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Teoria Hermeneutica

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A hermenêutica e o processo de construção do conhecimento 
Rosa Mendonça de Brito1 
Edlauva Oliveira dos Santos2 
 Gisele de Brito Braga3 
Jocicléia Souza Printes4 
Regina Marieta Teixeira Chaves5 
Washington Luiz Alves da Silva6 
Resumo 
Do ponto de vista histórico, a hermenêutica (hermèneutik) perpassa o domínio da filosofia 
deste a antiguidade clássica, sendo Platão (427 a.c), um dos primeiros a utilizá-la. Como doutrina da 
arte da compreensão e da interpretação, a hermenêutica se desenvolveu por dois caminhos diversos, o 
teológico e o filosófico: a hermenêutica teológica como defesa da compreensão reformista da Bíblia e a 
filosófica como instrumento de redescoberta da literatura clássica procuram pôr a descoberto o sentido 
original dos textos. Na modernidade, a hermenêutica teve de desvencilhar-se de todos os 
enquadramentos dogmáticos e liberar-se a si mesma para elevar-se ao significado universal de um 
organon histórico com vistas a alcançar a unidade da vida grega e cristã. A partir de Dilthey, com a 
”liberação da interpretação do dogma”, as Escrituras Sagradas, na qualidade de obras escritas, passam 
a submeter-se a uma interpretação não somente gramatical, mas também histórica. O 
desaparecimento da diferença entre a interpretação de escritos sagrados e profanos faz desaparecer a 
dualidade hermenêutica, emergindo, a partir dai, uma nova hermenêutica como arte da interpretação 
correta de todas as fontes escritas. Com Schleiermacher, a compreensão passa a compor, juntamente 
com a interpretação, o centro da preocupação hermenêutica. Entendida como método de interpretação 
e compreensão passa, com Gadamer, a ser desenvolvida como filosofia, tendo na linguagem o seu 
fator de universalização e o princípio da conversação como fundamento do aprofundamento do 
fenômeno da compreensão, cabendo-lhe determinar o verdadeiro sentido das ciências do espírito e a 
verdadeira amplitude e significado da linguagem humana. 
 
Palavras-chave: Interpretação; Compreensão; Construção do Conhecimento. 
 
 
 
1
 Doutora em Filosofia. Professora da FACED/UFAM 
2
 Licenciada em História. Mestranda em Educação 
3
 Psicóloga. Mestranda em Educação 
4
 Licenciada em Pedagogia. Mestranda em Educação 
5
 Licenciada em Pedagogia e Filosofia. Mestranda em Educação 
6
 Licenciatura em Letras. Mestrando em Educação 
 2
Introdução 
A elaboração do presente estudo teve por objetivo a apreensão, compreensão e 
construção de conhecimentos sobre a história e a função da hermenêutica no desenvolvimento do 
conhecimento humano. Fundamenta-se, especialmente, em Verdade e Método: traços fundamentais de 
uma hermenêutica filosófica, de Hans-Georg Gadamer, e Introdução à Hermenêutica Filosófica, de 
Jean Grondin. 
Na sua origem, o fenômeno hermenêutico não era apenas um problema da doutrina dos 
métodos aplicados nas ciências do espírito, estava ligado, em especial, ao fenômeno da compreensão 
e da maneira correta de se interpretar o que se entendeu. Do ponto de vista histórico, a hermenêutica 
(hermèneutik) perpassa o domínio da filosofia deste a antiguidade clássica até os nossos dias. 
A palavra deriva do grego hermènêus, hermèneutik e hermènêia. Para Filón de Alexandria 
“hermènêia é logos expresso em palavras, manifestação do pensamento pela palavra” (Grondin, 1999, 
p.56). Está associada a Hermes, deus mediador, patrono da comunicação e do entendimento humano 
cuja função era tornar inteligível aos homens, a mensagem divina. A ele os gregos atribuíam a origem 
da linguagem e da escrita. 
Desde o surgimento da palavra no século XVII, entende-se por hermenêutica a ciência e, 
respectivamente, a arte da interpretação. Até o final do século passado, ela assumia normalmente a 
forma de uma doutrina que prometia apresentar as regras de uma interpretação competente. Sua 
intenção era de natureza predominantemente tecno/normativa e se “restringia à tarefa de fornecer às 
ciências declaradamente interpretativas algumas indicações metodológicas, a fim de prevenir, do 
melhor modo possível, a arbitrariedade no campo da interpretação de textos ou de sinais. Por isso, 
formou-se, desde a Renascença, uma hermenêutica teológica (sacra), uma hermenêutica filosófica 
(profana), como também uma hermenêutica jurídica. (Grondin,1999, p.9) 
Como arte de âmbito universal de interpretar o sentido das palavras, das leis, dos textos, 
dos signos, da cultura e de outras formas de interação humana, a hermenêutica pode ser considerada 
como um ramo da filosofia que tem como principal finalidade a compreensão humana. 
Na perspectiva da hermenêutica filosófica - que tem sua origem em Heidegger e o seu 
desenvolvimento em Hans-Georg Gadamer, - a hermenêutica passa a ter uma tarefa crítica e não se 
restringe, como ocorria em outras épocas, a uma teoria ou metodologia de compreensão e 
interpretação da fala e do texto, cabendo-lhe determinar o verdadeiro sentido das ciências do espírito e 
a verdadeira amplitude e significado da linguagem humana. 
 
