 56); além disso, em suas descrições físicas de negros, os traços africanos se comparam muito a de animais, fato que, inclusive, foi objeto de fortes críticas a um dos livros de Monteiro Lobato escolhido pelo MEC para ser distribuído aos alunos da rede pública. O parecer foi dado no final de 2010 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) a respeito do livro Caçadas de Pedrinho, proibindo sua distribuição nas escolas públicas do país. Nesse sentido, as conclusões daquela autora nos trazem elementos interessantes para essa análise (ibidem):
Não nos surpreende, portanto, a permanência dos estereótipos citados em nossos dias, a literatura encarregou-se de agregá-los à figura do negro. Talvez por isso, consideramos naturais algumas atitudes, piadas e ditos populares de cunho preconceituosos. Derivam dessas ideias cristalizadas, no âmbito da nossa sociedade, os “pretos de alma branca” e muitos outros que se perpetuaram e criaram raiz em nossa sociedade historicamente racista. Como vimos, a literatura, respeitadas as exceções, implantou, difundiu e materializou pedagogicamente fortes mecanismos de exclusão social, na tentativa de escamotear as nuanças.
Desta forma, podemos afirmar que os estereótipos a respeito do negro na escola também são alimentados por atitudes cotidianas, tanto por parte dos alunos, quanto dos professores, funcionários, diretores e todos os envolvidos no processo escolar, independentemente de serem brancos ou negros. O que Bourdieu advoga é que a interiorização desses discursos dominantes é um longo processo de aprendizado que, uma vez absorvido pelos grupos desfavorecidos, como, no nosso caso,todos nós brasileiros, exerce então a eficácia dessa violência simbólica, ou seja, é capaz de manter “cada coisa em seu lugar e cada lugar com sua coisa”, segundo já estudamos com DaMatta (1987).
Imaginemos o exemplo de uma professora que sempre prioriza sua atenção às alunas mais “bonitas” da classe, subentendendo-se aqui as mais ricas, arrumadas, comportadas, bem vestidas, perfumadas e, geralmente, mais brancas e loiras. São elogios ao novo corte de cabelo, a um novo sapato ou celular, ou a uma tarefa bem realizada. 
Ainda não conseguiu entender por que isso acontece? Vamos lá: porque uma criança negra, por exemplo, que assiste a essas cenas cotidianamente, percebe e interioriza a mensagem transmitida pelas atitudes da professora: “não estou sendo elogiada pois não sou tão bonita, não tenho um corte de cabelo tão bonito, não estou tão bem vestida, não sou tão inteligente...”, isto é, esses estereótipos vão sendo assimilados como verdades pela criança, que é vítima dessa violência simbólica ao ponto de, quando crescer um pouco, querer alisar seus cabelos e pintá-los de loiro, por exemplo, reproduzindo então os discursos construídos anteriormente a partir de um referencial branco. A esse respeito, comenta Menezes (apud Miranda, 2010, p. 15):
A criança negra poderá incorporar esse discurso e sentir-se marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada a falso entendimento de que não é merecedora de respeito ou dignidade, julgando-se sem direitos e possibilidades. Esse sentimento está pautado pela mensagem transmitida às crianças de que para ser humanizado é preciso corresponder às expectativas do padrão dominante, ou seja, ser branco.
Perceba que não é somente a criança negra quem incorpora esse discurso pautado por uma referência branca (e, portanto, não brasileira). Todos nós, em alguma medida, temos muita dificuldade em nos definirmos por nossa cor, afinal, não podemos dizer que somos nem brancos puros, nem negros puros; nem totalmente brancos, nem totalmente negros. Mas já vimos que a realidade e a estrutura social e econômica que ela nos impõe se encarrega de deixar muito claro o que significa nos fazermos brancos ou negros. Ou seja, construirmos ou assumirmos nossa identidade étnico-racial significa também ocuparmos (ou não) o “lugar-social” (status social) reservado a cada um dos grupos étnicos, conforme comprovado por tantos dados estatísticos já estudados no início deste módulo.
 
