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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA GRANDE DOURADOS UNIDADE: FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO DISCIPLINA: DIREITO PENAL I ANO: 2017/1 PROFESSOR (A): JOE GRAEFF FILHO AULA 07 1. FATO TÍPICO 1.1. Introdução Fato típico é o fato humano que se enquadra com perfeição aos elementos descritos pelo tipo penal. A conduta de subtrair dolosamente, para si, coisa alheia móvel, caracteriza o crime de furto, uma vez que se amolda ao modelo delineado pelo art. 155, caput, do Código Penal. Em sentido contrário, fato atípico é a conduta que não encontra correspondência em nenhum tipo penal. Por exemplo, a ação do pai consistente em manter relação sexual consentida com sua filha maior de idade e plenamente capaz é atípica, pois o incesto, ainda que imoral, não é crime. São quatro os elementos do fato típico: conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade (nexo causal) e tipicidade. Tais elementos estarão presentes, simultaneamente, nos crimes materiais consumados. Com efeito, se o crime material é aquele em que o tipo penal aloja em seu interior uma conduta e um resultado naturalístico (modificação do mundo exterior, provocada pelo comportamento do agente), exigindo a produção deste último para a consumação, os quatro elementos estarão presentes quando consumado o delito. De fato, a conduta produz o resultado naturalístico, ligados entre si pela relação de causalidade. E, finalmente, para ter relevância penal deve operar-se o juízo de tipicidade, isto é, subsunção entre a ação ou omissão do agente e o modelo previsto no tipo penal. Em caso de tentativa, suprimem-se o resultado naturalístico (não produzido por circunstâncias alheias à vontade do agente) e o nexo causal, limitando-se o fato típico aos elementos conduta e tipicidade. Nos crimes formais e de mera conduta, os componentes do fato típico também são a conduta e a tipicidade. Vale recordar que nos crimes de mera conduta jamais haverá resultado naturalístico, razão pela qual se subtrai a relação de causalidade, enquanto nos crimes formais o resultado naturalístico pode até ocorrer, mas não é necessário para a consumação. 1.2. CONDUTA Na delimitação do conceito de conduta reside uma das maiores discussões do Direito Penal. Não é exagerado afirmar que a forma como atualmente se encontra desenvolvida a teoria geral do crime se deve à evolução do conceito doutrinário de conduta. Várias teorias buscam defini-la, e a adoção de cada uma delas importa em modificações estruturais na forma de encarar o Direito Penal. Vejamos as mais importantes. 1.2.1. Teoria clássica, naturalística, mecanicista ou causal Conduta é o comportamento humano voluntário que produz modificação no mundo exterior. Essa teoria foi idealizada no século XIX por Liszt, Beling e Radbruch e foi recepcionada no Brasil por diversos penalistas de destaque, tais como Aníbal Bruno, Costa e Silva, E. Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Manoel Pedro Pimentel e Nélson Hungria. Submete o Direito Penal às regras inerentes às ciências naturais, orientadas pelas leis da causalidade. A vontade humana engloba duas partes diversas: uma externa, objetiva, correspondente ao processo causal, isto é, ao movimento corpóreo do ser humano, e outra interna, subjetiva, relacionada ao conteúdo final da ação. Em breve síntese, a vontade é a causa da conduta, e a conduta é a causa do resultado. Não há vontade no tocante à produção do resultado. O elemento volitivo, interno, acarreta em um movimento corporal do agente, o qual, objetivamente, produz o resultado. A caracterização da conduta criminosa depende somente da circunstância de o agente produzir fisicamente um resultado previsto em lei como infração penal, independentemente de dolo ou culpa. Para a configuração da conduta basta apenas uma fotografia do resultado. Imagine-se o seguinte exemplo: “A” trafega cautelosamente com seu carro em via pública, a 40 km/h. O limite da pista é de 60 km/h, e o veículo reúne perfeitas condições de uso. De repente, uma criança se solta dos braços da mãe, passa por trás de um ônibus que estava estacionado em local permitido e impedia a visibilidade de “A”, e, inesperadamente, lança-se na direção do automóvel, chocando-se contra ele. A criança morre. O agente não tinha dolo