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jadson.melo@bol.com.br 1 Direito Penal – Parte Geral Suspensão condicional da pena Verdadeira medida descarcerizadora, a suspensão condicional da pena tem por finalidade evitar o aprisionamento daqueles que foram condenados a penas de curta duração, evitando-se, com isso, o convívio promíscuo e estigmatizante do cárcere. Direito subjetivo do condenado ou faculdade do juiz? Muito se tem discutido se a concessão da suspensão condicional da pena, conhecida também por sursis, é um direito subjetivo do condenado ou uma faculdade atribuída ao julgador ao proferir a sua decisão. Pela redação do art. 77 do Código Penal, somos induzidos, equivocadamente, a acreditar ser uma faculdade do juiz, pois o mencionado artigo diz que a execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 [dois] anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos... A lei penal usa a expressão poderá ser suspensa, sugerindo ser uma faculdade do juiz. Contudo, esse não é o melhor entendimento. Isso porque o art. 157 da Lei de Execução Penal determina que o juiz ou tribunal, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada pelo seu art. 156, deverá pronunciar-se motivadamente sobre a suspensão condicional, quer a conceda quer a denegue. Ao determinar o obrigatório pronunciamento do juiz, a lei penal exigiu fossem analisados todos os requisitos que possibilitam a suspensão condicional da pena, os quais, se preenchidos, conduzirão à sua concessão pelo juiz. Assim, trata-se de direito subjetivo do condenado, e não simples faculdade do julgador, pois, conforme já decidiu o STF, "o réu tem direito à suspensão condicional da pena, se preenchidos os requisitos legais. Habeas corpus concedido para garantir o benefício" (HC 63.038-3-SP - 2a Turma - Rei. Francisco Rezek. 18/6/1985, p. 12.608). Aplicação do sursis Concluindo pela prática da infração penal, o juiz condenará o réu e dará início a aplicação da pena, atendendo ao critério trifásico previsto pelo art. 68 do Código Penal. Se o quantum da pena total aplicada se encontrar nos limites previstos pelo art. 77 do Código Penal, deverá o juiz analisar os requisitos necessários à concessão do sursis. Se presentes, concederá a suspensão condicional da pena e, na própria sentença condenatória, especificará as condições a que se terá de sujeitar o condenado, em substituição à sua privação de liberdade, pois, segundo o art. 78 do Código Penal, durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. Essas condições podem ser legais ou judiciais. Legais são aquelas já determinadas previamente pela lei penal, elencadas pelo § 2º do art. 78 do Código Penal, a saber: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Judiciais são as condições determinadas pelo juiz, devendo ser adequadas ao fato, bem como à situação pessoal do condenado (art. 79 do CP). Não poderá o julgador, por exemplo, arbitrar condições vexatórias, humilhantes ou que agridam a consciência do condenado. Transitada em julgado a sentença penal condenatória, o juiz da execução designará data para a realização da audiência admonitória, na qual serão lidas ao condenado todas as condições que lhe foram impostas ao cumprimento do sursis, advertindo-o das conseqüências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas (art. 160 da LEP). Se intimado, pessoalmente ou por edital com prazo de vinte dias, o agente não comparecer injustificadamente à audiência admonitória, a suspensão ficará sem efeito e será executada imediatamente a pena (art. 161 da LEP). Comparecendo à audiência admonitória, depois de ouvir a leitura das condições que lhe foram impostas para a suspensão condicional da sua pena, deverá o condenado dizer se as aceita, dando-se, assim, início ao período de prova, ou se as recusa, preferindo cumprir a pena privativa de liberdade que lhe fora aplicada por intermédio da sentença penal condenatória. Deve-se ressaltar que o juiz poderá, a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabelecidas na sentença, ouvido o condenado (art. 158, § 2º, da LEP). Requisitos para a suspensão condicional da pena O art. 77 do Código Penal elenca os requisitos objetivos e subjetivos necessários à concessão da suspensão condicional da pena, dizendo: Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. § 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. § 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 4 (quatro) anos, poderá ser suspensa, por 4 (quatro) a 6 (seis) anos, desde que o condenado seja maior de 70 (setenta) anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. Espécies de sursis O Código Penal prevê quatro espécies de suspensão condicional da pena, a saber: a) sursis simples; b) sursis especial; c) sursis etário; d) sursis humanitário. O sursis simples veio previsto no § lº do art. 78 do Código Penal. Uma vez determinado o período de prova, no qual jadson.melo@bol.com.br 2 deverá cumprir todas as condições que lhe foram determinadas na sentença penal condenatória, o condenado, no primeiro ano do prazo, deverá prestar serviços à comunidade (art. 46 do CP) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48 do CP). O sursis especial encontra-se no § 2º do art. 78 do Código Penal. Nesta segunda modalidade, se o condenado tiver reparado o dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do § 1º, ou seja, a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana, pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Além dessas condições, poderá o juiz impor outras, nos termos do art. 79 do Código Penal, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. Sursis etário é aquele concedido ao maior de 70 anos de idade que tenha sido condenado a uma pena privativa de liberdade não superior a quatro anos. Nesta hipótese, a pena poderá ser suspensa por quatro a seis anos. O sursis humanitário foi uma inovação trazida pela Lei nº 9.714/98, permitindo, agora, ao condenado a umapena não superior a quatro anos, ver concedida a suspensão condicional pelo período de quatro a seis anos, desde que razões de saúde a justifiquem. Assim, condenados portadores do vírus HIV, tuberculosos, paraplégicos ou aqueles que tenham sua saúde seriamente abalada poderão ser beneficiados com o sursis, evitando, dessa forma, o agravamento da sua situação que certamente aconteceria se fosse jogado no cárcere. Revogação obrigatória O art. 81 do Código Penal determina: Art. 81. A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário: I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; II - frustra, embora solvente, a execução da pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano; III - descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código. Revogação facultativa O § lº do art. 81 do Código Penal assevera que a suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por contravenção, à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Duas, portanto, as causas de revogação facultiva: a) descumprimento de qualquer condição sursitária; b) condenação irrecorrível, por crime culposo ou por contravenção, à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Prorrogação automática do período de prova O § 2º do art. 81 do Código Penal assevera que, se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo. Tal prorrogação é automática, não havendo necessidade de ser declarada nos autos. O juiz, obviamente, ao tomar notícia de outro processo por crime ou contravenção envolvendo o beneficiário, decidirá no sentido da prorrogação. O que estamos querendo dizer é que, se porventura a notícia de outro processo surgir decorrido o prazo correspondente ao período de prova sem que tenha sido, ainda, declarada a extinção da pena, não terá o beneficiário direito subjetivo em vê-la reconhecida, bem como não haverá qualquer ilegalidade da parte do julgador que determinar a prorrogação do período de prova mesmo após decorrido completamente o seu prazo. Cumprimento das condições Expirado o prazo sem que tenha havido revogação do benefício, será considerada extinta a pena privativa de liberdade, conforme determina o art. 82 do Código Penal. A extinção da pena privativa de liberdade deverá ser decretada nos autos pelo juízo das execuções, ouvido sempre o Ministério Público. Isso porque se o