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HIST ÓRIA DO DIREIT O 
Direito na Idade Moderna - (sé culo XV – XVIII) 
Consi dera -se, pelo menos no mundo oci dental o início da Idade Moderna a 
partir da queda do Império Romano e m 145 3. In dependentemente de sse fato, 
alg uns outros fatores e descobertas foram deter minantes para o surgimento de 
uma nova for ma de pe nsar (filosofia ) e d e construir novas normas d e conduta 
(Di reito) para os homens. 
- Direito da Antiguidade X Direito Moderno 
Se anali sarmos o d ireito historicamente, ver emos, no passado , 
estruturas que são ch amadas por jurídi cas e qu e são bastan te diferentes das 
nossas atuais. Basta pensarmos num grande exemplo. O Di reito Romano, o 
mais destacado do passado, é, em grand e medi da, um di reito mui to peculiar , 
numa organi zação políti ca q ue n ão é i gual aos Es tad os Modernos, e onde a 
força impera aci ma das l eis, e não só po r meio del as. Do mesmo modo, o 
feudalismo te m estrutur as política s, sociais e jurídicas bastan te diversas das 
nossas. O model o de direito atual só vai se formar a par tir da Idade Moderna, 
com o sur gimento d os Estados Modernos, co m a estr uturação de uma 
socie dade capitalista. Por isso, as socied ades que são pr é -capitalista s têm 
outras fo rmas de direito, que or ganizam rel ações diver sas das no ssas atuai s, 
podendo-se até dizer qu e, em geral , essas so ciedades sequer conhe ceram o 
direito, no sentido moderno da palavra. 
Formação dos Estados Modernos /Cap italismo 
Na Idade Moderna surge, pela primeir a vez, u ma org anização jurídica do tipo 
que conhe cemos até a atua lidade. Na verdade, com o fi m d o feudali smo, vai 
acabando o mando di reto do senhor so bre o servo e entram e m seu l ugar as 
ati vid ades tipicamente bur guesas, como a compra e venda. Dá - se início, então , 
a uma estru tura econômica d e tipo capitalista . 
Para que se r ealize a ati vi dade mercanti l e se d esenvolva a nascen te cl asse 
burgue sa, é pr eci so que haja terri tórios livres e unificados que facilite m o 
comérci o, além da necessi dade de existir um ente q ue gar anta as relações 
comerci ais d os b urgueses. Surge e ntão a fi gura do Estado moderno, que 
unifica os ter ritórios feudai s e começa a cri ar l egislações, chamando p ara si o 
poder de decidir sobre os conflitos soci ai s. 
Nota-se de sde o princípio uma di ferença fundamental entre a atividade 
capi tali sta e a ati vidade feudal ou escravagista. Enquanto essa s últimas são 
exploraçõe s diretas, que dependem da força , da vi olência, da religião ou da 
tradição, a atividade capitalista, p el o contrário, é sempre uma e xpl oração 
indireta. Para que os negócios sejam feitos é preciso a existência de um 
terceiro , que não seja ne m o co mprador e nem o vend edor, e q ue gar anta que 
o produto seja e ntregue de um para o outro e seja pago o valor devido. Ora, 
este terceir o, que nã o é n enhuma das partes, mas que gar antirá o l ucro qu e 
venha do contrato é o Estado. Ele estaria aci ma de qualque r particular, teria 
poder sobre os i ndivíduos, obrigaria a todos e executari a os contratos q ue n ão 
foram cumpri dos. 
Claro está q ue o Estado moderno surge por que as rela ções mercanti s 
capi tali stas d emandam u ma sér ie de aparatos técnicos, i nstituci onais e formais 
Aula - Direito na Idade Moderna
História do Direito FACNOPAR
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Bethânia
	
Entende-se por Idade Média o período de tempo compreendido entre a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., e a tomada de Constantinopla pelos turcos, que ocorreu em 1453, com a queda do Império Bizantino.
Muitos imaginam a Idade Média como um período de pouca produção cultural e durante bastante tempo essa época chegou até mesmo a ser desprezada pelos estudiosos. O período da Alta Idade Média evoca na maioria das pessoas uma visão de violência, desorganização política, desaparecimento da cultura intelectual, chegando a ser conhecido, na língua inglesa, como “dark ages”, isto é, Idade das Trevas.
Tal preconceito teve sua origem na época do Renascimento, quando os pensadores, atraídos pela cultura clássica greco-romana, desprezaram tudo aquilo que estivesse relacionado com a sua civilização.
Entretanto, essa visão não pode ser generalizada de maneira arbitrária. A queda do Império Romano e as invasões bárbaras de fato alteraram radicalmente a história da Europa ocidental, levando a uma grave crise econômica, política, social e cultural. Mas por outro lado, mesmo diante das precárias condições de vida da época, surgiu, pouco a pouco, uma civilização que foi o berço de grande parte das instituições do mundo moderno. A alta Idade Média testemunhou o gradual desaparecimento da escravidão, substituída por um sistema de trabalho mais digno e viu a gestação das bases de alguns Estados nacionais.
Assim, desmistificando a idéia de “Idade das Trevas” começa-se a perceber que a Era Medieval foi fecunda em criações artísticas, filosóficas e realizações jurídico-políticas, que tiveram profundo significado para a história da civilização. Exemplo disso é que durante a idade média foram criadas as Universidades.
Os Bárbaros e a civilização ocidental
Na idade Média, a ameaça representada pelos povos germânicos não era uma novidade para o Império Romano, que já os conhecia desde o século II a.C., quando tentou conquistar a nova província chamada Germânia. Apesar de algumas vitórias, não levou adiante o processo de conquista e ocupação do território, preferindo estabelecer uma extensa fronteira fortificada na região dos rios Reno e Danúbio, a fim de impedir o avanço das populações germânicas sobre território romano.
Essa longa fronteira não impediu, contudo, o contato dos germanos com a sociedade romana, pois era grande a atração que ela exercia sobre aqueles povos guerreiros, maravilhados diante de suas riquezas, principalmente suas terras férteis. Inclusive, em escavações arqueológicas, feitas nos túmulos germanos, foram encontrados objetos, vasilhas, jóias e moedas de origem romana, comprovando a existência de comércio entre eles.
Pode-se concluir, portanto, que a investida dos germanos ao território romano durante o século V não foi um acontecimento completamente inesperado, mas o final de um longo processo de contatos prévios.
Fato é que, com a queda do Império Romano do Ocidente, diversos povos bárbaros finalmente ocuparam a Europa.
A Igreja foi sim afetada, mas não destruída. Aos poucos, os missionários foram ao encontro dos Bárbaros para convertê-los e civilizá-los. São Bento, exemplificativamente, evangelizou a região de Nápoles, enquanto São Bonifácio trabalhou a Germânia e São Patrício a Irlanda.
Esses missionários foram enviados para quase todas as regiões da Europa, trabalhando num ambiente hostil e no meio de povos de culturas e línguas diferentes. A estratégia consistia em converter em primeiro lugar os reis e dirigentes, pois a partir daí estava quase assegurado o acesso a todo o resto da população. Os reis, por outro lado, ao adotarem o cristianismo, tinham seu poder político fortalecido, com o apoio divino, tornando-se reis “pela graça de Deus”.
Entre todos os povos bárbaros, o primeiro que oficialmente abraçou o Cristianismo foi a França, após a conversão do Rei Clóvis, em decorrência de uma promessa feita por ele a um monge, por influência de sua esposa - que era católica. Se os francos vencessem os inimigos na batalha de Tolbiac, o rei se tornaria cristão e também os seus súditos. E assim aconteceu. No local do batismo foi erguida a catedral de Notre Dame de Reims, onde foram sagrados todos os reis da França.
O cristianismo, que aos poucos foi aceito também pelos demais povos bárbaros, trouxe a eles diversos benefícios, como a instrução das crianças, a construção de casas de pedra e o abandono das cruéis práticas das ordálias. Os monges também ensinaram os bárbaros a respeitar o direito acima da força. Daí o surgimento de instituições como a cavalaria.
A cavalaria
A cavalaria era uma instituição em que todos os participantes se ajudavam e em que a força e a destreza militar eram postas a serviço dos fracos, como os órfãos, as viúvas e os inválidos. Defendiam as regiões fronteiriças, onde se instalavam castelos que constituíam a guarda avançada dos cristãos frente às terras dos muçulmanos.
Apareceu primeiramente no Ocidente, entre os povos germânicos. Na ocasião, os guerreiros bárbaros germânicos, ao tomarem contato com os latinos (romanos), estranharam o fato de que a civilização tinha tornado os homens muito “delicados”. Então, naturalmente surgiram desentendimentos entre a brutalidade e a supercivilização. Os romanos desprezavam os bárbaros pela sua ignorância, e os bárbaros germanos desprezavam os romanos pela sua moleza de vida e refinamento.
A igreja teve um papel muito importante na conjugação dessas duas realidades. Ela conseguiu canalizar essa violência natural dos germânicos para um sentido bom e construtivo, que era o de sanear as injustiças.
Assim, num momento em que havia situações de opressão, a Cavalaria surgiu como força de fiscalização social, restabelecendo o equilíbrio perdido a partir da queda do Império Romano, quando passou a não haver praticamente nenhuma autoridade centralizadora de Poder.
O Império Carolíngio (de Carlos Magno)
Na França, Pepino – o Breve inaugurou uma dinastia de reis que teria seu mais ilustre representante em seu filho Carlos Magno, nascido em 742 e que passou a reinar após sua morte, em 768.