nem culpa. Qual é a fotografia do evento? Resposta: “A” na direção do seu veículo automotor, uma criança morta à sua frente e o para-choque do carro amassado. Para a teoria clássica, “A” teria praticado uma conduta penalmente relevante. Com efeito, a sua ação (dirigir o automóvel) ensejou um resultado no mundo exterior (morte da criança). Trata-se de mera relação de causa e efeito. Daí o nome: teoria causal ou mecanicista. Presentes, assim, conduta e resultado naturalístico, bem como o nexo causal, eis que a criança morreu em consequência do suposto atropelamento. Além disso, há tipicidade, pois a conduta de “matar alguém” encontra correspondência no art. 121 do Código Penal. Configurado, portanto, o fato típico do crime de homicídio. Em decorrência, questiona-se: “A teoria clássica consagra a responsabilidade penal objetiva”? A resposta é negativa. “Mas como fica o elemento subjetivo (dolo ou culpa)”? Na teoria clássica, dolo e culpa se alojam no interior da culpabilidade, momento em que se procede à análise do querer interno do agente. Por essa razão, já dissemos ao abordar o conceito analítico de crime que, para os adeptos da teoria clássica, crime é necessariamente o fato típico e ilícito, praticado por agente culpável, sob pena de restar caracterizada a responsabilidade penal objetiva. No exemplo citado, não haveria crime por ausência de culpabilidade. O fato seria típico e ilícito (pois não se encontra presente nenhuma causa de exclusão da ilicitude), mas não existiria a culpabilidade pela falta de um dos seus elementos (dolo ou culpa). O principal defeito dessa teoria é separar a conduta praticada no mundo exterior (movimento corporal objetivo) da relação psíquica do agente (conteúdo volitivo), deixando de analisar a sua vontade. Bastante consagrada em décadas passadas, essa teoria foi ao longo do tempo cada vez mais abandonada, encontrando atualmente poucos seguidores. 1.2.2. Teoria final ou finalista Foi criada por Hans Welzel, jusfilósofo e penalista alemão, no início da década de 30 do século passado. Posteriormente, teve grande acolhida no Brasil, compartilhando de seus ideais ilustres penalistas, como Heleno Cláudio Fragoso, René Ariel Dotti, Damásio E. de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Miguel Reale Júnior. Tem como ponto de partida a concepção do homem como ser livre e responsável pelos seus atos. Para essa teoria, conduta é o comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a um fim. Daí o seu nome finalista, levando em conta a finalidade do agente. Não desprezou todos os postulados da teoria clássica. Ao contrário, preservou-os, a eles acrescentando a nota da finalidade. Uma conduta pode ser contrária ou conforme ao Direito, dependendo do elemento subjetivo do agente. Destarte, dolo e culpa, que na teoria clássica residiam na culpabilidade, foram deslocados para o interior da conduta, e, portanto, para o fato típico. Formou-se, assim, uma culpabilidade vazia, desprovida do dolo e da culpa. No exemplo adotado em relação à teoria clássica, a resposta seria diversa no tocante à teoria finalista. Com efeito, o comportamento de “A” não poderia ser considerado conduta penalmente relevante em face da ausência de dolo ou culpa. Não haveria crime, desde já, pela inexistência do fato típico “matar alguém”. O Código Penal em vigor, com a Reforma da Parte Geral pela Lei 7.209/1984, parece ter manifestadopreferência pelo finalismo penal. Uma forte evidência se encontra no art. 20, caput: “O erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Ora, se a ausência de dolo acarreta na exclusão do fato típico (ainda que somente na forma dolosa), é porque o dolo está na conduta do agente, que deixa de ser dolosa para ser culposa. A teoria finalista foi bastante criticada no tocante aos crimes culposos, pois não se sustentava a finalidade da ação concernente ao resultado naturalístico involuntário. 