 
 3
De canon de interpretação à hermenêutica filosófica 
 
A hermenêutica como doutrina da arte da compreensão e da interpretação tem seu 
desenvolvimento em dois caminhos diversos: o teológico e o filológico. Em ambos os terrenos a 
hermenêutica procurava pôr a descoberto o sentido original dos textos. Como doutrina da arte de 
interpretação a serviço da práxis do filólogo ou do teólogo, será substituída na modernidade pelo 
modelo das ciências da natureza que tem no método indutivo a base de toda ciência experimental. Ao 
afirmar que a hermenêutica só chega à sua verdadeira essência na posição de um organon histórico, 
Dilthey a coloca, juntamente com outros pensadores, como fundamento da concepção histórica do 
mundo, o que leva ao entendimento de uma hermenêutica universal cuja tarefa é superar a estranheza 
ligada à individualidade do tu, em busca do “diálogo significativo”, onde compreensão é, de princípio 
entendimento. 
A partir da modernidade, a hermenêutica teve de desvencilhar-se dos enquadramentos 
dogmáticos e libertar-se a si mesma para elevar-se ao significado universal de um organon histórico. 
Com essa “liberação da interpretação do dogma”, a reunião das Escrituras Sagradas assume o papel 
de fonte histórica que, na qualidade de obras escritas, têm de se submeter a uma interpretação não 
somente gramatical, mas também histórica. Neste momento, o velho princípio interpretativo de 
compreender o individual a partir do todo já não podia reportar-se nem limitar-se à unanimidade 
dogmática do cânon, mas dirigia-se à abrangência conjuntural da realidade histórica a que pertencia 
cada documento. Desse momento em diante, já não existe nenhuma diferença entre a interpretação de 
escritos sagrados e profanos e, portanto, apenas uma hermenêutica que tem não apenas uma função 
propedêutica de toda a historiografia, mas ainda toda a atividade da historiografia, fazendo nascer aí, a 
concepção de uma hermenêutica universal. 
Será Platão (427 a.c) o primeiro a utilizá-la. Filón e Clemente de Alexandria vão entendê-
la como a manifestação do pensamento pela linguagem. Agostinho (354-430), que desenvolveu na sua 
“Doctrina christiana” a teoria hermenêutica reconhecidamente mais eficaz do “mundo antigo”, irá utilizá-
la como doutrina da interpretação, em especial, das passagens obscuras da Sagrada Escritura, em 
busca da “verdade viva” porque, segunda afirma, a busca do seu entendimento “não é nenhum 
processo indiferente, meramente epistêmico, que se passa entre um sujeito e um objeto, ele atesta a 
inquietação e maneira de ser de um ente que aspira por sentido” (Grondin, 1999, p. 72). 
Na Antigüidade e na Idade Média (Patrística) houve apenasregras hermenêuticas 
esparsas. Com Lutero, que entende a hermenêutica como arte da interpretação, ela será revitalizada 
como exegese das Escrituras, sendo com Mathias Flacius (1520-1575), através da sua “Clavis scripture 
sacre” de 1567, cujo peso da interpretação recai sobre os conhecimentos gramaticais e lingüísticos, 
 4
que é possível falar, pela primeira vez, de uma teoria hermenêutica, ou hermenêutica sistemática no 
protestantismo. Como afirma Grondin, a universalidade da hermenêutica até então existente estava 
limitada ao domínio do discurso religioso, o que para a Idade Média não apresentava qualquer 
limitação porque o entendimento vigente era de que as Escrituras detinham todos os conhecimentos 
que o homem deveria possuir. 
Na modernidade, todavia, o círculo do que tinha valor de leitura, de interpretação, amplia-
se pela valorização do estudo dos clássicos gregos e latinos e pela necessidade de interpretação dos 
juristas e dos médicos. Em decorrência disso, a partir do século XVII, surge a necessidade de um novo 
Órganon do saber, ou seja, de uma nova doutrina metodológica para as ciências. É nessa época, 