A personalidade de Carlos Magno impressionou fortemente a seus contemporâneos e por muito tempo ficou gravada na memória de seus pósteros. Destacava-se por sua elevada estatura e por sua força física invulgar.
Ao contrário de muitos imperadores da época, que tinham a pretensão de ser superiores ao Papado, Carlos Magno era um filho fiel da Igreja Católica. Seu programa de governo consistia na restauração do antigo Império Romano, sob a liderança da França e, obviamente, sob o primado espiritual do Papa. A estatura política de Carlos Magno era de tal grandeza que foi considerado o soberano mais poderoso da Europa. Criou-se especialmente para ele, então, o cargo de Imperador Romano Cristão. Recebeu tal título no ano de 800, do Papa Leão III.
Ao morrer, em 814, Carlos Magno deixou o poder imperial para seu filho, em cujo reinado o Império Carolíngio ainda conseguiu manter sua unidade política. Todavia, após a morte de Luis I, em 840, o império foi disputado pelos netos, numa desgastante guerra civil. A unidade política realizada por Carlos Magno, apesar de grandiosa, não conseguiu sobreviver nem mesmo um século após a sua morte.
A obra jurídica de Carlos Magno
Todos os anos, em maio, Carlos Magno convocava sua nobreza a Paris para ouvir queixas e ponderações, além de efetuar consultas. Era a Assembléia dos Grandes do Império Carolíngio. O resultado das deliberações era a coleção de leis que, por serem dispostas em capítulos, chamavam-se “Capitulares”. Foram as primeiras leis escritas da idade média.
Embora Carlos Magno se reservasse a decisão final, debatia com os nobres as questões e depois ordenava as normas, em matéria civil, comercial, penal e até ambiental. As leis eram decretadas na medida das necessidades e não como modernamente, em que se busca prever casos futuros. Ao todo foram 65 capitulares e que se tornaram o principal corpo das leis medievais.
Interessante frisar as inovações trazidas pelas “Capitulares” de Carlos Magno, como a criação de juízes profissionais e a possibilidade de recurso ao tribunal do palácio, no caso de julgamentos falsos, além do desenvolvimento e fortalecimento da prova testemunhal.
O feudalismo
Após a morte de Carlos Magno, seus descendentes (netos) partilharam seus vastos domínios. Isso obviamente abalou a unidade do Império, que passou a ser invadido novamente pelos bárbaros.
O clima de insegurança espalhado pela onda de invasões conduziu os cristãos europeus a construir vilas fortificadas e castelos cercados com grandes estacas. Cada um defendia-se como podia, associando-se a senhores mais poderosos, em busca de proteção. Nesse sentido, as “invasões” assinalaram um fator essencial na formação das sociedades feudais na Europa ocidental.
Cada um dos núcleos de defesa que surgiram na Europa gravitavam em torno de um chefe, o Senhor Feudal. As relações entre suseranos e vassalos era baseada na mútua prestação de serviços e na confiança recíproca. Tanto que a palavra feudo vem de fé, ou seja, de confiança.
Assim, da família nasceu o feudo e do feudo surgiu o reino, quando os senhores feudais sentiram a necessidade de ter um árbitro para suas contendas.
O sacro império germânico - As Cruzadas
Por questões próprias da história e da geografia, em cada país da Europa surgiu um sistema político peculiar. Porém em todos havia em comum a fé católica. Como a religião era o denominador comum, o Papa podia intervir todas as vezes em que as leis afetassem a moral cristã.
Jerusalém, a Terra Santa, foi tomada no final do século XI pelos seldjúcidas que, convertidos ao islamismo, eram bastante intolerantes e proibiram o acesso dos cristãos a Jerusalém.
E o que foram, então, as cruzadas? Alguns historiadores dizem que foram guerras de conquista da Europa contra os árabes, para a libertação da Palestina, que estava em poder dos “turcos”. Mas a verdade é que a Europa estava praticamente cercada pelos turcos, que a estavam proibindo o acesso a certos lugares santos. Entendemos que foi isso que motivou as cruzadas.
Em 1095 o papa Urbano II lançou um apelo à cristandade para que, pondo de lado as dissensões, se unisse num esforço comum para combater os turcos e “libertar o Santo Sepulcro”.
Como eram guerras defensivas e supostamente “santas”, os cavaleiros partiam com a consciência tranquila. E assim, após vários combates, conquistaram Jerusalém e outras importantes cidades como Trípoli, onde foram criados feudos e originou-se o Reino Latino-Cristão do Oriente.
Nos anos seguintes, com a euforia da vitória, mais voluntários seguiram para o Oriente. As motivações eram variáveis: se alguns pretendiam obter novos feudos, havia também aqueles que pretendiam ganhar batalhas, bênçãos espirituais, e voltar para a sua terra.
Bem, se por um lado as cruzadas aprofundaram a hostilidade entre o cristianismo e o Islã, por outro estimularam os contatos econômicos e culturais para benefício permanente da civilização européia. O comércio entre a Europa e a Ásia Menor aumentou e a Europa conheceu novos produtos, em especial, o açúcar e o algodão. Os contatos culturais que se estabeleceram entre a Europa e o Oriente tiveram um efeito estimulante no conhecimento ocidental e, até certo ponto, prepararam o caminho para o Renascimento.
Embora nem sempre bem sucedidas, as Cruzadas trouxeram como conseqüência o incremento do comércio, além de introduzirem novas idéias na Europa, devido ao inevitável contato com povos do oriente e seus domínios em diversos campos do conhecimento. Ademais, nelas muitos nobres morreram, o que provocou, juntamente com a ascensão da burguesia e o aumento do poder real, um movimento em direção ao absolutismo na Europa.
A Magna Carta da Inglaterra
Enquanto continuavam as cruzadas o absolutismo foi se firmando na Europa.
No século XIII, o rei inglês, João 1º, considerado teimoso e descontrolado, era ridicularizado pelo fato de seu pai tê-lo ignorado na partilha da herança. Assim, ganhou o cognome de "João Sem Terra" (John Lackland).
Desde o início, sofrera por ser o sucessor de seu popular irmão Ricardo Coração de Leão. Além disso, envolveu-se numa rixa constante com a Igreja. Porém a rápida perda de prestígio do soberano deveu-se aos longos anos de disputas com a França em torno das posses continentais da coroa inglesa no norte francês.
No início de 1214, o soberano francês ameaçou atacar a Inglaterra e João Sem Terra se antecipou, invadindo a França. Mas a invasão foi um lamentável fracasso. A vergonha da derrota fez com que a nobreza inglesa se levantasse definitivamente
contra seu monarca. Em 63 artigos, os nobres estipularam quais direitos queriam que o rei inglês garantisse a eles e a seus descendentes.
Algumas das exigências mais importantes eram o direito a que nenhum imposto fosse mais criado sem a aprovação da nobreza, bem como que nenhum cidadão livre poderia ser preso por funcionários reais sem que as razões de sua prisão fossem investigadas. Além disso, os nobres estabeleceram para si privilégios inalienáveis, os quais nem o rei nem o papa poderia revogar. A partir daí, pela primeira vez, um rei inglês não reinaria mais pela "graça divina", com poderes ilimitados.
Apesar disso, nada mais restou ao rei senão assinar a Carta Magna, naquele histórico 15 de junho de 1215.
Não é demais lembrar que a Carta Magna era a carta de liberdades para os senhores feudais. A massa principal da população não obteve benefício algum. Ainda assim o documento é considerado de ímpar importância histórica, um verdadeiro marco nos estudos de direito constitucional, no que se refere às limitações do poder do Estado e na origem dos direitos do cidadão.
Isso porque, em forma modificada, a Carta Magna tornou-se parte e alicerce da legislação britânica atual. Ademais, juntamente com a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1791, formou a base de todas as leis dos Estados Unidos da América. Não é um exagero considerar que tal documento criou as condições para que liberdades e direitos civis pudessem se estabelecer, primeiramente na Grã-Bretanha e, mais tarde, no mundo ocidental.
Últimos tempos da Idade Média
Os últimos tempos da Idade Média foram marcados pela Guerra dos Cem Anos, entre franceses e ingleses (1337-1453).
No plano político, essa guerra foi motivada pela crise política que tomou conta da França depois da morte de Filipe, O Belo, em 1328. Buscando desfrutar das vantagens econômicas provenientes da unificação das coroas, o rei britânico Eduardo III exigiu o trono francês, pois era neto do falecido monarca da França.
Além disso, o interesse econômico também explica esse desgastante confronto. Nesse período, os monarcas preocupavam-se em fortalecer seu poder político por meio da cobrança de tributos. Foi a partir dessa situação que ingleses e franceses disputaram o controle fiscal sobre a próspera região de Flandres.
Os ingleses venciam os exércitos franceses impondo uma pesada derrota. Já parecia impossível que os franceses pudessem reverter a supremacia britânica. Todavia, em 1429, o papel desempenhado por uma francesa chamada Joana D'Arc deu outros destinos para esse conflito. Liderando um pequeno exército, essa lendária guerreira reconquistou importantes cidades do domínio inglês.
Imediatamente, os ingleses ficaram alarmados com os feitos da desconhecida camponesa. Joana D'Arc foi então aprisionada e oferecida aos tribunais eclesiásticos sob a acusação de bruxaria. Julgada e condenada, a heroína francesa foi queimada viva em 1431.
Os ingleses almejavam abafar uma possível reação militar por parte da França. No entanto, as conquistas empreendidas pela santificada guerreira mobilizaram a população francesa em novas batalha, até que em 1453, a conquista da cidade de Bordeaux obrigou os ingleses a admitir sua derrota, dando fim à guerra.