condenado estiver respondendo a outras ações penais, não poderá o julgador decretar a extinção da pena, pois se o beneficiário estiver sendo processado por outro crime ou contravenção considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo, nos termos do § 2º do art. 81 do Código Penal. Deverá o Ministério Público, antes de opinar pela decretação da extinção da pena, requerer aos órgãos competentes a folha de antecedentes criminais do beneficiário, a fim de saber se existe, ainda, algum outro processo pendente de julgamento. Depois de certificar-se de que não existe outro feito além daquele no qual o condenado estava cumprindo as condições sursitárias, expirado o período de prova, deverá emitir parecer favorável à decretação da extinção da pena. Livramento condicional Durante o cumprimento de sua pena, o condenado poderá fazer jus a uma série de benefícios legais, podendo destacar-se, dentre eles o livramento condicional. Como medida de política criminal, o livramento condicional permite que o condenado abrevie sua reinserção no convívio social, cumprindo parte da pena em liberdade, desde que presentes os requisitos de ordem subjetiva e objetiva, mediante o cumprimento de determinadas condições. O livramento condicional assume, portanto, papel de grande importância na ressocialização do condenado, fazendo com que tenha esperança de um retorno mais abreviado à sociedade, evitando sua prolongada permanência no cárcere. O pedido de livramento condicional deverá ser dirigido ao juiz da execução, que, depois de ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário, deverá concedê-lo, se presentes os requisitos do art. 83, incisos e parágrafo único do Código Penal, pois trata-se de direito subjetivo do condenado, e não uma faculdade do julgador, como induz jadson.melo@bol.com.br 3 a redação contida no caput do art. 83 do estatuto repressivo. Requisitos do livramento condicional O art. 83, incisos e parágrafo único do Código Penal traçam os requisitos necessários à concessão do livramento condicional, verbis: Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê- lo, o dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir. Pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos - 0 primeiro requisito de natureza objetiva diz respeito ao tempo mínimo de pena aplicada ao condenado. Para que seja viabilizado o livramento condicional é preciso que o total das penas privativas de liberdade aplicadas seja igual ou superior a 2 (dois) anos, mesmo que para se chegar a esse quantum sejam somadas todas as penas correspondentes às diversas infrações penais praticadas, nos termos do art. 84 do Código Penal. Cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes - Para que o condenado possa ser beneficiado com o livramento condicional é preciso que, nos termos do inciso I do art. 83 do Código Penal, tenha ele cumprido mais de um terço da pena que lhe foi aplicada, desde que não seja reincidente em crime doloso e que tenha bons antecedentes. A segunda hipótese do livramento condicional está destinada aos condenados reincidentes em crimes dolosos. Entendemos, também, que o portador de maus antecedentes, em face da redação do inciso anterior, deve cumprir mais da metade da pena, a fim de poder requerer a concessão do livramento condicional. O cumprimento de mais da metade da pena é o requisito objetivo, no caso do reincidente em crime doloso ou portador de maus antecedentes. Comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto - O condenado deverácomprovar que durante a execução de sua pena cumpriu as obrigações que lhe são determinadas pelo art. 39 da Lei de Execução Penal, bem como ter tido um comportamento disciplinado, obedecendo aos servidores responsáveis pelo serviço de carceragem e respeitando-os, opondo-se aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou subversão da ordem ou da disciplina, executando os trabalhos, as tarefas e as ordens recebidas, enfim, demonstrando que a pena estava cumprindo a sua função ressocializadora. Tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração - A reparação do dano causado pela infração penal levada a efeito pelo agente constitui um dos requisitos de ordem subjetiva elencados pelo art. 83 do Código Penal. Segundo as lições de Mirabete, "não pode postular o benefício o sentenciado que, não demonstrando haver satisfeito as obrigações civis resultantes do crime, igualmente não faça a prova da impossibilidade de reparar o dano causado pelo delito. Não tendo o condenado condições de reparar o dano causado pela infração penal, deverá comprovar essa situação nos autos. Se assim o fizer, poderá ser-lhe concedido o benefício, preenchidos os demais requisitos. Cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza - O inciso V foi introduzido no art. 83 do Código Penal pela Lei nº 8.072/90, aumentando o tempo de cumprimento de pena para fins de livramento condicional para os crimes por ela previstos. Trouxe-nos de volta, ainda, o instituto da reincidência específica, que terá o condão de impedir a concessão do livramento condicional. Vejamos as novas situações criadas pela Lei nº 8.072/90. Condições para o cumprimento do livramento Ao analisar o pedido de livramento condicional, se o condenado preencher os requisitos objetivos e subjetivos previstos pelo art. 83 do Código Penal, o juiz da execução deverá concedê-lo, pois trata-se de direito subjetivo do condenado, mediante o cumprimento de determinadas condições, a serem especificadas na sentença (art. 85 do CP). Nos termos do § 1º do art. 132 da Lei de Execução Penal, serão sempre impostas ao liberado condicional as seguintes obrigações: a) obter ocupação lícita, no prazo razoável, se for apto para o trabalho; b) comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; c) não mudar do território da comarca do Juízo da Execução sem prévia autorização deste. Além dessas, o § 2º do art. 132 da Lei de Execução Penal diz ainda ser facultado ao juiz da execução impor ao liberado as obrigações de: a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; jadson.melo@bol.com.br 4 b) recolher-se à habitação em hora fixada; c) não freqüentar determinados lugares. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do Conselho Penitenciário e ouvido o liberado, poderá modificar as condições especificadas na sentença, devendo o respectivo ato decisório ser lido ao liberado por uma das autoridades ou funcionários indicados no inciso 1 do art. 137 da Lei de Execução Penal, observado o disposto nos incisos II e III, §§ 1º e 2º do mesmo artigo (art. 144 da LEP). Procedimento do livramento condicional Após concedido o livramento condicional, especificadas as condições ou obrigações a que terá que se submeter o liberado, será expedida a carta de livramento com cópia integral da sentença em duas vias, remetendo-a à autoridade administrativa incumbida da execução e outra ao Conselho Penitenciário (art. 136 da LEP). Em seguida, será designada data para a cerimônia do livramento, que será realizada solenemente no dia marcado pelo presidente do Conselho Penitenciário, no estabelecimento onde está sendo cumprida a pena, cuja sentença será lida ao liberando, na presença dos demais condenados, pelo presidente do Conselho Penitenciário ou membro por ele designado, ou, na falta, pelo juiz (art. 137,I, da LEP). A finalidade de se fazer a leitura da sentença na presença dos demais condenados é estimular os detentos a que também procurem preencher, principalmente, os requisitos subjetivos necessários à concessão do benefício, permitindo-lhes ter a esperança de retornar ao convívio em sociedade, cumprindo parte de sua pena em liberdade. A autoridade administrativa chamará a atenção do liberando para as condições impostas na sentença de livramento, perguntando-lhe se as aceita, devendo o liberando expressar sua vontade (art. 137, II e III, da LEP). De tudo, em livro próprio, será lavrado termo subscrito por quem presidir a cerimônia e pelo liberando, ou alguém a seu rogo, se não souber ou não puder escrever (art. 137, § Ia, da LEP). Cópia desse termo deverá ser remetida ao juiz da execução (art. 137, § 2º, da LEP). Ao sair o liberado do estabelecimento penal, ser-lhe-á entregue, além do saldo de seu pecúlio e do que lhe pertencer, uma caderneta, que exibirá