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DESAFIOS E TENDÊNCIAS SOCIAIS

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DESAFIOS E TENDÊNCIAS SOCIAIS
Diante dos temas estudados, quais são os grandes desafios para a humanidade e para o nosso país? São desafios éticos, econômicos, sociais, ecológicos?
Todos estes fatores estão relacionados. Não podem ser solucionados de forma isolada. Para abordar de maneira clara e objetiva este tema, iniciaremos com a análise da conjuntura social, política e econômica da sociedade global. Posteriormente, indicaremos alguns passos para superar a realidade vigente. Para isso, contamos com o escritor Leonardo Boff, que discorre sobre esse tema no livro A Ética da Vida. (texto: Desafios Éticos, disponibilizado na Unidade I).
Iniciando com a análise da conjuntura mundial, a lógica do desenvolvimento está baseada no triunfo do sistema capitalista que pressupõe a iniciativa privada, o individualismo, o consumismo e a maximização do lucro. No processo de mundialização, consagra-se a palavra mercado. É uma nova fase de acumulação capitalista, denominada de neoliberalismo. Caracteriza-se pela privatização, diminuindo o controle do Estado sobre a economia e pela globalização. Trata-se da imposição por parte dos organismos financeiros internacionais sobre os mais pobres e por governos dos países desenvolvidos, de uma política conhecida como “ajustes estruturais”.
Os “ajustes estruturais”, significam articular as economias nacionais com as exigências do mercado dominado pelo capitalismo central. Trata-se de modelar a produção conforme as necessidades dos países consumidores, representados pelos mais ricos, e de construir estruturas políticas, jurídicas e ecológicas que se adaptem às novidades tecnológicas e aos níveis de consumo dos países centrais.
O mercado é apresentado como a única realidade, como uma lei natural. O que não passa pelo mercado, não tem valor. E quem não se firma no mercado, está condenado a desaparecer. É um sistema que dissemina o mesmo modo de pensar, de sentir, de consumir, de amar, de sofrer, de tratar as pessoas, de se divertir e de aceitar o modelo de relações estabelecido. O pensamento neoliberal minimiza os conflitos existentes nas relações sociais e demonstra uma colaboração entre as diferentes classes para permitir o funcionamento harmônico do mercado mundial. 
Passa-se a ideia de que a cultura e o homem ocidental europeu e norte-americano são melhores, de que eles são a referência obrigatória para o resto do mundo, porque são eles que dominam o projeto científico e a política mundial. Faz-se crer que não há alternativa. E se alguma surgir, é tornada concretamente impossível, porque há poderes capazes de destruí-la por meio do bloqueio econômico ou intervenção militar.
Existe um caminho de esperança?
Em primeiro lugar, importa fazer a crítica do paradigma capitalista e ocidental. Somos dominados pelo mito do desenvolvimento baseado nos pensadores clássicos do liberalismo. Desenvolvimento é entendido como um processo de crescimento econômico capaz de arrastar consigo toda sociedade. É um modelo que previa que a dinâmica do progresso econômico podia sustentar um desenvolvimento social e político igualmente universal, transformando a sociedade num conjunto social integrado, no qual todos os seres humanos estariam satisfeitos com suas necessidades básicas atendidas. Tendo superado estas necessidades, todos teriam condições de alcançar um futuro humano e espiritual maior, um estágio de bem-estar coletivo!
Acreditava-se numa grande harmonia entre desenvolvimento humano e desenvolvimento econômico. Mas, os frutos desse modelo de desenvolvimento beneficiou somente alguns. Para a maioria trouxe insustentabilidade. Por que esta contradição? Porque a forma como se produz privilegia o capital e não valoriza o trabalho. Enaltece a acumulação privada e não a participação coletiva e considera a pessoa humana apenas como força de produção, carvão vivo a ser queimado na máquina produtiva.
Esta dinâmica econômica marginaliza a grande maioria e expulsa de seu meio social grande parte da população. Formam-se agrupamentos excluídos, marginalizados na periferia dos grandes centros urbanos, tanto em nosso país, quanto em nível mundial.