precisamente em 1620, que Francis Bacon nos lega o “Novum Organum” e, Descartes, o Discours de 
la Méthode, em 1637, ambos recomendados como novas propedêuticas das ciências e da filosofia. 
Entendendo a hermenêutica como a arte de compreender, interpretar e traduzir de maneira clara os 
signos inicialmente obscuros, Spinosa irá utilizá-la como forma correta e objetiva de interpretação da 
Bíblia. 
Com Dannhauer, Meyer e Chladenius, segundo Grondin, a hermenêutica adquire estatus 
como teoria geral da interpretação, rompe o quadro das hermenêuticas especiais (teológica, jurídica, 
etc.) para delinear a universalidade do processo hermenêutico de compreensão e interpretação. A 
hermenêutica de Dannhauer nasceu da busca por uma metodologia das ciências desvinculadas da 
escolástica. Será ele o primeiro a utilizar, em 1654, a palavra hermenêutica no título de um livro: 
“Hermenêutica sacra sive methodus exponendarum sacrum litterarum”. Na sua afirmação de que “no 
vestíbulo de todas as ciências, na propedêutica, portanto, deveria existir uma ciência universal do 
interpretar”, é possível vislumbrar o germe de uma hermenêutica universal. 
A “Introdução para a correta interpretação de discursos e escritos racionais” (1742), de 
Johan Martin Chladenius (1710-1759), abre novos horizontes para a hermenêutica ao desvinculá-la da 
lógica e colocá-la como um outro grande ramo do saber humano. Com ele, a hermenêutica é dividida 
em: Geral - que se aplica à interpretação de qualquer obra escrita; Específica - que se aplica à leis, as 
histórias, as profecias, as poesias, etc. 
A hermenêutica como arte universal da interpretação, em Méier (1718-1777), toma um 
novo impulso no sentido de que o âmbito de aplicação da arte universal da interpretação seja estendido 
para além do horizonte do escriturístico a fim de incluir o todo global dos sinais. Na elaboração de sua 
hermenêutica semiótica afirma: 
 A arte da interpretação, em sua compreensão mais ampla, é a ciência das regras, através 
de cuja observância os significados podem ser reconhecidos por seus sinais; a arte da interpretação, 
 5
em sua compreensão mais restrita, é a ciência das regras que se deve observar, quando se quer 
conhecer o sentido a partir do discurso e expô-lo aos outros (Méier apud Grondin, 1999, p.108). 
 Diante disso, é possível dizer que interpretar para Méier é reconhecer o sentido pelo 
sinal, mais exatamente, poder ordená-lo segundo a característica universal de todas as coisas. Para 
desenvolver esta perspectiva de uma hermenêutica universal, trazemos ao texto, seguindo a Gadamer, 
as idéias de Schleiermacher, Dilthey e Heidegger. 
A hermenêutica como arte da compreensão, de Schleiermacher, tem em Ast e Schlegel o 
seu ponto de partida. Em sua obra intitulada “Linhas básicas da Gramática, Hermenêutica e Crítica, 
publicada em 1808, Ast parte da concepção da necessidade da reconquista da unidade do espírito que 
se expressou na Antiguidade e no transcurso de toda a História. Sua hermenêutica pressupõe a 
compreensão da Antiguidade como tal, em todos os seus elementos externos e internos. Segundo 
entende, “a lei básica de toda a compreensão e conhecimento é a de encontrar, no particular, o espírito 
do todo e entender o particular através do todo”. Nesta mesma perspectiva, Schlegel irá defender uma 
função universal da teoria hermenêutica como nova teoria metodológica da filologia a ser desenvolvida 
tendo por base o clássico modelo comprovado da Antigüidade. Mas será com Schleiermacher que a 
hermenêutica, como doutrina da arte do entendimento irá desenvolver-se plenamente. 
Friedrich Schleiermacher (1768-1834), teólogo, protestante, estudioso da Bíblia e de 
clássicos, realiza uma virada na história da hermenêutica ao firmar que “compreender significa, de 
princípio, entender-se uns com os outros” e que a compreensão é, de princípio, entendimento. A sua 