A Guerra dos Cem Anos foi seguida, na Europa, de uma terrível peste, a Peste Negra, trazida por meio de infecção do ar, já que muitos cadáveres permaneceram sem sepultamento durante muito tempo.
Há relatos de que ratos contribuíram para espalhar a epidemia, que, segundo alguns historiadores, chegou a contabilizar um número de mortos aproximado de um terço da população européia da época.
Após o contato com a doença, a pessoa tinha poucos dias de vida. Febre, mal-estar e bolhas de sangue e pus espalhavam-se pelo corpo do doente. Como os conhecimentos médicos eram pouco desenvolvidos, a morte era certa. Para complicar ainda mais, muitos atribuíam a doença a fatores comportamentais, ambientais ou religiosos.
Então, enquanto os cristãos combatiam entre si na Guerra dos Cem Anos, os turcos cercaram Constantinopla, que era o principal centro comercial da época, um verdadeiro elo de união entre o Ocidente e o Oriente. A tomada de Constantinopla pelos turcos ocorreu em 1453 e o grande abalo causado pela queda da “Segunda Roma” marcou o fim da Idade Média e o início dos tempos e do direito modernos. Mas essa já é outra parte da história.
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Referências bibliográficas
- BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia de direito. Ed. Ícone. São Paulo, 2006.
- CICCO, Cláudio de. História do Pensamento Jurídico e da filosofia do direito. 4ª ed. São Paulo. 2009.
- DUBY, Georges. A sociedade Cavaleiresca. São Paulo, Martins Fontes, 1989. (Coleção o homem e a história)
- ESPINOSA, F. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sá da Costa, 1981
- KOSMINSKY, E.A. História da Idade Média. Editora Central do Livro Brasileiro.
- MELLO, José Roberto. As Cruzadas. São Paulo. Editora Ática, 1989.
- PAIS, Marco Antonio de Oliveira. A formação da Europa – A alta Idade Média. 6ª ed. São Paulo, Editora Atual, 1994.
- REZENDE FILHO, Cyro de Barros. Guerra e guerreiros na Idade Média. São Paulo, Contexto, 1989.
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* Marisa Regina Maiochi Hayashi é Procuradora da Fazenda Nacional. É especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e mestranda em Direito
A cultura jurídico-penal no início da Idade Média
Alexandre Ribas de Paulo
 
 
 
 
 
 
Resumo: O presente ensaio aborda algumas características marcantes da cultura jurídico-penal germânica de três povos que se instalaram nos antigos territórios do Império Romano do ocidente na chamada Alta Idade Média, sendo eles: os visigodos (Península Ibérica); longobardos (Península Itálica) e francos (Gália). Na introdução, são indicadas as três diferentes culturas (coexistentes) que tinham a pretensão de exercer o poder no início da Idade Média: tradição germânica; tradição romana e o pensamento místico cristão. Em seguida é apresentado um sumaríssimo contexto histórico para situar o leitor nas particularidades dos três reinos germânicos existentes entre os séculos V e VIII nas regiões abordadas. Finalmente, são destacados e comentados alguns traços da cultura jurídico-penal germânica e suas transformações diante da tradição jurídica romana remanescente, além das influências da Igreja Católica como fonte de legitimação das novas potestades européias. Na conclusão, indica-se uma hipótese para a compreensão geral da cultura jurídico-penal que prevaleceu na Europa Medieval, mormente a partir do século IX com a generalização do feudalismo.
Palavras-chave: História do Direito; Alta Idade Média; Direito Germânico.
Sumário: Introdução; 1. Contexto Histórico e Político da Península Ibérica, Península Itálica e Gália entre os Séculos V e VIII; 2. A Cultura Jurídica e a Experiência Penal na Alta Idade Média; Conclusão.
INTRODUÇÃO[1]
O objetivo deste trabalho é fornecer uma visão panorâmica do cenário político e jurídico-penal nos primeiros séculos da chamada Alta Idade Média[2]. Isso porque, desde a derrocada do Império Romano do Ocidente (século V) até a constituição do Império Carolíngio (final do século VIII), a cultura jurídico-penal, nos territórios do extinto Império Romano, é comumente vista como se fosse uma regressão ao denominado período da vingança privada, pois os mecanismos de resolução de conflitos penais eram orientados por normas consuetudinárias trazidas por cada povo germânico que se instalou na região ora abordada.
As peculiaridades das culturas jurídicas, nos primeiros séculos da Idade Média Ocidental, residem no que se pode chamar de noção de poder, porquanto ocorreu uma amálgama complexa de institutos jurídicos germânicos primitivos[3] com os institutos jurídicos romanos[4] remanescentes em cada lugar da Europa invadida. Nesse sentido, vale transcrever a explicação de Augusto F. G. Thompson:
“O Direito romano foi socionômico ou estatutômico, enquanto o Direito germânico foi autonômico ou demonômico: o primeiro, consagrando
a força e o poder do estado, revelou-se uma instituição eminentemente social onde a consideração da res publica sobrepujava a todas as outras; o segundo foi uma emanação do selbsthulfe, um simples reconhecimento legal das faculdades e prerrogativas do indivíduo”.[5]
Paralelamente a esse complexo conflito entre tradição jurídica individualista (germânica) e a noção de poder social, representado por autoridades (romano), foi sendo desenvolvida uma idéia mística de poder universal cristão, que tinha a pretensão de manter o dogma niceno[6] em todas as regiões onde imperava a vontade do poder espiritual exercida pela Igreja Católica. A relação curiosa entre as novas potestades temporais (reis germânicos) e a Igreja Católica é esboçada por Bertrand Russell:
“O poder absoluto era alheio a essas instituições, como também era estranho, a esses vigorosos conquistadores, tudo aquilo que tivesse aparência de uma legalidade monótona e sem espírito. O rei tinha que compartilhar seu poder com a aristocracia feudal, mas todos esperavam, do mesmo modo, que lhe fosse permitido, de vez em quando, uma explosão ocasional de suas paixões em forma de guerra, assassínio, pilhagem ou rapto. É possível que esses monarcas se arrependessem, pois eram sinceramente piedosos e, afinal de contas, o arrependimento era em si mesmo uma forma de paixão. A Igreja, porém, jamais conseguiu produzir neles a tranqüila regularidade de uma boa conduta, [...]. De que lhes valia conquistar o mundo, se não podiam beber, assassinar e amar como o espírito lhes exigia? E por que deveriam eles, com seus exércitos de altivos, submeter-se às ordens de homens letrados, dedicados ao celibato e destituídos de força armada?”[7]
Todavia, apesar de toda força armada restar nas mãos dos reis e guerreiros germânicos bárbaros, a Igreja saiu vitoriosa da disputa pelo poder supremo de legitimação do poder com os reis germânicos, porquanto possuía o monopólio do estudo (monastérios) e da escrita, além do fato de que os reis viviam em constantes guerras entre si. Mas, acima de tudo, porque a Igreja era quem decidia, através da excomunhão, se um chefe, convertido ao catolicismo, iria passar a eternidade no céu ou no inferno, podendo, dessa forma, estimular rebeliões ao absolver os súditos (também cristãos) do dever de fidelidade para com o poder temporal.[8]
A partir dessa concepção particularíssima a respeito do exercício do poder no início da Idade Média Ocidental, a seguir será esboçado um panorama histórico dos Reinos Germânicos surgidos nos territórios do Império Romano até o final do século VIII para, em seguida, expor as peculiaridades dos mecanismos de resolução de conflitos penais entre os germânicos em tal período.
1. Contexto Histórico e Político da Península Ibérica, Península Itálica e Gália entre os Séculos V e VIII.
Os grupos germânicos que se instalaram na Península Ibérica no século V – alanos, suevos, vândalos e, posteriormente, visigodos –, apesar de trazerem seus próprios costumes do norte europeu, encontraram a Hispania romana já civilizada, mas fragmentada em regiões devido – entre outras causas – aos condicionamentos geográficos que dificultavam uma efetivação dos projetos de centralização administrativa ainda no tempo do Império.[9]
Politicamente, importante ressaltar que os visigodos, depois de uma série de batalhas e alianças com os romanos durante todo o século V, se estabeleceram em parte da Gália e da Península Ibérica formando o Reino Visigótico. Os reis visigodos promulgaram diversas normas jurídicas, que deixaram claras as influências romana e cristã em relação à cultura tipicamente germânica – consuetudinária – trazida por eles para a Península. Em uma noção ampla, pode-se entender a Península Ibérica do século VI até o início do século VIII como sendo povoada por romano-germânicos cristãos.
Os cristãos da Península Ibérica, porém, não resistiram à invasão dos muçulmanos, sendo que em 711 o último rei visigodo (Roderico) foi derrotado e, a partir de 716, consumou-se o domínio muçulmano na Hispania, que perdurou por muitos séculos; só sendo recuperada a região pelos cristãos remanescentes – de maneira considerável – a partir do século XII pela chamada “reconquista”.[10]
Na Península Itálica, por sua vez, as invasões foram mais freqüentes e vários grupos bárbaros ali passaram, como, por exemplo, os supramencionados visigodos que, antes de fundarem seu reino, estavam fugindo dos hunos (grupo de origem mongólica) e, sob a liderança de Alarico, saquearam Roma em 410. Em 455, os vândalos, após escaparem dos visigodos, já instalados na Península Ibérica, se aventuraram no norte da África e, em seguida, entraram na Itália e saquearam Roma. Em 476, os hérulos, comandados por Odoacro, invadiram Roma e depuseram o último Imperador romano do Ocidente, dando início ao período tradicionalmente designado pela História como sendo a Idade Média.
