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DIREITOS DO CONSUMIDOR A vulnerabilidade é o ponto fundamental do CDC e, na prática, traduz-se na insuciência, na fragilidade de o consumidor se manter imune a práticas lesivas sem a intervenção auxiliadora de órgãos ou instrumentos para sua proteção. Por se tratar de conceito tão relevante, a vulnerabilidade permeia, direta ou indiretamente, todos os aspectos da proteção do consumidor. O modo encontrado pelos fornecedores para se sobreporem na relação com tantos e indenidos consumidores foi se apoiar em formulários nos quais se inserem as imposições contratuais, cumprindo ao consumidor, em regra, tão somente aceitá-los na sua integralidade ou rejeitá-los. Este é um fator, dentre outros, que contribuiu para que as relações de consumo fossem massicadas, isto é, concluíam-se as contratações em bloco sem atenção para a necessidade ou vontade individual de cada consumidor. O instrumento, por excelência, das relações de consumo em massa, são os chamados contratos de adesão. O que se pode extrair daí é que o consumidor deixou de ter livre-escolha, o alcance de sua vontade real sobre o que adquire, para simplesmente submeter-se às condições gerais do mercado. Nesse contexto de relações massicadas concluídas, com cada vez mais agilidade, verica- se que os contratos de adesão são a realidade do mercado de consumo brasileiro. Basta observar que lojas de departamento e eletrodomésticos, bancos oferecendo linhas de crédito e o acesso aos serviços de água, luz, telefone e energia elétrica, estão presentes tanto em grandes quanto em pequenos municípios. O Contrato de Adesão é o contrato padrão cujas cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços. No entanto, conforme se verá adiante, o CDC é ainda mais abrangente e protege o cidadão, inclusive na rara situação do contrato ter sido elaborado em conjunto, por fornecedor e consumidor, de modo individualizado, visto que mesmo nesta situação, a vulnerabilidade do consumidor não deixa de existir. A intervenção do Estado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal – diretamente ou por intermédios dos órgãos de proteção e defesa de consumidor) na proteção do consumidor não o coloca em situação de vantagem ou benefício unilateral em relação ao fornecedor, mas visa ao equilíbrio e à harmonização deste frente a uma situação que é desigual desde seu nascedouro. A transparência, conança, harmonia nas relações de consumo, reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, bem como a harmonização de interesses, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, são princípios que estão expressamente previstos no artigo 4º do CDC. PRINCÍPIOS Princípio da proteção da conança do consumidor O CDC instituiu o Princípio da proteção da conança do consumidor, tendo como um dos seus aspectos “a proteção da conança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços”. No mesmo sentido, o artigo 4º, inciso I, do CDC, estabelece como valor principal o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Princípio da vulnerabilidade Por ‘vulnerabilidade’, deve-se entender o princípio mais importante do CDC, pois a partir dele é reconhecido que os consumidores são sujeitos que precisam da proteção especial do Estado quando se relacionam com os fornecedores, pois sem este auxílio, não cam em pé de igualdade e passam a sofrer vários prejuízos pessoais e econômicos. Para Valério Dal Pai Moraes, vulnerabilidade, sob o enfoque jurídico, é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade ou condição daquele(s) sujeito(s) mais fraco(s) na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venha(m) a ser ofendido(s) ou ferido(s), na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do(s) sujeito(s) mais potente(s) da mesma relação. Isso posto, pode-se dividir a vulnerabilidade em três âmbitos de forma clássica para doutrina brasileira: a técnica, a jurídica e a fática. A reformulação dada pela Professora Cláudia Lima Marques ao conceito insere a ideia de vulnerabilidade informacional, a qual ganha especial relevância nos dias atuais. A vulnerabilidade técnica é a mais fácil de se identicar. Basicamente, pode-se resumir na ideia de que o consumidor não tem conhecimentos especícos sobre o produto ou serviço adquirido, conhecimento este que, em geral, o fornecedor possui. Por outro lado, a vulnerabilidade jurídica é aquela em que o consumidor não entende quais as consequências de rmar um contrato ou estabelecer