4.3. Violência policial e racial.
Estudando o livro de Hélio Santos (2001), pudemos fazer um percurso teórico que explica de maneira clara a ligação entre esses estereótipos produzidos pela mídia, pela literatura ou pela música popular a respeito dos negros e a violência policial dirigida a esse segmento social. Isso porque o racismo que está dissimulado e espalhado por todo o tecido social recebe nesse âmbito da violência policial e racial um caráter muito mais explicito, uma vez que apresenta-se numa versão armada, sob a proteção legal do Estado. Nas palavras do autor:
O Brasil oficial tem nas polícias (civil e militar) o seu brado armado. Como já foi visto, a sociedade vê os não-brancos (pretos e pardos) como pessoas inclinadas para o mal. Assim, é compreensível que as polícias reservem para eles uma maior atenção. Todavia, o “x” do problema está no fato de ser dramaticamente pior enfrentar um racista armado do que, por exemplo, um selecionador de pessoal que discrimine negros. E mais: o racismo policial é pago pelo Estado com o dinheiro da população. (SANTOS, 2001, p. 133-134)
Nesse sentido, o autor irá discutir as formas de abordagem policial em relação aos negros, para questionar sobre os nossos conceitos de segurança (ou insegurança) pública. A confiança da população na instituição policial também é abordada por Santos, a partir de dados que ligam o crime organizado à conivência policial. Esta sensação de insegurança imposta nesse contexto traz uma onda social em direção à excessiva demanda por segurança privada, seus profissionais e suas tecnologias.
Leitura obrigatória:
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Senac, 2001 (Texto 4A: O dilema: baixa renda x escolaridade inferior, 2º passo, p. 85-106; Texto 4B: A visão da sociedade, 3º passo, p. 107-148).
SILVÉRIO, Valter Roberto; ABRAMOWICZ, Anete; BARBOSA, Lúpcia Maria Assunção (Coords). Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade. Módulo II - Ensino Médio. 2004. Universidade Federal de São Carlos – NEAB / UFSCar  (Texto 4C: BARBOSA, Lúcia Maria de Assunção. Pedagogia da Exclusão: a representação do negro na literatura brasileira, p. 51-58). Disponível em: <http://www.ufscar.br/~neab/pdf/enmedio_verde_compl.pdf>
 
Leitura para aprofundamento:
PINHEIRO, Luana (et. al.). Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. 3. ed. Brasília: Ipea: SPM: UNIFEM, 2008. 36 p. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Livro_RetratoDesigual.pdf>
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
         Filme: O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas. Dir.: Paulo Caldas, Marcelo Luna. Brasil, 2000.
Filme: Notícias de uma Guerra Particular. Dir.: João Moreira Sales, Kátia L.Sales. Brasil, 1998. 
Filme: Carandiru. Dir.: Hector Babenco. Brasil / Argentina / Itália, 2003.
         Música: Dia de Graça, Candeia.
Música: Haiti, Caetano Veloso.
 
 
Exercício comentado:
Analise o gráfico seguinte:
Todas as alternativas abaixo são válidas para a explicação dos dados apresentados, exceto:
A) A distribuição racial nas diversas regiões brasileiras se dá de maneira desigual, concentrando-se pretos e pardos nas regiões mais pobres do país.
B) Nas regiões Norte e Nordeste, os brancos estão em minoria, com 23,6% e 28,8% respectivamente.
C) A região Nordeste é a que apresenta o maior número de pretos, e a região Sul, o menor número de pardos, em relação ao restante do país.
D) As diferenças regionais apresentadas no gráfico acima não mostram relação com a condição social e econômica dos afrodescendentes no Brasil.
E) Pode-se afirmar que a região Centro-Oeste é a mais próxima à média da população brasileira, no quesito de distribuição racial.
 
Comentário: Alternativa correta (D):
Existe uma relação direta entre a distribuição racial brasileira e a pobreza ou riqueza das diversas regiões do país, numa lógica que coloca nas regiões mais pobres, Norte e Nordeste, a maior concentração de pretos e pardos, e inversamente, estando os brancos em maioria nas regiões mais ricas, a saber, Sul e Sudeste.
 
 Módulo 5 - A INTROJEÇÃO DO RACISMO e a não-identidade étnica e racial do negro brasileiro 
 
