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5. O Ensemble Canoˆnico Neste cap´ıtulo desenvolveremos as ide´ias que nos permitem descrever de forma estat´ıstica um sistema em equil´ıbrio te´rmico com o meio que o contem, que chamaremos de reservato´rio. Vamos analisar o caso onde o sistema troca energia, mas na˜o part´ıculas, com o reservato´rio. Nosso objetivo inicial e´ obter a densidade de pontos representativos do espac¸o de fases, ρ(pN ,qN ). Introduzimos a notac¸a˜o resumida (pN ,qN) para representar (p1, · · · ,pN ,q1, · · · ,qN). 1 O conhec- imento de ρ(pN ,qN) nos permite calcular o valor esperado de qualquer observa´vel como discutido no Cap´ıtulo 3. A construc¸a˜o para obter ρ e´ muito semelhante aquela apresentada para discutir a entropia de um sistema constitu´ıdo de duas partes no ensemble microcanoˆnico. Consideremos um sistema isolado (microcanoˆnico) com N part´ıculas e volume V composto de dois subsistemas 1 e 2, cada qual com (N1, V1) e (N2, V2) part´ıculas e volume, que podem trocar energia um com o outro. Vamos supor ainda que N2 � N1 � 1. Dada esta condic¸a˜o, pode se dizer que o sistema 2 age como um reservato´rio para o sistema 1. Mudanc¸as em 1 tera˜o pouca influeˆncia em 2, mas a rec´ıproca na˜o e´ verdadeira. Vamos supor que as interac¸o˜es entre as part´ıculas sejam de curto alcance, de modo que possamos separar a hamiltoniana total do sistema em duas partes H(pN1 ,qN1) e H(pN2,qN2). Consideremos ainda que o sistema composto (1+2) tenha energia limitada por E e E + 2∆, e que E1 e E2 sejam as energias do subsistemas: E < E1 + E2 < E + 2∆ (1) 2 2, ;N V T 1 1, ;N V T Sistema 2 Sistema 1 troca de energia troca de energia Figura 1: Os dois subsistemas caracterizados por (N1, V1) e (N2, V2), onde N2 � N1 e V2 � V1, esta˜o equil´ıbrio te´rmico a uma temperatura T . Eles sa˜o postos em contato e trocam energia. Como no cap´ıtulo anterior, para subsistemas macrosco´picos as flutuac¸o˜es em E1 e E2 sa˜o muito pequenas. Como N2 � N1, assumimos que E2 � E1. A probabilidade de encontrarmos o sis- tema composto (1+2), o qual pertence por construc¸a˜o ao ensemble microcanoˆnico, no microestado 1Vale frisar que a notac¸a˜o impl´ıcita (p, q) ≡ (pN ,qN ) e´ muito mais coˆmoda, mas requer cautela para quem na˜o esta´ familiarizado com a mate´ria, pois pode levar a confusa˜o na contagem da dimensionalidade das integrac¸o˜es. Neste texto optamos por usar a notac¸a˜o expl´ıcita, em sala de aula costumamos usar a impl´ıcita. 