uma relação de consumo. Para Cláudia Lima Marques, estaria incluída aqui a vulnerabilidade, além de jurídica, também a contábil e a econômica. Em linhas gerais, verica-se quando é marcante que, enquanto o fornecedor trabalha frequentemente com seu ramo econômico, contando com assessoramento jurídico especializado, habitualmente defendendo causas semelhantes, o consumidor que precisa com ele litigar (defender- se ou ajuizar ação judicial), terá, em contraste, poucos recursos. Obviamente, a experiência, os argumentos, os documentos e provas nestes assuntos já estão previamente organizados pelo fornecedor. A vulnerabilidade fática é mais abrangente, e é reconhecida no caso concreto. É espécie importante, pois além de ser uma ideia/conceito genérica de vulnerabilidade, é aqui que se estabelecem casos de dupla vulnerabilidade do consumidor idoso e criança. Por m, a vulnerabilidade informacional constitui-se no reexo da sociedade em que vivemos, a qual se caracteriza pelo surgimento de blocos econômicos e pela globalização, pela acessibilidade, rapidez e uidez do acesso à informação. Nesse contexto, o dever de informar ganha contornos importantíssimos e fundamentais nos tempos atuais, seja no direito civil ou no direito do consumidor, onde sua importância é ainda maior, reetindo-se na proteção legal da vulnerabilidade do consumidor, nos termos do art. 4º, Inciso III, do CDC. A partir de todos estes critérios de visualização da vulnerabilidade, é importante observar que eles são apenas critérios didáticos que auxiliam na identicação do ponto de fragilidade do consumidor. Na prática, a demonstração da vulnerabilidade é presumida pela própria lei. As espécies de vulnerabilidade (técnica, fática, jurídica e informacional) não precisam se somar para que o consumidor seja reconhecido. Basta uma! Princípio da Isonomia Previsto no art.1º, CF/88, seu conceito formal gira em torno do tratamento igualitário as pessoas sem que haja qualquer discriminação. Entretanto, no conceito jurídico emprega-se o uso do seguinte conceito-> devemos tratar os iguais perante sua igualdade e os desiguais na medida de sua desigualdade. Nas relações de consumo não seria diferente. A identicação do consumidor, como pessoa destinatária de atenção e cuidados especiais no mercado, tem fundamento na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 170 da CF/88 determinou que toda e qualquer atividade econômica desenvolvida no Brasil levará em conta a defesa do consumidor. Princípio da Boa-fé Cuida-se de um princípio relacionado com os contratos e as etapas de sua formação. A nova perspectiva da boa-fé trazida pelo CDC impõe aos contratantes (especialmente aos fornecedores) que não são apenas as regras contratuais que valem para disciplinar a relação entre as partes: na verdade, além do que consta escrito no contrato, as partes têm o dever de respeitar deveres gerais que não precisam sequer estar escritos, mas serão exigidos no dia a dia. A boa-fé pode ser extraída dos usos e costumes do local, assim como a partir das experiências das pessoas envolvidas, fazendo-se necessária para permitir ou recuperar a legítima expectativa do consumidor que, a mais das vezes, contrata uma coisa pensando noutra. A harmonização dos interesses, a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo estão previstas no art.4°, inciso III, do CDC. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, como exemplo de concretização das regras gerais da boa-fé, que as operadoras de planos de saúde não podem limitar o prazo de cobertura para pacientes que se internam em Unidade de Terapia Intensiva – UTI, o que signica dizer que esta exigência contratual é totalmente contrária à legítima expectativa dos pacientes que, quando buscaram este tipo de serviço, não tiveram condições ou mesmo oportunidade de avaliar a malfadada exigência contratual (Súmula nº 302, do STJ; no mesmo sentido, Portaria 7, de 3 de setembro de 2003 - SDE). Princípio da Educação e Informação Outro princípio importante do CDC que diz respeito justamente à educação e ao aprimoramento de fornecedores e consumidores e até entre os agentes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, visando à melhoria do mercado de consumo, assim como para alcançar as novas e sempre renovadas práticas comerciais provocadas pelos fornecedores no mercado. Cumpre destacar que os fornecedores também devem ser educados quanto a seus deveres, demonstração clara de que as atividades dos órgãos de proteção e