Um autor que explicou muito bem como se dá esse processo de introjeção do racismo foi Helio Santos (2001). Em seu livro A Busca de um Caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso, ele defende a ideia de que o racismo no Brasil ocorre segundo uma metáfora da “centopeia de duas cabeças”: pensando na pequena lacraia, que ao invés de cabeça de uma lado, e rabo de outro, teria então duas cabeças, sendo uma a do branco, e outra a do negro.  Vamos explicar melhor do que se trata. Acompanhe o raciocínio nas palavras do próprio autor (Santos, 2001, pp. 148-149):
A centopeia é um bicho conhecido também pelo nome de lacraia e costuma ser inofensivo. A inovação que a nossa teoria traz à anatomia desse bichinho é incluir outra cabeça, onde deveria estar seu rabo. Com duas cabeças, imaginamos que ela possa mover-se em sentidos opostos. Usamos essa alegoria para poder explicar o que se dá no campo racial em nosso país. Em um sentido, a sociedade, fortalecida pelos meios de comunicação, destila seu racismo e constrói os seus preconceitos contra os negros e seus valores. Os valores do negro são a sua cultura. Em um sentido contrário, temos o próprio negro-descendente vindo e assumindo (em sua cabeça), como se fosse verdade, aquelas ideias armadas contra si. 
Se lembrarmos aquilo que já colocamos nos módulos anteriores, de que os negros correspondem a maisde 50% da população brasileira atualmente, não é difícil compreendermos que, como integrante da sociedade civil, mesmo não fazendo parte da sociedade dominante, os negro-descendentes também colaboram na visão corrente em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que passam a introjetar contra si aspectos desfavoráveis. Hélio Santos tem certeza em afirmar que se trata de uma “monumental contradição” (2001, p. 149) e, por isso, um processo não tão simples de ser compreendido, como você já deve ter percebido! Mas, por favor, prossiga com o raciocínio de nosso autor: 
Em primeiro lugar, a sociedade que discrimina a população de ascendência negra se supõe branco-europeia. Contudo, não o é. Em segundo lugar, essa sociedade discriminadora é marcadamente negra em termos culturais. Vive, consome e tem internalizados em sua cultura valores negros. Estranho, não? Flagramos agora uma ironia peculiar da terra-brasilis: aqui, os brancos (ou supostos), quando agridem os negros, ofendem a si mesmos. Isso porque eles também são meio negros/ meio brancos, curtindo e vivenciando a cultura negra. (Ibidem)
Baseados nessas concepções, podemos dizer que somos historicamente mestiços. Para compreender essa ideia é muito simples: onde poderíamos verdadeiramente encontrar um “branco-europeu-puro”? Se a própria história de conquistas e revoluções ocorridas nos últimos milênios na Europa é fruto de intensa miscigenação (talvez possamos até dizer que o povo mais mestiço da terra seja o próprio europeu!). Dá para acreditar que essa verdade histórica da miscigenação europeia foi apagada de maneira tão eficaz e definitiva? E mais grave ainda, que nós (em especial, os brasileiros-brancos) tenhamos uma percepção absolutamente imaginária (e ilusória!) de que somos de alguma forma descendentes de uma “linhagem europeia pura”?
Desculpe-nos se exageramos nas exclamações e interrogações. Mas trata-se de um engano tão cristalizado e enraizado em nossa “cultura de povo colonizado”, que já tomou ares de verdade. É preciso atentar, de uma vez por todas, para o fato de que não podemos separar os seres humanos em brancos, negros, amarelos, etc. Historicamente (e geneticamente) somos o resultado da infinita mistura de uma única raça, a raça humana! Portanto, como já afirmamos outras vezes ao longo deste livro, as diferenças são construídas social e politicamente, ou seja, são fruto do processo identitário. Deu para entender agora?
Assim, se construímos para nós uma cultura hierarquizada e dividida imaginariamente entre brancos, negros e índios, estamos marchando contra nós mesmos, visto que somos, todos, um pouco branco, um pouco negro, um pouco índio e assim por diante. Esse é o sentido da centopéia de duas cabeças da qual falava Helio Santos. É como se todas as cabeças pensassem num único sentido: contra nós mesmos! Veja que triste situação nos encontramos.
 
Leitura obrigatória:
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora Senac, 2001 (Texto 5A: A introjeção do racismo e do preconceito, 4º passo; Texto 5B: A não-identidade étnica e racial do negro brasileiro, 5º passo; Texto 5C: Uma visão integrada da trilha, p. 148-177).
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
Filme: Segredos e mentiras. Dir.: Mike Leig. Grã-Bretanha, 1996.
Música: Canção pra Ninar um Neguim, Zeca Baleiro (em homenagem ao Michael Jackson).
Música: Retirantes, Dorival Caymmi.
Música: Assum Preto, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
 
Exercício comentado:
O fato de que o próprio negro-descendente assumir (em sua cabeça), como se fosse verdade, as ideias armadas contra si pela ideologia racista, pode ser considerado, segundo Hélio Santos, como:
A) discriminação racial.
B) racismo.
C) introjeção do racismo.
D) processo nacional de branqueamento.
E) mito da democracia racial.
 