1.2.3. Teoria social Para essa teoria, os ideais clássico e finalista são insuficientes para disciplinar a conduta, porque desconsiderariam uma nota essencial do comportamento humano: o seu aspecto social. Nesse contexto, Johannes Wessels, na tentativa de equacionar esse problema, criou a teoria social da ação. Hans-Heinrich Jescheck, partidário dessa teoria, define a conduta como o comportamento humano com transcendência social. Essa teoria não exclui os conceitos causal e final de ação. Deles se vale, acrescentando-lhes o caráter da relevância social. Um fato não pode ser tipificado pela lei como infração penal e, simultaneamente, ser tolerado pela sociedade, caso em que estaria ausente um elemento implícito do tipo penal, presente em todo modelo descritivo legal, consistente na repercussão social da conduta. Por corolário, para que o agente pratique uma infração penal é necessário que, além de realizar todos os elementos previstos no tipo penal, tenha também a intenção de produzir um resultado socialmente relevante. A principal crítica que se faz a essa teoria repousa na extensão do conceito de transcendência ou relevância social, que se presta a tudo, inclusive a fenômenos acidentais e da natureza. A morte de uma pessoa provocada por uma enchente, por exemplo, possui relevância social, na medida em que enseja o nascimento, modificação e extinção de direitos e obrigações. Com efeito, ao mesmo tempo em que não se pode negar relevância social ao delito, também se deve recordar que tal qualidade é inerente a todos os fatos jurídicos, e não apenas aos pertencentes ao Direito Penal. 1.2.4. Teoria jurídico-penal É a teoria sustentada por Francisco de Assis Toledo para superar os entraves travados entre as vertentes clássica, finalista e social. Em suas palavras, essa definição almeja conciliar os pontos positivos extraídos de cada uma delas. Essa teoria coloca em destaque, segundo seu autor: a) o comportamento humano, englobando a ação e a omissão; b) a vontade, exclusiva do ser humano; c) o “poder de outro-modo” (poder agir de outro modo), que permite ao homem o domínio da vontade; d) o aspecto causal-teleológico do comportamento; e e) a lesão ou perigo a um bem jurídico. 1.2.5. Apontamentos gerais sobre a conduta Adota-se a posição finalista, indiscutivelmente a mais aceita em provas e concursos públicos. Desse modo, conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim, consistente em produzir um resultado tipificado em lei como crime ou contravenção penal. Não há crime sem conduta, pois o Direito Penal, ao contrário do sugerido por Vicenzo Manzini, não aceita os crimes de mera suspeita, isto é, aqueles em que o agente não é punido por sua conduta, e sim pela suspeita despertada pelo seu modo de agir. 1.2.6. Formas de conduta A conduta pode se exteriorizar por ação ou por omissão. A ação consiste em um movimento corporal exterior. Reclama do ser humano uma postura positiva, um fazer. Relaciona-se com a maioria dos delitos, por meio de uma norma proibitiva. Por outro lado, não se trata a omissão de um mero comportamento estático. É, sim, a conduta de não fazer aquilo que podia e devia ser feito em termos jurídicos, e se refere às normas preceptivas. A omissão pode ser vislumbrada tanto quando o agente nada faz, bem como quando faz algo diferente daquilo que lhe impunha o dever jurídico de agir. Exemplo: pratica o crime de omissão de socorro, definido pelo art. 135 do Código Penal, o agente que permanece inerte diante da pessoa necessitada, assim como aquele que se afasta do local sem prestar-lhe assistência. 1.2.7. Exclusão da conduta Apontam-se as seguintes hipóteses como de exclusão da conduta: 1) Caso fortuito e força maior: são os acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, que fogem do domínio da vontade do ser humano. E, se não há vontade, não há dolo nem culpa. Consequentemente, como dolo e culpa integram a conduta, não se configura esse elemento do fato típico. Em que pese a ampla divergência doutrinária, pode-se entender o caso fortuito como o acontecimento imprevisível e inevitável provocado pelo homem (ex.: greve de ônibus), e por força maior o evento, com iguais predicados, mas decorrente da natureza (ex.: inundação provocada por uma tempestade). 2) Atos ou movimentos reflexos: consistem em reação motora ou secretora em consequência de uma excitação dos sentidos. O movimento corpóreo não se deve ao elemento volitivo, mas sim ao fisiológico. Ausente a vontade, estará ausente também a conduta. É o caso do ortopedista que bate o martelinho contra o joelho do paciente. Se, em razão do reflexo, seu chute atingir o médico, não se poderá falar em lesões corporais ou na contravenção de vias de fato. Não houve vontade penalmente relevante, mas resposta fisiológica à provocação médica. 