à autoridade judiciária ou administrativa sempre que lhe for exigida. A caderneta conterá: a) a identificação do condenado; b) o texto impresso da seção V, da Lei de Execução Penal, que cuida dos dispositivos legais relativos ao livramento condicional; c) as condições impostas (art. 138, § l2, alíneas a, b e c, da LEP). Na falta da caderneta, será entregue ao liberado um salvo- conduto em que constem as condições do livramento, podendo substituir-se a ficha de identificação ou o seu retrato pela descrição dos sinais que possam identificá-lo (art. 138, § 2º da LEP). Na caderneta e no salvo-conduto, deverá haver espaço para consignar o cumprimento das condições referidas no art. 132 da Lei de Execução Penal. Revogação do livramento condicional Os arts. 86 e 87 do Código Penal preveem, respectivamente, as duas hipóteses de revogação do livramento condicional, sendo obrigatória no primeiro caso e facultativa no segundo. O mencionado art. 86 deve ser analisado juntamente com o art. 88 do Código Penal, que determina. A primeira hipótese de revogação, tida como obrigatória, ocorre em virtude de ter o agente cometido novo crime após ter sido colocado em liberdade, quando já havia iniciado o cumprimento das condições aplicadas ao livramento condicional. A prática de novo crime demonstra a sua inaptidão para cumprir o restante da pena anterior em liberdade, devendo, pois, ser revogado o benefício, somando-se as penas, anterior e posterior, para efeitos de novo cumprimento. Como penalidade por ter praticado o crime após o início do livramento condicional, o liberado perderá todo o período em que permaneceu livre. Assim, se o condenado, após dois anos de efetivo cumprimento de sua pena, restando ainda quatro anos a cumprir, decorrido um ano de livramento condicional vier a praticar novo crime, esse tempo que permaneceu em liberdade, cumprindo determinadas condições, será perdido. O tempo total de pena anterior - quatro anos - será somado com a condenação posterior, para efeitos de cumprimento da pena privativa de liberdade. Extinção da pena Tendo cumprido todo o período de prova sem que tenha havido revogação do benefício, o juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do MinistérioPúblico ou mediante representação do Conselho Penitenciário, declarará a extinção da pena, salvo enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido durante a vigência do benefício (art. 89 do CP). Ação penal O conceito de ação pode ser facilmente entendido. Quem contempla a atividade processual vê o exercício: de um direito do autor: direito de exigir a proteção do Estado ou direito de ação; de um poder jurídico do Estado sobre o autor e réu: poder de jurisdição; de um direito do réu: direito de defesa. Carnelutti diz que o ponto de vista que se consolidava cada vez mais, o qual considerava verdadeiro, era o de que o "direito subjetivo processual, ao qual se costuma chamar de ação ou direito de ação, é um direito subjetivo público, que pertence a parte, não frente a seu adversário, senão frente ao juiz, sendo que a este compete o dever de fazer tudo quanto é necessário para se pronunciar sobre a demanda, propondo-lhe uma sentença justa. jadson.melo@bol.com.br 5 Condições da ação Para que o Estado possa conhecer e julgar a pretensão deduzida em juízo, será preciso que aquele que invoca o seu direito subjetivo à tutela jurisdicional preencha determinadas condições, sem as quais a ação se reconhecerá natimorta, ou seja, embora já exercitada, não conseguirá alcançar a sua finalidade, pois perecerá logo após o seu exercício. O art. 395, II, do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, assevera que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal. Assim, são condições necessárias ao regular exercício do direito de ação de natureza penal: a) legitimidade das partes; b) interesse de agir; c) possibilidade jurídica do pedido; d) justa causa. Legitimidade das partes A legitimidade ativa no processo penal é expressamente determinada pela lei, que aponta o titular da ação, podendo tanto ser o Ministério Público, órgão acusador oficial, ou o particular. Podemos subdividir essa legitimidade ativa em primária e secundária, pois, em determinadas ocasiões, a lei pode transferir essa legitimidade a outra pessoa que não o titular original. Como exemplo, podemos trazer a hipótese na qual o Ministério Público, por inércia, deixa de oferecer a denúncia no prazo legal, transferindo-se o direito de propor a ação penal ao particular, por meio de uma ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, ou seja, subsidiária àquela que deveria ter sido proposta pelo órgão oficial, legitimado primariamente a propô-la. Poderá ocorrer a mudança de legitimação ativa também na hipótese de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, uma vez que o seu direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 100, § 4º, do CP e art. 31 do CPP). Legitimado passivo6 será aquele em face do qual se propõe a ação, atribuindo-lhe a prática de uma infração penal, narrada na peça inaugural, mesmo que, posteriormente, venha a ser absolvido. Interesse de agir O interesse de agir, no processo penal, decorre da necessidade de ter o titular da ação penal que se valer do Estado para que este conheça e, se for convencido da infração penal, condene o réu ao cumprimento de uma pena justa. Liebman dizia que "o interesse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste no interesse em obter o provimento solicitado".8 Podemos bipartir esse interesse de agir em: interesse-necessidade e interesse-utilidade da medida. Assim, por exemplo, quando o agente pratica uma infração penal, abre-se ao Estado a possibilidade de fazer valer o seu ius puniendi. Contudo, a aplicação da pena ficará sujeita, sempre, ao devido processo legal. Por mais que o réu assuma a culpa do fato criminoso por ele levado a efeito, não poderá o Ministério Público, por exemplo, fazer com que, antes da ação penal, cumpra qualquer sanção de natureza penal. Mesmo na hipótese dos chamados Juizados Especiais Criminais, em que o Ministério Público, nas infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo - embora não exista ainda ação, isto é, embora não haja uma acusação formal perante o juízo criminal, imputando ao autor dos fatos a prática de uma infração penal, com o conseqüente pedido de condenação -, não podemos deixar de visualizar, no caso de proposta de transação penal, que importa na aplicação imediata de medida restritiva de direitos ou multa, a necessidade da tutela jurisdicional, pois somente ao juiz caberá impor a sanção penal cuja proposta de aplicação fora feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração. Mesmo aqui, não podemos abrir mão do Estado-Juiz para que se possa aplicar uma sanção de natureza penal, ao contrário do que acontece com a jurisdição civil. Se Alfredo deve a José a importância de R$ 100,00 (cem reais) e, no prazo avençado, procura efetuar o pagamento, não haverá necessidade, por parte de José, de cobrá-la perante a justiça cível, cuja atividade jurisdicional será secundária, ou seja, somente quando surgir uma lide entre as partes. Não sendo possível a resolução particular desse conflito de interesses é que o cidadão se valerá de seu direito subjetivo público à ação, exigindo um pronunciamento do Estado com relação à dívida na qual diz-se credor. Na verdade, o que estamos querendo traduzir é a necessidade sempre existente do exercício da jurisdição penal para que se possa aplicar qualquer sanção de natureza penal. Com ou sem ação, será sempre preciso a intervenção do Estado-Juiz na aplicação de uma pena, seja ela qual for (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa). Possibilidade jurídica do pedido A terceira condição da ação diz respeito à possibilidade jurídica do pedido. Nas lições de Vicente Greco Filho, "a possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado. Imagine-se a hipótese em que um filho subtraia, sem violência, o relógio pertencente ao seu pai, que contava com menos de 60 anos de idade, a fim de trocá-lo com um traficante de drogas, por certa quantidade de maconha para satisfazer o seu vício. Embora tenha subtraído o relógio de seu pai, o fato praticado por ele é típico, ilícito e culpável, havendo, pois, crime. Contudo, mesmo que tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável, o fato de ter cometido o crime contra seu ascendente faz com que seja erigida em seu favor a chamada escusa absolutória, ou imunidade penal de caráter pessoal, prevista no inciso II do art. 181 do Código Penal, que diz ser isento de pena quem pratica qualquer dos crimes definidos no título correspondente aos crimes contra o patrimônio, em prejuízo de ascendente. Dessa forma, a existência de escusa absolutória torna juridicamente impossível o pedido de condenação, pois a isenção de pena fará, obrigatoriamente, com que o agente seja absolvido. Não poderá o Ministério Público, portanto, jadson.melo@bol.com.br6 dar início à ação penal, pois lhe faltará uma das condições necessárias ao seu regular exercício. Justa causa A última condição necessária para o regular exercício da ação de natureza penal condenatória é a justa causa. Justa causa, aqui, quer dizer um lastro probatório mínimo que dê suporte aos fatos narrados na peça inicial de acusação. O art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Espécies de ação penal O Código Penal e a legislação processual penal prevêem duas espécies de ação penal, a saber: ação penal pública e ação penal privada. A regra prevista no art. 100 do Código Penal diz que toda ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Na verdade, todas as ações penais, sejam elas quais forem, têm natureza pública, pois, conforme vimos anteriormente pela definição de Carnelutti, ela é um direito subjetivo público que, nas lições de Afrânio Silva Jardim, é "dirigido contra o Estado, de invocar a prestação jurisdicional, prometida a nível constitucional”. Contudo, na área penal, especificamente, a sua iniciativa é que se biparte em pública e privada. Assim, teremos ações penais de iniciativa pública e ações penais de iniciativa privada. As ações penais de iniciativa pública são promovidas pelo órgão oficial, ou seja, pelo Ministério Público, sendo que as de iniciativa privada são, ab initio, levadas a efeito mediante queixa pelo ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. Ação penal de iniciativa pública A ação penal de iniciativa pública pode ser: a) incondicionada ou b) condicionada a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça. Ação penal de iniciativa pública incondicionada Diz-se incondicionada a ação penal de iniciativa pública quando, para que o Ministério Público possa iniciá-la ou, mesmo, requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. É a regra geral das infrações penais, uma vez que o art. 100 do Código Penal assevera que a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Ação penal de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça Pode acontecer, contudo, que a legislação penal exija, em determinadas infrações penais, a conjugação da vontade da vítima ou de seu representante legal, a fim de que o Ministério Público possa aduzir em juízo a sua pretensão penal, condicionando o início das investigações policiais e o oferecimento de denúncia à apresentação de sua representação. Deve ser ressaltado que a representação do ofendido ou de seu representante legal não precisa conter grandes formalismos. Nela, o ofendido ou seu representante legal simplesmente declara, esclarece a sua vontade no sentido de possibilitar ao Ministério Público a apuração dos fatos narrados, a fim de formar a sua convicção pessoal para, se for o caso, dar início à ação penal pelo oferecimento de denúncia. Além da representação do ofendido, a lei penal fala também em requisição do Ministro da Justiça. Da mesma forma que a representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça também tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade, permitindo ao Ministério Público iniciar a ação penal, uma vez preenchida essa condição. Em ambas as hipóteses - representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça -, o Ministério Público não está obrigado a dar início à ação penal, pois tem total liberdade para pugnar pelo arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação após emitir, fundamentadamente, a sua opinio delicti. Tais condições, portanto, uma vez preenchidas, não impõem ao Ministério Público o dever de oferecer denúncia, mas sim dizem que, se assim entender, as pessoas envolvidas pela infração penal permitem que ele assim proceda. Princípios informadores da ação penal de iniciativa pública Os princípios que envolvem a ação penal de iniciativa pública, seja ela incondicionada ou condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, são: a) obrigatoriedade ou legalidade; b) oficialidade; c) indisponibilidade; d) indivisibilidade; e e) intranscendência. O princípio da obrigatoriedade ou da legalidade traduz-se no fato de que o Ministério Público tem o dever de dar início à ação penal desde que o fato praticado pelo agente seja, pelo menos em tese, típico, ilícito e culpável, bem como que, além das condições genéricas do regular exercício do direito de ação, exista, ainda, justa causa para a sua propositura, ou seja, aquele lastro probatório mínimo que dê sustento aos fatos alegados na peça inicial de acusação. O princípio da oficialidade nas ações penais de iniciativa pública significa que a persecutio criminis in judicio será procedida por órgão oficial, qual seja, o Ministério Público, pois, segundo o inciso I do art. 129 da Constituição Federal, compete-lhe, no rol de suas funções institucionais, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Pelo princípio da indisponibilidade fica vedado ao órgão oficial encarregado de promover a ação penal - ou seja, ao Ministério Público - desistir da ação penal por ele iniciada. Desistir da ação penal não significa o mesmo que pugnar, ao seu final, pela improcedência do pedido levado a efeito na denúncia. jadson.melo@bol.com.br 7 O Ministério Público não só pode como deve pedir a absolvição dos acusados nas hipóteses em que não restar evidentemente demonstrada a prática da infração penal. Isso não quer dizer disponibilidade da ação penal. Nesse caso, a ação penal cumpriu o seu propósito, que é o de levar ao conhecimento do Estado-Juiz a prática, em tese, de determinada infração penal. Se depois da regular instrução do processo as provas evidenciarem não ter sido o réu o seu autor, por exemplo, deverá ele ser absolvido. Tal absolvição se imporá, até mesmo, nas hipóteses de dúvida, pois tal dúvida deve ser considerada em benefício do acusado segundo o inafastável brocardo que determina o in dúbio pro reo. O princípio da indivisibilidade determina que se a infração penal foi praticada em concurso de pessoas, todos aqueles que para ela concorreram devem receber o mesmo tratamento, não podendo o Ministério Público escolher a quem acionar. Como bem observado por Tourinho Filho, "a indivisibilidade da ação penal é uma conseqüência lógica do princípio da obrigatoriedade ou legalidade”. Finalmente, em virtude do princípio da intranscendência, a ação penal somente deve ser proposta em face daqueles que praticaram a infração penal, não podendo atingir pessoas estranhas ao fato criminoso. Ação penal de iniciativa privada Na precisa lição de Frederico Marques, "ação penal privada é aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo. Ela se denomina ação privada, porque seu titular é um particular, em contraposição à ação penal pública, em que o titular do ius actionis é um órgão estatal: o Ministério Público". As ações penais de iniciativa privada classificam-seem: a) privada propriamente dita; b) privada subsidiária da pública e c) privada personalíssima. Privada propriamente dita As ações de iniciativa privada propriamente ditas são aquelas promovidas mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. Em determinadas infrações penais, a lei penal preferiu que o início da persecutio criminis ficasse a cargo do particular. Embora o Estado sempre sofra com a prática de uma infração penal, pois o seu cometimento abala a ordem jurídica e coloca em risco a paz social, existem situações que interessam mais intimamente ao particular do que propriamente ao Estado. Dessa forma, como veremos mais adiante, os princípios que regem as ações penais de iniciativa privada se diferenciam daqueles que são reitores das ações