Comentário: Alternativa correta (C):
Por introjeção do racismo, Hélio Santos entende as formas com que o racismo se enraíza na interiorização pelos negros, de normas enunciadas pelos discursos dos brancos racistas. Estas representações introjetadas na cabeça do negro impede que uma pessoa com ascendência negra possa assumir sua verdadeira identidade, além de produzir a própria reprodução do racismo.
Módulo 6 - Movimentos sociais e ações afirmativas: é possível acelerar o processo de mudança?
 
Após estudarmos o livro de Hélio Santos, e compreendermos a complexa interpretação que este autor nos fornece sobre a trilha do circulo vicioso do racismo brasileiro, você deve estar se perguntando: mas, afinal, será possível reverter esse processo perverso?
Pois a nossa tese é: Sim! Isso é possível! A partir deste módulo, começaremos a apresentar algumas dessas possibilidades, partindo dos movimentos negros que tradicionalmente lutam contra o racismo e por igualdade de condições, e passando à definição de ações afirmativas e suas principais implicações. 
 
6.1 Movimentos negros na luta contra o racismo: para uma nova condição afrodescendente
Muitos de nós, ao longo de nossa trajetória escolar, já devemos ter nos deparado com algumas das seguintes explicações para a escravização do negro e para a posição que este ocupa até hoje em nossa sociedade: 
a) Durante o processo de colonização do Brasil feita pelos portugueses, a escravização do negro foi “preferível” à do índio, pois aquele sempre fora mais “passivo”, “aceitando” de forma mais mansa sua própria escravização. 
b)  Ou então: o negro, por ser mais “preguiçoso”, se acomodava à sua condição de escravo, o que fez com que permanecesse nela por quase 400 anos. São ideias que sustentam ideologicamente concepções naturalizantes da condição do negro como escravo, como se os africanos já tivessem nascido escravos, numa tentativa de apagar todo o processo econômico e social de escravização de pessoas negro-africanas por escravizadores portugueses brancos. 
c)  Ou ainda: os negros estão na situação em que estão hoje porque querem, porque não têm “competência” para “conquistar” o que os brancos conquistaram.
São explicações esdrúxulas e indignantes, mas que infelizmente todos nós já ouvimos pelo menos uma vez na vida. Para que a crítica que estamos realizando fique mais clara, pedimos que você reflita sobre os seguintes questionamentos: 
         Será mesmo que alguém pode se “acomodar” à condição de escravizado ou toda a história da resistência negra sempre foi propositalmente esquecida pelos historiadores?
         Será que o negro realmente “aceitou passivamente” sua escravização ou se organizou em inúmeros movimentos ao longo da história colonial, imperial e republicana brasileira, movimentos esses nunca citados nos livros de História?
         Será que as estatísticas que insistentemente mostramos anteriormente confirmam a “superioridade” e “competência” do branco em relação à “falta de capacidade” do negro ou são o reflexo da sociedade desigual, aristocrática e racista na qual vivemos?
É lógico que você já percebeu que nossa tese nesta disciplina procura confirmar sempre a segunda parte das perguntas anteriores, não é? Neste módulo, queremos reforçar o papel do movimento negro contemporâneo na luta contra as desigualdades raciais no Brasil, bem como na promoção de outra condição para os afrodescendentes, a partir, principalmente, de uma tomada de consciência dessas questões e da implantação de políticas de ações afirmativas, das quais falaremos em seguida.