defesa do consumidor não são exclusivamente repressivas ou punitivas, mas antes de tudo, pedagógicas. Princípio da Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos Preza pela constante racionalização e melhoria dos serviços públicos, devendo os órgãos de proteção e defesa do consumidor acompanhar e repensar formas de otimização e evolução dos serviços públicos disponibilizados aos cidadãos. O CDC não tem aplicabilidade a todas as relações econômicas, mas restringe-se à identicação de atividades econômicas nas quais estejam o consumidor e o fornecedor, e entre eles uma transação envolvendo produto e/ou serviço. De antemão, é importante realçar que o CDC não é uma lei que protege o consumidor a todo e qualquer custo. Não é sempre verdadeiro o ditado de que o consumidor tem sempre razão. O CDC veio para restabelecer uma situação de equilíbrio entre consumidor e fornecedor. É exatamente o que estabelece a meta de harmonização das relações de consumo. Logo, o consumidor deve pagar um preço justo e agir de boa-fé. QUEM É CONSUMIDOR? O consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) dene: No art.2º, caput, consumidor é: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário nal”. Dessa forma, a Lei de Consumo não deixa dúvidas de que o cidadão individualmente considerado (pessoa física ou natural) é consumidor nos termos da lei. Crianças e adolescentes também são consumidores, bastando que o atendimento de suas demandas e pleitos ocorra com o acompanhamento de um responsável.Porém, cumpre observar que, no tocante às empresas (e pessoas físicas que exercem atividades prossionais) existe alguma dúvida, tanto da doutrina quanto da jurisprudência quando o assunto é denir qual o sentido e alcance da expressão destinatário nal. Para exemplicar, se uma loja de automóveis adquire um veículo de uma concessionária para transportar seus consumidores, os maximalistas entendem que a loja é consumidora pelo simples fato de ter comprado o carro, enquanto que os nalistas entendem que a destinação dada ao veículo (transportar seus consumidores) é parte de sua atividade empresarial e não atrai a proteção legal do CDC. Mas, isto não signica que os nalistas afastem o CDC de todas as situações em que as pessoas jurídicas adquiram produtos ou serviços, pois elas também podem consumir para satisfação de suas necessidades primárias, como a água para seus funcionários, na contratação de um plano de assistência médico-hospitalar para seus funcionários (aí, sim, estaria dando aos produtos e serviços a devida destinação nal). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado uma solução interessante, ou uma linha segura de interpretação para concluir pela aplicação, ou não, do CDC às empresas ou aos prossionais que empregam os produtos e serviços para incremento de suas atividades: examinar, em cada caso especíco, se estes empresários estão realmente em situação de vulnerabilidade, isto é, se contratam em situação notoriamente fragilizada com fornecedores que detenham maiores conhecimentos especícos do produto. Assim, o STJ entendeu que, tanto um pequeno agricultor que adquire sementes de uma multinacional beneciadora de alimentos, quanto um dentista interessado em uma máquina moderna de radiograa, fornecida por um fabricante estrangeiro, devem ser protegidos pelo CDC, em especial, por conta da acentuada vulnerabilidade entre as partes. TUTELA COLETIVA Um dos avanços das legislações modernas, como é o CDC, foi reconhecer que há direitos que não assistem apenas a determinada pessoa ou indivíduo, mas alcançam a uma coletividade denida ou indenida de pessoas. O direito do consumidor é um direito coletivo porque um mercado harmônico e pautado no respeito à vulnerabilidade interessa a todos. Da mesma forma a preservação da saúde, vida e segurança dos consumidores, a partir da manutenção de qualidade dos produtos e serviços postos em circulação, é direito de todos. “O CDC (art. 6º, inciso VI) e a Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso III, preveem expressamente a existência e proteção de direitos coletivos. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI – a efetiva prevenção e reparação dedanos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...)” A tutela (proteção) coletiva dos direitos do consumidor aumenta a eciência do CDC, pois alcança e benecia maior número de pessoas, especialmente para prevenir que outras se prejudiquem. Se, pois, uma exigência escrita em um contrato de adesão que é ofertado ao público é identicada por um órgão de proteção e defesa do consumidor como abusiva, pode este, nos termos dos artigos 81 e 82 do CDC, buscar uma medida judicial que revise este contrato corrigindo a falha apontada, inclusive para prevenir maiores danos a consumidores que ainda não tenham contratado. Art. 2° (...) Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. No tocante à defesa do consumidor em juízo (perante os Tribunais), além do Ministério Público, Defensoria Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades civis de proteção e defesa do consumidor (constituídas há mais de um ano), os Procons estão autorizados e legitimados (art. 82, III, CDC), a promoverem medidas coletivas em favor dos consumidores. Já no caso do artigo 17, que cuida da seção dos acidentes de consumo (fato do produto ou serviço), tem-se que todas as pessoas que, mesmo sem contratarem diretamente, adquirindo às suas expensas produtos ou serviços, caso sofram danos com o evento de consumo, serão tratadas como consumidoras. Por m, ainda estão equiparadas a consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às chamadas práticas abusivas dos fornecedores (art. 29, CDC). A redação do artigo 29 delimita que este tipo de equiparação só ocorrerá se estiverem presentes as situações contidas neste capítulo, referindo-se ao capítulo V do CDC que estabelece o que sejam práticas comerciais. As atividades contidas no referido capítulo são de oferta e publicidade, cobranças de dívidas, bancos de dados e cadastros de consumidores, além do rol de exemplos de práticas abusivas do artigo 39 do CDC. Da mesma forma que o conceito contido no artigo 2º, parágrafo único, do CDC, o consumidor aqui equiparado é aquela pessoa, ou coletividade de pessoas, que não necessariamente adquiriram produtos ou serviços, mas já passaram a sofrer algum tipo de dano (ou mesmo perigo de dano) tão somente ao terem contato com a conduta praticada pelo fornecedor ao anunciar seu produto e serviço (e, aí, poderá praticar publicidades enganosas ou abusivas), ao receber a cobrança de uma dívida já paga ou da qual nunca deu causa (práticas abusivas) ou, ainda, ao ter seu nome inscrito erroneamente em um cadastro de consumidores ou banco de dados. Está-se diante, pois, de atividades não necessariamente atreladas ao consumo direto do produto ou serviço, mas mesmo assim ocasionam danos aos cidadãos que com ela têm contato, devendo ser tratados, pois, como consumidores. FORNECEDOR O CDC estabelece no seu artigo 3º, de modo bastante genérico e propositadamente amplo, de que fornecedor é: “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desempenha atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Inicialmente, esta lista de atividades mencionadas na lei é, segundo a doutrina, meramente um exemplo do que pode fazer o fornecedor para “colocar o produto ou serviço em circulação no mercado”. Se um comerciante exercer uma atividade que não encontra conectivo direto com quaisquer das hipóteses do artigo 3º, acima destacado, mas se resume em disponibilizar produto ou serviço aos consumidores, não há dúvida de que ele é fornecedor. Conforme o CDC, tanto uma empresa (brasileira ou estrangeira) quanto uma pessoa física que se empenhe para disponibilizar produto ou serviço no mercado são tratadas como fornecedoras. Há certa discussão na doutrina para estabelecer em que termos uma pessoa física é considerada fornecedora ou não, a depender da habitualidade (ou frequência) com que exerce a atividade: se uma pessoa prepara em sua casa um tabuleiro de doces e, junto a seus colegas de classe ou serviço, vende-os para complementar sua renda, apenas uma vez, ela não será considerada fornecedora. Deve-se considerar que o fornecedor não precisa necessariamente auferir lucro de sua atividade, mas apenas receber uma remuneração direta ou indireta pelo produto ou serviço colocado em circulação. Assim, não importa a forma de constituição da empresa (seja ela uma pequena ou grande empresa, uma Sociedade Anônima, uma Associação sem ns lucrativos), desde que desempenhe a atividade descrita no artigo. O CDC estabelece que é fornecedor pessoa jurídica pública. Isto signica que a Lei é imposta até mesmo aos prestadores de serviços públicos (atividades disponibilizadas por órgãos ou entes do Poder Público) em respeito às suas disposições. Todavia, nem todo serviço público está sujeito ao CDC. A doutrina tem entendido que apenas podem ser tratados à luz do CDC os serviços