preocupação não recai sobre a situação pedagógica da interpretação que procura ajudar a 
compreensão do outro (Spinoza e Chladenius). Ao contrário, nele a interpretação e a compreensão se 
interpretam tão intimamente como a palavra exterior e interior, e todos os problemas da interpretação 
são, na realidade, problemas da compreensão” (Schleiermacher apud Gadamer, 1997, p. 288). 
A hermenêutica da “compreensão”, ou seja, a hermenêutica como “arte de evitar o mal-
entendido”, de Schleiermacher, se eleva à autonomia de um método, de um cânon de regras 
gramaticais e psicológicas de interpretação que se afastam de qualquer liame dogmático de conteúdo. 
O seu diferencial está, justamente, em ter introduzido a função psicológica no processo de 
interpretação, onde o que é visado não é apenas a linguagem a partir da totalidade de seu uso, mas e 
fundamentalmente, a compreensão de um espírito. O que deve ser compreendido não é apenas a 
literalidade das palavras e seu sentido objetivo, mas também a individualidade de quem fala e, 
conseqüentemente, a do autor. Ler um texto é dialogar com o autor, esforçando-se para apreender a 
sua real intenção e compreender o seu espírito por intermédio da decifração de suas obras com vista à 
compreensão, conceito básico e principal finalidade de toda questão hermenêutica. A interpretação 
 6
psicológica de Schleiermacher torna-se-á determinante para a formação das teorias do século XIX, 
especialmente para Dilthey. 
 Partindo do fenômeno da compreensão, onde “compreender é compreender uma 
expressão”, Wilhelm Dilthey (1833-1911) procura diferenciar as relações do mundo espiritual das 
relações causais no nexo da natureza. A âncora utilizada para fundamentar filosoficamente as ciências 
do espírito será a experiência interior, ou “fatos da consciência”. Segundo entende, é natural encontrar 
na experiência interior as condições objetivas de validade das ciências do espírito. Nas suas 
investigações metodológicas, apoiando-se em Husserl, parte do universal “princípio da 
fenomenalidade”, segundo o qual toda realidade se encontra sob os condicionamentos da consciência. 
Colocando o mundo histórico como um texto que deve ser decifrado, Dilthey acredita ter justificado 
epistemologicamente as ciências do espírito. 
Enquanto Dilthey irá ampliá-la na direção de uma Metodologia universal das ciências do 
espírito, Heidegger a direcionará para o terreno da faticidade humana e Gadamer a configurará, a partir 
da consciência da descrição fenomenológica e da abrangência do horizonte histórico, como linguagem 
capaz de articular o sentido e a compreensão da verdade na perspectiva de uma hermenêutica 
filosófica que ultrapasse o campo do controle da metodologia científica.Segundo Gadamer (1997), na fundamentação das ciências do espírito, a hermenêutica 
representava para Dilthey mais do que um instrumento, ela é o médium universal da consciência 
histórica, para a qual não existe nenhum outro conhecimento da verdade do que compreender a 
expressão e, na expressão, a vida onde cada expressão ou enunciado brota de um aconselhar-se a si 
mesmo que procura reviver a compreensão que consiste nas ciências do espírito, num retorno do 
manifestado para o interior, ou seja, para a auto-reflexão que se dá a conhecer na expressão. Segundo 
Grondin, 
A investigação do processo da palavra interior, que se encontra por detrás da 
expressão torna-se, agora, tarefa central de todas as ciências do espírito que 
pretendem compreender [...] Da hermenêutica espera Dilthey, agora, a 
solução da pergunta pelo ‘conhecimento científico’ do individual, portanto 
regras universalmente válidas, para defender a segurança da compreensão 
em face ao ceticismo histórico e da arbitrariedade subjetiva, mantendo assim, 
uma compreensão clássica e normativa da hermenêutica. (1999, p.152/154) 
 