penais de iniciativa pública, uma vez que o interesse do particular se sobrepujará ao interesse do Estado. No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, sendo a ação penal de iniciativa privada propriamente dita, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação penal passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 4º do art. 100 do Código Penal e do art. 31 do Código de Processo Penal. Privada subsidiária da pública As ações penais de iniciativa privada subsidiárias da pública encontram respaldo não somente na legislação penal (art. 100, § 3º, do CP e art. 29 do CPP), como também no texto da Constituição Federal (art. 5a, LIX), que diz que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Com essa disposição, quis o legislador constituinte, a exemplo do que fazem o Código Penal e o Código Processual Penal, permitir ao particular, vítima de determinada infração penal, que acompanhasse as investigações, bem como o trabalho do órgão oficial encarregado da persecução penal. Em razão desses dispositivos legais, se o Ministério Público, por desídia sua, deixar de oferecer denúncia no prazo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, substituindo-o, oferecer sua queixa-crime, dando-se, assim, início a ação penal. Merece ser ressaltado que somente caberá ao particular intentar a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública quando o Ministério Público, deixando decorrer in albis o prazo legal para o oferecimento da denúncia, não der início à ação penal. Isso quer dizer que o direito de dar início à ação penal que, originalmente, é de iniciativa pública, somente se transfere ao particular se houver desídia, inércia do Ministério Público. Mesmo que tal inércia seja justificada, como em virtude de acúmulo de serviço, o particular pode oferecer sua queixa- crime. Contudo, se em vez de oferecer a denúncia o Ministério Público solicitar o arquivamento do inquérito policial ou requerer a devolução dos autos à delegacia de polícia para que sejam levadas a efeito algumas diligências consideradas indispensáveis ao oferecimento da denúncia, não poderá o particular intentar a sua ação de natureza subsidiária. Privada personalíssima As ações penais de iniciativa privada tidas como personalíssimas são aquelas em que somente o ofendido, e mais ninguém, pode propô-las. Em virtude da natureza da infração penal praticada, entendeu por bem a lei penal que tal infração atinge a vítima de forma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá emitir o seu juízo de pertinência a respeito da propositura ou não dessa ação penal. Como exemplo de ação penal de iniciativa privada personalíssima podemos citar aquela correspondente ao delito previsto no art. 236, que cuida do induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento. O parágrafo único do mencionado artigo assevera que a ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar um julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento, afastando-se, com essa redação, qualquer possibilidade de ser transferida às pessoas elencadas no art. 100, § 4º, do Código Penal, haja vista que, em virtude de sua natureza personalíssima, como bem destacou Mirabete, "só podem ser intentadas única e exclusivamente pelo ofendido, não havendo, portanto, sucessão por morte ou ausência. jadson.melo@bol.com.br 8 Princípios informadores da ação penal de iniciativa privada As ações penais de iniciativa privada são regidas por três princípios que as informam, a saber: a) oportunidade; b) disponibilidade; c) indivisibilidade. Segundo as lições de Tourinho Filho, o princípio da oportunidade "confere ao titular da ação penal o direito de julgar da conveniência ou inconveniência quanto à propositura da ação penal. Se quiser promovê-la, poderá fazê-lo, se não o quiser, não o fará”, justamente o contrário do que ocorre com o princípio da obrigatoriedade, que rege as ações penais de iniciativa pública, onde o Ministério Público deverá oferecer a denúncia se, em tese, o fato se configurar infração penal, presentes as condições necessárias ao regular exercício do direito de ação. Outra característica marcante das ações penais de iniciativa privada é, justamente, a sua disponibilidade. Mesmo depois da sua propositura, o particular pode, valendo-se de determinados institutos jurídicos, dispor da ação penal por ele proposta inicialmente, a exemplo do que ocorre com a perempção, na qual o querelante poderá deixar de promover o andamento do processo durante trinta dias seguidos, fazendo com que a ação penal seja considerada perempta, extinguindo-se, assim, a punibilidade, nos termos do art. 60, I, do Código de Processo Penal, c/c o art. 107, IV, última figura, do Código Penal. Vale lembrar que tal princípio da disponibilidade é o reverso daquele aplicável às ações de iniciativa pública, qual seja, o da indisponibilidade, nas quais o Ministério Público, uma vez oferecida a denúncia, não poderá dispor da ação penal por ele iniciada. O princípio da indivisibilidade, comum às duas espécies de ação penal, encontra-se consubstanciado no art. 48 do Código de Processo Penal que diz que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade. A ação penal deve ser um instrumento de justiça, e não de simples vingança. Se o fato foi cometido por várias pessoas, todas elas devem, assim, por ele responder. Não poderá a vítima, por exemplo, escolher a quem processar, devendo a sua ação penal ser dirigida a todos os autores da infração penal. Ação penal no crime complexo Crime complexo é aquele no qual, em sua configuração típica, conseguimos visualizar a fusão de dois ou mais tipos penais. Assim, por exemplo, a fusão do crime de furto (crime simples) com o delito de lesão corporal ou ameaça faz surgir uma outra figura típica, agora denominada de complexa, que é o crime de roubo. Decadência do direito de queixa ou de representação, renúncia e perdão do ofendido Os estudos quanto à decadência do direito de queixa ou de representação, a renúncia e o perdão do ofendido serão realizados no capítulo correspondente às causas extintivas da punibilidade, elencadas no art. 107 do Código Penal, para o qual remetemos o leitor. Extinção da punibilidade A punibilidadeé uma conseqüência natural da prática de uma conduta típica, ilícita e culpável levada a efeito pelo agente. Toda vez que o agente pratica uma infração penal, isto é, toda vez que infringe o nosso direito penal objetivo, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi. Entretanto, também é certo que o Estado, em determinadas situações previstas expressamente em seus diplomas legais, pode abrir mão ou mesmo perder esse direito de punir. Mesmo que, em tese, tenha ocorrido uma infração penal, por questões de política criminal, o Estado pode, em algumas situações por ele previstas expressamente, entender por bem em não fazer valer o seu ius puniendi, razão pela qual haverá aquilo que o Código Penal denominou de extinção da punibilidade. Deve ser frisado que quando nos referimos a causas de extinção da punibilidade estamos diante de dados que não interferem na infração penal em si, mas, sim, que a existência desses dados pode impedir que o Estado, mesmo existindo a infração penal, seja impedido de exercitar o seu direito de punir. O Código Penal, em seu art. 107, trouxe o rol das chamadas causas extintivas da punibilidade. Embora o art. 107 do Código Penal faça o elenco das causas de extinção da punibilidade, este não é taxativo, pois, em outras de suas passagens, também prevê fatos que possuem a mesma natureza jurídica, a exemplo do § 3 do art. 312 do Código Penal, bem como do § 5º do art. 89 da Lei nº 9.099/95. Neste capítulo, estudaremos as causas previstas nos incisos I a IX, do art. 107 do Código Penal, a saber: I - a morte do agente; II - a anistia, a graça e o indulto; III - a retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - a prescrição, a decadência e a perempção; V - a renúncia do direito de queixa e o perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - a retratação do agente, nos casos em que a lei admite; VII - (revogado pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005); VIII - (revogado pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005); IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Morte