A partir de 489, os Ostrogodos expulsaram os hérulos e também se instalaram na Itália, tentando promover uma conciliação entre os germânicos e romanos[11]; mas, no século VI (a partir de 533), Justiniano, Imperador bizantino (Império Romano do Oriente), iniciou a reconquista da Itália e conseguiu debilitar o poderio gótico.
Depois das investidas de Justiniano foram dezoito anos de luta contra os ostrogodos, “durante os quais Roma e a Itália, de modo geral, sofreram muito mais do que durante a invasão dos bárbaros”.[12] Finalmente, a partir de 568, outros bárbaros germânicos denominados longobardos, aproveitando o enfraquecimento dos bizantinos e de uma grande peste que ocorreu na época, instalaram-se na Itália e, mais tarde, grupos eslavos também passaram pela península.[13]
Os primeiros reis longobardos eram cristãos arianos e somente no decorrer da segunda metade do século VII é que ocorreu uma adesão mais importante de tais germânicos ao dogma niceno, sendo que o governo do rei Liutprando (713-744) é considerado o auge do Reino Longobardo. Após o reinício de conflitos entre os longobardos e o papado por questões territoriais no século VIII, o Papa Adriano II pediu ajuda ao rei franco Carlos Magno, que pôs termo ao Reino Longobardo em 774. A parte setentrional das terras da Itália foram incorporadas ao Reino Franco – posteriormente Império Carolíngio – e as terras da Itália central foram doadas para Igreja Católica, criando os Estados Pontifícios.[14]
Na Gália, os germânicos denominados francos criaram um reino que foi o que mais se destacou na Alta Idade Média, uma vez que foi o primeiro a emergir com a queda do Império Romano e, já no século V, os reis francos, da dinastia dos merovíngios, aderiram ao dogma niceno e realizaram uma sólida aliança com a Igreja Católica, criando condições para a unificação desse povo em torno da fé cristã ortodoxa e de uma instituição social chamada comitatus.[15] Nessa perspectiva, Sônia Regina de Mendonça tece comentários a respeito da coesão social entre os francos:
“Essencialmente militar e espontânea, a solidariedade germânica era incompatível com a idéia de Estado ou de bem público. Ela servia de base para uma concepção de reino que se confundia com a propriedade particular do soberano e dele o monarca dispunha como bem lhe aprouvesse. A solidariedade era garantia pela prestação de um juramento de fidelidade (ou recomendação), através do qual os súditos se incorporavam à clientela em torno do rei. Criava-se um vínculo que implicava deveres e direitos de ambas as partes. Aos fiéis (ou vassalos) cabia a obrigação do serviço das armas. Ao soberano, o dever de proteger e auxiliar sua fiel clientela, propiciando-lhe, sobretudo, os meios de sustento. Com essa finalidade, desenvolveu-se a prática de concessão de benefício, isto é, de qualquer bem, mas quase sempre terra, doado em recompensa pelos serviços prestados. Assim, o poder militar do rei saía fortalecido. O reino franco foi onde esse processo se desenvolveu de forma mais típica e conhecida.”[16]
Já no século VIII (em 771), Carlos Magno ascendeu ao trono do Reino Franco, inaugurando a dinastia carolíngia.
Tal monarca, pelas valiosas contribuições militares prestadas em favor da Igreja Católica contra o avanço dos muçulmanos instalados na Península Ibérica e longobardos da Península Itálica, foi coroado pelo Papa Leão III, em Roma, durante as celebrações do natal de 800, como sendo o imperador do Império Carolíngio. Como explica Bertrand Russell, nasceu daí uma curiosa interdependência entre o Papa e o imperador em relação à legitimação do poder, pois “ninguém podia ser imperador a não ser que fosse coroado pelo Papa em Roma; por outro lado, durante séculos, todo imperador forte reivindicava para si o direito de nomear ou depor os Papas.”[17]
Todavia, o poder central carolíngio foi tão pouco sólido que o Império foi rapidamente fragmentado em administrações locais de aproximadamente 250 condados, onde os condes gozavam de vantagens pessoais excepcionais. Com a política vassálica carolíngia, marcou-se uma etapa importante no processo de privatização das funções públicas, dando início ao chamado feudalismo, que atingiu seu apogeu nos séculos X e XI[18], já no advento do chamado Sacro Império Romano-Germânico.[19]
Observando conjuntamente as três regiões supra destacadas, nota-se que a Península Ibérica, no decorrer do século VIII, estava fora da administração dos cristãos devido à invasão muçulmana e a Península Itálica enfrentava suas vicissitudes políticas diante dos longobardos. Enquanto isso, o exército dos francos derrotou os inimigos da Igreja Católica e se expandiu a tal ponto de consolidar um (efêmero) Império, onde as conquistas territoriais dos carolíngios quase atingiram os antigos limites do extinto Império Romano do Ocidente, tornando todos seus novos súditos, tanto latinos quanto germânicos, um único povo cristão, submetido espiritualmente à Igreja Católica. Nesse contexto, a noção de política pública, como existente no Império Romano, foi preservada de maneira simbólica e mística, dentro da estrutura institucional eclesiástica.[20]
Quanto à noção particularíssima do exercício do poder na época, Jacques Le Goff pondera que o homem comum medieval não possuía liberdade, no sentido moderno deste termo. Para ele a liberdade era um privilégio diante da concepção teocrática da sociedade feudal. O indivíduo, para sobreviver, se sujeitava a uma rede de obediências e sua liberdade era exteriorizada como uma sendo uma relação pessoal de submissão a um protetor poderoso.[21] O caso mais típico desse fato foi a relação de vassalagem (Vassalaticum), que se configurava com um rito de reconhecimento da capacidade jurídica do adolescente livre no momento em que a assembléia o declarava apto às armas e ele jurava fidelidade ao suserano, dedicando-lhe todas as obras de paz e guerra, conservando a sua liberdade; o suserano, por sua vez, assumia o compromisso de fornecer armas e de manter o novo súdito.[22]
Nessa perspectiva, pode-se observar que o poder político temporal altomedieval se caracterizava por ser, precipuamente, uma relação privada entre indivíduos da classe dos guerreiros. A antiga idéia clássica de “Estado”, como sendo uma instituição pública, voltada para a coesão social, praticamente desapareceu na administração temporal, especialmente com a difusão da política de vassalagem, que modelou uma sociedade em que as relações pessoais de benefícios e prestações de serviços militares acabaram por criar numerosos reinos por toda a Europa ocidental.  O resultado dessa política de fidelidade e benefício foi a privatização das principais instituições sociais que no Império Romano eram públicas, notadamente a administração da justiça, a arrecadação dos impostos e a chamada às armas, poderes esses exercidos pelos reis e, paulatinamente, entregues aos senhores feudais.[23]
A História da Europa ocidental, a partir do século IX, foi marcada pelas lutas entre os imperadores do Sacro Império, monarcas diversos e a Igreja Católica; e todos eles, em frágeis alianças, contra os normandos (vikings), os sarracenos (muçulmanos) e os magiares (húngaros).[24] Não é objetivo do presente trabalho acompanhar com minudência os acontecimentos sutis que influenciaram as dinâmicas político-jurídicas da época, mas cumpre salientar que foi no século X que se completou a fragmentação e regionalização dos poderes na Europa ocidental, pois a política feudal foi incorporada ao Sacro Império Romano-Germânico, transformando as atuais França, Alemanha e Itália em um mosaico de reinos, ducados, marcados e condados, praticamente independentes: “foi a era da construção de castelos e fortificações e da chamada ‘guerra privada’ que se estende por tôda a Europa [sic].”[25]
2. A Cultura Jurídica e a Experiência Penal na Alta Idade Média
No tocante ao Direito na Idade Média, Paolo Grossi diz que esse deve ser observado como um planeta jurídico separado, fechado e descontínuo do “clássico” e do moderno; e distinto por sua própria integridade, pois, apesar da media aetas ter sido marcada por uma retórica ideológica renascentista – como sendo uma idade obscura, transitória e não autônoma na produção de Direito – houve, em tal período, a criação de uma verdadeira Ordem Jurídica, e isso demonstra a originalidade e a adequação das comunidades medievais às suas exigências cotidianas.[26]
Não se deve cair no equívoco, todavia, de que não havia Leis na Alta Idade Média. Ao revés, elas existiam e eram destinadas a todos os súditos, com o intuito de se obter uma determinada disciplina social. As compilações medievais permitem ao historiador do direito a verificação das influências romanas e cristãs nos costumes germânicos. Na Itália, por exemplo, havia o Edictum Longobardorum, também conhecido por Edictum Rothari(Edito de Rotário, do ano de 643), onde eram previstas orientações ao Direito Penal e ao Direito de Família, mas sem nenhuma pretensão de encerrar a totalidade de um ordenamento.[27] 
Ainda, quanto ao Reino Longobardo, pode-se mencionar os seguintes textos jurídicos: Grimualdi leges; Liutprandi leges; Memoratorio de mercedes commacinorum; Notitia de actoribus regis; Ratchis leges; Ahistulfi leges; Principum Beneventi legis, sendo que tais textos jurídicos germânicos, ao contrário do Edictum Rothari, foram fortemente influenciados dogma niceno, pois os reis longobardos posteriores a Rotário – que era ariano – tornaram-se católicos.[28]
Na Península Ibérica (Reino Visigótico) houve uma reiterada atividade legislativa antes da invasão muçulmana. Como destaca Nilo Batista, o primeiro código promulgado por um monarca germânico foi Codex Euricianus(aproximadamente 476), posteriormente surgiu a Lex Romana Wisigothorum (506), também conhecida por Breviarum Alaricianum, e, finalmente, em 654, o Liber Iudiciorum, também chamado de Lex Wisigothorum, Codex Wisighotorum, Liber Iudicum ou Forum Iudicum.[29]