3) Coação física irresistível: também chamada de vis absoluta, ocorre quando o coagido não tem liberdade para agir. Não lhe resta nenhuma outra opção, a não ser praticar um ato em conformidade com a vontade do coator. Imagine a situação em que um homem muito forte obriga fisicamente outra pessoa, bastante franzina, a apertar o gatilho de um revólver municiado na direção de seu desafeto. Em suma, pressiona o dedo do coagido contra o gatilho. A vítima é atingida e morre. O coagido serviu como instrumento do crime. Não agiu de forma voluntária, excluindo-se sua conduta. Nesse caso, não se pode falar, em hipótese alguma, em concurso de agentes, por falta do elemento subjetivo (convergência de vontades) exigível para tanto. Por outro lado, na coação moral irresistível, ou vis compulsiva, o coagido pode escolher o caminho a ser seguido: obedecer ou não a ordem do coator. Como a sua vontade existe, porém de forma viciada, exclui-se a culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Em suma, enquanto a coação física irresistível exclui a conduta e, portanto, o fato típico, a coação moral irresistível funciona como causa excludente da culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. 4) Sonambulismo e hipnose: também não há conduta, por falta de vontade nos comportamentos praticados em completo estado de inconsciência. Anote-se que a embriaguez, voluntária ou culposa, embora completa, não exclui a conduta. Subsiste a imputabilidade e, consequentemente, a culpabilidade (CP, art. 28, II). 1.3. RESULTADO Resultado é a consequência provocada pela conduta do agente. Nada obstante algumas poucas divergências, as palavras “resultado” e “evento” podem ser utilizadas como sinônimas. Anote-se, porém, existir no Brasil a preferência por “resultado”. 1.3.1. Espécies Em Direito Penal, o resultado pode ser jurídico ou naturalístico. Resultado jurídico, ou normativo, é a lesão ou exposição a perigo de lesão do bem jurídico protegido pela lei penal. É, simplesmente, a violação da lei penal, mediante a agressão do valor ou interesse por ela tutelado. Resultado naturalístico, ou material, é a modificação do mundo exterior provocada pela conduta do agente. É comum a seguinte indagação: Existe crime sem resultado? E a resposta,mais uma vez, é: Depende. Não há crime sem resultado jurídico, pois todo delito agride bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Recorde-se do conceito material de crime, segundo o qual não há crime quando a ação ou omissão humana não lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Entretanto, é possível um crime sem resultado naturalístico. O resultado naturalístico estará presente somente nos crimes materiais consumados. Se tentado o crime, ainda que material, não haverá resultado naturalístico. Nos crimes formais, ainda que possível sua ocorrência, é dispensável o resultado naturalístico. E, finalmente, nos crimes de mera conduta ou de simples atividade jamais se produzirá tal espécie de resultado. Em síntese, todo crime tem resultado jurídico, embora não se possa apresentar igual afirmativa em relação ao resultado naturalístico. 1.4. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE OU NEXO CAUSAL Emprega-se, comumente, a expressão “nexo causal” para referir-se à ligação entre a conduta e o resultado. O art. 13 do Código Penal, todavia, preferiu falar em “relação de causalidade”. Essa, portanto, é a denominação legal. Relação de causalidade é o vínculo formado entre a conduta praticada por seu autor e o resultado por ele produzido. É por meio dela que se conclui se o resultado foi ou não provocado pela conduta, autorizando, se presente a tipicidade, a configuração do fato típico. Prevalece na doutrina brasileira o entendimento de que a expressão “o resultado”, constante no início do art. 13, caput, do Código Penal, alcança somente o resultado naturalístico, isto é, a modificação externa provocada pela conduta praticada por alguém. Destarte, o estudo da relação de causalidade tem pertinência apenas aos crimes materiais. Nesses delitos, o tipo penal descreve uma conduta e um resultado naturalístico, exigindo a produção desse último para a consumação. É aí que entra em cena o nexo causal, para ligar a conduta do agente ao resultado material. Nos crimes de atividade, o resultado naturalístico pode ocorrer (formais) ou não (de mera conduta). De qualquer forma, é dispensável, pois se consumam com a simples prática da conduta ilícita. 