do agente A primeira das causas extintivas da punibilidade previstas pelo art. 107 do Código Penal é a morte do agente. O art. 62 do Código de Processo Penal determina: No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará a extinção da punibilidade. Não é incomum o fato de o agente fazer juntar certidão de óbito falsa aos autos do processo no qual figura como acusado. Antes de opinar pela extinção da punibilidade, por medida de segurança, entendemos que o Ministério Público deverá requerer ao juiz que confirme o documento apresentado aos autos, expedindo ofício ao cartório de registro civil jadson.melo@bol.com.br 9 indicado no documento apresentado em juízo, a fim de que este seja ratificado pelo tabelião. Até mesmo essa medida pode não ser eficaz, pois, como sabemos, se o agente falsificar um documento médico, atestando o seu óbito, poderá levá-lo ao cartório e o registro será realizado. Anistia, graça e indulto Pela anistia, o Estado renuncia ao seu jus puniendi, perdoando a prática de infrações penais que, normalmente, têm cunho político. A regra, portanto, é de que a anistia se dirija aos chamados crimes políticos. Contudo, nada impede que a anistia também seja concedida a crimes comuns. A concessão da anistia é de competência da União, conforme preceitua o art. 21, XVII, da Constituição Federal, e se encontra no rol das atribuições do Congresso Nacional, sendo prevista pelo art. 48, VIII, de nossa Lei Maior. Pode ser concedida antes ou depois da sentença penal condenatória, sempre retroagindo a fim de beneficiar os agentes. A anistia ainda pode ser reconhecida como: a) própria, quando concedida anteriormente à sentença penal condenatória; b) imprópria, quando concedida após a sentença penal condenatória transitada em julgado. A graça e o indulto são da competência do Presidente da República, embora o art. 84, XII, da Constituição Federal somente faça menção a este último, subentendendo-se ser a graça o indulto individual. A diferença entre os dois institutos é que a graça é concedida individualmente a uma pessoa específica, sendo que o indulto é concedido de maneira coletiva a fatos determinados pelo Chefe do Poder Executivo. Nos termos do art. 188 da Lei de Execução Penal, a graça, modernamente conhecida como indulto individual, poderá ser provocada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, sendo que a petição, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça (art. 189 da LEP). O indulto coletivo, ou simplesmente indulto, é, normalmente, concedido anualmente pelo Presidente da República, por meio de decreto. Pelo fato de ser editado próximo ao final de ano, esse indulto acabou sendo conhecido como indulto de natal. Não é possível conceder a graça (indulto individual) ou o indulto (indulto coletivo) às infrações penais previstas pela Lei nº 8.072/90. Merece registro, ainda, o fato de que a Lei nº 9.455/97 omitiu-se com relação ao indulto, dizendo no § 6º do art. 1º que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Prescrição, decadência e perempção A prescrição será analisada em capítulo à parte, em conseqüência da extensão do tema. A decadência é o instituto jurídico mediante o qual a vítima, ou quem tenha qualidade para representá-la, perde o seu direito de queixa ou de representação em virtude do decurso de um certo espaço de tempo. O art. 103 do Código Penal cria uma regra geral relativa ao prazo para o exercício do direito de queixa e de representação. No crime de lesão corporal de natureza culposa, cuja ação penal é de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido, o prazo decadencial tem início a partir do momento em que o ofendido toma conhecimento de que foi vítima dessa infração penal, a exemplo do que ocorre nos casos do chamado "erro médico". Pode acontecer que a vítima tenha sofrido uma lesão corporal de natureza culposa, após ter-se submetido a uma intervenção médica qualquer, produzida em razão da imperícia do profissional, que, a todo custo, tentou ocultá-la. Mais tarde, mesmo depois de decorridos seis meses da primeira intervenção na qual ocorreram as lesões, a vítima descobriu o suposto erro médico. A partir desse instante é que se tem por iniciado o prazo decadencial. A perempção é instituto jurídico aplicável às ações penais de iniciativa privada propriamente ditas ou personalíssimas, não se destinando, contudo, àquela considerada como privada subsidiária da pública. Não tem aplicação, portanto, nas ações penais de iniciativa pública incondicionada ou condicionada à representação do ofendido, uma vez que o art. 60 do Código de Processo Penal determina. Além das hipóteses previstas pelo art. 60 do Código de Processo Penal, entende-se pela perempção, também, havendo a morte do querelante no caso de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236 do CP), haja vista que pela natureza da ação penal, queé personalíssima, a morte do querelante impede o prosseguimento da ação penal. Como bem destacou Mirabete, a perempção, como perda do direito de prosseguir na ação penal de iniciativa privada, é uma "sanção jurídica, imposta ao querelante por sua inércia, negligência ou contumácia. Não pode ocorrer, portanto, antes de proposta a queixa. Renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito nos crimes de ação privada Renúncia ao direito de queixa A renúncia ao direito de queixa pode ser expressa ou tácita. Diz-se expressa a renúncia quando formalizada por meio de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 50 do CPP). Renúncia tácita ao direito de queixa é aquela na qual, nos termos do parágrafo único do art. 104 do Código Penal, o ofendido pratica atos incompatíveis com a vontade de exercê-lo, como nas hipóteses daquele que convida o autor do crime para ser seu padrinho de casamento ou para com ele constituir uma sociedade. O art. 49 do Código de Processo Penal determina que a renúncia do direito de queixa, em relação a um dos autores, a todos se estenderá. Analisando o mencionado artigo, Mirabete preleciona: "O princípio da indivisibilidade obriga ao querelante promover a ação penal contra todos os coautores do fato delituoso em tese, não podendo abstrair nenhum, a menos que seja desconhecido. Excluído algum deles, tem-se que jadson.melo@bol.com.br 10 o querelante tacitamente renunciou ao direito de processá- lo, devendo ser estendida a todos sua abdicação". No mesmo sentido, decidiu o STJ: "Se o querelante tem notícia de ofensas proferidas por todos os querelados e deixa de incluir um deles na queixa crime, fere o princípio da indivisibilidade da ação penal, de que trata o art. 48 do CPP. A ocorrência de tal renúncia em relação ao copartícipe aproveita ao paciente, nos termos dos arts. 104 do CP e 49 do CPP. Trancamento da ação penal que se impõe" (RHC - Rei. Cid Fláquer Scartezzini). Perdão do ofendido O perdão do ofendido, que poderá ser concedido somente nas hipóteses em que se procede mediante queixa, pode ser: a) processual; b) extraprocessual; c) expresso; e d) tácito. Diz-se processual o perdão do ofendido quando levado a efeito intra-autos, após ter sido iniciada a ação penal de iniciativa privada; extraprocessual quando procedido fora dos autos da ação penal de iniciativa privada; expresso, quando constar de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 56 do CPP); tácito, quando o ofendido pratica ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação penal por ele iniciada (art. 106, § 1º, do CP). Nos termos do art. 106 do Código Penal, o perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: I - se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; II - se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros; III - se o querelado o recusa, não produz efeitos. Assim, de acordo com o inciso I do art. 106 do Código Penal, o perdão do ofendido deverá ser dirigido a todos aqueles que, em tese, praticaram a infração penal, não podendo o querelante, portanto, escolher contra quem deverá prosseguir a ação penal por ele intentada. Caso seja da vontade dos demais querelados, o perdão do ofendido concedido a um deles, deverá ser estendido a todos. A segunda hipótese prevista pelo inciso II do art. 106 do Código Penal diz que se o perdão for concedido por um dos ofendidos isso não prejudica o direito dos outros. Isso quer dizer que, sendo a ação penal proposta por vários querelantes, pode cada um deles, individualmente, se for da sua vontade, conceder o perdão sem que, com isso, os demais se vejam também obrigados a perdoar. O inciso III do mencionado art. 106 demonstra a natureza bilateral do perdão esclarecendo que o querelado tem o direito de recusá-lo, caso ele seja oferecido pelo ofendido. O querelado, entendendo que não praticou qualquer infração penal, pode não aceitar o perdão, pugnando pelo regular andamento do processo, a fim de alcançar um provimento jurisdicional absolutório. Mesmo que seja essa a sua intenção, ou seja, mesmo que queira um julgamento definitivo dos fatos que foram levados ao crivo do Judiciário, não havendo aceitação do perdão pelo querelado, poderá o querelante gerar a extinção da punibilidade fazendo com que a ação penal seja considerada perempta, como na hipótese em que o querelante deixa de promover o andamento do processo durante trinta dias seguidos. Se o querelante já houver completado 18 anos de idade, somente ele poderá conceder o perdão, estando revogada pelo Código Civil a primeira parte do art. 52 do CPP. Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do querelado, a aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz lhe nomear (art. 53 do CPP). Concedido o perdão mediante declaração expressa nos autos, o querelado será intimado a dizer, dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientificado de que o seu silêncio importará em aceitação (art. 58 do CPP). A aceitação do perdão fora do processo constará de declaração assinada pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 59 do CPP). Aceito o perdão, o juiz julgará extinta a punibilidade (art. 58, parágrafo único, do CPP). Retratação do agente nos casos em que a lei a admite Retratação, na definição de Guilherme de Souza Nucci, "é o ato pelo qual o agente reconhece o erro que cometeu e o denuncia à autoridade, retirando o que anteriormente havia dito". Pela retratação, o agente volta atrás naquilo que disse, fazendo com que a verdade dos fatos seja, efetivamente, trazida à luz. Em várias de suas passagens, a legislação penal permitiu ao autor do fato retratar-se, como ocorre nos crimes de calúnia e difamação (art. 143 do CP) e nos de falso testemunho e de falsa perícia (art. 342, § 2º, do CP). O art. 143 do Código Penal diz que o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação fica isento de pena. Pela redação do mencionado artigo, podemos destacar dois pontos relevantes. O primeiro diz respeito ao termo ad quem para que o querelado leve a efeito a sua retratação, sendo que a lei penal determinou que seria até antes da prolação da sentença. Isso quer dizer que, uma vez proferida a decisão, a retratação do agente já não mais terá o condão de extinguir a punibilidade. O termo final, portanto, será a entrega da sentença em cartório pelo juiz. O segundo ponto que merece destaque no aludido artigo refere-se ao fato de que somente nos delitos de calúnia e difamação é que caberá a retratação, não sendo permitida, portanto, no crime de injúria. Sabemos que na calúnia e na difamação existe uma imputação de fatos, sendo que no primeiro há uma imputação falsa de fatos definidos como crime e no segundo somente fatos ofensivos à reputação da vítima. Na injúria, ao contrário dos delitos anteriores, existe uma ofensa à honra subjetiva da vítima, ou seja, do conceito que ela, vítima, acha que goza. Não se lhe imputam fatos, mas sim adjetivos, qualidades que ofendem a esseparticular conceito. Prelecionava jadson.melo@bol.com.br 11 Hungria que a injúria "é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo o vilipêndio contra alguém", sendo que o objetivo primacial na injúria, segundo o renomado autor, é ferir a vítima no seu brio ou pudor. Como não existe, na injúria, a imputação de qualquer fato, a retratação pode não surtir o efeito desejado, mas, ao contrário, como alertou Damásio de Jesus, "pode macular ainda mais a sua dignidade ou decoro. Assim, se o ofensor diz que a vítima é ignorante, afirmando depois que é um sábio, não repara o dano, podendo causar ofensa maior". Nos crimes de falso testemunho ou falsa perícia, o § 2º do art. 342, com a nova redação dada pela Lei nº 10.268, de 28 de agosto de 2001, diz que o fato deixa de ser punível, se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. Perdão judicial, nos casos previstos em lei Inicialmente, é preciso destacar que o perdão judicial não se dirige a toda e qualquer infração penal, mas, sim, àquelas previamente determinadas pela lei. Assim, não cabe ao julgador aplicar o perdão judicial nas hipóteses em que bem entender, mas tão somente nos casos predeterminados pela lei penal. Com esse raciocínio, pelo menos ab initio, torna-se impossível a aplicação da analogia in bonam partem quando se tratar de ampliação das hipóteses de perdão judicial. Isso porque a lei penal afirmou categoricamente que o perdão judicial somente seria concedido nos casos por ela previstos, afastando-se, portanto, qualquer outra interpretação. Muito se discutiu sobre a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial, sendo que as opiniões se dividiam no sentido de que seria absolutória, condenatória ou meramente declaratória de extinção da punibilidade. O STJ, por intermédio da Súmula nº 18, posicionou-se neste último sentido, afirmando que a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório, devendo ser realizada uma releitura do art. 120 do Código Penal. A forma como o perdão judicial normalmente vem previsto a fim de ser aplicado a determinada infração penal nos deixa a dúvida se ele é uma faculdade do juiz ou um direito subjetivo do agente. A título de exemplo, o § 5º do art. 121 do Código Penal diz que, na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Suponhamos que um pai, que possua porte legal para andar armado, chegue em casa apressado e, negligentemente, retire a arma da cintura e a coloque em cima da mesa da sala, indo, logo em seguida, ao banheiro. Seu filho menor, ao avistar a arma, começa a com ela brincar, ocasião em que esta dispara, atingindo mortalmente a criança. O pai ainda se encontrava no banheiro quando escuta o estampido. Desesperado, lembra-se de que havia deixado a arma ao alcance do seu filho, e, ao sair do banheiro, já o encontra morto. Pergunta-se: Será que esse pai, que em razão de ter deixado de observar o seu dever objetivo de cuidado culposamente causou a morte de seu próprio filho, necessita de mais alguma sanção? Acreditamos que não, devendo, pois, ser-lhe concedido o perdão judicial. Em casos como esse, indaga-se: 0 perdão judicial continua a ser uma faculdade do juiz ou é um direito subjetivo do agente? Respondendo à indagação formulada, Damásio de Jesus afirma tratar-se de "um direito penal público subjetivo de liberdade. Não é um favor concedido pelo juiz. É um direito do réu. Se presentes as circunstâncias exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo puro arbítrio, deixar de aplicá-lo. A expressão 'pode' empregada pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão judicial, de acordo com a moderna doutrina penal, perdeu a natureza de simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder, sem fundamentação, aplicar ou não o privilégio. Satisfeitos os pressupostos exigidos pela norma, está o juiz obrigado a deixar de aplicar a pena". Particularmente, entendemos que o art. 13 da Lei nº 9.807/99 deverá ser conjugado com o inciso IX do art. 107 do Código Penal, sendo que este último diz que o perdão judicial somente poderá ser concedido nos casos previstos expressamente em lei. Os casos mencionados no inciso IX são aqueles que encontraram previsão na própria figura típica, a exemplo do art. 140, § 1º, 176, parágrafo único, e 180, § 5º, todos do Código Penal. A previsão para o perdão judicial, portanto, vem expressa no tipo penal incriminador, não podendo o julgador, ao seu talante, aplicá-lo às demais infrações penais para as quais não foi consignada expressamente tal possibilidade. Não acreditamos ser razoável, por exemplo, que aquele que, juntamente com os demais coautores, tenha praticado um delito de latrocínio, a fim de beneficiar-se com o perdão judicial, auxilie a autoridade policial a