Da mesma forma, a Lex Salica, entre os francos, era destinada a todos os súditos, mas as suas disposições legais eram, em sua maioria, de caráter privado.[30]  Paradoxalmente, como informa John Gilissen: “A maior parte dos ‘títulos’, mais de três quartos, diz respeito à matéria penal. Na realidade, trata-se (a Lei Sálica) duma tabela de composições: a compositio (ou Wergeld) era a soma necessária para pagar a faida ou direito à vingança privada.”[31] Finalmente, ainda existiam outras leis de outros reinos germânicos, como por exemplo: a Lex Saxonum; a Lex Frisionum; a Lex Bavariorum, a Lex Gundobada[32] etc., que evidenciam a influência romana no direito germânico, especialmente porque o direito público romano reforçava, a fortiori, a autoridade débil dos reis bárbaros.[33]
A tradição jurídica propriamente germânica era consuetudinária e exercida nas Sippen (comunidades de sangue) que seguiam fielmente seus chefes guerreiros que, segundo Michel Rouche, estavam condenados a vencer para poder manter sua autoridade.[34] O fundamento das organizações germânicas não foi como o de Roma no período do Império, que estava assentada na idéia de salvação pública e de bem comum, mas era uma “reunião de interesses privados numa associação provisória automaticamente
reconstruída pela vitória.”[35]
O mesmo autor informa que as leis germânicas inconscientemente confundiam domínio público e domínio privado, e que elas foram elaboradas ao longo das peregrinações dos visogodos, francos etc., que eram povos desprovidos de escrita – apenas possuíam algumas runas religiosas – e que confiavam suas normas de direito a alguns especialistas, que decoravam cada artigo e acrescentavam as últimas decisões tomadas, fazendo jurisprudência. Esse mesmo autor ilustra:
“Espécie de bibliotecas ambulantes, eram a lei encarnada, imprevisível e terrível, pois bastava o juiz pronunciar em alto alemão antigo, por exemplo, friofalto uaua buscho – “homem livre mutilado na relva” -, para que se proferisse a sentença: “Cem soldos de ouro de multa”. O primado da oralidade na justiça tornava o ato judiciário eminentemente pessoal e subjetivo, pois, exceto os especialistas, ninguém conhecia a lei. Ademais, de acordo com sua origem, todos eram passíveis de comparecer perante a justiça.”[36]
A generalização do direito privado sobre o direito público na Europa medieval foi um fenômeno tipicamente germânico, e o autor acima mencionado dimensiona a importância que os invasores da Gália davam ao seu patrimônio pessoal : “os juízes francos se preocupavam tanto com o roubo de um cão quanto seus colegas romanos com a responsabilidade fiscal dos conselheiros municipais, os curiais. [...]. Era uma conseqüência inevitável da preferência por uma sociedade guerreira pelos bens pessoais.”[37]
Nilo Batista explica que um dos elementos mais importante para as comunidades germânicas, que promoviam a coesão grupal através de uma noção de “pertencimento” social, era a chamada fridr (paz), de tal forma que os acontecimentos contrários ao sentimento de paz local levava a uma reação coletiva por parte dos integrantes do grupo contra o ofensor.[38] Assim, nas comunidades germânicas altomedievais, o autor de uma ofensa poderia sujeitar-se à uma exclusão (banimento), da Sippe (estirpe, comunidade de sangue) a qual pertencia. Isso, naqueles tempos de guerra, realmente significava um futuro incerto e perigoso ao indivíduo.
 Se a ofensa viesse de uma sippe diversa, a ruptura da paz “conduzia a um estado de inimizade (Fehde ou faida), que perduraria até a compensação, real ou simbólica, do grupo ofendido. E se a ofensa houvesse consistido na morte violenta de alguém, a solidariedade grupal [...] impunha a vingança do sangue (Blutrache)”[39]. As características desse período são denominadas, pelos penalistas, como sendo o “período da vingança privada”.[40] Todavia, não eram todas as ofensas que levavam as sippen ao exercício da faida. Ao revés, os mecanismos de resolução de conflitos entre os germânicos demonstram a larga utilização de acordos para a composição dos danos e, somente em casos isolados é que ocorria a faida, como será visto mais adiante.
Sobre o procedimento penal dos germânicos, Nilo Batista pondera que, além de serem incompreensíveis para o jurista contemporâneo, era estruturalmente idêntico ao “processo civil”, e seu objetivo não era o esclarecimento do fato punível, “mas a interpretação de suas virtualidades ofensivas à paz e a superação do estádio [sic] de perturbação e temor por ele inaugurado”.[41] Jean-Marie Carbasse também ressalta essa característica privatista do direito processual entre os francos, informando que “contrariamente ao direito romano, o direito franco não (fazia) distinção entre o civil e o criminal: um único e mesmo procedimento se aplicava a todos os processos.”[42]
Brian P. Levack explica que o sistema processual utilizado pelos tribunais seculares europeus antes do século XIII era o acusatório, ou seja, a ação penal era desencadeada e julgada por pessoas privadas, geralmente a própria pessoa prejudicada ou um de seus parentes. A acusação era uma declaração oral, formal, pública e sob juramento perante o acusado e um juiz. Este, por sua vez, decidia contra o acusado se este admitisse a sua culpa ou se o acusador privado conseguisse reunir certas provas. No caso de dúvidas o julgador apelaria a Deus para que fornecesse algum sinal de culpa ou da inocência da pessoa acusada. Para a realização desse tipo de prova, era utilizado o ordálio ou, como alternativa, o acusado (ou seu padrinho) poderia ser convocado para o duelo judicial.[43]
Sem adentrar em outras questões próprias do processo germânico, o qual apresenta suas curiosidades quanto ao uso do ordálio[44] e do duelo judiciário[45], interessa destacar que, também entre os germânicos, estava muito presente a questão da religiosidade com a presença de Deus no estabelecimento da Justiça e, por isso, a execução d e uma pena, mais que uma mera “vingança”, era um meio simbólico de recompor a paz na Sippe. Como reflete Nilo Batista: “diante de tal cenário, um direito de graça seria precisamente uma cumplicidade com a desgraça”.[46] Um homem livre e honrado tinha por obrigação vingar os seus parentes ofendidos, não representando isso uma reação desmedida e bárbara ao ofensor, mas um ideal de justiça e pacificação na comunidade.
O caráter privatista do direito penal altomedieval revela-se, especialmente, na pena pecuniária. Esta surgia como possibilidade de compensação material ao ofendido (ou seus familiares) pelo resultado ocasionado pela conduta tida como violadora da paz. Afirma o autor supramencionado que a composição era oferecida como uma alternativa ao exercício da vingança e se aplicava a “qualquer tipo de delito (Busse) ou especificadamente do homicídio (Wergeld), e lograva transcender a ruptura da paz e encerrar a inimizade (faida).”[47] Havia uma questão honorífica nesse tipo de pena, pois, geralmente, o ofensor que dela se utilizava tinha mais força ou poder do que a vítima ou sua família, e, assim, havia a exculpação por intermédio da composição pecuniária para as vítimas.[48]
Carlo Calisse, historiador do direito italiano, ao escrever sobre a lei dos longobardos – que foi diferente das visigóticas, uma vez que estas tiveram maior influência romana e católica – informa que, ao contrário do que se afirma, o Direito Penal bárbaro regulamentava as diferenças entre dolo, culpa e caso fortuito, ou seja, levava em conta o elemento subjetivo do crime. Assim, por exemplo, no Edito de Rotário (séc. VII), estava previsto que aquele que incendiasse uma casa com dolo deveria pagar três vezes o valor dela; se fosse com negligência deveria pagar o equivalente ao dano e, se ocorresse o incêndio sem o dolo ou negligência, não devia nada.[49]
No direito germânico, como já dito, a pretensão de satisfação pela vítima ofendida (auxiliada por sua sippe) era levado ao extremo com o exercício da faida, que era a “inimizade” entre as sippen, uma prática jurídica e que ficou registrada na História como sendo uma verdadeira “guerra privada” entre famílias. No tempo de Rotário, porém, a lei proibia que houvesse a faida antes de ocorrer a possibilidade do ressarcimento do dano, ou seja, estava sendo deslegitimado o estado de inimizade particular, e se obrigava a resolução  dos conflitos através da composição dos danos, como forma de se extinguir a ruptura da paz na comunidade.
O mesmo autor italiano informa que o crime era juridicamente extinto quando executada a pena, e esta, no direito antigo, servia para dar uma satisfação moral e material ao ofendido (e sua sippe). Nessa perspectiva, quando este se declarava satisfeito, mesmo com pouca ou nenhuma compensação, se entendia que o crime não existia mais, pois a pena estava paga e, nesse momento, se teria a paz concluída. “A paz, portanto, que o ofendido concede ao ofensor, é causa de extinção do crime: assim era no mais antigo direito romano, e assim era no bárbaro.”[50]
Com essa informação, nota-se que a realização do “Direito Penal germânico” caracterizava-se por ser uma facultas agendi exclusiva do ofendido, que era, por assim dizer, o único responsável pela oportunidade de declarar a paz restaurada, seja pela compensação alternativa à faida, seja pela renúncia à penalização do seu ofensor.
Dessa forma, o costume bárbaro que autorizava a “vingança privada” concedia, a final de contas, o ius puniendi sobre o ofensor, mas não obrigava ofendido à sua execução.