1.4.1. Teorias Destacam-se três teorias na busca de definir a relação de causalidade: 1.ª teoria: Equivalência dos antecedentes: também chamada de teoria da equivalência das condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizadora, ou, finalmente, teoria da conditio sine qua non, foi criada por Glaser, e posteriormente desenvolvida por Von Buri e Stuart Mill, em 1873. Para essa teoria, causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e como ocorreu. 2.ª teoria: Teoria da causalidade adequada: também chamada de teoria da condição qualificada, ou teoria individualizadora, originou-se dos estudos de Von Kries, um fisiólogo, e não jurista. Causa, nesse contexto, é o antecedente, não só necessário, mas adequado à produção do resultado. Destarte, para que se possa atribuir um resultado à determinada pessoa, é necessário que ela, além de praticar um antecedente indispensável, realize uma atividade adequada à sua concretização. Portanto, a causa adequada é aferida de acordo com o juízo do homem médio e com a experiência comum. Não basta contribuir de qualquer modo para o resultado: a contribuição deve ser eficaz. 3.ª teoria: Teoria da imputação objetiva: será estudada em tópico separado. 1.4.2. Teorias adotadas pelo Código Penal Acolheu-se, como regra, a teoria da equivalência dos antecedentes. É o que se extrai do art. 13, caput, in fine: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Causa, pois, é todo o comportamento humano, comissivo ou omissivo, que de qualquer modo concorreu para a produção do resultado naturalístico. Pouco importa o grau de contribuição. Basta que tenha contribuído para o resultado material, na forma e quando ocorreu. E, para se constatar se algum acontecimento insere-se ou não no conceito de causa, emprega-se o “processo hipotético de eliminação”, desenvolvido em 1894 pelo sueco Thyrén. Suprime-se mentalmente determinado fato que compõe o histórico do crime: se desaparecer o resultado naturalístico, é porque era também sua causa; todavia, se com a sua eliminação permanecer íntegro o resultado material, não se pode falar que aquele acontecimento atuou como sua causa. Confira-se o famoso exemplo de Damásio E. de Jesus: Suponha-se que “A” tenha matado “B”. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais podemos sugerir os seguintes: 1.º) a produção do revólver pela indústria; 2.º) aquisição da arma pelo comerciante; 3.º) compra do revólver pelo agente; 4.º) refeição tomada pelo homicida; 5.º) emboscada; 6.º) disparo de projéteis na vítima; 7.º) resultado morte. Dentro dessa cadeia de fatos, excluindo-se os fatos sob nos números 1.º a 3.º, 5.º e 6.º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato sob o número 4.º (refeição), ainda assim o evento teria acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada causa. Excepcionalmente, o Código Penal adota, no § 1.º do art. 13, a teoria da causalidade adequada. Em síntese, o art. 13 do Código Penal acolheu como regra a teoria da equivalência dos antecedentes (caput, in fine) e, excepcionalmente, a teoria da causalidade adequada (§ 1.º), o que nos remete ao estudo das concausas. 1.4.3. Concausas Concausa é a convergência de uma causa externa à vontade do autor da conduta, influindo na produção do resultado naturalístico por ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou omissivo. 1.4.3.1. Causas dependentes e independentes Causa dependente é a que emana da conduta do agente, dela se origina, razão pela qual se insere no curso normal do desenvolvimento causal. Existe dependência entre os acontecimentos, pois sem o anterior não ocorreria o posterior. Desse modo, não exclui a relação de causalidade. Exemplo: “A” tem a intenção de matar “B”. Após espancá-lo, coloca uma corda em seu pescoço, amarrando-a ao seu carro. Em seguida dirige o automóvel, arrastando a vítima ao longo da estrada, circunstância que provoca a sua morte. As condutas consistentes em agredir, amarrar e arrastar a vítima são interdependentes para a produção do resultado final. Causa independente, por outro lado, é a que foge da linha normal de desdobramento da conduta. Seu aparecimento é inesperado e imprevisível. É independente porque tem a capacidade