No século XIX, apesar das intuições básicas amplamente estabelecidas, os clássicos da 
hermenêutica não chegaram a desenvolver uma concepção unitária ou sistemática da mesma. No 
século XX, a filosofia hermenêutica estimulada por Dilthey vai reconhecer como tarefa sua realizar uma 
despedida da metodologia direcionada e caminhar em busca de uma metodologia com respaldo de 
 7
validade universal. Sinalizando nessa direção, atuou primeiramente a ontologia da vida real de 
Heidegger, que transformou a hermenêutica na base universal da filosofia. 
 Martin Heidegger (1889-1976), na busca de superação das aporias do historicismo e de 
uma renovação geral da questão do espírito, possibilitou o avanço da hermenêutica para o centro da 
reflexão filosófica. Com ele, a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-compreensão que 
emerge da eventual situação existencial que demarca o enquadramento temático e o limite de validade 
de cada tentativa de interpretação. Pré-estrutura, em sua “hermenêutica existencial da faticidade”, 
significa que o “Dasein”, o ser-aí humano, se caracteriza por uma interpretação que lhe é peculiar e que 
se encontra antes de qualquer locução ou enunciado. Em seu conceito de compreensão sustentado na 
fórmula “entender-se sobre algo”, Heidegger afirma que entender teoricamente de um contexto, fato ou 
coisa, significa estar em condições de enfrentá-los, levá-los a cabo, poder começar algo com eles. 
Essa compreensão é designada de compreensão “existencial”, ou seja, como modo de ser por força do 
qual nós conseguimos e procuramos situar-nos neste mundo. 
Na hermenêutica tradicional, a interpretação funcionava como meio para a compreensão, 
ou seja, em primeiro lugar estava a interpretação, depois e a partir dela, a compreensão. Na sua 
hermenêutica existencial, Heidegger inverterá essa relação teleológica. O primário será dado à 
compreensão, e a interpretação irá consistir exclusivamente na configuração ou elaboração da 
compreensão. No desenvolvimento de suas idéias sobre a interpretação compreensiva, Heidegger dirá 
que: 
Toda interpretação correta tem que proteger-se contra a arbitrariedade da 
ocorrência de ‘felizes idéias’ e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do 
pensar, e orientar sua vista ‘às coisas elas mesmas’ [...] Pois o que importa é manter 
a vista atenta à coisa, através de todos os desvios a que se vê constantemente 
submetido o intérprete em virtude das idéias que lhe ocorrem. Quem quiser 
compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro 
sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o 
sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas 
expectativas e não perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que 
está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, 
obviamente tem ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme 
se avança na penetração do sentido. Deixar-se determinar pela própria coisa é a 
tarefa primeira, constante e última do interprete. (Heidegger apud Gadamer, 1997, 
p.402) 
 