Descatamos ainda a importância de que as crianças aprendam nas escolas uma outra história do Brasil, uma história recontada, que desta vez, leve em consideração esse personagem que, mesmo tão importante, foi tão estigmatizado em nossos livros tradicionais, sendo tomado apenas como “escravo”. Após a implantação das leis 10639/2003 e 11.645/2008, muitos incentivos foram dados à produção bibliográfica, para que grupos temáticos fossem formados e passassem a escrever um farto material pedagógico sobre a história da África e dos negros no Brasil. Muitos desses materiais estão disponíveis na íntegra para downloadsna Internet; outros se encontram à venda nas livrarias; ou ainda sendo distribuídos gratuitamente, seja por órgãos públicos, seja por organizações não governamentais, com o apoio da iniciativa privada.
6.2. A especificidade das Ações Afirmativas para negros no Brasil
A força do movimento negro contra todas as formas de discriminação por raça ou cor e pela garantia de direitos sociais fundamentais da população afro-brasileira acabou por se traduzir basicamente em duas formas na legislação antirracista vigente atualmente no Brasil: de um lado, através de uma legislação penal que pune todo ato discriminatório; por outro, a partir da promoção de igualdade de oportunidades a grupos desfavorecidos socialmente, através das chamadas ações afirmativas.
Neste subtópico, vamos nos aprofundar apenas nessa última, procurando mostrar um pouco da discussão em torno de um tema ainda tão polêmico no Brasil, que mexe com os ânimos de intelectuais, ativistas e políticos, tanto de esquerda, quanto de direita, com negros, brancos e amarelos, com as pessoas de modo geral, professores, alunos, profissionais, donas de casa etc. O debate em torno das ações afirmativas é capaz de mobilizar opiniões em qualquer âmbito social ou contexto cultural, principalmente porque fazem parte delas algumas políticas que procuram garantir cotas para afrodescendentes em universidades e empresas, visando à inclusão justa desse segmento populacional.
Mas, afinal, o que são as ações afirmativas? De acordo com Bernardino (2002, p. 256-257)
(...) são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica, sofrida por algum grupo de pessoas. Para tanto, concedem-se vantagens competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de inferioridade a fim de que, num futuro estipulado, esta situação seja revertida. Assim, as políticas de ação afirmativa buscam, por meio de um tratamento temporariamente diferenciado, promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade.
A discussão sobre as ações afirmativas procedem dos Estados Unidos, onde o movimento negro lutou e conseguiu a garantia de leis que promovessem, ao mesmo tempo: primeiro, um “ ressarcimento” às perdas de oportunidades vividas pelos negros naquele país em consequência de políticas segregacionais; segundo, uma “aceleração” do lento processo histórico, para a inclusão social a curto prazo desse segmento populacional, bem como a ascendência de minorias étnicas, raciais e sexuais. Em ambos os casos, segundo Guimarães (2009, p. 170), são ações “para remediar uma situação considerada socialmente indesejável”.
 Claro que “remediar” não é o ideal de nenhuma realidade verdadeiramente democrática. Assim, é preciso considerar as ações afirmativas como uma medida paliativa, transitória e, portanto, temporária, devendo ser extinta assim que as condições sociais estiverem mais equilibradas para grupos sociais em desvantagem, como negros, indígenas e mulheres, por exemplo.
Ações afirmativas são, nesse sentido, uma espécie de “discriminação ao contrário”, também denominada como “discriminação positiva”, no sentido de proporcionar algumas vantagens aos grupos historicamente em desvantagem (e por isso considerados “minorias”), como negros, idosos, mulheres, indígenas, crianças, adolescentes etc., oferecendo-lhes facilidades temporárias para um acesso mais rápido aos direitos sociais básicos que lhes foram por tanto tempo sistematicamente negados. Para o Direito, esse recurso é denominado “mitigação de danos”, previsto em legislação brasileira, inclusive.
 