Leonardo Boff menciona a profecia de Marx, descrita em sua obra principal, O Capital: “o modo de produção capitalista está prestes a destruir as próprias fontes de sua riqueza, ou seja, o ser humano e a natureza”. Qual o sentido de alcançar o lucro que se baseia num processo de exploração, sacrifício e morte daqueles que deveriam usufruir dos frutos do desenvolvimento? Cientistas alertam para o fato de que, na lógica do capital, destruir a natureza e liquidar o desenvolvimento dos países pobres para poder entrar e vender os produtos industrializados, dá mais lucro do que cuidar da natureza e do desenvolvimento social. 
Esta tem sido a política dos países ou elites dominantes: destruir a imagem daqueles (líderes, instituições ou países), que não concordam com o sistema, para justificar a intervenção e implantar um novo modelo. As privatizações em nosso país passaram por esse processo! Primeiro destruía-se a imagem da empresa para vendê-la aos interessados sem que houvesse contestação.
Este modelo de mercado destrói a identidade e a cultura específica de cada país para tornar tudo homogêneo. A globalização cria um modelo universal padronizado de estilo de vida. Tudo é feito mercadoria. Quem tem acesso à mercadoria? Aquele que tem poder aquisitivo! Uma grande parte da população está fora do mercado. Gandhi já dizia que “a terra atende às necessidades humanas de todos, mas não aguenta a voracidade das elites consumidoras”. Os recursos da terra não são renováveis, são limitados!
Em segundo lugar, o modelo de mercado vigente não pode ser universalizado. Pode ser aplicado a poucos países que detêm poder econômico, político e militar. Se a china, por exemplo, quisesse dar a cada família chinesa de dois a três carros, assim como é natural para as famílias norte-americanas, o país literalmente se transformaria num imenso estacionamento poluído.
Em terceiro lugar, o sistema de mercado capitalista cria um fosso cada vez maior entre os países ricos, chamados centrais e os países pobres, denominados periféricos. Os problemas humanos da pobreza, das doenças e da desigualdade social podem criar problemas éticos e organizacionais que a humanidade terá dificuldade de resolver. Não podemos permitir que, de um lado, tenhamos aqueles que usufruem ao máximo a expectativa de vida e, de outro lado, aqueles que sobrevivem com o mínimo de recursos e com curta expectativa de vida.
Em quarto lugar, nos países centrais produz-se a destruição da identidade humana pelo comportamento consumista, pelo individualismo, pelo alto grau de permissividade, da exposição do supérfluo e da sexualidade. Ao mesmo tempo, grande parte dos países são mantidos na pobreza com sequelas das drogas, da miséria e da violência, que geram a solidão e a desestruturação dos laços familiares e afetivos.
Superar o modelo materialista em direção ao modelo de desenvolvimento humano é um enorme desafio. É um desenvolvimento que não se restringe apenas à produção de bens materiais, mas que é integrado e baseado na solidariedade mundial e na socialização das produções técnico-científicas, postas à serviço da humanidade. O mundo capitalista está assentado no dogma fundamental: “o dinheiro pode tudo, move céu e terra”. E o mercado tornou-se a mão invisível que rege o destino das pessoas, muito mais que a própria consciência. As decisões são tomadas em função das exigências do mercado.
O dogma do dinheiro se difunde pelo cinema, pelas novelas, pelos meios de comunicação de massa, que apresentam o menino pobre, mas honesto e trabalhador, que ganha dinheiro e assim é feliz. A propaganda se torna uma espécie de evangelização que anuncia as boas notícias da salvação. Pessoas “felizes” e “bem sucedidas” são associadas às mercadorias. A boa saúde, a beleza e a energia para viver bem dependem da compra de determinado produto. A propaganda provoca o desejo, que setransforma em necessidade!
O Natal representa a festa anual de consagração da mercadoria. Os shoppings se transformam em grandes templos enfeitados e promovem verdadeiras romarias em direção ao consumo. A religião da mercadoria possui a sua ética, segundo a qual o interesse individual constitui a norma geral de comportamento.
A crise que atualmente cerca muitos países ao redor do planeta, gerada pela concorrência sistêmica, talvez obrigue as nações centrais a reorientarem suas políticas de produção de tecnologia e criarem certos controles que impeçam a destruição das economias nacionais que sofrem a pressão dos capitais especulativos. Merece reflexão o fato que as crises econômicas ocorrem mesmo que estejamos num estágio capitalista de maior acumulação de riquezas materiais. Nunca tivemos tanta riqueza material à nossa disposição! Nota-se que a verdadeira crise não é material ou econômica. A crise está no modelo e na forma que lidamos com as riquezas! 