50 (pN ,qN) e´ dado por ρ(pN ,qN) = { 1/Γ(E) se E < H(pN ,qN) < E + 2∆ 0 caso contra´rio . (2) Da´ı segue que a probabilidade de encontrarmos o subsistema 1 em (pN ,qN) e´ independente do microestado (pN2 ,qN2) e e´ dada por ρ(pN1,qN1) = ∫ E2<H(pN2 ,qN2 )<E2+∆ dN2qdN2p ρ(pN1 ,qN1,pN2,qN2) , onde o elemento de integrac¸a˜o dN2qdN2p = ∏N2 i=1 dqidpi. A densidade de microestados do sistema 1 depende apenas da energia E1 e pode ser escrita como ρ(pN1,qN1) ≡ ρ1(E1) ∝ Γ2(E − E1) . (3) Lembrando que apenas valores pro´ximos de E2 = E2 sa˜o importantes para (3) (veja discussa˜o no cap´ıtulo anterior), podemos aproximar a expressa˜o k ln Γ2(E − E1) = S2(E − E1) =S2(E)− E1 [ ∂S2(E2) ∂E2 ] E=E2 + · · · ≈S2(E)− E1 T (4) uma vez que E1 � E, e onde T e´ a temperatura do subsistema grande. Da´ı vem que Γ2(E − E1) = exp [ 1 k S2(E) ] exp ( −E1 kT ) , onde o primeiro termo de lado direito independe de E1, sendo constante no que se refere ao sub- sistema 1. Poder´ıamos argumentar tambe´m que como N1 � N2, ln Γ(E) ≈ ln Γ2(E) e que usando E1 = H(p N1 ,qN1) segue que ρ(pN ,qN) = e−H(p N ,qN )/kT , (5) onde omitimos o sub´ındice, uma vez que nos interessamos apenas pelo subsistema 1 e toda in- formac¸a˜o relevante oriunda de 2 e´-nos dada por T . Assim tratamos um sistema sujeito a` influeˆncia de um banho te´rmico. O ensemble correspondente a (5) e´ chamado de ensemble canoˆnico. Discussa˜o: interpretac¸a˜o, normalizac¸a˜o. O volume de espac¸o de fases ocupado pelo ensemble canoˆnico e´ chamado de func¸a˜o partic¸a˜o, dada por ZN (V, T ) = 1 N !h3N ∫ dNpdNq e−βH(p N ,qN ) , (6) onde β ≡ (kT )−1. Ale´m disto, como antes, e´ conveniente tornar ZN adimensional introduzindo a constante h que tem dimensa˜o “momento × distaˆncia”. O fator 1/N ! aparece para dar conta da “contagem correta de Boltzmann”. A integral e´ tomada sobre todo espac¸o de fases, embora isto implique em cobrir regio˜es onde E1 > E, fora da regia˜o de energia ocupada pelo sistema composto (1+2). No entanto, o integrando fica ta˜o pequeno que a aproximac¸a˜o e´ bastante aceita´vel. 51 5.1. Flutuac¸o˜es na energia no ensemble canoˆnico Embora o ensemble canoˆnico contenha sistemas de todas energias, a imensa maioria deles tem energia muito pro´xima de E1. Isto faz com que o ensemble canoˆnico seja praticamente equivalente ao microcanoˆnico. Estas afirmac¸o˜es sera˜o demonstradas no que se segue, calculando-se as flutuac¸o˜es quadra´ticas da energia ensemble canoˆnico. A energia interna do sistema e´ definida como a me´dia da energia sobre o ensemble, a qual podemos obter facilmente da func¸a˜o partic¸a˜o U ≡ 〈H〉 = ∫ dNpdNqH e−βH(p N ,qN )∫ dNp dNq e−βH(pN ,qN ) = − ∂ ∂β lnZN (V, T ) . (7) As flutuac¸o˜es na energia interna sa˜o obtidas atrave´s de ∂U ∂β = − ∫ dNpdNqH2 e−βH∫ dNpdNq e−βH + (∫ dNpdNqH e−βH )2 ( ∫ dNpdNq e−βH)2 = −〈H2〉 + 〈H〉2 , ou seja, a variaˆncia e´ 〈H2〉 − 〈H〉2 = 〈 (U −H)2 〉 = −∂U ∂β . (8) Como ∂U ∂β = ∂T ∂β ∂U ∂T = −kT 2 ∂U ∂T e ∂U ∂T = CV , podemos escrever que: 〈H2〉 − 〈H〉2 = 〈 (U −H)2 〉 = kT 2CV . (9) No limite termodinaˆmico, em geral, CV > 0. Uma vez que sabemos que 〈H〉 ∝ N e CV ∝ N , quando consideramos um sistema macrosco´pico, ou o limite de N � 1,√ 〈(H − U)2〉 〈H〉 ∝ 1√ N , (10) ou seja, para N � 1 todos os membros do ensemble tem uma energia interna 〈H〉. Esta´ demon- strada assim, a equivaleˆncia com o ensemble microcanoˆnico no limite termodinaˆmico. 