identificar os outros membros do grupo, bem como ajude a recuperar total ou parcialmente o produto do crime. Não há possibilidade, nesse caso, de se falar em localização ou mesmo preservação da integridade física da vítima, já que foi morta durante a prática do roubo. Prescrição A prescrição como causa extintiva da punibilidade veio prevista no art. 107, IV, primeira figura do Código Penal, além de ter sido regulada pelos arts. 109 a 119 do mesmo diploma legal. Ao estudarmos as demais causas extintivas da punibilidade, dissemos que em algumas situações o Estado pode abrir mão do seu direito de punir e, em outras hipóteses, pode vir a perdê-lo. A prescrição é uma das situações em que o Estado, em virtude do decurso de certo espaço de tempo, perde seu ius puniendi. Embora exista alguma controvérsia doutrinária, como frisamos, entendemos que com a prescrição existe a perda do direito de punir, e não a renúncia ao direito de punir por parte do Estado. O Estado pode renunciar ao seu exclusivo ius puniendi quando concede, por exemplo, a anistia, a graça e o indulto. Nessas hipóteses, embora podendo levar a efeito o seu direito de punir, o Estado dele abre mão, ao contrário do que ocorre com a prescrição, quando, mesmo querendo, não poderá exercê-lo. jadson.melo@bol.com.br 12 Dessa forma, poderíamos conceituar a prescrição como o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. Vários fundamentos surgiram ao longo dos anos para justificar a necessidade da prescrição, podendo-se destacar dentre eles o esquecimento a respeito da infração penal, o desaparecimento da necessidade do exemplo ao meio social, a dispersão de provas, além do fator tranqüilidade para aquele que praticou a infração penal, pois um erro cometido no passado não pode persegui-lo para sempre. Damásio de Jesus aduz que "a prescrição, em face de nossa legislação penal, tem tríplice fundamento: 1º) o decursodo tempo (teoria do esquecimento do fato); 2º) a correção do condenado; e 3º) a negligência da autoridade." Natureza jurídica da prescrição Ainda hoje se discute a respeito da natureza jurídica da prescrição, ou seja, se a prescrição é um instituto jurídico de natureza material (penal), processual (processual penal) ou mista. Cezar Roberto Bitencourt preleciona que "para o ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal, e, nessas circunstâncias, conta-se o dia do seu início", posição à qual nos filiamos. Espécies de prescrição A legislação penal prevê duas espécies de prescrição, a saber: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A conclusão pela prescrição da pretensão punitiva terá repercussões importantíssimas tanto na esfera penal como na civil. O réu do processo no qual foi reconhecida a prescrição da pretensão punitiva ainda continuará a gozar do status de primário e não poderá ver maculado seus antecedentes penais, ou seja, será como se não tivesse praticado a infração penal. Na esfera cível, a vítima não terá como executar o decreto condenatório, quando houver, visto que a prescrição da pretensão punitiva impede a formação do título executivo judicial. Nesse sentido, decidiu o STJ: "A incidência da prescrição da pretensão punitiva importa na rescisão da sentença condenatória, que não faz coisa julgada material, e na supressão de seus efeitos principais e acessórios, resultando, ainda, na perda do direito de ação cognitiva, pois extingue a pretensão do Estado em obter qualquer decisão a respeito do fato criminoso, não acarretando nenhuma responsabilidade para o acusado, tampouco marcando seus antecedentes ou gerando futura reincidência. Eqüivale, na verdade, à exata proclamação de inocência, pois são apagados os efeitos da sentença condenatória, como se jamais tivesse existido ou sido praticado o crime" (MS 6877/DF, Mandado de Segurança 2000/0027913-7, 3- Seção, Rei. Min. Fernando Gonçalves, julg. 25/4/2001, D] 21/5/2001, p. 55). Contudo, se a prescrição disser respeito à pretensão executória, o Estado, em razão do decurso do tempo, somente terá perdido o direito de executar sua decisão. O título executório foi formado com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas não poderá ser executado. O condenado, se vier a praticar novo crime, poderá ser considerado reincidente; caso a condenação anterior não sirva para efeitos de reincidência, como na hipótese do art. 64, I, do Código Penal, ainda assim importará em maus antecedentes. A vítima do delito terá à sua disposição o título executivo judicial criado pela sentença penal condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 475-N do Código de Processo Civil. Portanto, faz-se mister a distinção entre a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória, cuja casuística estudaremos a seguir, de acordo com as disposições contidas no Código Penal. Prescrição antes de transitar em julgado a sentença O art. 109 do Código Penal determina: Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze) anos; II - em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) e não excede a 12 (doze); III - em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito); IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro); V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano, ou sendo superior não excede a 2 (dois); VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. Com a redação dada ao art. 109, percebe-se que o primeiro cálculo a ser feito sobre a prescrição deve recair sobre a pena máxima cominada em abstrato para cada infração penal. Se o cálculo deve ser realizado antes mesmo de qualquer sentença condenatória, na qual é concretizada a pena aplicada ao agente, podemos concluir que a prescrição que leva em consideração a pena máxima cominada a cada infração penal diz respeito à pretensão punitiva do Estado. Assim, suponhamos que alguém tenha praticado um delito de lesões corporais cuja pena máxima seja de um ano de detenção. Em razão do disposto no inciso V do art. 109 do Código Penal, a prescrição pela pena máxima em abstrato ocorrerá em quatro anos. Se, por exemplo, durante a instrução do processo, após o primeiro marco interruptivo da prescrição, que, como veremos, é o recebimento da denúncia, já tiver decorrido período igual ou superior a quatro anos, o juiz interromperá a instrução do feito e jadson.melo@bol.com.br 13 reconhecerá a extinção da punibilidade com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado. Esses prazos fornecidos pelos incisos do art. 109 do Código Penal servirão não somente para o cálculo da prescrição, considerando-se a pena máxima em abstrato, como também para aqueles relativos à pena já concretizada na sentença condenatória. Prescrição das penas restritivas de direitos Diz o parágrafo único do art. 109 do Código Penal: Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade. Como as penas restritivas de direitos são substitutivas, o prazo para efeitos de cálculo de prescrição será aquele previsto para a pena privativa de liberdade aplicada. Embora tenha havido substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, o tempo de cumprimento desta última será o mesmo daquela. No que diz respeito ao delito de consumo de drogas, como o art. 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não previu qualquer pena de privação de liberdade que pudesse servir de orientação para efeitos de cálculo do prazo prescricional, o art. 30 do citado diploma legal determinou expressamente: Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal. Prescrição depois de transitar em julgado a sentença penal condenatória O caput do art. 110 do Código Penal determina que a prescrição depois de transitada em julgado a sentença penal condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. Vimos, pelo art. 109 do Código Penal, que a prescrição, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é regulada pela pena máxima cominada a cada infração penal. Agora, o art. 110 assevera que o cálculo seja realizado sobre a pena concretizada na sentença. Contudo, o caput do art. 110 deverá ser conjugado com o seu § 1º, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, que diz que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. Isso porque caso ambas as partes tenham recorrido, ou seja, Ministério
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