Buscar

patrimonio material e imaterial

Prévia do material em texto

Práticas alimentares e de manipulação de alimentos como constituintes do patrimônio material e/ou imaterial de determinada cultura
 Segundo artigo 216 da Constituição Federal, configuram patrimônio "as formas de expressão; os modos de criar; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico." 
 No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por promover e coordenar o processo de preservação e valorização do Patrimônio Cultural Brasileiro, em suas dimensões, material e imaterial.  
Bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, os materiais são os palpáveis, como o arqueológico e o paisagístico.
Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas. Desta forma podem ser considerados bens imateriais: conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades; manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; além de mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais.
 Na lista de bens imateriais brasileiros estão a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Feira de Caruaru, o Frevo, a capoeira, o modo artesanal de fazer Queijo de Minas e o Samba no Rio de Janeiro.
 A diversidade cultural e a criatividade humana se expressam nas mais diferentes formas de utilização de recursos naturais e de interação do homem com o meio em que vive. Os sistemas alimentares mantêm estreita relação com a cultura, entendida como memória e identidade.
Crescemos com um repertório de gestos, saberes e sabores que são armazenados na memória. Esses conhecimentos culinários formam, desde a infância, a base de nosso material cultural, a bagagem gustativa, acumulada ao longo da vida, nutre o comportamento alimentar, e nos liga diretamente à nossa identidade e ao sentido de nós mesmos.
Portanto, bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes; já os materiais são os palpáveis, como o arqueológico e o paisagístico. Nesse caso, trabalharemos , desde uma perspectiva histórica, especificamente com um aspecto que possui conotação material e/ou imaterial e está profundamente ligado à constituição das culturas humanas: as práticas alimentares e a manipulação de alimentos.
.
O reconhecimento de que a alimentação humana é muito mais do que um fato biológico, mas um ato social e cultural, já está consolidado nos estudos antropológicos. A cultura alimentar tem sido compreendida como “o conjunto de representações, crenças, conhecimentos e práticas herdadas e/ou aprendidas que estão associadas à alimentação e são compartilhadas pelos indivíduos de uma dada cultura ou de um grupo social determinado”.
O patrimônio alimentar, de forma mais ampla, pode ser definido como “um conjunto de elementos materiais e imateriais das culturas alimentares considerados como uma herança compartilhada, ou como um bem comum, por uma coletividade”. O patrimônio alimentar envolve componentes materiais – como os alimentos em si, artefatos e utensílios culinários – e imateriais – como práticas, saberes, representações, etc. Não se pode compreender os bens culturais sem considerar os valores e significados neles investidos (sua dimensão imaterial), e não é possível compreender a dinâmica do patrimônio imaterial sem o conhecimento da cultura material que lhe dá suporte.
Os produtos alimentares, bem como os objetos e conhecimentos usados na produção, transformação e consumo de alimentos, têm sido identificados como objetos culturais portadores da história e da identidade de um grupo social. A alimentação implica representações e imaginários, envolve escolhas, símbolos e classificações, e as diferentes formas de produção e consumo dos alimentos revelam identidades culturais.
Não há muita diferença entre deixar como legado um registro artístico, um grande feito científico, uma escultura gigantesca que paire sobre uma cidade, ou um livro de receitas – desde que sejam capazes de, no futuro, comover pessoas. Esse olhar para os valores culturais e simbólicos, implícitos no ato de comer, levou a criação de instrumentos legais para valorizar a manutenção de certos modos de vida. Saberes, celebrações, formas de expressão, lugares passaram ser considerados tão importantes quanto a arquitetura das cidades, patrimônios de pedra e cal.
O Brasil possui o Registro de Bens Culturais de Natureza Material e Imaterial (decreto nº 3.551), concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (IPHAN). “É uma rede de fatos, relações que fazem a vida das pessoas. A comida é uma expressão da cultura. As panelas, o fogão e a cozinha coletiva são, antes de tudo, bens culturais”.