5.2. O limite termodinaˆmico Vamos mostrar aqui como podemos recuperar relac¸o˜es termodinaˆmicas usuais das considerac¸o˜es acima desenvolvidas. Para tal vamos mostrar como e´ poss´ıvel expressar a func¸a˜o partic¸a˜o em termos de varia´veis termodinaˆmicas. Comecemos por expressar a integral sobre (pN ,qN) como uma soma apropriada de integrais em intervalos de energia n∆ < H < (n+ 1)∆ ZN (V, T ) = 1 N !h3N ∫ dNpdNq e−βH(p N ,qN ) = 1 N !h3N ∞∑ n=0 ∫ n∆<H<(n+1)∆ dNpdNq e−βH(p N ,qN ) . Para ∆ suficientemente pequeno, dentro de cada intervalo de energia podemos aproximarH(pN ,qN) ≈ n∆. Assim, ZN (V, T ) ≈ 1 N !h3N ∞∑ n=0 ∫ n∆<H<(n+1)∆ dNpdNq e−βn∆ = 1 N !h3N ∞∑ n=0 e−βn∆ ∫ n∆<H<(n+1)∆ dNpdNq , 52 o que simplifica bastante a integral no espac¸o de fase, que passa a ser simplesmente Γ(n∆). Fazendo E = n∆ e usando ω(E) = Γ(E)/∆, no limite continuo (∆→ 0) escrevemos ZN (V, T ) = ∫ ∞ 0 dE ω(E) e−βE = ∫ ∞ 0 dE e−βE+lnω(E) . Discutir o comportamento dos integrandos e−βH e ω(E). Usando S(E) = k lnω(E), obtemos ZN (V, T ) = ∫ ∞ 0 dE eβ[TS(E)−E] . (11) Em geral o ca´lculo exato da integral (11) e´ muito dif´ıcil. Podemos, no entanto, usar a aproximac¸a˜o do ponto de sela para estimarmos ZN (V, T ). A energia que maximiza TS(E) − E e´ U , como podemos ver atrave´s da expansaˆo em se´rie de Taylor em torno de E = U : TS(E)− E = TS(U)− U + ( T ∂S ∂E − 1 ) ∣∣∣∣∣ E=U (E − U) + ( T ∂2S ∂E2 ) ∣∣∣∣∣ E=U (E − U)2 + · · · e usando (∂S/∂E)E=U = 1/T , da termodinaˆmica, conclu´ımos que E = U e´ um ponto extremo da func¸a˜o TS(E)− E. Como ∂2S ∂E2 ∣∣∣∣∣ E=U = ∂ ∂E ( 1 T ) E=U = − 1 T 2 ( ∂T ∂E ) E=U = − 1 T 2CV < 0 , (12) E = U corresponde a um ponto de ma´ximo. Ou seja: TS(E)−E =( TS(U)− U ) − 1 2TCV (E − U)2 + · · · dando ZN (V, T ) =≈ eβ(TS−U) ∫ ∞ 0 dE e−(E−U) 2/2kT 2CV . (13) (Discuta qual e´ a contribuic¸a˜o do termo em U3 no expoente!) Desta relac¸a˜o e´ bastante fa´cil ver que a variaˆncia em energia dos sistemas que compo˜em o ensemble canoˆnico e´ dada por ∆E = √ kT 2CV e que as energias se distribuem gaussianamente. A integral (13) e´ facil de ser calculada. Fazendo a substituic¸a˜o x = (E−U)/√2kT 2CV escreve- mos ZN (V, T ) = e β(TS−U) ∫ ∞ − U√ 2kT2CV dx √ 2kT 2CV e −x2 . (14) Como U/ √ CV ∝ √ N � 1, podemos extender o limite de integrac¸a˜o inferior em (14) a −∞, o que da´ ZN (V, T ) = e β(TS−U) √ 2pikT 2CV . (15) 53 Sabemos da termodinaˆmica que a energia livre de Helmholtz F = U − TS. Isto nos permite identificar ZN (V, T ) = e −βF (T,V ) , (16) pois no limite de N � 1 recuperamos a relac¸a˜o termodinaˆmica, uma vez que de (15) F = U − TS − 1 2 kT lnCV (17) e o termo em CV e´ de ordem lnN , muito pequeno em relac¸a˜o aos demais. A Eq. (16) nos da´ o ponto de partida do roteiro para recuperarmos a termodinaˆmica atrave´s de F (V, T ) = −kT lnZN (V, T ) (18) e usando as relac¸o˜es de Maxwell da termodinaˆnica (ver apeˆndice B), vamos encontrar P = − ( ∂F ∂V ) T e S = − ( ∂F ∂T ) V (19) e assim por diante. Resumindo: se conhecermos H e pudermos manipular convenientemente as integrais saberemos calcular as varia´veis macrosco´picas da termodinaˆmica a partir de ingredientes microsco´picos do sistema. Formular de maneira mais operacional. Discutir diferenc¸as com o ensemble microcanoˆnico. 5.3. Tratamento de gases na˜o ideais Considere um sistema de N mole´culas (N � 1) contidas em uma caixa de volume V . A hamiltoniana do sistema e´: H = N∑ i=1 p2i 2m + ∑ i<j vij com vij = v(|qi − qj|) , onde {pi} e {qi} sa˜o o momento e a posic¸a˜o da i-e´sima mole´culas. O potencial intermolecular, para fins de convenieˆncia, pode ser expresso por: fij ≡ f(|qi − qj|) onde f(r) = e−βv(r) − 1 e tem em geral o formato dado pela Fig. 2. A func¸a˜o partic¸a˜o do sistema e´ dada por ZN (V, T ) = 1 N !h3N ∫ dNpdNq exp −β ∑ p2i 2m + ∑ i<j vij (20) onde a integral sobre os momentos pode ser feita trivialmente, resultando ZN (V, T ) = 1 N ! ( 2pimkT h2 )3N/2 ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) (21) 54 f(r)=exp[-βv(r)]-1 v(r) r Figura 2: A linha continua corresponde ao potencial intermolecular v(r) em func¸a˜o da distaˆntia entre duas mole´culas. O potencial e´ repulsivo a distaˆncias curtas e atrativo a longas. A linha tracejada corresponde a` func¸a˜o f(r). Portanto a energia livre de Helmholtz fica F = −kT lnZN = −kT ln 1N ! ( 2pimkT h2 )3N/2 ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) (22) Lembrando que P = −(∂F/∂V )T , nos livramos de todos os termos da integral de momentos, pois P = kT ∂ ∂V ln ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) (23) enta˜o Pv kT = v ∂ ∂V ln ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) + ( V ∂ ∂V lnV − V ∂ ∂V lnV ) (24) Pv kT = 1 + v ∂ ∂v 1N ln ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) + ln 1 V (25) Assim Pv kT = 1 + v ∂ ∂v Q(v, T ) (26) Onde Q(v, T ) = 1 N ln 1 V N ∫ dq1 · · · dqN ∏ i<j (1 + fij) Da´ı Q(v, T ) = 1 N ln 1 V N ∫ dq1 · · · dqN(1 + ∑ i<j fij + · · ·) e enta˜o para fijfjk � fij , de modo geral Q(v, T ) = ln [ 1 + N(N − 1) 2 1 V ∫ drf(r) + · · · ]1/N uma vez que ln(1 + x) = x− x2/2 + · · · Q(v, T ) ≈ N 2V ∫ drf(r) 55 Assim fica evidente que Pv kT ≈ 1− 1 2v ∫ ∞ 0 dr4pir2f(r) Resumo do cap´ıtulo e sugesto˜es bibliogra´ficas Este cap´ıtulo conte´m os princ´ıpios ba´sicos da mecaˆnica estat´ıstica cla´ssica. O material coberto nas u´ltimas pa´ginas, e´ portanto, a base de qualquer curso de graduac¸a˜o em f´ısica estat´ıstica e pode ser encontrado em um grande nu´mero de livros textos de excelente qualidade [1-4]. A opc¸a˜o por adiar a introduc¸a˜o da mecaˆnica quaˆntica e´ consciente, e visa tornar o texto mais leg´ıvel para quem se defronta com esta mate´ria pela primeira vez. Cabe ressaltar que a maioria dos bons textos da literatura na˜o usam esta estrate´gia [2-4]. O ponto fundamental, o qual deve ficar claro depois do estudo deste cap´ıtulo, e´ que o me´todo de Gibbs permite obtermos a termodinaˆmica a partir do conhecimento da interac¸a˜o microsco´pica das part´ıculas constituintes de um sistema. O prec¸o pago, e´ que abrimos ma˜o do conhecimento detalhado de nosso sistema (posic¸a˜o e momento de cada part´ıcula), para conheceˆ-lo bem apenas em me´dia (qualquer observa´vel). Problemas resolvidos 1. Um ga´s ideal constitu´ıdo de N part´ıculas de massa m esta´ contido em um cilindro infinitamete alto de sec¸a˜o transversal σ em um campo gravitacional uniforme e em equil´ıbrio te´rmico. (a) Calcule a func¸a˜o partic¸a˜o canoˆnica do sistema. (b) Calcule a energia livre de Helmholtz. (c) Calcule a energia interna do sistema e seu calor espec´ıfico (compare com o queˆ voceˆ esperaria do teorema da equipartic¸a˜o). Soluc¸a˜o: A hamiltoniana de um sistema de N part´ıculas na˜o interagentes de massa m em um campo gravitacional e´: H(pN ,qN) = N∑ i=1 p2i 2m + N∑ i=1 mgzi onde zi mede a altura da part´ıcula. (a) A func¸a˜o partic¸a˜o e´ dada por ZN (V, T ) = 1 N ! [ 1 h3 ∫ dq ∫ dp e−β(p 2/2m+mgz) ]N = 1 N ! [ Z1(V, T ) ]N , enta˜o se a sec¸a˜o transversal do cilindro for σ, temos ZN (V, T ) = 1 N ! [ 1 h3 σ ∫ L 0 dz e−mgz/kT (2pimkT )3/2 [N onde a integral sobre os momentos e´ trivial e L e´ a altura do cilindro. Se L→∞, enta˜o ZN (V, T ) = 1 N ! [ 1 h3 σ kT mg (2pimkT )3/2 ]N . 56 (b) A energia livre de Helmholz e´ dada por F (V, T ) = −kT lnZN (V, T ) = −kT ln [ 1 N ! ( 1 h3 σ kT mg (2pimkT )3/2 )N] . A fo´rmula de Stirling lnN ! ≈ N lnN −N nos permite escrever F (V, T )≈ −NkT ln [ σkTe N ( 2pimkT h2 )3/2] . (c) Para o ca´lculo da energia interna do sistema e de seu calor espec´ıfico, basta nos lembrarmos que U = − ∂ ∂β lnZN = kT 2 ∂ ∂β lnZN (V, T ) . Inserindo a expressa˜o obtido para a energia livre de Helmholtz escrevemos U = kT 2 ∂ ∂β ( N lnT 5/2 + termos independentes deT ) o que nos leva imediatamente a U = 5 2 NkT e CV = 5 2 Nk . Este exemplo parece estar em contradic¸a˜o com o valor de CV que usamos para gases ideais monoatoˆmicos. Por que enta˜o despezamos o potencial gravitacional quando consideramos gases contidos em em volume finitos (como por exemplo o ar na nossa sala de aula)? Dica: qual e´ o valor de L em relac¸a˜o a kT/mg para o ar a CNPT? 2. Considere um sistema de N mole´culas diatoˆmicas em uma caixa de volume V , obedecendo a hamiltoniana para part´ıcula independente H(p1,p2, r1, r2) = 1 2m (p21 + p 2 2) + �|r12 − r0| , onde r12 = |r1 − r2|, � > 0 e r0 > 0 (a) Mostre que o calor espec´ıcico a volume constante e´ CV kT = 6 − x 2 ( 2(x2 − 2) + (x+ 2)2 e−x ) (x2 + 2− e−x) com x ≡ �r0/kT . (b) Podemos aplicar o teorema da equipartic¸a˜o para este problema? Por queˆ? Soluc¸a˜o: Montemos a func¸a˜o partic¸a˜o canoˆnica: ZN(V, T ) = 1 (2N)!h6N {∫ dp1dp2dr1dr2 exp [ −β ( p21 + p 2 2 2m − �|r12 − r0| )]}N = 1 (2N)!h6N [ Z1(V, T ) ]N . 57 A integral sobre o espac¸o dos momentos, como usual, e´ simples, simplificando a expressa˜o acima para ZN(V, T ) = (2pimkT )3N (2N)!h6N QN1 (V, T ) onde Q1(V, T ) = ∫ dr1dr2 e−β�|r12−r0 | . Para o ca´lculo de Q1 e´ conveniente fazermos uma mudanc¸a de coordenadas r = r1 − r2 eR = (r1 + r2)/2, o que simplifica bastante a integral Q1(V, T ) = ∫ dR ∫ dr e−β�|r−r0 | = 4piV ∫ ∞ 0 drr2e−β�|r−r0 | . O problema fica enta˜o reduzido ao ca´lculo da integral Q1(V, T ) = 4piV (∫ r0 0 dr r2e−β�(r0−r) + ∫ ∞ r0 dr r2e−β�(r−r0) ) , cujo resultado, em termos de x ≡ β�r0, e´ Q1(V, T ) = 8piV (β�)3 ( 2− e−x + x2 ) . (a) A energia interna do sistema U = −(∂/∂β)ZN e´ U = − ∂ ∂β ln [ 1 (2N)!h6N (2pim/β)3N ] − ∂ ∂β lnQN1 , contendo uma parte trivial correspondendo aos momentos, ale´m da contribuic¸a˜o da parte potencial dada por QN . Como o problema pode ser separado em mole´culas independentes, QN fatoriza e podemos escrever U = 3N β −N ∂ ∂β lnQ1 onde ∂ ∂β lnQ1 = − 3 β + �r0 2x+ e−x 2 + x2 − e−x . Da´ı para obtermos CV e´ muito simples, pois CV = ( ∂U ∂T ) V = 6Nk − �r0N ∂ ∂x ( 2x+ e−x 2 + x2 − e−x ) e ∂/∂T = −(x/T )∂/∂x o que nos leva ao resultado final CV Nk = 6− x2 e −x(x+ 2)2 + 2(x2 − 2) (x2 + 2− e−x)2 (b) O calor espec´ıfico calculado acima discorda do valor predito pelo teorema da equipartic¸a˜o, o qual da´ CV = 6Nk, uma vez que cada mole´cula possui 12 graus de liberdade. No entanto, estes graus de liberdade na˜o sa˜o quadra´ticos na hamiltoniana, e mais grave ainda, a interac¸a˜o na˜o e´ suave, fazendo com que o teorema na˜o seja aplica´vel. Note que para x � 1 correspondendo ao limite de temperaturas muito altas, e´ plaus´ıvel que a mole´cula esteja ta˜o excitada que na˜o sente a singularidade no potencial interatoˆmico, e neste limite CV ≈ 6Nk. Problemas propostos 58 1. Mostre que para um ga´s ideal sem estrutura, no ensemble canoˆnico vale 〈 (H − U)3 〉 = k2 { T 4 ( ∂CV ∂T ) V + 2T 3CV } , onde T e´ a temperatura absoluta, CV e´ o calor espec´ıfico a volume constante e U = 〈H〉. 2. Um sistema e´ composto de N osciladores unidimensionais cla´ssicos. Suponha que o potencial dos osciladores contem um pequeno termo qua´rtico, ou seja V (x) = k0x 2 + αx4 , onde α〈x4〉 � kT . Em um expansa˜o em primeira ordem no paraˆmetro α calcule a correc¸a˜o anarmoˆnica para a lei de Dulong e Petit, a qual preveˆ para o oscilador harmoˆnico CV = Nk. 3. Qual e´ a energia te´rmica U a` temperatura T de uma part´ıcula de massa m movendo-se unidi- mensionalmente sob a ac¸a˜o de um potencial V (x) = α|x/a|n? Note que n = 2 corresponde ao caso do oscilador harmoˆnico. Os paraˆmetros α e a teˆm dimenso˜es de energia e comprimento respectivamente. 