Leitura obrigatória:
DE PAULA, Marilene; HERINGER, Rosana (orgs.). Estado e Sociedade na Superação das Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll, ActionAid, 2009 (Texto 6A: Política negra e democracia no Brasil contemporâneo: reflexões sobre os movimentos negros, p. 227-258). Disponível em:  <http://www.boell-latinoamerica.org/downloads/caminhos_convergentes.pdf>
Domingues, Petrônio. Ações afirmativas para negros no Brasil: o início de uma reparação histórica. Revista Brasileira de Educação, ago. 2005, n.29, p.164-176. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782005000200013&script=sci_arttext> (Texto 6B)
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
Filme: Lixo Extraordinário. Dir.: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley. Brasil/Reino Unido, 2010. 
Filme: Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida (1695-1995). Dir.: Edna Cristina. Brasil, 1995.
Filme: Uma Onda no Ar. Dir.: Helvécio Ratton. Brasil, 2002.
Música: Estrela da Terra, Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro.
Música: Negro Drama, Racionais Mc's.
 
Exercício comentado:
(Concurso Público, adap. FCC – 2004) Leia o texto abaixo e responda:
 
Limites das cotas
 
As regras anunciadas pela UnB (Universidade de Brasília) para seu programa de cotas raciais para negros e pardos dão bem a medida da inconsistência desse sistema. Os candidatos que pretendem beneficiar-se das cotas serão fotografados "para evitar fraudes".
Uma comissão formada por membros de movimentos ligados à questão da igualdade racial e por "especialistas no tema" decidirá se o candidato possui a cor adequada para usufruir da prerrogativa.
Para além do fato de que soa algo sinistra a criação de comissões encarregadas de avaliar a "pureza racial" de alguém, faz-se oportuno lembrar que, pelo menos para a ciência, o conceito de raça não é aplicável a seres humanos. Os recentes avanços no campo da genômica, por exemplo, já bastaram para mostrar que pode haver mais diferenças genéticas entre dois indivíduos brancos do que entre um branco e um negro. (...) 
Esta Folha se opõe à política de cotas por entender que nenhuma forma de discriminação, nem mesmo a chamada discriminação positiva, pode ser a melhor resposta para o grave problema do racismo. A filosofia por trás das cotas é a de que se pode reparar uma injustiça através de outra, manobra que raramente dá certo. (...) 
(Folha de S. Paulo. 22/03/2004, p. A-2)
 
Em nossos estudos, discutimos sobre a polêmica questão das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. Este editorial do jornal Folha de São Paulo, publicado em 2004, posiciona-se claramente contra a política de cotas, mas sabemos que esta posição não é uma unanimidade na arena política. Sobre este debate, assinale a alternativa incorreta:
 
a) A discussão sobre as ações afirmativas procedem dos Estados Unidos, onde o movimento negro lutou e conseguiu a garantia de leis que promovessem a igualdade racial naquele país.
b) As cotas são como uma espécie de “ressarcimento” às perdas de oportunidades vividas pelos negros em consequência de políticas segregacionais.
c) A “aceleração” do lento processo histórico, para a inclusão social a curto prazo de segmentos populacionais excluídos, bem como a ascendência de minorias étnicas, raciais e sexuais, pode ser considerada um dos objetivos das chamadas ações afirmativas, como as cotas, por exemplo.
d) A reserva de vagas exclusivas para negros nas universidades federais tornou-se obrigatória no Brasil a partir da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010.
e) As ações afirmativas podem ser consideradas como uma medida paliativa, transitória e, portanto, temporária, devendo ser extinta assim que as condições sociais estiverem mais equilibradas para grupos sociais em desvantagem, como negros, indígenas e mulheres, por exemplo.
 
Comentário: Alternativa correta (D):
De fato, o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado em julho de 2010 e apresenta-se como um importante instrumento na promoção e garantia dos direitos sociais e econômicos aos afrodescendentes, direitos esses historicamente negados aos negros no Brasil. Entretanto, dada à polêmica que causou, o texto específico que impunha a obrigatoriedade da reserva de vagas para negros nas universidades e empresas brasileiras foi retirado do texto final desta Lei.
 