de produzir, por si só, o resultado. Pode ser de natureza absoluta ou relativa, dependendo de sua origem. Causas absolutamente independentes São aquelas que não se originam da conduta do agente, isto é, são absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita. E, por serem independentes, produzem por si sós o resultado naturalístico. Constituem a chamada “causalidade antecipadora”, pois rompem o nexo causal. Dividem-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes. - Preexistente ou estado anterior: É aquela que existe anteriormente à prática da conduta. O resultado naturalístico teria ocorrido da mesma forma, mesmo sem o comportamento ilícito do agente. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico, todavia, conclui ter sido a morte provocada pelo envenenamento anterior efetuado por “C”. -Concomitante: É a que incide simultaneamente à prática da conduta. Surge no mesmo instante em que o agente realiza seu comportamento criminoso. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B” no momento em que o teto da casa deste último desaba sobre sua cabeça.-Superveniente: É a que se concretiza posteriormente à conduta praticada pelo agente. Exemplo: “A” subministra dose letal de veneno a “B”, mas, antes que se produzisse o efeito almejado, surge “C”, antigo desafeto de “B”, que nele efetua inúmeros disparos de arma de fogo por todo o corpo, matando-o. Em todas as modalidades (preexistentes, concomitantes e supervenientes), o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do agente. As causas surgem de forma autônoma, isto é, não se ligam ao comportamento criminoso do agente. E, por serem independentes, produzem por si sós o resultado material. Por corolário, devem ser imputados ao agente somente os atos praticados, e não o resultado naturalístico, em face da quebra da relação de causalidade. De fato, suprimindo mentalmente sua conduta, ainda assim o resultado teria ocorrido como ocorreu. Respeita-se a teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, adotada pelo art. 13, caput, in fine, do Código Penal. Nos exemplos mencionados, o agente responde somente por tentativa de homicídio, e não por homicídio consumado. Causas relativamente independentes Originam-se da própria conduta efetuada pelo agente. Daí serem relativas, pois não existiriam sem a atuação criminosa. Como, entretanto, tais causas são independentes, têm idoneidade para produzir, por si sós, o resultado, já que não se situam no normal trâmite do desenvolvimento causal. Classificam-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes. -Preexistente ou estado anterior: Existe previamente à prática da conduta do agente. Antes de seu agir ela já estava presente. Exemplo: “A”, com ânimo homicida, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-a de raspão. Os ferimentos, contudo, são agravados pela diabete da vítima, que vem a falecer. -Concomitante: É a que ocorre simultaneamente à prática da conduta. Exemplo: “A” aponta uma arma de fogo contra “B”, o qual, assustado, corre em direção a movimentada via pública. No momento em que é alvejado pelos disparos, é atropelado por um caminhão, morrendo. Em obediência à teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, adotada pelo art. 13, caput, in fine, do Código Penal, nas duas hipóteses o agente responde pelo resultado naturalístico. Com efeito, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado material, que nos exemplos acima seria a morte da vítima, não teria ocorrido quando e como ocorreu. A questão das causas supervenientes relativamente independentes Em face da regra prevista no art. 13, § 1.º, do Código Penal, as causas supervenientes relativamente independentes podem ser divididas em dois grupos: (1) as que produzem por si sós o resultado; e (2) as que não produzem por si sós o resultado. -Causas supervenientes relativamente independentes que não produzem por si sós o resultado Incide a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non, adotada como regra geral no tocante à relação de causalidade (CP, art. 13, caput, in fine). O agente responde pelo resultado naturalístico, pois, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado não teria ocorrido como e quando ocorreu. Exemplo: “A”, com a intenção de matar, efetua disparos de arma de fogo contra “B”. Por má pontaria, atinge-o