Percorrendo de forma sintética a histórico da hermenêutica, chegamos a Hans-Georg 
Gadamer (1900). Na construção de sua hermenêutica filosófica, em Verdade e Método (1960), tendo 
como paradigma “a conscienciosidade da descrição fenomenológica que Husserl nos tornou um dever, 
a abrangência do horizonte histórico, onde Dilthey situou todo o filosofar, e a compenetração de ambos 
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os impulsos, cuja iniciativa recebemos de Heidegger” (1999, p.32), Gadamer questiona e analisa a 
metodologia das ciências do espírito a partir da idéia de que o fenômeno da compreensão e da correta 
interpretação, muito além de restringir-se ao âmbito das ciências, pertence já à experiência do homem 
no mundo. A análise dessa experiência é desenvolvida por ele, em três momentos: a experiência da 
arte, a compreensão dentro das ciências históricas do espírito e o desenvolvimento do fenômeno da 
linguagem como a experiência humana no mundo. 
O propósito de Gadamer é “procurar por toda parte a experiência da verdade, que 
ultrapassa o campo de controle da metodologia científica, e indagar de sua própria legitimação, onde 
quer que a encontre”. A sua hermenêutica não é uma doutrina de métodos das ciências do espírito, 
mas a tentativa de um acordo sobre o que são na verdade as ciências do espírito, para além de sua 
autoconsciência metódica, e o que as vincula ao conjunto da nossa experiência do mundo. No seu 
entendimento, se tomarmos a compreensão como objeto de nossa reflexão, ultrapassaremos, com 
certeza, a doutrina artificial da compreensão da hermenêutica tradicional da filologia e da teologia. 
A busca pelo estabelecimento dos traços fundamentais de uma teoria hermenêutica, 
Gadamer inicia pela estrutura ontológica (universal) do circulo hermenêutico porque, segundo afirma, 
aquele que quer compreender não pode se entregar à causalidade de suas próprias opiniões prévias e 
ignorar a opinião do texto, ao contrário, deve estar disposto a deixar que o texto diga alguma coisa por 
si mesmo. Por isso, uma consciência formada hermenêuticamente tem que se mostrar receptiva, desde 
o princípio, para a alteridade do texto a fim de “diferenciar os verdadeiros preconceitos, sob os quais 
nós compreendemos, dos falsos, sob os quais nós nos equivocamos”. (1997, p.42). 
Do mesmo modo, no âmbito da compreensão histórica, não é a partir de padrões e 
preconceitos contemporâneos que iremos compreendê-la, mas a partir do horizonte do qual fala a 
tradição, sob pena de estarmos sujeitos a mal-entendidos com respeito ao significado de seus 
conteúdos. Um texto só se torna falante, graças às perguntas que nós hoje lhe dirigimos. Não existe 
nenhuma interpretação, nenhuma compreensão, que não responda a determinadas interrogações que 
anseiam por orientação. Assim, a compreensão é sempre a continuação de uma conversação já 
iniciada antes de nós e que nós assumimos e modificamos, através de novos achados de sentido, as 
perspectivas de significado que nos foram transmitidas. Aqui, neste momento, acontece a 
compreensão como concretização histórico-efetual (estudo das interpretações produzidas por uma 
época) da dialética entre pergunta e resposta, ou seja, a compreensão como conversação. Neste 
sentido, parece ser uma exigência hermenêutica o fato de termos de nos colocar no lugar do outro, ou 
seja, nos deslocarmos à sua situação para, tomando consciência de sua alteridade, poder entendê-lo. 
No desenvolvimento de suas idéias, Gadamer irá incorporar o problema da aplicação que, 
segundo entende, está contido em todacompreensão, como questão fundamental da hermenêutica. 
 9
Segundo afirma, a aplicação é um momento do processo hermenêutico tão essencial e integrante como 
a compreensão e a interpretação. Segundo diz, o trabalho do intérprete não é simplesmente reproduzir 
o que diz o interlocutor que ele interpreta, mas tem de fazer valer a opinião daquele assim como lhe 
parece necessário, levando em conta como é, autenticamente, a situação dialogal na qual ele se 
encontra como conhecedor das duas línguas que estão em intercâmbio. Isto significa que se quisermos 
compreender adequadamente o texto, seja ele qual for, teremos de compreendê-lo em cada instante, 
em cada situação concreta, de uma maneira nova e distinta, superando, assim, a alienação de sentido 
que o texto experimentou. Neste caso, afirma: compreender é sempre também aplicar. 
Relacionado com isso, está também o fato de que a linguagem e a conceptualidade da 
interpretação foram reconhecidas como um momento estrutural interno da compreensão. Com isso, o 
problema da linguagem passa de uma posição ocasional e marginal, para o centro da filosofia. Tal 
entendimento, no entanto, só nos é proporcionado por uma mensagem que desperta o escutar, e essa 
mensagem só se torna possível através da linguagem, instrumento fundamental da relação 
hermenêutica. 
A universalidade do processo hermenêutico em Gadamer está vinculado à dependência 
que a compreensão tem da conversação. Segundo ele, 
 