Entretanto, com a mescla dos institutos germânicos dos longobardos com os romanos, perfeitamente observável no Edito de Rotário, o caráter privado do ius puniendi foi se ligando ao público, porquanto a lei não obrigava o ofendido a executar a pena, mas o seu abandono por este já não mais extinguia o crime, apenas mudava de executor: o rei, substituindo a ação privada pela pública.[51]
Carlo Calisse ilustra a “apropriação” do conflito privado dos súditos pelo rei, representante do interesse público entre os longobardos:
“Se os parentes não punem a mulher que fornicou, inspira o rei a puni-la, da mesma forma é com a mulher livre, que se casa com um servo; se um dono não resgata um servo ladrão, nem pune aquele que foi pego furtando, a pena deles é dada ao rei; este se faz vingador também do adultério, quando o marido não se vinga, se bem que as mais antigas leis sobre este ponto guardam silêncio. Com o ulterior desenvolvimento do direito penal, o interesse público prevalece sempre mais; aquele privado, ao contrário, sempre mais se reduz ao ressarcimento do dano.”[52]
Esse tipo de “apropriação” do conflito penal pelo rei também ocorreu de maneira semelhante na Península Ibérica. Nilo Batista, comentando sobre a questão do ressarcimento pelos danos decorrentes de crimes entre os visigodos e o paulatino (re)surgimento do poder público na esfera privada informa:
“Se originalmente o produto da composição se destinava inteiramente à vítima ou seus parentes, já ao tempo de Tácito uma parcela tinha destinação comunal (aos olhos romanos, e em linguagem romana, “pars multae regi vel civitati”), e mais tarde se distinguirá entre o faidus, que pertence aos parentes da vítima, e entre eles se dividirá de acordo com certas regras, e o fredus, que pertence ao fisco. A extraordinária generalização dos procedimentos composicionais, além dos confiscos, converteria a jurisdição penal, na Idade Média, em atividade lucrativa.”[53]
O mesmo autor informa que era o resultado, e não a conduta em si, que balizava a reação penal no reino visigótico. Diante dessa característica, não havia uma reação penal àqueles que cometiam qualquer conduta contra o ban(d)ido e contra o estranho; sendo que uma das penas mais graves aplicadas àqueles condenados pelo processo germânico era justamente o banimento, a exclusão do grupo pela “perda da paz” (friedlosigkeit), tornando-o um estranho para a Sippe e, por isso, alvo fácil para a vingança privada.[54]
Nilo Batista também salienta que, de maneira análoga aos francos, os reis visigóticos não possuíam poder ilimitado e sua vontade não se outorgava em força de lei[55]; mas, com a promulgação das compilações visigóticas, mormente o Liber Iudiciorum (de 654), com forte influência cristã católica, já se podia verificar o desmonte da solidariedade grupal das sippen e a sua substituição pela política, promovendo a substituição da paz comunal por uma ordem política centralizadora, onde as leis penais seriam um importante instrumento de controle e modelação dos súditos.
Percebe-se com isso que, enquanto que na antiguidade germânica o delito era aquilo que causava dano ao indivíduo, ocasionando o rompimento da paz na sippe, no reino dos visigodos do século VII a simples violação da norma proibitiva – infração à Lei –  já fornecia a referência básica para a repressão.[56] Dessa forma, pode-se observar que os reis germânicos, fomentados pela moral católica, ao mesmo tempo que começaram a proibir que a faida se instalasse antes da submissão da causa à sua apreciação, passaram a utilizar os conflitos inter-subjetivos de seus súditos para controlar a todos através da lei penal proibitiva e, ainda, receber taxas e multas decorrentes do julgamento dos atos ilícitos.
CONCLUSÃO
Nesse cenário medieval, não restam dúvidas de que o ius puniendi, que antes pertencia ao indivíduo livre e sua sippe, passou a ser uma prerrogativa particular do rei e de seus mandatários (vassalos), agora legitimados pela moral universal e mística proclamada pela Igreja Católica. Foram necessários praticamente três séculos de contato entre institutos jurídico-penais germânicos com os romanos remanescentes na Europa ocidental para, finalmente, descambar no arbítrio das resoluções de conflitos nas mãos dos reis e nobres cristãos, tornado o Direito Penal medieval mais uma característica de opressão privada desmedida (e lucrativa) do que uma suposta pacificação comunitária. Enfim, a única esperança que restou para os súditos cristãos, diante das mudanças promovidas nos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos, era de que Deus mandasse um representante (rei ou nobre) piedoso e capaz de estabelecer a paz em consonância com os valores cristãos.
 
Referências
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Notas:
[1] O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil.
[2] A Idade Média na Europa, tradicionalmente, corresponde ao período compreendido entre o ocaso do Império Romano do Ocidente, com a invasão de Roma por Odoacro, (rei dos hérulos) em 476 – que depôs o último Imperador: Romulus Augustulus - até a tomada de Constantinopla
(Império Romano do Oriente) em 29 de maio de 1453, por Maomé II, sultão do Império Otomano. Há uma distinção, entretanto, entre a chamada “Alta Idade Média” (séculos V ao X) e “Baixa Idade Média (séculos XI ao XV), mas que não é utilizada consensualmente por todos os medievalistas. Sobre mais detalhes a respeito do conceito de “Idade Média”, consultar: LE GOFF Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 308-9:
[3] Heleno Cláudio Fragoso (In: Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 37) sustenta que o Direito Penal germânico se divide em duas partes, sendo eles: a) o primitivo, que foi anterior à invasão de Roma, que era tipicamente consuetudinário e não escrito; e b) o direito franco, que se iniciou com o estabelecimento da monarquia francesa, a partir do ano de 481.
[4] Sem adentrar nas peculiaridades dos institutos jurídicos romanos, importante mencionar que o governo do Império estabelecido por Augusto (declarado imperador em 13/01/27 a. C.) foi desenvolvido por seus sucessores, tornando-se cada vez mais metódico e sistemático. Informa Michael Ivanovitch Rostovtzeff  (In: História de roma. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 229) que todos os aspectos da administração estavam concentrados nas mãos do Imperador e atribuía-se grande importância às decisões dos Tribunais de Justiça, presididos pessoalmente pelo Imperador, que geralmente funcionava como juiz de apelação. Nessa perspectiva, pode-se perceber que uma das características essenciais do Império Romano era a centralização política, tendo por instrumento indispensável para tal mister os documentos escritos e a administração da Justiça por intermédio de autoridades estatais.
[5] THOMPSON, Augusto F. G. Escorço histórico do direito criminal luso-brasileiro. São Paulo: Líber Júris, 1982, p. 26.
[6] Utiliza-se o termo “niceno” para fazer referência ao dogma ortodoxo fixado pela Igreja Católica Apostólica Romana no Concílio de Nicéia, em 325. Foi nesse evento que, entre várias outras controvérsias, foram fixados os conceitos teológicos contrários aos cristãos adeptos ao arianismo, que sustentavam que Deus Pai teria prioridade sobre o Filho e que ambos são distintos. Assim, para os arianos, Cristo seria uma Criatura intermediária entre a divindade e a humanidade. A visão nicena (ortodoxa) – que se tornou oficial no Concílio de Nicéia – sustenta que Pai e Filho são idênticos em substância, porém diferentes como pessoas. Após o Imperador romano Constantino (306-337), o arianismo foi favorecido pelos Imperadores, à exceção de Juliano, o apóstata (360-364), que era pagão. Com o advento do Imperador Teodósio, em 379, o dogma niceno veio a receber o apoio imperial e os arianos considerados hereges. Nesse sentido, consultar: RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura dos pré-socráticos a wittgenstein. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 178.
[7] RUSSELL, Bertrand. História da filosofia ocidental. São Paulo: Companhia Editora Nacional/CODIL, 1967, v.1.,p. XIV.
[8] Cf. Ibid., p. XV.
[9] Cf. BATISTA, Nilo. Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro, I. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2002, p. 56-60.
[10] Ibid., p. 141.
[11] Interessante verificar que em Roma, sede oficial da Igreja Católica, a estrutura social e política praticamente não sofreu alteração alguma em suas tradicionais instituições com a invasão dos bárbaros. Como salienta Bertrand Russell (In: op. cit., 1968, v.2, p. 70-3), a conquista da Itália pelos gôdos não pôs fim à civilização romana; inclusive durante a administração de Teodorico (rei ostrogodo da Itália até 526) houve a nomeação de cônsules, preservação do direito romano e o Senado foi mantido.
[12] Ibid., p. 78.
[13] Nesse sentido, consultar: WELLS, Herbert Georges. História universal: da ascensão e queda do império romano até o renascimento da civilização ocidental. Op. cit., p. 136; e, para se visualizar o cenário das invasões: AS INVASÕES germânicas e eslavas na Europa. Atlas da história do mundo. São Paulo: Folha de São Paulo, 1995, p. 98-9.
[14] Cf. JARNUT, Jörg. Storia dei longobardi. Torino: Einaudi, 2002.
[15] Comitatus foi uma instituição social que unia os chefes militares a seus guerreiros pelo estabelecimento de laços de fidelidade. Cf. MOTA, Myriam Becho et BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 2000, p. 65.
[16] MENDONÇA, Sônia Regina. O mundo carolíngio. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 31-2.
[17] Op. cit., 1968, v.2, p. 100.
[18] Cf. MENDONÇA, Sônia Regina. Op. cit., p. 76.
[19] O Sacro Império Romano-Germânico surgiu com a coroação de Oto I, o Grande, no ano de 962 e não se confunde com o Império Carolíngio.
