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A DIFERENÇA ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS Plínio Pacheco Oliveira1 Ante os vários sentidos que têm os termos “regra” e “princípio”, é cabível uma abordagem sobre a diferença entre regras e princípios. Com efeito, há diversos critérios que são usados para essa distinção, entre os quais ganham destaque o grau de generalidade e o modo de solução de antinomias. Robert Alexy, na “Theorie der Grundrechte” (Teoria dos Direitos Fundamentais), comentou que “o [critério] da generalidade é o mais freqüentemente utilizado”2. Contudo, tal constatação se refere ao panorama teórico que esse autor observava no contexto em que foi escrita essa obra (a qual foi lançada em 1986), e, atualmente, o critério que parece ter o maior destaque é o modo de solução de conflitos entre normas – protagonismo que ocorre, em alguma medida, em virtude da influência de desenvolvimentos teóricos realizados por Alexy. O uso desse critério, conforme apontou Aguiló Regla, é um dos aspectos proeminentes no cenário atual das idéias jurídicas3. De acordo com o critério da generalidade, os princípios são caracterizados pelo elevado grau de generalidade que apresentam, enquanto nas regras esse grau é baixo. Contra esse critério, pode-se argumentar que apresenta grande imprecisão, pois os limites que separam as regras dos princípios ficam demasiadamente indefinidos. Apesar de haver dispositivos que manifestam com relativa clareza um acentuado ou reduzido nível de generalidade (a exemplo, respectivamente, do princípio da dignidade da pessoa humana e do artigo 18, § 1º, da Constituição Federal, que dispõe que “Brasília 1 Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (Universidade Federal de Pernambuco), Bacharel em Direito pela mesma instituição. Advogado. Professor do Centro Universitário Maurício de Nassau e professor substituto de Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito do Recife (Universidade Federal de Pernambuco). Membro da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito (ABRAFI) e da Internationale Vereinigung für Rechts und Sozialphilosophie (IVR). 2 “El de generalidad es el más frecuentemente utilizado”. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 83. 3 REGLA, Josep Aguiló. Positivismo y postpositivismo. Dos paradigmas jurídicos en pocas palabras. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho, Alicante, nº 30, p. 669-670, 2007. é a Capital Federal”4), as fronteiras entre o alto e o baixo grau de generalidade são obscuras. Por outro lado, o modo de solução de conflitos entre normas representa um critério que leva a uma diferenciação qualitativa entre regras e princípios. Segundo esse critério, o conflito entre duas regras implica a invalidade de uma delas, e meta-normas como a da posterioridade (lex posterior derogat priori), a da superioridade (lex superior derogat inferiori) e a da especialidade (lex specialis derogat generali) podem resolver a questão de qual das regras em contradição é valida5. Essas meta-normas podem servir, por exemplo, para a solução de uma antinomia entre dois dispositivos que estabeleçam prazos distintos para a interposição do mesmo recurso. Já as colisões entre princípios encontram solução além da dimensão da validade, e a decisão de aplicar um dos princípios contrapostos não implica o reconhecimento da invalidade do outro, mas sim que as circunstâncias do caso levaram a uma ponderação pela qual um determinado princípio prevaleceu6. Assim, por exemplo, no Habeas Corpus nº 82424-2 foi configurada uma colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da liberdade de expressão, e o Supremo Tribunal Federal concluiu que, diante das circunstâncias do caso (no qual se constatou a publicação de livros com teor anti-semita por Siegfried Ellwanger), o primeiro princípio deveria prevalecer – pois o preceito fundamental da liberdade de expressão não poderia contemplar práticas racistas7. Desse modo, o julgamento que fez prevalecer do princípio da dignidade não envolve uma declaração de invalidade do princípio da liberdade de expressão, mas sim uma ponderação de valores. Todavia, perante circunstâncias distintas, a colisão entre os princípios poderá ser resolvida de outra maneira, e o princípio que não foi aplicado no 4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 14 de dezembro de 2011. 5 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 88-89; DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 27. 6 Ibidem, p. 89. 7 BRASIL. Supremo Tr ibuna l Federa l. P lenár io . Habeas Corpus nº 82424 – RS. Re lator : Minist ro Moreira Alves. Bras íl ia , 17.09.2003. DJU em 19.03.2004. Disponíve l em: <ht tp: / /www.st f.gov.br /po rt al/ jur isprudênc ia/ l ist arJur isprudenc ia Detalhe.asp?s1=000296878&base=baseAcordaos>. Acesso em 01 de agosto de 2011. caso – mas que continuou com a sua validade intacta – poderá prevalecer em outro contexto8. Entretanto, observa-se que as regras apresentam uma diferença qualitativa em relação aos princípios, pois estes “têm uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso e da importância”9. Ante essa dimensão, as soluções de conflitos entre princípios podem ser expressas como julgamento sobre qual das normas em colisão é afirmativa do valor que tem maior importância, maior “peso” no contexto do caso. 8 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 89. 9“Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance”. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 26.
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