o fato de uma conversação estar sempre presente em toda parte onde algo 
chega à fala, seja sobre quê e com quem for, quer se trate de outra pessoa 
ou de alguma coisa, de uma palavra, ou de um sinal de fogo – é isso que 
perfaz a universalidade da experiência hermenêutica. Somente na 
conversação, no encontro com pessoas que pensam diferentemente, 
podendo habitar em nós mesmos, podemos esperar chegar além da 
limitação de nossos eventuais horizontes. (1997, p. 207). 
 
Sinaliza, também, para uma ultrapassagem da hermenêutica tradicional, a científico-
espiritual, em direção a uma hermenêutica filosófica que libere o fenômeno hermenêutico em toda a 
sua amplitude. Nessa perspectiva, a hermenêutica passa a ser um aspecto universal da filosofia e não 
apenas a base metodológica das ciências do espírito. A busca por compreensão não é apenas um 
problema metodológico, porém uma característica básica da faticidade humana. Hermeneuticamente 
significativa na linguagem, diz Gadamer, é a dimensão da conversação interior, a circunstância de que 
nosso dizer significa sempre mais do que ele realmente expressa. Um pensar, um visar, vai sempre 
além daquilo que, concebido em linguagem, em palavras, realmente alcança o outro. Na palavra 
interior, na aspiração por compreensão e linguagem, que a constitui e que perfaz a finitude de nosso 
ser, enraíza-se a universalidade do filosofar hermenêutico. 
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Finalizando a nossa abordagem sobre a hermenêutica, trazemos ao texto as idéias de 
Karl-Otto Apel, através de sua obra Transformação da Filosofia (1973). Nela o autor reavalia os 
projetos de Heidegger e de Gadamer e, a partir delas e das idéias de Wittgenstein, propõe uma nova 
instância para a questão hermenêutica. Segundo diz, a pergunta sobre a possibilidade da compreensão 
-- que se fazem tanto Heidegger como Gadamer -- não pode deixar de lado a pergunta sobre sua 
validade. Diante disso, afirma Apel, a hermenêutica tem de ser normativa, tem de ser metodológica, 
não sendo possível chegar ao extremo de reduzir a verdade à vontade daquele que quer compreender, 
isto é, de considerar viáveis quaisquer interpretações. 
 
De Lutero a Dilthey a compreensão foi colocada cada vez mais radicalmente em 
questão, enquanto o sentido do texto e sua pretensão à verdade 
(Wahrheitsanspruch) nunca foram questionados em profundidade. Isso teria mudado 
radicalmente com Wittgenstein, que, já no Tractatus Logico- Philosophicus, 
distinguia entre sentido e verdade. "Compreender uma frase", diz Wittgenstein no 
Tractatus, "é saber qual é o caso quando ela é verdade". Isto é: ela pode ter sentido, 
mas não ser verdadeira. Para ter sentido, é preciso que seja formada por elementos 
que se compreendam. Para ser verdadeira, deve ser possível a) transformá-la em 
frases elementares e b) comparar as frases elementares com os fatos. (cf. Apel, 
1973, p.339-41). 
 
O projeto de Apel é procurar nos jogos de linguagem e nas formas de vida o fundamento 
da hermenêutica. O seu mérito está em resgatar a dimensão metodológica da hermenêutica, ou seja, 
em estabelecer uma reflexão sistemática sobre o processo de compreensão e validade da 
interpretação. 
 