em uma das pernas, não oferecendo risco de vida. Contudo, “B” é conduzido a um hospital e, por imperícia médica, vem a morrer. Nesse caso, “B” não teria morrido, ainda que por imperícia médica, sem a conduta inicial de “A”. De fato, somente pode falecer por falta de qualidade do profissional da medicina aquele que foi submetido ao seu exame, no exemplo, justamente pela conduta homicida que redundou no encaminhamento da vítima ao hospital. A imperícia médica, por si só, não é capaz de matar qualquer pessoa, mas somente aquela que necessita de cuidados médicos -Causas supervenientes relativamente independentes que produzem por si sós o resultado É a situação tratada pelo § 1.º do art. 13 do Código Penal: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Nesse dispositivo foi acolhida a teoria da causalidade adequada. Logo, causa não é mais o acontecimento que de qualquer modo concorre para o resultado. Muito pelo contrário, passa a ser causa apenas a conduta idônea. Não basta qualquer contribuição. Exige-se uma contribuição adequada. Os exemplos famosos são: (1) pessoa atingida por disparos de arma de fogo que, internada em um hospital, falece não em razão dos ferimentos, mas sim queimada por um incêndio que destrói toda a área dos enfermos; e (2) ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de tráfego que atinge a ambulância que o transportava. Em ambos os casos, a incidência da teoria da equivalência dos antecedentes acarretaria a imputação do resultado naturalístico ao responsável pelos ferimentos, pois, eliminando-se em abstrato sua conduta, certamente a morte não teria ocorrido quando e como ocorreu. Nos exemplos acima mencionados, conclui-se que qualquer pessoa que estivesse na área da enfermaria do hospital, ou no interior da ambulância, poderia morrer em razão do acontecimento inesperado e imprevisível, e não somente a ferida pela conduta praticada pelo agente. Portanto, a simples concorrência (de qualquer modo) não é suficiente para a imputação do resultado material, produzido, anote-se, por uma causa idônea e adequada, por si só, para fazê-lo. O art. 13, § 1.º, cuidou exclusivamente das causas supervenientes relativamente independentes que produzem por si sós o resultado. 1.5. Relevância da omissão A omissão penalmente relevante encontra-se disciplinada pelo art. 13, § 2.º, do Código Penal: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”. O dispositivo é aplicável somente aos crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, isto é, aqueles em que o tipo penal descreve uma ação, mas a inércia do agente, que podia e devia agir para impedir o resultado naturalístico, conduz à sua produção. São crimes materiais, como é o caso do homicídio, cometido em regra por ação, mas passível também de ser praticado por inação, desde que o agente ostente o poder e o dever de agir. De fato, os crimes omissivos próprios ou puros não alojam em seu bojo um resultado naturalístico. A omissão é descrita pelo próprio tipo penal, e o crime se consuma com a simples inércia do agente. Não são, assim, compatíveis com a figura da tentativa. É o que se dá na omissão de socorro (CP, art. 135): ou o sujeito presta assistência ao necessitado, e não há crime; ou omite- se, consumando automaticamente o delito. Esse é o significado da expressão “penalmente relevante”: a omissão que não é típica, por não estar descrita pelo tipo penal, somente se torna penalmente relevante quando presente o dever de agir. Nos crimes omissivos impróprios, a omissão pode, com o dever de agir, ser penalmente relevante. Por outro lado, nos crimes omissivos próprios, a omissão sempre é penalmente relevante, pois se encontra descrita pelo tipo penal, tal como nos arts. 135 e 269 do Código Penal. 1.5.1. Teoria adotada O art. 13, § 2.º, do Código Penal, no tocante à natureza jurídica da omissão, acolheu a teoria normativa, pela qual a omissão é um nada, e “do nada, nada surge”. Não é punível de forma independente, ou seja, não se pune alguém pelo simples fato de ter se omitido. Só tem importância jurídico-penal quando presente o dever de agir. Daí a preferência pela teoria normativa. A omissão somente interessa ao Direito Penal quando, dianteda inércia do agente, o ordenamento jurídico lhe impunha uma ação, um fazer. 