As expressões culturais são também representativas da diversidade étnica e da formação do Brasil, e cabe ao poder público reconhecê-las, valorizá-las, promovê-las, com a colaboração da sociedade. Iniciativas como a campanha Comida é Patrimônio, lançada pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN), são desejáveis e convergentes, pois “o registro é um instrumento importante, mas precisa ser melhor apropriado pela sociedade”. Os bens registrados são amparados por uma política de salvaguarda do IPHAN que deve ser integrada com outras políticas públicas, como na área de Saúde, Educação, incluindo a atuação de Estados e municípios. 
O patrimônio material é formado por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis – núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais – e móveis – coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.
A ideia de comida como patrimônio começou a ser propagada a partir de 1989, com a Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, durante a 25ª reunião da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A orientação foi dada aos países-membros, incluindo o Brasil, com o intuito de salvaguardar as manifestações culturais, caso das cozinhas regionais. No ano de 1996, é lançado, em Cuba, o projeto Turismo Cultural na América Latina e Caribe. O propósito era incentivar a urgência de desenvolver e aprofundar a reflexão sobre o patrimônio gastronômico regional, e destacar as receitas de cozinha como um bem cultural tão valioso quanto um monumento. Em 2003, foi promulgada a Convenção para a Salvaguarda de Patrimônio Imaterial.
A chancela de Paisagem Cultural brasileira também é concedida pelo IPHAN (Portaria nº 127) desde 2009. Trata-se de um instrumento criado para promover a preservação ampla e territorial de porções singulares do país.  O sertanejo e a caatinga; o candango e o cerrado; o boiadeiro e o pantanal; o gaúcho e os pampas; o pescador e os contextos navais tradicionais; o seringueiro e a floresta amazônica são exemplos desse cenário integrado entre homem e natureza. Esse conceito já é utilizado na Espanha, no México e na França.
Na agricultura brasileira, as mulheres também são defensoras da cultura alimentar local e regional. As mãos que lavram a terra, insistindo nos frutos nativos, são as mesmas que transformam a colheita em doces, geleias, compotas e uma diversidade de preparações culinárias, tão enraizadas quanto o próprio alimento cultivado. Da terra à mesa, elas preservam o gosto do lugar por meio do paladar. Tais iniciativas reforçam a necessidade de valorizar, proteger, preservar, compartilhar os sabores regionais do país, comoestratégia para fortalecer a identidade cultural frente às ameaças impostas pela homogeneização e simplificação do gosto, com hábitos construídos nas agências de marketing das indústrias alimentícias.
Observa-se atualmente que as preparações das cozinhas típicas vêm perdendo certas características histórico-culturais, uma vez que a memória coletiva e o conhecimento oriundo do processo de elaboração destas preparações tradicionais estão desaparecendo, por conta da mundialização dos mercados, da homogeneização das cozinhas, de uma alimentação mais barata ou mais rápida e pela facilidade de aquisição de novas mercadorias estranhas a cultura de origem.
Entende-se que a gastronomia típica pode ser preservada através do “saber fazer”, o conhecimento implícito no processo, já que a matéria-prima inerente ao mesmo é normalmente perecível. Este conhecimento preservado gera uma condição positiva para a disseminação das práticas alimentares para gerações futuras, garantindo uma perpetuação da memória na comunidade.
Dentro do conjunto das manifestações gastronômicas existe a Gastronomia Típica, que pode ser definida como: a junção dos saberes e sabores oriundos dos alimentos e bebidas e das práticas de serviços que fazem ou fizeram parte dos hábitos alimentares de uma localidade, dentro de um processo histórico-cultural de construção da mesma. É um movimento que pertence a um espaço-tempo determinado e acredita-se que têm ligação com tradições e hereditariedade, ou origens de uma determinada região e das pessoas que ali habitavam.
Os significados da alimentação para as sociedades não podem ser compreendidos, dentro de uma visão de mundo que abrange somente indicadores nutricionais e biológicos. O comportamento relativo à comida revela a cultura em que cada um está inserido. É na alimentação humana que se materializa a estrutura da sociedade, que se atualiza a interação social, sócio ambiental e as representações sócio-culturais dos que têm em comum uma mesma cultura.
Comer é antes de tudo um ato simbólico, tradutor de sinais, de reconhecimentos formais, de cores, de texturas, de temperaturas, entre outros. Consiste num ato que une memória, desejo, fome, significado, sociabilidade e ritualidade.