O método hermenêutico e sua relação com outros métodos 
 
A hermenêutica, seja como método de compreensão e interpretação, seja como filosofia 
que visa a compreensão da experiência humana no mundo, mantém estreita relação com outros 
métodos, já que envolve a compreensão, a interpretação e o entendimento da linguagem. Como 
interpretar um texto significa entregar-se a um colóquio com ele, dirigir-lhe perguntas e deixar-se 
questionar por ele, qualquer que seja o ponto de partida da compreensão, ele deverá repousar sobre 
um solo dialógico assim como sobre uma apreensão fenomenológica prévia, sem os quais não é 
possível saltar para o círculo hermenêutico – área de ação partilhada por quem fala e por quem ouve - 
indispensável a todo ato de compreensão. 
Segundo Minayo (2004), o método hermenêutico se relaciona com o fenomenológico e o 
dialético, trazendo para o primeiro plano a compreensão do tratamento dos dados e das condições 
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cotidianas da vida, possibilitando o esclarecimento sobre as estruturas mais profundas desse mundo 
cotidiano. Segundo afirma, a compreensão do sentido se orienta por um possível consenso entre o 
sujeito agente e aquele que busca compreender; assim, a compreensão só se dará pelo 
estranhamento, pois, só o fracasso na tentativa de entender o que é dito, dentro de um sistema de 
intersubjetividade, pode levar alguém a penetrar na opinião do outro, na busca da sua racionalidade e 
verdade. Assim, a hermenêutica se introduz no tempo presente, na cultura de um determinado grupo 
para buscar o sentido que vem do passado ou mesmo do presente, de uma visão de mundo própria, 
envolvendo num só movimento o ser que compreende e aquilo que é compreendido. 
Ainda segundo Minayo, a hermenêutica interage com o método fenomenológico porque, 
sem uma apreensão dos fatos, dos fenômenos tais quais eles acontecem, afastada dos pré-conceitos, 
dos pré-juízos, não há como interpretá-los, não há como compreendê-los verdadeiramente, como 
elaborar idéias, como construir conhecimentos. Interage com o método dialético porque enquanto a 
hermenêutica busca a compreensão, destaca a mediação, o acordo e a unidade de sentido, a dialética 
enfatiza a diferença, o contraste, o dissenso e a ruptura de sentido. 
A sua interação com o dialógico realiza-se porque a interpretação envolve troca de 
impressões, de compartilhamento de idéias ou significados que vão surgindo à medida que o diálogo 
flui e as posições diferentes devem ser aceitas como instrumentos de interpretação e compreensão das 
diferenças e da diversidade de visões de mundo. Interage, ainda, com o método experimental 
(científico) porque no processo de conhecimento, inclusive no experimental, não é possível a 
aproximação da verdade sem a interpretação dos dados experimentados, das idéias que compõem o 
corpo de uma teoria. 
 
Considerações finais 
Do estudo nos foi possível verificar que a hermenêutica como arte de interpretação tem 
sua origem na antiguidade clássica estando presente na Idade Média, fundamentalmente como 
exegese das Sagradas Escrituras. Com a Modernidade ela passa a ser compreendida como métodoque, através da interpretação nos leva à compreensão. Que este entendimento perpassa toda a 
Modernidade destacadamente com Schleiermacher, Dilthey , Heidegger e, posteriormente, Apel. 
Em Gadamer, a hermenêutica assume uma tarefa crítica e não se restringe, como ocorria 
em outras épocas, a uma teoria ou metodologia de compreensão e interpretação da fala e do texto. 
Cabe-lhe determinar o verdadeiro sentido das ciências do espírito e a verdadeira amplitude e 
significado da linguagem humana. Verificar, também, que o fenômeno da compreensão perpassa não 
somente tudo que diz respeito ao mundo do ser humano, mas também o terreno da ciência, da filosofia, 
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da arte, da história, seja como exegese, seja como método de interpretação e compreensão, seja como 
um aspecto universal da filosofia. 
 
Referências 
APEL, Karl-Otto. 1973. Transformation der Philosophie. Bd.I: "Sprachanalytik, Semiotik, Hermeneutik". 
Frankfurt a.M., Suhrkamp. 
CORETH, E. Questões Fundamentais de Hermenêutica. Ed. Da USP, 1999. 
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 
GRONDIN, J. Introdução à Hermenêutica Filosófica; tradução de Benno Dischinger. São Leopoldo: Ed. 
UNISINOS, 1999. 
HERMAN, N. Hermenêutica e Educação – Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 
LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2004. 
MALTEZ, José Adelino. Página profissional de José Adelino Maltez, disponível em: http://maltez.info. 
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde - 8 ed. - 
São Paulo: Hucitec, 2004. 
PALMER, Richard E. 1969. Hermeneutics. Interpretation theory in Schleiermacher, Dilthey, Heidegger 
and Gadamer. 7th printing, Northwestern University Press, Evanston, 1985. (disponível em português: 
Lisboa, Edições 70, 1986.)

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