[20] Sobre as concepções religiosas e morais formadoras do pensamento político medieval, consultar: WOLKMER, Antônio Carlos. Síntese de uma história das idéias jurídicas. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 37-76.
[21] LE GOFF, Jacques. Op. cit., p. 34-6.
[22] Cf. DAL RI JÚNIOR, Arno. História do direito internacional; comércio e moeda; cidadania e nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 197.
[23] Cf. FIORAVANTI, Maurizio. Constitución. De la antiguidad a nuestros dias. Traducción de Manuel Martinez Neira. Madri: Trotta, 2001, p. 34; MERCADANTE, Antônio Alfredo. Op. cit., p 155-64.
[24] Sobre o assunto, consultar: WELLS, Georges Herbert. Op. cit., 1970, v.6, p. 387-402.
[25] Ibid., p. 388.
[26] GROSSI, Paolo. El orden juridico medieval. Madrid: Marcial Pons, 1996.. p. 31.
[27] Ibid., p. 74. Sobre o assunto, consultar: PAULO, Alexandre Ribas de. A centralização política promovida por rotário, no século VII, por intermédio da codificação do direito penal dos longobardos. In: Brathair 5 (2), 2005: 83-95. Disponível em <http://www.brathair.com/Revista/N10/longobardos.pdf> acesso em 27 de fevereiro de 2009.
[28] Cf. AZZARA, Claudio; GASPARRI, Stefano (Org.). Le leggi dei longobardi: storia, memoria e diritto di un popolo germanico. Roma: Viella, 2005.
[29] Op. cit., p. 75-81.
[30] Cf. ROUCHE, Michel. Alta idade média ocidental. In. ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges (org.). História da vida privada: do império romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, v.1, p. 408.
[31] GILISSEN, John. Introdução histórica do direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986. p. 178.
[32] Cf. BATISTA, Nilo. Op. cit., p. 31.
[33] Nesse sentido, consultar: GILISSEN, John. Op. cit., p. 167.
[34] Op. cit., p. 406.
[35] ROUCHE, Michel. Op. cit., p. 406..
[36] Ibid., p. 407-8.
[37] Ibid., p. 408-9.
[38] Op. cit., p. 33.
[39] Ibid., 33-4.
[40] Cf. OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996, 22-5; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 1995, v.1, p. 36.
[41] Op. cit., p. 41.
[42] “Contrairement au droit romain, le droit franc ne distinguait pas entre le civil el le criminel: une seule et même procédure s’appliquait à touts les procès.” In. CARBASSE, Jean-Marie. Histoire du droit pénal et de la justice criminelle. Paris: Universitaires de France: 2000, p. 83.
[43] LEVACK, Brian P. A caça às bruxas. Rio de Janeiro: Campus, 1988, p. 66-7.
[44] Talvez seja a ordália o instituto jurídico penal mais interessante que surgido nas sociedades humanas, pois que era a maneira de entregar diretamente para o Deus a tarefa de julgar os homens, seja para libertá-los ou para condená-los. Como afirma Nilo Batista, Op. cit., p. 47-9: “O direito germânico praticou largamente a ordália, porque nenhum outro meio de prova se prestava tão completamente a extrair dos fatos incognoscíveis uma orientação sobre o futuro do acusado e do grupo, para transcender a ruptura que o crime provocara na paz. [...] a resistência das mãos humanas foi indubitavelmente experimentada muito mais por decisões judiciais e policiais que pelo juízo de Deus. Teriam as sociedades contemporâneas cristãs ocidentais renunciado à intervenção cotidiana da providência divina? Podemos ‘botar a mão no fogo’ pelo desaparecimento
do costume de interpretar acontecimentos como manifestações superior de graça, ou de invocar auxílio e proteção de Deus diariamente, e pelos mais variados empreendimentos? [...] A ordália é o ponto de partida de toda paleografia da dúvida judicial, dúvida que começa pela (in)competência do juízo humano, prossegue na polissemia das condutas desviantes e culmina na freqüência com que os fatos costumam esquivar-se à reconstrução probatória.”
[45] Segundo Nilo Batista, o duelo judiciário é uma criação do direito germânico e estava ligada à “concepção de que o litígio entre dois homens livres, que deixou a forma do desforço físico interindividual para apresentar-se à assembléia, converte-se num confronto de prestígio e honra, [...], sujeito a certas regras e gerando certas conseqüências jurídicas.” In: Op. cit. p. 49-50.
[46] Ibid., p. 51
[47] Ibid., p. 53.
[48] Ibid., p. 54.
[49] Da tutto questo non si deve però in modo assoluto dedurre che nelle leggi barbariche non si faccia mai distinzione fra dolo, colpa e caso fortuito, nè che ad ogni reato si dia sempre egual gravitá e perciò egual pena. (...) E in Rotari stesso si vede messo in atto questo piuú equo sentimento. Chi incendia una casa od un molino asto animo, cioè deliberadamente, deve pagare tre volte il valore [Rot., 146, 149]; se l’incendio è avvenuto invece non per altro che per mancata prudenza, si paga ferquido, ossia l’equivalente del danno arrecato [Rot., 147]; se finalmente neppure di negligenza può incolparsi chi fu occasione all’incendio, non ei requiratur, nulla egli deve [Rot. 148]. In: CALISSE, Carlo. Diritto penale italiano: dal secolo VI al XIX. Firenze: G. Barbèra, 1895, p. 07-9.
[50] Quando si è giunti alla conclusione che le parti si sono poste d`accordo, non si guarda alla via per la quale vi si è giunti: sia che l’offeso abbia preteso largo compenso, sia che abbia creduto non pretenderne alcuno, il reato non è più, perchè la pena si ha come pagata, dal momento che l`effetto se ne vede nella pace compiuta. La pace dunque, che l`offeso concede all`offensore , è causa di estinzione del reato: così era nel più antico diritto romano, e così nel barbarico. In: op. cit., p. 56.
[51] Ibid., p. 56-7.
[52] Se i parenti non puniscono la donna che ha fornicato, pensa il re a punirla; altrettanto è per la donna libera, che si marita com un servo; se il padrone non riscatta il servo ladro, nè lo punisce colui che lo há preso sul furto, la pena gli è data dal re; questi si fa vendicatore anche dell`adulterio, quando non faccia la vendetta il marito, sebbene le più antiche leggi su questo punto serbin silenzio. Coll’ulteriore svolgimento del diritto penale, l’interesse pubblico prevale sempre più; quello privato, invece, sempre più si reduce al risarcimento del danno; (...). In. Op. cit., p. 57.
[53] Idem
[54] Op. cit., p. 40. De maneira análoga, a excomunhão católica representava o banimento do indivíduo pecador da comunidade cristã e, por isso, nota-se o grande poder da Igreja Católica no cenário medieval.
[55] Ibid., p. 70.
[56] Ibid., p. 125.
 
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http://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_1954_Idade_Media_04.htm
idade modernamente
Idade Moderna
Com a decadência do feudalismo, em meados do século XV, deixamos a Idade Média para adentrarmos à Idade Moderna. Era a economia feudal dando lugar ao comércio de âmbito mundial. Inicia-se um período marcado pelo absolutismo monárquico, que, posteriormente, será conhecido como Antigo Regime, no qual o Estado intervém na economia e ninguém limita o poder do Rei porque ele viria de Deus.
O Antigo Regime mostra-se um período de mudanças políticas e culturais em que se inicia a centralização política e a formação de sociedades nacionais. Surge o Renascimento – maneira moderna de ver o mundo. O homem substitui valores da Idade Média, voltando-se a novos princípios ditados pelo capitalismo, como o Humanismo, Racionalismo e o Individualismo. Surgindo, após, a Revolução Inglesa e, em seguida, o Iluminismo, marcado pela luta em torno da igualdade, da liberdade, da tolerância religiosa ou filosófica e pela defesa da propriedade privada.
Salienta Margarida Maria Lacombe Camargo (2003, p. 61), quanto ao pensamento jurídico deste período:
Detiveram suas preocupações em torno dos valores que servem de essência ao próprio direito. Seriam eles basicamente a justiça, a certeza e a segurança. [...] não se deve afastar a idéia de que a justiça, como ausência do arbítrio, sustenta-se na lei, relacionada diretamente aos valores da ordem e da segurança jurídica. É a chamada justiça formal, que garante a igualdade de todos perante a lei. Por isso, érepassamos a história do mundo moderno para perceber que a necessidade da segurança jurídica se sobrepõe à idéia mais elevada de justiça, fazendo com que o direito se circunscreva à ordem formal.
A segurança e a ordem, para os pensadores da Idade Moderna, são os valores típicos da época. Deles surge o Estado de Direito, no qual se estendeu a lei a todos, sem distinção, com intuito de evitar o arbítrio. Característica disso é a teoria do contrato social, criado pela razão e que irá fundamentar a ordem social dos iluministas.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 65), aduz que "a partir do renascimento, o direito irá perder progressivamente seu caráter sagrado. E a dessacralização do direito significará a correspondente tecnicização do saber jurídico". Isso significa que o direito deixa, a partir do renascimento, de ser visto como algo divino, focado em princípios religiosos, para algo mais racional, mais conseqüente, em busca de uma teoria do direito com base na razão.
Inicia-se, nesse período, uma racionalização do direito, sob os argumentos de certeza e de segurança, na qual, os intelectuais da época, pugnavam por um deslocamento do eixo da origem do poder, transpondo da esfera divina para a natureza humana.
Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã (1999), centraliza no Soberano todas as expectativas. No "Estado Leviatã", interpreta Jônatas Luiz Moreira de Paula (2007, p. 151), que "há a instauração do poder civil e coercitivo, capaz de garantir o cumprimento do pacto social. Por isso que a lei deve predominar, ainda que injusta, porque é imprescindível para a manutenção da autoridade absoluta". Ou seja, o poder do soberano é uma conditio sine qua non da conservação da paz. Além disso, Thomas Hobbes apresenta um conceito de lei como algo inerente à atividade do Estado, de caráter imperativo e necessário para criar obediência entre os súditos.
John Locke (1999) vê o poder legislativo, como um soberano coletivo, composto pela delegação temporária dos desejos dos homens, necessária, se faz também, a existência de um poder executivo composto por magistrados capazes de aplicar com imparcialidade as leis soberanas.
Danilo Marcondes (2004, p. 199), resume bem o pensamento de John Locke ao mencionar:
Segundo a concepção de Locke, a sociedade resulta de uma reunião de indivíduos, visando garantir suas vidas, sua liberdade e sua propriedade, ou seja, aquilo que pertence a cada um. É em nome dos direitos naturais do homem que o contrato social entre os indivíduos que cria a sociedade é realizado, e o governo deve, portanto, comprometer-se com a preservação destes direitos. O poder é então delegado a uma assembléia ou a um soberano para exercer essa função em nome da união voluntária e consentida entre os indivíduos. A legitimidade desse poder reside, em sua origem, no consentimento dos indivíduos que o constituíram, e que podem, portanto, retirá-lo daqueles que não governam no interesse da maioria ou que ameaçam a liberdade e direitos dos indivíduos.
Assim, a norma justa não seria mais aquela proveniente de Deus, mas aquela feita pelo povo, mesmo que indiretamente, por meio de representantes. A aplicação da norma deveria ser realizada sem intermediações, devendo o magistrado apenas aplicá-la. Crescia, desse modo, uma desconfiança,
pois, estavam em cheque todo o conteúdo dos discursos usados por séculos, baseado na crença divina, para manter o povo obediente as normas impostas pelo soberano e pela Igreja.
Neste contexto, Charles de Secondat Montesquieu escreveu O espírito das leis, defendendo, em síntese, a separação dos poderes do Estado em legislativo, executivo e judiciário, sob o argumento que a independência entre os poderes garante o equilíbrio do Estado e a liberdade dos seres humanos. Vejamos:
A experiência mostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele. Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder faça parar o poder. Uma Constituição pode ser de tal modo que ninguém será obrigado a fazer coisas que a lei não obriga, nem será impedido de fazer as que a lei permite. Para o cidadão, a liberdade política é esta tranqüilidade de espírito que provêm da opinião que cada um possui de sua segurança. E, para que se tenha essa liberdade, é preciso que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão. (MONTESQUIEU, 1995, p. 118)
A partir daí, a lei passa a ser vista como mecanismo de controle das ações do governo a medida que inibe o abuso do poder, e como regra que garante a igualdade (formal) entre os homens.
Inspirados em ideias iluministas e contra os arbítrios dos reis, além de repelir a divisão das pessoas em estamentos, segundo suas origens, Voltaire, Rousseau e Montesquieu tecem críticas sobre o tratamento diferenciado dado às pessoas, que, segundos estes, eram iguais, desencadeando uma corrente racionalista, capaz de explicar os fenômenos de forma racional. É o início da racionalização que despreza as meras intuições e juízos apriorísticos no Antigo Regime francês, voltados para uma visão divina, reportando-nos à concepção de justiça contemporânea, pois:
Uma teoria da justiça será tanto mais bem-sucedida quanto menos fundamentar-se em "intuições", sentimentos e juízos apriorísticos, e quanto mais tiver por base a razão, as provas e enunciados claros e explícitos sobre a concepção subjacente do homem e sociedade. (KOLM, 2000, p. 40)
Nascem assim, as teorias modernas da justiça, na qual a racionalidade deve imperar, repelindo a justificativa do poder do rei em Deus, considerando a igualdade como intrínseca aos seres, sem justificar em intuições sem comprovações. Neste ponto notamos que a ideia de justiça contemporânea, calcada na igualdade, é proveniente dos ideais iluministas.
5. A Idade Contemporânea e os Novos Paradigmas
5.1. O Positivismo Jurídico
A expressão "positivismo" possui vários significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX, quanto outras do século XX. O "positivismo jurídico" a que nos referimos é aquele paradigmático. Isto é, a doutrina pela qual não há outro direito senão aquele estabelecido diretamente reconhecido pelo poder político.
O Direito Positivo, nas palavras de Wilson José Gonçalves (2002, p. 81) é "a concepção filosófica que enfoca seus esforços no objeto, exterioriza seu grau de transparência e racionalidade em parâmetros homogêneos e empíricos". Mas Camargo (2003, p. 88) adverte: "não foi ainda no decorrer do século XIX que o direito consegue firmar-se como ciência nos moldes positivistas... Será apenas com a genialidade de Hans Kelsen que teremos uma ciência do direito de impressão francamente positivista".
Nesta perspectiva, continua Camargo (2003, p. 89-90):
A vontade era de buscar na sociedade leis constantes e invariáveis que a explicassesm tal como se explicavam os fenômenos da natureza. [...] Ao contrário do que ocorreu com o cientificismo da Escola Histórica, Kelsen não admitirá a criação do direito por meio da elaboração de conceitos jurídicos, limitando-se ao que se encontra prescrito em lei.
Os autores positivistas defendiam científicamente que era importante que o direito se bastasse. A autonomia, mediante processo autonomo, evitaria a influência de elementos externos, capazes de fagilizar os limites do direito.
Disso resultaram variadas críticas. Deveras, pois em pleno século XXI, será que há uma única ciência que se esgota em si mesma? A autonomia de uma disciplica só se concebe quando esta tiver métodos próprios e não sofrer influências das demais áreas do conhecimento? Isso, data venia, não me parece razoável, ainda mais o direito, que um fenômeno essencialmente humano-social.
5.2. Escola da Exegese
Em 1804, sob a influência do racionalismo, surge na França, o Código Civil Francês, conhecido como Código de Napoleão. Em princípio, a ideia era criar um corpo sistemático capaz de uniformizar o direito, suprimindo a obscuridade, a ambiguidade, a incompatibilidade e a redundância. Assim, surge a Escola da Exegese. Um movimento de juristas que pregavam a interpretação gramatical da lei, quando, no máximo, a sistemática. Camargo (2003, p. 66) resume:
Crédulos nas inúmeras virtudes daquele corpo sistemático de normas, os componentes da Escola da Exegese propugnam uma atuação restrita do poder judiciário, mediante o apego excessivo às palavras da lei. A atividade dos juízes, na França, então comprometidos com o Antigo Regime, seria controlada pelo atendimento severo e restrito aos termos da lei.
A Escola da Exegese refletia o momento histórico donde se originou. Devemos nos atentar que naquela época a França estava se desvencilhando do Antigo Regime, marcado pelo absolutismo, que, em síntese, refletia a autoridade do rei e o privilégio do clero e da nobreza que possuíam normas distintas do restante do povo. Assim, com o desejo de um tratamento igualitário a todos, indistintamente da classe social, influenciado pelo "nascimento" do Estado de Direito, quiseram, em nome da igualdade, criar um método próprio à interpretação das leis, quais sejam, gramatical e, no máximo, sistemático. Com este pensamento, fecharam o direito para a influência de outras ciências, como a filosofia, pois direito para este movimento, era o que estava escrito no Código.
Nas palavras de Camargo (2003, p. 68) "A Doutrina da Escola da Exegese se reduz, com efeito, a proclamar a onipotência jurídica do legislador, isto é, do Estado, pois, queiramos ou não, o culto do texto da lei e da intenção do legislador, levado ao extremo, apresenta o direito de uma maneira absoluta nas mãos do Estado". Para este movimento, justiça fazia-se com a lei, isto é, era o que estava escrito no Código.
Não diferente dos movimentos radicais, a Escola da Exegese enfrentou críticas, uma delas foi de François Gény.
5.2.1. A Crítica de François Gény
François Gény não desconsidera a lei como fonte principal do direito, mas defende que uma pesquisa científica, de base sociológica, seria capaz de oferecer ao intérprete os critérios de justiça prevalecentes na sociedade e que, na realidade, dariam ensejo ao surgimento de novas leis.
Neste ponto, esclarece-nos Camargo (2003, p. 68-69):
Por meio de uma construção de base empírica feita sobre o trabalho dos juízes, que se defrontam muitas vezes com casos de "lacuna", em vez de teorizar apenas no plano do abstrato ou do meramente racional, Gény faz sua defesa pela "livre investigação científica". [...] Quando o ordenamento jurídico não apresentasse uma lei específica para determinado caso, o juiz deveria lançar mão da análise feita sobre os fatos sociais, bem como das leis que regem a sua estabilidade, para então obter a regra capaz de resolver a questão. A seu turno, a investigação científica mostrava-se conveniente, apto a fornecer não apenas uma solução objetiva e criteriosa, possível de evitar qualquer arbítrio, como também uma solução legítima, pois que originária dos próprios costumes e valores existentes na sociedade. Gény esclarece seu pensamento sintetizando-o na ideia da livre pesquisa científica.
A grande contribuição de Gény foi para a teoria das lacunas. Desta crítica surge, na França, a Escola da Livre Investigação (ou Pesquisa) do Direito. Essa Escola não deve ser vista como renovadora, e sim como conciliadora, pois não tenta criar novos métodos

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