Módulo 8 - Escola e a promoçãoda igualdade racial: desafios, estratégias e possibilidades
8.1 Diversidade, livro didático e currículo: desafios para a prática educativa 
Desenvolver um trabalho pedagógico ou profissional que leve em conta a diversidade étnico-racial e cultural é uma das tarefas mais difíceis a serem enfrentadas pela escola e pelas instituições brasileiras. Todos os envolvidos no processo educacional precisam estar atentos para a desconstrução de estereótipos de raça/cor, para a desmistificação dos mitos raciais existentes na sociedade brasileira e para a demonstração prática, em suas atitudes com os alunos, de relações não discriminatórias e equitativas em sala de aula. Além disso, atentemos para o fato de que em muitos momentos os próprios funcionários, professores e coordenadores, afrodescendentes, não se percebem enquanto negros, mas veem a si mesmos como brancos.
Nesse sentido, um importante instrumento utilizado por professores e alunos para o aprendizado é o livro didático. Em muitas comunidades, ele é a única fonte de leitura dos alunos e de sua família, dada a escassez de livros e revistas em algumas classes sociais e regiões do país. Em certos casos, torna-se também a única referência para o professor no preparo de sua aula e das atividades didáticas que irá realizar com seus alunos.
Inúmeras pesquisas têm sido produzidas pelas universidades no sentido de verificar de que forma os livros didáticos abordam a questão das diversidades, sejam as diferenças de gênero, étnico-raciais, socioculturais, religiosas, de papéis sociais, profissões etc. Os resultados demonstram que a maioria dos livros didáticos trazem uma representação muito simplificada dos fatos históricos, acabando por estigmatizar ou caricaturar segmentos sociais como mulheres, negros, idosos e trabalhadores, por exemplo. Essa simplificação colabora também no reforço de estereótipos, assunto que já abordamos fartamente nos tópicos anteriores.
Além da questão da simplificação, outro grande problema dos livros didáticos é a invisibilidade desses segmentos sociais desfavorecidos, que aparecem representados no conjunto dos conteúdos didáticos numa relação desproporcional àquela existente na sociedade brasileira. 
Vejamos o que Silva (2005, p. 22) afirma:
A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de autorrejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações.
Devido a essas e outras conclusões de inúmeras pesquisas realizadas é que as professoras e professores não podem se manter passivos na utilização dos livros didáticos; ao contrário, podem trabalhar ativamente na desconstrução de estereótipos, na representatividade de todos os segmentos sociais e na valorização das diversidades étnico-raciais.
Outra importante discussão a ser feita para uma educação para a igualdade racial é a relação entre o currículo e a diversidade. Como educadores, precisamos estar sempre alertas para o fato de que os currículos são fruto de escolhas políticas, debates calorosos e que compete a nós incluir ou excluir assuntos, disciplinas ou aspectos que servem ou não ao propósito de formação da criança e do jovem.
O poder público brasileiro já reconheceu, a partir das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que há a necessidade urgente de incluir de uma vez por todas em nossos currículos a problemática das relações étnico-raciais, por meio do estudo da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena em todos os níveis escolares, chegando também à formação universitária dos professores.
Para terminar este subtópico, gostaríamos apenas de enfatizar: é imperativo que cada um dos envolvidos no processo educacional brasileiro – a começar pelos professores, é claro, mas também os coordenadores, diretores, gestores e administradores do poder público e do setor privado – tomem uma decisão política pela igualdade nas relações étnico-raciais. A partir da instituição da Lei 10.639/2003, todos esses agentes estão convocados a instituir mudanças estruturais no ensino, abarcando a reformulação dos currículos, dos projetos pedagógicos, dos planos de aula, de materiais didáticos e paradidáticos, enfim, de toda a prática educativa de modo geral, a fim de promover o reconhecimento, o respeito e a garantia das diversidades culturais, e de forma especial, da população afrodescendente no Brasil.
8.2 Escola e a promoção da igualdade racial: estratégias e possibilidades 
Neste último subtópico do módulo 8, pretendemos indicar algumas estratégias, especialmente ao professor, que demonstrem de maneira bastante prática como podemos de fato realizar uma educação cidadã, livre de racismos, dos estereótipos e de qualquer forma de discriminação.
Além das mudanças no sistema de ensino, através de revisões curriculares, nos planejamentos, aulas e materiais pedagógicos de toda sorte, cabe também a todos os agentes do processo de aprendizagem se colocarem mais próximos da realidade sociocultural de seus alunos. Isso significa conhecer a comunidade escolar, seu perfil socioeconômico, o entorno da escola, os principais problemas do bairro, da cidade, bem como as principais manifestações culturais da comunidade, arte, música, religiosidade e outros aspectos que aproximem os educadores dos alunos e de seus familiares.
São inúmeras também as pesquisas realizadas a esse respeito, mostrando que, quando a escola se coloca ao lado da comunidade, os projetos pedagógicos acontecem de maneira mais tranquila, efetiva e os objetivos traçados são atingidos com maior sucesso. Um bom exemplo é o artigo de Silva (2003, p.27-28), no qual a autora sugere aos professores algumas estratégias bastante úteis para uma mudança de paradigma, a partir da compreensão e aplicação do que sabemos sobre africanidades brasileiras. Segundo Silva, os professores devem:
• buscar conhecer as concepções prévias de seus alunos a respeito do estudado, ouvindo-os falar sobre elas;
• ajudar os alunos a compreender que ninguém constrói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenômenos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos;
• lançar desafios para que os alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar idéias, argumentando com idéias e dados;
• incentivar a observação da vida cotidiana, observações no contexto da sala de aula, a elaboração de conclusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático.
Em se tratando de Africanidades Brasileiras, é preciso acrescentar que [os professores]:
• (...) devem combater os próprios preconceitos, os gestos de discriminação tão fortemente enraizados na personalidade dos brasileiros, desejando sinceramente superar sua ignorância relativamente à história e à cultura dos brasileiros descendentes de africanos;
• devem organizar seus planos de trabalho, as atividades para seus alunos, (...) que os levem a por “a mão na massa”, sempre informados e apoiados pelos mais experientes. Dizendo de outra maneira, aprender realmente o que se vive e muito pouco sobre o que se ouve falar.
Para concluir, a autora resume em três pontos os princípios da pedagogia antirracista, a saber: respeito, reconstrução do discurso pedagógico e estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira. Também contribui com as disciplinas específicas, como música e dança, matemática, psicologia, sociologia, educação física, história, literatura e língua portuguesa, sugerindo práticas que cada um desses professores especialistas podem adotar para abordar o tema “africanidades brasileiras” em sala de aula (Ibidem, p. 28-29).
É nesse sentido que procuramos conduzir os estudos desta disciplina, através principalmentedos seguintes reposicionamentos: mudança de discursos e de práticas; respeito à pluralidade; novas relações interpessoais, mais afetuosas, profundas e significativas; uma subjetividade livre de clausuras e modelos preestabelecidos; crítica ao atual modelo hegemônico de homogeneização e “assujeitamento”; recriação de novos sentimentos e reconhecimentos, especialmente em relação a si mesmo, num movimento de respeito a toda forma de diversidade.
 