1.6. Teoria da imputação objetiva Ao contrário do que seu nome parece em princípio indicar, não se confunde com a responsabilidade penal objetiva. Sua função é completamente diversa: limitar a responsabilidade penal, pois a atribuição de um resultado a uma pessoa não é determinado pela relação de causalidade, mas é necessário outro nexo, de modo que esteja presente a realização de um risco proibido pela norma De acordo com a teoria, não basta a relação de causalidade para imputação do resultado, devendo estar presentes: 1) A criação ou o aumento de um risco Por outro lado, afirma-se não haver ação perigosa quando: a) o risco for juridicamente irrelevante (a ação não gera uma possibilidade real de dano); ou b) quando há diminuição do risco, avaliado antes da ação pelo agente (como no exemplo de Roxin: quem convence o ladrão a furtar não 1.000, mas somente 100 marcos alemães, não é punível por participação no furto, pois sua conduta não elevou, mas diminuiu o risco de lesão). 2) O risco criado deve ser proibido pelo Direito Nem toda ação perigosa é proibida pelo Direito. Deve-se fazer uma ponderação entre a necessidade de proteção de determinado bem jurídico e o interesse geral de liberdade. Exemplificativamente, embora dirigir um veículo automotor possa eventualmente causar acidentes, permite-se tal conduta. Da mesma forma, são regulamentados alguns esportes, como o automobilismo e o boxe, que podem causar lesões aos seus praticantes. A doutrina aponta ainda como causas de exclusão do risco proibido: a) o comportamento exclusivo da vítima, que se coloca em perigo (autocolocação da vítima em situação de perigo); b) as contribuições socialmente neutras (como no exemplo de Jakobs, em que o padeiro vende o pão ao autor, consciente de que este o usará para envenenar alguém); c) os comportamentos socialmente adequados (princípio da adequação social); e d) a proibição de regresso. Pela proibição de regresso, não haveria criação de um risco proibido nos casos em que a ação não dolosa de alguém precedesse a ação dolosa de um terceiro. Assim, aquele que esquece a sua arma, que vem a ser encontrada por outrem posteriormente e utilizada para a prática de um crime de homicídio, não seria responsabilizado. Quanto aos últimos dois aspectos – comportamentos socialmente adequados e proibição de regresso –, não há consenso doutrinário acerca de serem causas de exclusão do risco, de forma que qualquer afirmação nesse sentido deve ser feita com redobrada cautela. 3) O risco foi realizado no resultado A norma de proibição visa evitar que um certo bem jurídico seja afetado de uma determinada maneira. Assim, só haverá realização do risco se a proibição da conduta for justificada para evitar a lesão de determinado bem jurídico por meio de determinado curso causal, os quais venham efetivamente a ocorrer. É o fim de proteção da norma a que aludem os doutrinadores modernos. Com o mesmo fundamento, aponta-se ainda a hipótese do aumento do risco pelo comportamento proibido, em comparação com o comportamento hipotético correto. Tanto na realização do risco como no seu aumento, há exclusão da imputação: a) na lesão ou curso causal sem relação com o risco proibido; b) nos danos tardios, relacionados à lesão anterior causada ao bem jurídico (ex.: a vítima de lesões corporais, alguns anos depois, perde o equilíbrio em razão da lesão nunca completamente curada e cai, sofrendo várias fraturas); c) nos danos causados a outrem, resultantes de choque causado pelo fato criminoso praticado (ex.: mãe cardíaca falece ao saber do assassinato do filho); d) nas ações perigosas de salvamento (ex.: “A” ateia fogo na casa de “B” na ausência deste, mas “B” reentra para salvar sua coleção de CDs de playstation 2 não piratas, falecendo); e e) no comportamento indevido posterior de um terceiro (ex.: vítima de lesões que, necessitando de uma cirurgia, vem a falecer em razão de erro médico grosseiro). BIBLIOGRAFIA MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1. 8. ed. rev., atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. ATIVIDADE (0,5) Diferencie de maneira sucinta as teorias existentes acerca da conduta, uma vez que a depender da teoria adotada, implicará em modificações estruturais na forma de encarar o Direito Penal. Obs.: Não será aceita cópia literal do material de aula ou textos não referenciados.
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