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O SONO DA RAZÃO - UTOPIA

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O SONO DA RAZÃO
 
Para os utopistas, a sociedade existente passa a ser vista como inteiramente pervertida e injusta e a única solução é a destruição total do que existe e sua substituição por um modelo que já está pronto no intelecto
 
- Eduardo Cesar Maia - 
            
Para Platão, a verdadeira realidade – ou a realidade superior – é a que se encontra no mundo das ideias. As aparências são apenas distorções enganosas para os sentidos. A República platônica é a imagem ideal de um Estado que, como uma Idéia, deve ser eterno e imutável. Esparta foi o modelo empírico – o filósofo ateniense admirava a rigidez militar, a alta hierarquização e a estrutura política daquela cidade de guerreiros. A utopia platônica não admite dissidência: uma das primeiras providências é a expulsão dos poetas, pois cantam Deuses imperfeitos, que não podem servir como exemplo a homens virtuosos. 
            O nome utopia só surge muito tempo depois, com Thomas Morus, mas essa obstinação humana em construir um mundo exemplar mais perfeito do que o Real se configura sempre que o “racionalismo” se exacerba e tenta suplantar a complexidade do existente. O percurso na história do pensamento ocidental das formulações em torno de qual é o Estado Ideal e de como uma concepção teórica sempre é um modelo frágil frente à realidade foi feito por Karl Popper no seu “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”. 
            O problema dessas sociedades funcionalmente indefectíveis é que não consideram o fator humano, que é gerador de incertezas e divergências. Por isso, o utopista é levado a ampliar o poder estatal até que Estado e Sociedade quase se identifiquem. Platão, Hegel e Marx são, na opinião de Popper, os exemplos mais importantes do que ele denomina “engenharia social utopista”. Não se trata, nesses casos, de ir ajustando aos poucos e com cuidado os problemas que vão sendo identificados nos sistemas políticos (numa “engenharia gradual”), mas de uma “remodelação” ou reconstrução completa, a partir do zero, através da elaboração teórica de uma mente “superior”. Apesar de ser fruto de uma concepção individual, a engenharia utópica nunca é de caráter privado, sempre de caráter público, pois deve abarcar de uma só vez todo o conjunto da sociedade. 
            O apelo moral junto ao povo dessas ideologias utopistas tem sido sempre sua fonte maior de vitalidade e atração. Em qualquer sociedade é possível encontrar uma grande variedade de defeitos, de injustiças e de desigualdades, justamente porque não se parte de uma construção ideológica. Desse fato surgem os sentimentos, perfeitamente compreensíveis e justos, de insatisfação e de indignação; a sociedade existente passa a ser vista como inteiramente pervertida e injusta, e a única solução passa somente pela destruição total do que existe e pela substituição por um modelo que já está pronto no intelecto. 
            Karl Popper reitera que não é possível imaginar uma sociedade humana em que não existissem conflitos, “só numa sociedade de formigas”. Achar que é possível suprimir totalmente esses conflitos significa presumir que as vontades individuais podem se somar num projeto coletivo homogêneo, resultando num sistema social perfeitamente programado para atender aos anseios de todos os seus participantes. Para Popper, a impossibilidade de um projeto como esse se dá, entre outras coisas, por uma questão de valores morais: “há muitos problemas morais insolúveis, porque pode existir conflito entre princípios morais”. Portanto, qualquer sistema de valores que impossibilite alternativas de arbítrio aos indivíduos não é ético, mas coercitivo – e só pode ser viável numa sociedade fechada e autoritária. 
            Claro que podemos empregar o termo utopia de forma mais branda – a utopia como um sonho distante que serve de alvo longínquo para nos orientarmos nas decisões cotidianas. Assim, com uma visão reformista, aliada aos valores de justiça e liberdade, é possível uma redução desses conflitos com os quais estamos condenados a viver, se não quisermos abrir mão da prerrogativa de contarmos com a liberdade e a possibilidade de reformulação, de correção e de ampliação de nossas concepções éticas.
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Eduardo Cesar Maia

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