Leitura obrigatória:
SANTOS, Helio; QUEIROZ, Renata. A representação da diversidade étnico-racial e de gênero no livro didático do ensino fundamental brasileiro. Pesquisa em Debate. Edição 11, v.6, n.2, jul/dez 2009. (Texto 8A). Disponível em:
<http://smarcos.br/paulinia/pesquisaemdebate/edicao11/artigo_8.pdf>
SILVÉRIO, Valter Roberto; ABRAMOWICZ, Anete; BARBOSA, Lúcia Maria Assunção (Coords). Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade. Módulo II - Ensino Médio. 2004a. Universidade Federal de São Carlos – NEAB / UFSCar  (Texto 8B: SILVA, Petrolina Beatriz Gonçalves. Aprender a conduzir a própria vida: dimensões do educar-se entre afrodescendentes e africanos, p. 85-96). Disponível em:
<http://www.ufscar.br/~neab/pdf/enmedio_verde_compl.pdf> 
 
Leitura para aprofundamento:
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Texto: GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação, p. 143-154). Disponível em: <http://dominiopublico.qprocura.com.br/dp/86779/superando-o-racismo-na-escola.html>
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Texto: SILVA, Ana Célia da. A Desconstrução da discriminação no livro didático. p. 21-37).
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Africanidades brasileiras: esclarecendo significados e definindo procedimentos pedagógicos. Revista do Professor. Porto Alegre, jan./mar. 2003, v. 19, n. 73, p. 26-30. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-praxis-pedagogicas/BANCO%20DE%20SUGEST%C3%95ES%20DE%20ATIVIDADES/africanidades%20brasileiras.pdf>
  
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
Filme: Escritores da Liberdade. Dir.: Richard LaGravenese. Alemanha / EUA, 2007.
Filme: Encontrando Forrester. Dir.: Gus Van Sant. EUA, 2000.
Música: Cruzeiro do Sul, Jean Garfunkel e Paulo Garfunkel
Música: É, Gonzaguinha.
 
Exercício comentado:
(Adap. Concurso Público - CETRO - 2008 - SEE-SP) Ao tratarmos sobre a presença de racismo, preconceito e discriminação, nas escolas brasileiras, é correto afirmar que:
A) as formas de discriminação de qualquer natureza têm o seu nascedouro na escola: o racismo, as desigualdades correntes na sociedade nascem ali.
B) uma educação antirracista realiza-se com um discurso que respeite as diferenças raciais.
C) toda e qualquer reclamação de ocorrência de discriminação e preconceito no espaço escolar devem ser evitadas, pois os protagonistas dessas situações não são culpados por tais acontecimentos.
D) o racismo cultural é considerado mais grave do que as formas de racismo individual.
E) a percepção do comportamento discriminatório e do preconceito racial é central numa análise histórica e sociológica que tente compreender as relações sociais vivenciadas na escola.
 
Comentário: Alternativa correta (E):
As formas de discriminação não nascem na escola, mas se refletem nela, podendo nascer em quaisquer das esferas sociais. Uma educação antirracista deve prever não somente um discurso para a igualdade, mas o desenvolvimento de estratégias práticas que proporcionem relações equitativas no ambiente escolar. Qualquer prática discriminatória ou preconceituosa precisa ser combatida na prática escolar, seja através de discussões a respeito, seja por meio das mais diversas estratégias pedagógicas. Tanto o racismo cultural, quanto o individual são igualmente graves, e estão previstos em lei como crime. Portanto, temos que o professor e os demais agentes escolares devem estar continuamente atentos à presença de atitudes preconceituosas e discriminatórias na escola, através de uma análise histórica e sociológica dessas questões.

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