Os modos alimentares se articulam com outras dimensões sociais e com a identidade. O valor cultural do ato e do modo alimentar é cada vez mais entendido enquanto patrimônio, pois a comida é tradutora de povos, nações, civilizações, grupos étnicos, comunidades e famílias. Entendendo a estrutura culinária como o conjunto de regras e normas relacionadas à alimentação, incluindo os alimentos escolhidos, a organização do cardápio, as técnicas de preparo e os temperos, é possível identificar a culinária de uma região ou nação como uma particularidade cultural. Destacado que desde as etapas de preparação até o consumo, estão inclusos vários fatores de identidade cultural.
Cada cultura gera uma gastronomia peculiar, com receitas, ingredientes, aromas, técnicas de preparação, maneiras de servir e até de comer, têm classificações particulares e regras precisas, tanto em relação à preparação como na combinação dos alimentos, como relativos à sua colheita, produção, conservação e consumo. As elaborações típicas não se limitam somente a receitas diferentes, mas envolvem ingredientes, métodos, preparações, formas de sociabilidade e sistemas de significados que se baseiam, sobretudo, na experiência vivida. Sendo assim, estudar as características de uma gastronomia típica é uma atividade complexa, pois a mesma não se encontra uniformemente distribuída em todo o país. No Brasil, por exemplo, as origens, influências e hábitos culinários manifestam-se diferentemente em cada região.
A gastronomia típica se opõe a determinados aspectos que tendem a padronização das culturas por se tratar de especificidades locais. Pode-se perceber uma valorização dos sabores pertencente aos elementos nativos da região, produzidos pelo pequeno produtor com peculiaridades geoclimáticas, em conformidade com padrões artesanais. As práticas de valorização da Gastronomia Típica propõem a utilização de pratos e produtos que retratam as diferenças alimentares de cada lugar.
A culinária, tomada como patrimônio cultural, comunica questões identitárias, geográficas, históricas e culturais de um povo; seu resgate e revitalização através de Políticas Públicas contribuem para o revigoramento da memória de um grupo. A patrimonialização e a apropriação de tais bens podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social local, através das Políticas Públicas. No Brasil, tais políticas são realizadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com o tombamento, registro e catalogação dos bens culturais. Reconhecidos como bens culturais imateriais, estes são salvaguardados e protegidos, por meio da atuação dos órgãos governamentais, através de Políticas Públicas de proteção patrimonial. A patrimonialização dos bens culturais, materiais e imateriais, reafirma a ideia de pertencimento e valorização, podendo fomentar o desenvolvimento local. Entretanto, esta ação se não for bem orientada pode ter seu resultado alterado: ao invés de favorecer a revitalização dos bens culturais, pode transformá-los em mercadorias para o consumo.
O patrimônio, seja material ou imaterial, é o reflexo da identidade de um povo. Representa tudo o que deve ser preservado, tombado, registrado, revitalizado, ou seja, tudo o que não deve ser esquecido, ao contrário, procura-se sempre mantê-lo em movimento, vivo e presente. Neste sentido, a culinária pode ser abordada, como uma categoria pertencente ao campo do patrimônio cultural imaterial, engloba saberes, lugares e modos de fazer que comunicam algo sobre a identidade de um povo, transmitido de geração em geração; os hábitos alimentares de um povo nos dizem mais do que sua preferência alimentar, nos situam em relação a sua cultura.
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/276
http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/conheca-as-diferencas-entre-patrimonios-materiais-e-imateriais
O reconhecimento de comidas, saberes e práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial; Juliana Santilli; Demetra; 2015; 10(3); 585-606
http://www.fbssan.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=417:comida-bem-material-e-imaterial&catid=79&Itemid=672&lang=pt-br
Alimentação e Cultura: Preservação da Gastronomia Tradicional. Silvana Graudenz Muller1 Fabiana Mortimer Amaral2 Carlos augusto Remor3
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: OS SABERES DA CULINÁRIA REGIONAL COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO LOCAL; Mônica Nascimento e Feitosa; Sandra Siqueira da Silva.
� PAGE \* MERGEFORMAT �2�

Outros materiais

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes