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4.1. Noções gerais sobre direito e decisão 4.1.1. O direito e os casos concretos - Os fatos da natureza estão em função das leis - No direito, o que se quer são realidades proporcionais, justas, no caso concreto. O conhecimento está em função do individual, das situações que serão solucionadas, da justiça que será distribuída. Não são as leis a finalidade última do estudo do jurista, inclusive porque elas são genéricas e, nesse sentido, incompletas e insuficientes. O jurista busca compreender a realidade, alcançar modelos e padrões, tendo em vista resolver da melhor forma situações específicas que lhe são apresentadas, relativas ao que é devido a cada um - Todo o aprendizado do direito converge para a questão da aplicação, ou determinação, do direito. - Vai além da interpretação. Ela [interpretação] nos auxilia a alcançar o sentido das normas gerais, sejam elas vinda da lei, da jurisprudência, dos costumes ou da doutrina. Assim, prepara o caminho para o estabelecimento do direito concreto, mas não chega a ele. - Falta a junção entre o estabelecido na norma e os fatos da vida. É o que se chama “aplicação da norma”, ainda que esta expressão seja inexata. - O correto estará em um meio termo, que nos permite reconhecer a grandeza do saber jurídico, também pela sua sutileza e consistência. O direito vai girar em torno de casos. - As regras servem de diretriz para se chegar a uma boa decisão, pelos motivos - Porque elas existem com anterioridade e permitem que as partes prevejam suas condutas e os efeitos a partir do que está previsto normativamente. - Seria muito trabalhoso se o magistrado fosse obrigado a estabelecer o direito em cada caso concreto, sem recorrer às experiências anteriores que foram armazenadas nas regras. - A regras foram formuladas normalmente dentro de uma situação serena, sem influência das paixões. 4.1.2. A tensão entre o geral e o individual no direito - É impossível buscar um direito que se explique e se resuma à análise de normas gerais, porque se esqueceria de que estas existem para ajudar no ajuste de situações individuais. No entanto, se o direito se limitasse a ser uma compilação de casos, ele jamais se desenvolveria. Necessitamos de classificações e generalizações, ou seja, da busca de elementos comuns, que permitam um saber organizado, que se eleve sobre o precário e meramente fático. - Ao trabalharmos com conceitos gerais, somos obrigados a mutilar parte da realidade. As normas e a doutrina tratam do mais comum; é uma limitação própria da nossa condição humana, incapaz de prever todas as possibilidades e de estar atenta a todas as sutilezas da vida - A dificuldade pode surgir ao aplicarmos o geral ao concreto. Na imensa maioria das vezes, isso não trará maiores dificuldades, contudo, há muitos casos em que não temos um encaixe perfeito entre a norma e a situação fática, e querer aplicar a norma estritamente leva a uma situação mais ou menos injusta. - Transferir o geral para o particular, resolver as questões jurídicas práticas, exige o domínio da técnica, a sensatez, o bom raciocínio e a análise treinada. 4.1.3. A subsunção e o silogismo jurídico - A aproximação entre o caso individual e a regulamentação abstrata dá-se por meio do silogismo jurídico. - Um silogismo é uma cadeia de argumentos, formado por duas premissas ou mais premissas, que desemboca em uma conclusão - uso do silogismo como uma estrutura exemplificadora, uma meta a ser alcançada na medida em que seja possível. Tendo sempre presente que, no âmbito jurídico, as premissas realmente podem ser duvidosas, o que consequentemente diminui o grau de certeza da conclusão. - Em um silogismo simples, a primeira premissa é chamada de maior, porque ela contém uma verdade mais geral, com a qual será comparada a segunda premissa. Esta é denominada premissa menor, e contém uma afirmação mais restrita. A conclusão derivará da ponderação da primeira premissa com a segunda, da comparação entre elas, que conduzirá à afirmação ou negação de algo. 4.1.4. A decisão no âmbito do raciocínio jurídico - No direito, além do conhecimento, está presente o elemento decisão - Se existem muitas teorias sobre a vontade, a liberdade e a razão, vamos aqui nos limitar a dois modelos que servem de arquétipos de todos os demais, no sentido de que as distintas explicações tenderão a um desses modelos. - O atualmente dominante, e também de confecção mais recente, é o que poderíamos denominar “liberdade de indiferença”. Segundo ele, a liberdade consistiria primordialmente na ausência de qualquer limite ou condicionamento externo. Assim, a vontade seria livre se ela tivesse como motor principal a si mesma, compreendida esta como carência de limitação ou de inclinação prévia. As escolhas se fundariam em um ato volitivo puro, que seria anterior e independente à própria inteligência. Uma vontade que fosse previamente iluminada pela razão, em que esta lhe mostrasse o que é melhor, perderia parte da sua liberdade. - O bem e o mal lhe são indiferentes, e quanto mais o forem, melhor estará garantida sua autonomia e sua causalidade de si mesma. - O modelo para explicar a relação entre vontade e inteligência seria o da “liberdade de qualidade”: a vontade não é livre principalmente por estar despida de limitações ou condicionamentos externos, mas sim porque é capaz de determinar-se por si mesma ao bem. Essa capacidade de escolher o bem é algo passível de crescimento e de diminuição, e por isso se poderia afirmar que uma pessoa pode ser mais livre do que outra. Logo, a liberdade suporia uma educação, para que o ser humano aprimore suas faculdades e consiga reconhecer o que é bom – através da inteligência – e aderir a ele – por meio da vontade – sem maiores dificuldades. - A inteligência é guia da vontade. Não teria sentido em falar de escolha, se não houvesse antes uma luz que mostrasse o que é melhor ou pior; a vontade não pode ser a primeira faculdade em termos lógicos ou temporais, porque o exercício dela pressupõe a opção arespeito de realidades conhecidas. - A razão é capaz de identificar o que é melhor e, a partir daí, orientar a vontade. Não significa que a vontade não tenha autonomia, mas que ela é guiada pela razão antes de escolher. As virtudes e vícios levam a que as faculdades racionais e apetitivas sejam aperfeiçoadas ou pioradas, implicando em um consequente aumento ou diminuição da liberdade - A “liberdade de indiferença”, por sua vez, assume que não há critérios objetivos e convincentes, por parte da razão, para orientar a escolha. Por isso, esta se explica apenas por si mesma, como o exercício puro e formal da vontade. - No campo do direito, que nos importa mais imediatamente, a liberdade de indiferença pressupõe que a escolha dos sujeitos é vazia ou neutra, sendo apenas limitada por algo externo ao agente, a norma jurídica. Se esta é seguida, o direito é cumprido, porque não há escolha superior, dentre as que possam ser realizadas nas fronteiras estabelecidas pela norma - Ao contrário, a liberdade de qualidade implica que o sujeito deve buscar o melhor, porque o exercício da vontade não é indiferente, mas sempre voltado para o que for mais conveniente e perfeito. - Uma decisão implica abdicar de outras possibilidades em favor daquela que foi escolhida, e para isso é necessário parar de pensar e definir - Para a liberdade de qualidade, a escolha é consequência da avaliação racional. Não algo automático e necessário, como se o pensar conduzisse sempre a uma determinada conclusão, mas sim tendencial, com a conclusão fundando-se nas razões que a precederam - O ato de vontade será livre: infundado, se adotarmos a indiferença, ou justificado em algo prévio a si mesmo, se nos inclinarmos para a qualidade 4.2.1. Interpretação, passo prévio da decisão jurídica - Diante de um caso concreto, é necessário buscar, no ordenamento, alguma norma que nos guie na confecção da decisão. É importante ressaltar que, ao proceder à procura da norma e à sua interpretação, não estamos agindo de maneira neutra ou indiferente. Antes, temos uma situação em carne e osso que devemos resolver, com pessoas concretas. - Não se trata de uma junção ou soma de normas ou fontes. Seria assim se cada uma delas bastasse por si mesma. No entanto, o que sucede é que as normas se explicam mutuamente: as leis são iluminadas pelos escritos dos estudiosos e pelos julgados, os costumes ajudam na interpretação, e a utilização desse conjunto ajuda a nortear a procura da ipsa res justa, do direito. - Ao inserir e analisar a norma dentro do ordenamento, também comparando-a com a realidade que ela visa regulamentar, poderemos concluir que o sentido das palavras daquela norma precisa ser adaptado, trabalhado, moldado, levando-o a aumentar ou diminuir em relação ao que seria o sentido primário - Tendo isso em vista, chamamos de interpretação restritiva a que considera que a norma, ao ser expressa por palavras, manifestou mais do que intentava, suas expressões deverão ser compreendidas de forma restritiva, com um alcance menor do que seria inicialmente o caso, em uma análise primária. A interpretação restritiva é/pode ser uma exigência da segurança dos cidadãos, especialmente frente o poder estatal - As palavras significam o que expressam de maneira estrita; se houver dúvidas, não podem ser estendidas, e sim restringidas em sua extensão. 4.2.3. As virtudes e dificuldades da interpretação extensiva - Segundo a interpretação extensiva, os conceitos presentes nas normas foram expressos de maneira menos ampla do que se pretendia ou deveria. Eles têm que ser compreendidos de maneira ampliada, extensiva, para então ser cumprido aquilo que foi almejado pelo legislador ou produtor da norma, quando a confeccionou. Haveria campos do direito especialmente apropriados para que neles se aplique a interpretação extensiva. - Assim, os direitos fundamentais, sendo que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º: § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. - Outro exemplo de interpretação extensiva é o que leva a atribuir a pessoas jurídicas vários dos direitos previstos para os indivíduos. Assim, a liberdade de manifestação de pensamento , o direito de propriedade, a honra e a igualdade são também atributos reconhecidos para pessoas jurídicas públicas e privadas, apesar de a letra das disposições constitucionais relativas a direitos fundamentais referirem-se de maneira inequívoca apenas às pessoas físicas - Às vezes, a interpretação extensiva não se configura por aumentar a extensão da norma, mas sim o seu conteúdo, levando a que uma parte seja obrigada a realizar algo que, da leitura inicial da disposição normativa, não lhe caberia. 4.3. Princípios para solucionar antinomias e lacunas na aplicação do direito - Para a elaboração da premissa maior do silogismo jurídico, há algumas regras técnicas que auxiliam nas soluções de possíveis ambiguidades e antinomias do ordenamento. - 3 princípios para solução de antinomias: superioridade, cronológico ou especialidade. Eles devem ser empregados simultaneamente, quando for necessário, sendo que não têm a mesma importância - O critério hierárquico é o mais fundamental, pois ele se relaciona diretamente à estrutura do ordenamento. A hierarquia é fruto direto da estrutura. - A estrutura do ordenamento implica em uma escala de normas, na qual a Constituição está no topo, por isso, ela controla o conteúdo, a interpretação e a confecção das demais normas. - Abaixo da Constituição, vêm as Emendas Constitucionais, bem como “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos. Uma vez que uma emenda alterou a Constituição, ela adquire a mesma força das normas constitucionais anteriores, entrando assim no topo da hierarquia. Nós as colocamos abaixo da Constituição porque a elaboração das emendas está regulada pelo texto constitucional. Nesse sentido, a emenda está subordina à Constituição; sendo aprovada, éuma norma de força constitucional como as demais. A seguir, temos as leis complementares, ordinárias e delegadas, as medidas provisórias e os tratados internacionais em geral. A medida provisória tem força de lei, e torna-se lei ordinária se for convertida a tal pelo Congresso Nacional, - O certo é que os decretos seguem o disposto pela lei e estão abaixo dela. Eles auxiliam a aplicar melhor a lei, a homogeneizar e aprimorar seu entendimento, criando regras de funcionamento que frequentemente são relevantes; mas estão abaixo na hierarquia de normas. - Instruções e regulamentos administrativos (atos mais específicos e temporários elaborados pela Administração Pública para regulamentar um serviço). Estaria correto colocar na hierarquia as chamadas normas individuais, como as sentenças judiciais e os negócios jurídicos. Esses têm que estar de acordo com as regras e princípios superiores, porque estão na parte mais baixa da escala normativa, pois dizem respeito diretamente aos indivíduos que terão ou não um determinado direito concreto. - Autores, como Kelsen, que consideram que o ordenamento jurídico apresenta aspectos estáticos – relacionados ao conteúdo das normas e a conceitos fundamentais que garantem a sua integridade – e dinâmicos. Estes últimos são mais importantes porque através deles são incluídas, modificadas e excluídas normas do ordenamento, de modo formal e procedimental, sem importar o que tais normas impõem. O direito é uma realidade reflexa, porque regulamenta a maneira como se forma e se adapta; normas estabelecem como normas entram e saem do ordenamento. Não é necessário aderir ao positivismo para aceitar que novas normas alterem o ordenamento, fazendo-o adaptar-se continuamente à realidade. Isso é necessário, de modo especial em sociedades dinâmicas e rápidas como as nossas, em que a comunicação e a interação entre os locais fazem com que uma geração viva de maneira significativamente diversa da anterior. Logo, é fácil concluir que, em princípio, as normas mais recentes devam substituir, ou modificar, ou reforçar, as normas antigas. - Pode suceder também que a norma editada determine a alteração de alguns artigos específicos de uma lei anterior. - Alguns autores propõem a diferença entre derrogação, que é a revogação parcial de uma norma, e a ab rogação, que é a revogação total e completa. - A proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada também é matéria constitucional um contrato celebrado não tem seu regime alterado porque a lei nova modificou o desenho daquele tipo negocial. Portanto, o que se deu em uma determinada situação, permanece regulado por ela. Há exceções como no Direito Penal, no qual a lei nova pode beneficiar o réu. - Quando há uma discrepância entre normas mais amplas com outras específicas, uma não revoga a outra, mas ambas convivem. - O motivo desse critério é que o direito admite generalizações, mas estas são sempre perigosas, como é sabido desde o tempo dos jurisconsultos romanos. Logo, é preferível aplicar uma norma específica, formulada em vista de circunstâncias particulares, que podem trazer consigo diferenças importantes, no lugar de uma regra mais ampla. - Surgem situações em que, de acordo com um desses princípios, uma norma deve prevalecer, enquanto segundo outro, seria outra a disposição a ser aplicada. Em teoria, o critério da hierarquia tem mais força que os demais. - O primeiro que devemos examinar: é se ambas estão em um mesmo nível na hierarquia. Se não estiverem, então a inferior deverá ser considerada inválida. - Às vezes, a norma de hierarquia inferior regulamenta o disposto na norma superior, e o faz limitando o enunciado por esta última. Seria então o caso de uma antinomia, ou uma concretização necessária e salutar, de modo que o direito em causa não seja utilizado abusivamente - As justificativas para estabelecer a validade ou não de normas a partir da sua adequação não pode levar a descartar a hierarquia das normas. A hierarquia é o primeiro critério a ser verificado, quando há dúvida na formulação da premissa maior de um silogismo jurídico. Com respeito aos critérios cronológico e da especialidade, ambos são examinados em um mesmo nível. A norma nova deverá sobrepor-se à anterior, se forem do mesmo nível na escala normativa e se der uma das situações previstas para a revogação das normas. - No entanto, se a norma mais nova for considerada especial em relação à norma anterior, sem que ambas regulam exatamente os mesmos casos, mas apresentam alcances diferentes, então ambas normas coexistirão. Nas situações que podem ser abarcadas pela lei nova mais específica, esta será a norma a incidir; as demais continuarão sob a égide da norma antiga mais geral. Caso tenhamos uma norma posterior mais geral, em relação a uma antiga mais específica, será necessário verificar se ambas podem se manter concomitantemente no ordenamento. À primeira vista, isso poderá suceder; apenas haverá dúvidas mais sérias se os princípios trazidos pela norma mais recente forem incompatíveis com os estabelecidos pela norma anterior. Porém, como se trata de uma norma posterior mais específica, irá buscar-se, na medida do possível, manter a validade das duas normas. Garantindo-se, assim que a mais específica regule parte dos casos que antes cabiam para a norma geral, e que esta mantenha seu vigor em relação às situações que não foram abrangidas pelas novas disposições normativas. 4.4. As questões de fato e a premissa maior do silogismo - Miguel Reale identificou a relação constante entre os fatos da vida social e as normas. - A confecção de ambas premissas, conforme repetimos, é um processo de ida e volta entre elas. Não é possível descobrir a norma sem ter diante de si os fatos; por outro lado, estes têm aspectos relevantes e outros descartáveis ou inúteis, o que apenas pode ser diferenciado tendo em vista o previsto a norma. O raciocínio jurídico, portanto, é eminentemente dialético, mesmo que estejamos tentando encaixá-lo, por motivos didáticos, na estrutura silogística. - Ao delimitar a situação de fato,apenas entra o que é relevante para o direito/o que implica em uma alteração na relação de justiça.Haverá aspectos que vão alterar a situação de maneira drástica, enquanto outros significam pouco ou mesmo nada. - Para definir aquilo do fato que será levado em conta em um silogismo jurídico, ajuda especialmente conhecer as normas. As disposições normativas preveem diferenças de tratamento de acordo com aspectos presentes na situação de fato, enquanto que outras particularidades são deixadas de lado. Assim, o ordenamento guia o jurista na distinção dos pormenores que entrarão ou não na realização da premissa menor. - Além de avaliar somente o que é importante, dando os distintos pesos para cada um dos fatores que compõem a situação de fato, o silogismo jurídico exige, como regra geral, que na premissa menor entre apenas entre aquilo que foi provado. - Caso o interessado não seja capaz de fundamentar em provas aquilo que afirma, ainda que seja verdade, esse fato não entrará no silogismo jurídico. Era como se não existisse. - As regras a respeito da produção de provas visam ordenar o processo e garantir um procedimento ético no desenvolvimento do mesmo. Daí a previsão de prazos, que visam garantir a diligência e agilidade para se chegar à decisão, bem como a possibilidade de uma parte se manifestar a respeito de qualquer elemento probatório trazido pela outra. Por isso, não são aceitas provas ou argumentos depois de certo momento; não é algo meramente formalista, mas uma necessidade de qualquer empreendimento humano que vise alcançar um fim prático; no caso, a decisão judicial. - As provas têm sua produção regulada pelas normas jurídicas. - Não há critérios pré-determinados sobre o peso dado a cada tipo de prova; cabe ao julgador construir seu conhecimento e convencimento a respeito do que sucedeu, tendo em vista as provas que lhe foram trazidas. Ao mesmo tempo, o livre convencimento não significa falta de fundamentação ou intuição pura e simples. - Se o juiz escolhe e determina com base em raciocínios ligados ao exame das provas e à interpretação das leis, ou se ele decide de forma intuitiva e apenas fundamenta posteriormente para fornecer uma aparência de racionalidade. Seria um exagero sustentar que os magistrados sempre agem de maneira arbitrária, como propõem algumas escolas autodenominadas realistas; ao mesmo tempo, seria ingênuo considerar que as pessoas decidem apenas com critérios razoáveis, sem preconceitos. - Se a pessoa justificar de maneira verossímil e razoável sua escolha, isso é suficiente para o âmbito jurídico. Porque isso ao menos possibilita debater o que foi indicado pela autoridade; - Um elemento que auxilia no estabelecimento dos fatos que farão parte da premissa menor são as presunções.Estabelecem que alguns fatos devem ser tidos por verdadeiros, se determinadas circunstâncias ocorreram. - As presunções indicam quem tem o ônus de provar. Uma classificação clássica das presunções é a que as dividia entre presunções de fato, ou relativas, e de direito, ou absolutas. As primeiras admitiriam provas contrárias, enquanto as segundas não. - A confecção da premissa menor do silogismo jurídico é bastante técnica. Também ela é regulamentada por normas, que indicam presunções, validades, prazos e fundamentações. É uma atividade ordenada, dentro de um processo, por meios lícitos. Nada disso diminui a ambição do direito de chegar à verdade fática, a fim de dar a cada um o devido. 5. Positivismo e jusnaturalismo: discussões atuais - A tradição do jusnaturalismo sustenta que tudo o que é razoável, nesse mesma medida pode ser considerado natural, porque o elemento específico da natureza humana é a racionalidade. As normas, assim, deveriam estar de acordo com a razão; com o que é correto e justo. Nem sempre isso sucede, mas é um defeito, não algo indiferente, como se não importasse ao direito a correção das normas - Jusnaturalismo “duro”, segundo o qual uma norma não seria válida, juridicamente falando, se não respeitasse certos valores e um determinado nível de correção moral e política. - Quando autores da linha “dura” do positivismo, tratam da validade da lei, não empregam esse conceito no mesmo modo que fazemos hoje. Para eles, validade é a qualidade do que tem valor, robustez, embasamento; não o termo técnico jurídico, conforme postulado por Kelsen e hoje tão influente na teoria do direito. Por isso, ao dizerem que a lei injusta não é lei, ou é inválida, estavam próximo de defenderem que se tratava de uma lei equivocada, fraca, defeituosa. Ora, isso é admitido por outras escolas, não apenas pelos defensores do jusnaturalismo “forte”. - O segundo grupo de jusnaturalistas seria os da linha “fraca”, que admitiria que uma norma poderia ser válida segundo critérios formalistas e meramente legais, mas que seu conteúdo ou correção é um elemento fundamental para determinar em que medida ela deverá ser obedecida ou corrigida pelos aplicadores do direito. Os elementos do justo natural existem e devem ser seguidos por qualquer ordenamento que se pretenda justo, não tirânico; no entanto, se as normas são ruins, nem por isso deixam de fazer parte do ordenamento jurídico. - Uma norma injusta deveria em princípio ser obedecida, devido à importância de que o ordenamento em geral seja respeitado. Ao mesmo tempo, ela seria aplicada do modo que menos ferisse a justiça, para que aos poucos fosse se adequando aos critérios de correção. - Por sua vez, os positivistas negam que haja uma relação necessária entre validade da norma e sua correção ou conteúdo moral. O ordenamento jurídico é fruto da sociedade, sem que esta tenha um norte além de si mesma para orientá-la. O direito é algo que está aí, diferente em cada grupo social, que se regula conforme suas regras e estilos historicamente desenvolvidos. - O debate entre positivistas e jusnaturalistas levou a que as duas escolas em parte alterassem ou matizassem suas opiniões. Isso se deu com mais força entre os defensores do jusnaturalismo “fraco”, que admitiam que, ao tratar de validade das normas em sentidotécnico, se poderia aceitar as explicações de teorias como a de Hart sem maiores problemas. Apenas seria preciso admitir que há uma busca de correção e moralidade no direito, que não pode ser deixada para trás e que influi na determinação de se uma norma entra ou não no ordenamento jurídico, conforme a regra de reconhecimento proposta por Hart. - Hart definiria a si mesmo como um “positivista moderado”, para o qual critérios morais e de correção poderiam fazer parte da norma de reconhecimento de um determinado sistema jurídico, ainda que isso não se desse com todos os ordenamentos. Essa corrente atualmente é chamada de “positivismo inclusivo”, porque pode incluir, na determinação do direito, critérios morais e de correção. Não é necessário limitar o reconhecimento das normas a critérios “jurídicos” puros, ou seja, estabelecidos por outras normas socialmente reconhecidas sem qualquer juízo de valor. Não se deve concluir que o positivismo inclusive e o jusnaturalismo fraco ou suave se assimilam. Para o primeiro, os elementos morais e de correção são possíveis de adquirir relevância, mas não precisam tê-la; o jusnaturalismo “suave”, pelo contrário, considera que necessariamente haverá aspectos morais e de justiça na determinação e interpretação das leis - Existe também o positivismo “forte” ou “estrito”, representado por autores como Joseph Raz e Andrei Marmor. Para esta vertente, a validade jurídica é uma questão apenas de fontes, e não de conteúdo. Tendo uma norma sido produzida de acordo com as fontes de direito socialmente aceitas, elas serão válidas. Os argumentos morais, jusnaturalistas ou de correção somente atrapalham e trazem incoerência para o mundo jurídico. Para Marmor, as fontes jurídicas não podem incluir dados morais, porque as fontes são incapazes de influir na moral. A moral é algo distinto do direito, e não cabe a este propor regras que, apenas por serem jurídicas, teriam reflexos no campo moral. - Em contraposição ao positivismo inclusivo, a posição que não admite elementos morais ou de correção na determinação do jurídico é denominada de “positivismo exclusivo”. Se baseia nas fontes, inclusive sua noção central é chamada de source thesis, ou tese das fontes, no caso jurídicas; isto é, apenas estas são suficientes para determinar o que é o direito em uma sociedade, sem a necessidade de recorrer a elementos distintos. Estrutura do silogismo jurídico Premissa jurídica => Premissa fática = Conclusão
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