Como podemos contrapor a obsessão do acúmulo e a concentração de riquezas? Medidas que possibilitem a preservação das culturas e da identidade dos vários povos, respeitando as suas diferenças no processo produtivo e nos níveis de consumo, fortalecendo o cuidado com a natureza, sem a qual, nem ricos nem pobres, poderão sobreviver.
Deve-se buscar o sentido originário da economia, que se importa com a gestão das carências, acima da economia de mercado. De uma economia da produção material ilimitada, devemos buscar uma economia da produção humana integral que provê o suficiente básico para todos, integrada com os limites dos recursos naturais. Ao contrário, caminharemos para um futuro duvidoso, sabendo que a Terra dá sinais inequívocos de cansaço e mostra limites visíveis em sua sustentabilidade. O jogo não pode ser contra a natureza e sim em parceria integrada com os recursos que nos sustentam!
Que atitudes podem ser adotadas?
Precisamos construir novas possibilidades. Uma nova economia política em nível mundial, um novo sonho coletivo para a humanidade. Um sonho que concretize a realização mínima para cada indivíduo. Esta perspectiva pode ser resumida em seis pontos básicos.
Humanização mínima: todo ser humano deve ter o direito mínimo de persistir na existência. Significa afirmar que deverá poder comer pelo menos uma vez ao dia, morar e ter cuidado básico de sua saúde. 
Cidadania: todos devem se sentir cidadãos da Terra, embora atuem no seu espaço de vida, com respeito à suas raízes culturais. Implica preservar a identidade e a história dos indivíduos, permitindo a participação democrática na pluralidade.
Justiça societária: significa poder usufruir dos benefícios sociais, prevalecendo a correlação entre o que o cidadão contribui e o que, em contrapartida, recebe. Tornar mais concreto e viável o ideal político da igualdade, evocando a solidariedade entre grupos e nações como forma de aliviar a dureza das desigualdades sociais.
Bem-estar humano e ecológico: os melhores projetos, práticas e organizações são aquelas que maximizam não somente a quantidade de bens e serviços, mas principalmente a qualidade da vida humana. É uma nova aliança entre os seres humanos nas relações entre si e estes com a natureza.
Respeito às diferenças culturais: o ser humano é um ser histórico. Cada indivíduo interpreta, valoriza e sonha a partir das experiências e da realidade acumulada. A riqueza cultural é demonstrada pela diversidade. Cada cultura apresenta uma forma distinta de viver, de festejar, de integrar trabalho e lazer e de transformar a própria realidade.
Reciprocidade e complementaridade: não basta conhecer e reconhecer o outro, o que é externo a nós. Consiste no ato de respeito e aprendizado com os valores dos outros, por meio da troca de experiências e saberes. Nenhum conhecimento ou cultura expressa a totalidade do potencial criativo humano. Por isso um conhecimento tende a completar o outro. Cada cultura representa uma riqueza inestimável com as características da língua, da religião, filosofia de vida, das artes e tradições. Toda essa imensa diversidade não pode ser substituída por um processo de padronização mundial.
O desafio é fazer uma revolução molecular!
A perspectiva de mudança não ocorre com grandes revoluções. Os caminhos são outros. Cada um traz consigo o desafio de fazer a sua revolução. Como cada molécula interage com o meio e garante sua subsistência, assim cada qual deverá operar as mudanças lá onde se encontra e em interação com o meio ao seu alcance.
Cada ser humano representa um feixe imenso de potencialidades. Os sistemas que imperam tentam submeter os cidadãos à passividade e acomodação, sufocando essa potencialidade. Por isso devemos ser criativos, críticos e alternativos nos espaços onde há possibilidade de agir e promover a mudança. 
Nesse processo haverá uma mobilização crescente para um novo paradigma civilizatório, que permitirá a continuação da espécie humana num sentido mais profundo e melhor do que aquele vivido até o momento. Afinal, o desafio é resgatar a essência humana, que antecede todo e qualquer modelo ou sistema de desenvolvimento.
Qual é o seu gesto, atitude ou ação que vai melhorar o mundo?

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