4. O movimento rotacional de uma mole´cula diatoˆmica e´ especificado por duas coordenadas angulares 0 ≤ ϕ ≤ 2pi e 0 ≤ θ ≤ pi e seus respectivos momentos conjugados pθ e pϕ. Suponha que a parte rotacional da hamiltoniana desta mole´cula diatoˆmica seja Hrot = p2θ 2I + p2ϕ 2I sin2 θ . (a) Mostre que func¸a˜o partic¸a˜o rotacional por mole´cula e´ dada por r(T ) = 2IkT/h¯2. (b) Calcule a entropia e o calor espec´ıfico do sistema. (c) Estas fo´rmulas sa˜o va´lidas para temperaturas “baixas”? Por queˆ? (d) Qual a previsa˜o para CV pelo teorema da equipartic¸a˜o? 5. Encontre a densidade como func¸a˜o da altura para um ga´s ideal na presenc¸a de um campo gravitacional constante. Considere a hamiltoniana H = N∑ i=1 ( p2i 2m +mg zi ) , onde 0 ≤ x, y ≤ L e 0 ≤ z <∞. (Sugesta˜o: use que a densidade e´ n(r) = 〈∑ δ(x− xi) δ(y − yi) δ(z − zi)〉 e tire a me´dia sobre o ensemble.) 6. Calcule o calor espec´ıfico a volume constante V de um ga´s no regime ultrarelativ´ıstivo, ou seja, onde a hamiltoniana e´ dada por H = N∑ i=1 pic , onde p = √ p2x + p 2 y + p 2 z e c e´ a velocidade da luz. 59 7. Teoria de Langevin do paramagnetismo: Considere um sistema de N a´tomos, cada um dos quais com um momento magne´tico intr´ınseco de magnitude µ. A parte da hamiltoniana do sistema que depende de um campo magne´tico H externo e´ Hmag(p, q) = −µH N∑ i=1 cosαi , onde H e´ o mo´dulo do campo magne´tico e αi e´ o aˆngulo entre H e o momento magne´tico do i-e´simo a´tomo. (a) Supondo que a parte da hamiltoniana independente de H se desacople de Hmag, obtenha a func¸a˜o partic¸a˜o canoˆnica “magne´tica”do sistema. (b) Mostre que o magnetizac¸a˜o na direc¸a˜o do campo magne´tico, M = µ ∑N i=1 cosαi e´: M = Nµ ( coth θ − 1 θ ) onde θ ≡ µH/kT . Lembre-se que M = −(∂F/∂H)T , onde F e´ a energia livre de Helmholtz. (c) Mostre que a susceptibilidade magne´tica do sistema e´ dada por χ = N µ2 kT ( 1 θ2 − 1 sinh2 θ ) lembrando que χ = (∂M/∂H)T . (d) A altas temperaturas χ satisfaz a lei de Curie, que diz que χ ∝ T−1. Encontre o coeficiente de proporcionalidade da relac¸a˜o, chamado de constante de Curie. 8. Considere um sistema cla´ssico de N mole´culas diatoˆmicas na˜o interagentes contidas em um volume V a uma temperatura T . A hamiltoniana de uma mole´cula isolada e´: H(p1,p2, r1, r2) = 1 2m (p21 + p 2 2) + 1 2 mω2|r1 − r2|2 , onde p1,p2, r1 e r2 sa˜o os momentos e coordenadas dos a´tomos de uma mole´cula. Calcule (a) A energia livre de Helmholtz F do sistema; (b) O calor espec´ıfico CV do sistema; (c) O diaˆmetro molecular quadra´tico me´dio das mole´culas do sistema 〈|r1−r2|2〉 como func¸a˜o da temperatura; 60
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