públicos oferecidos aos consumidores mediante remuneração especíca e de modo individualizado. Nestes casos, quem explora estes serviços é o Estado (a partir de empresas públicas) ou particulares conhecidos como concessionárias de serviços públicos. Ficam de fora da incidência do CDC os serviços públicos pelos quais o cidadão tem acesso independentemente de pagamento especíco, a exemplo de segurança pública. PRODUTOS E SERVIÇOS O CDC trata os bens da vida como produtos (qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial) ou serviços (qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração) – de acordo com os parágrafos 1º e 2º, do artigo 3º, do CDC. A partir destes conceitos, é possível compreender o quão ampla será a abrangência desta lei, que pode alcançar desde a contratação de planos de saúde até a compra de um simples calçado. Em ambos os casos, o consumidor está em situação desfavorável. Os produtos são bens que se transferem do patrimônio do fornecedor para o do consumidor, sejam eles materiais (ex.: aparelho telefônico) ou até imateriais (ex.: um programa de computador). Os produtos móveis são aqueles que, como o próprio nome indica, são passíveis de deslocamento, sujeitos à entrega (ex.: um veículo, uma televisão, algum alimento), enquanto são imóveis os bens incorporados naturalou articialmente ao solo (ex.: lote de terra urbana ou rural, residencial ou comercial; um apartamento). Já os serviços são atividades humanas executadas pelos fornecedores, de interesse dos consumidores que deles necessitam. O CDC esclarece, para que não haja dúvidas, que também são considerados serviços as atividades de natureza “bancária, nanceira, de crédito e securitária” (art. 3º, parágrafo 2º, CDC). Assim, as relações travadas entre o consumidor e uma instituição nanceira, casa bancária ou de crédito, assim como seguradora, deverão respeitar as leis de consumo aqui tratadas. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, em 2006, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591/DF. Em ambos os casos, o consumidor pagará ao fornecedor pela aquisição do produto ou utilização do serviço. Esta retribuição econômica (pagamento do preço), por sua vez, nem sempre será efetivada de modo direto, a partir de um ato de entrega de dinheiro. A doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido que há hipóteses nas quais, apesar de não existir um desembolso direto do consumidor, o serviço, por ser utilizado, é remunerado indiretamente, como é o caso da utilização de uma conta de e-mail gratuita oferecida por qualquer provedor de acesso à internet. O consumidor não paga, em dinheiro, ao site pela utilização da conta de e-mail, mas enriquece o patrimônio do provedor toda vez que acessa sua conta de e-mail (de fato, o provedor se remunera pelo número de usuários que acessa seu site, pois deste número consegue mais anunciantes, investidores e rendimentos). Se os produtos e serviços são, via de regra, essenciais à existência digna dos consumidores, o CDC tratou de estabelecer que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, salvo se esta periculosidade resultar da própria natureza da prestação (art. 8º), devendo o fornecedor, neste último caso, advertir os consumidores. É o caso de produtos inamáveis, tóxicos e que causam alergia: não podem ser comercializados sem advertências expressas e ao alcance do consumidor. Exemplo de adequação no Brasil pode ser visto nas embalagens de alimentos, nas quais os fornecedores devem identicar se o produto contém ou não contém glúten (elemento encontrado no trigo e seus derivados), em razão de uma doença chamada celíaca cujo organismo do consumidor tem rejeição ao glúten e sofre diculdades em sua digestão. Uma vez alertado, antes mesmo da compra, o consumidor consegue se proteger. Nem sempre é necessário que haja a compra/utilização efetiva de um produto ou serviço para que o fornecedor ofenda direito do consumidor. O CDC cuida de outras situações que ocorrem antes mesmo do fornecimento do produto/serviço como é o caso do modo pelo qual será este ofertado ao público (por exemplo, publicidades e anúncios). Em outros casos, como a indevida inclusão do nome de um consumidor em cadastro de devedores decorrente do uso fraudulento de seu CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) para contratação de uma linha telefônica, sequer houve utilização efetiva do serviço, mas, houve relação de consumo.
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