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LITERATURA INFANTIL NO BRASIL AINDA UM DESAFIO

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1 
 
LITERATURA INFANTIL NO BRASIL: AINDA UM DESAFIO? 
 
Por Dolores Prades 
 20 de abril de 2017 
 
Pensar nos desafios da literatura infantil e juvenil hoje no Brasil, remete 
diretamente ao mercado e ao que se converteu, nas últimas décadas, a indústria 
do livro em nosso pais. Vivemos hoje uma das piores crises que o mercado do 
livro brasileiro já passou. 
De acordo com depoimentos de grandes empresários históricos da área, 
nunca vivemos uma situação tão difícil. Esta crise que e do setor como um todo, 
tem traços particulares no setor do livro para crianças e jovens. 
O estrago do fim das compras governamentais mexeu com toda a lógica 
do mercado. A produção que, até muito recentemente, esteve voltada em grande 
parte para as compras institucionais e/ou o mercado escolar, por um lado, perdeu 
o seu grande filão de vendas. Por outro, foi abatida pela crise econômica, que 
fez cair as vendas escolares, agora bem mais enxutas. 
Durante todo este tempo a grande maioria das editoras cresceu à margem 
do mercado privado (por exemplo das livrarias, das chamadas compras 
espontâneas). Sabemos que são poucas as livrarias especializadas em livros 
para crianças e jovens, inclusive nas grandes cidades. E praticamente 
inexistente o espaço para o livro infantil nas grandes cadeias de livrarias. 
Assistimos o desmonte das grandes cadeias de livros. Na mesma 
velocidade da crise, temos a substituição dos livros infantis, por jogos, 
brinquedos e outros produtos similares. Vemos os poucos espaços existentes se 
transformarem em expositores dos produtos mais variados, cada vez mais 
distantes do livro em questão. 
O sonho acabou. O forte aquecimento que caracterizou este mercado nas 
últimas décadas na verdade era fictício, uma bolha alimentada pelas graúdas 
compras do governo. E sem investimentos reais numa estrutura capaz de dar 
vasão a uma produção cada vez mais aquecida. Para o mercado privado as 
tiragens sempre foram mínimas o que contribuiu para levar o preço dos livros às 
alturas e reduzir o mercado consumidor espontâneo. 
2 
 
 
O resultado disto é complexo e perverso ao mesmo tempo. Vou dar um 
exemplo que pode ajudar a entender a dimensão desta crise. Ha menos de 4 
anos atrás, o Brasil era o pais do futuro, e com esta imagem se apresentou como 
pais homenageado em Frankfurt. Na Feira de Bolonha foi o ano dos brasileiros, 
muitas editoras já conhecidas, mas também muitas novas, presentes, 
comprando muito. 
O Brasil estava em alta e era o mercado onde todos queriam entrar e 
garantir o seu lugar. Em questão de poucos anos, isso ficou evidente em 2016, 
esse quadro mudou vertiginosamente. Praticamente nenhuma editora brasileira 
foi para Bolonha, editores históricos, pela primeira vez em mais de 20 anos, 
deixaram de ir a Bolonha. A notícia do fechamento da Cosac caiu como uma 
bomba e várias editoras, inclusive novas, que compraram livros e mais livros nos 
anos anteriores, fecham suas portas. 
Quais os efeitos disto para o mercado externo? Como explicar esta 
reviravolta do mercado? Pois obviamente não se trata apenas do resultado de 
uma crise. Há um grande componente de falta de planejamento e de visão em 
tudo isto, uma enorme fragilidade do mercado e do setor editorial que foi 
seduzido pelas compras do governo. Perdendo de vista históricos e a própria 
natureza da indústria editorial como uma indústria de caráter cultural. Vale 
lembrar que Brasil não foi pioneiro no grande volume das vendas 
governamentais, no México aconteceu exatamente o mesmo processo anos 
atrás. 
Além deste aspecto, temos a quantidade de livros produzida nos últimos 
anos e a impraticabilidade de se trabalhar, conhecer, divulgar tantos títulos. Os 
catálogos incharam para dar conta dos diferentes selos que até a editora media 
criou ao longo dos últimos anos para ter mais chances nas compras 
governamentais. O governo regeu o mercado. As novidades deram o tom. E a 
grande maioria das editoras dançaram nesse ritmo. 
Enfim, estas pinceladas colocam o foco na grande fragilidade do mercado 
do livro para crianças e jovens no Brasil. O seu boom mais recente foi construído 
sob bases muito frágeis e fora de controle, uma mudança de governo bastou 
para por um ponto final nas compras governamentais. Foram poucas as editoras 
3 
 
que procuraram alavancar seu catálogo em zonas mais seguras e em uma 
projeção de fato estratégica a longo prazo. 
Isto resulta em um momento delicadíssimo, onde os desafios do mercado 
do livro para crianças e jovens estão à altura da crise pela qual estamos 
passando. São poucos os modelos de negócio existentes em condição de 
enfrentar com tranquilidade este momento. Praticamente todos os modelos 
foram postos em xeque. E para sobreviver neste quadro é fundamental 
reinventar-se, buscar soluções fora dos esquemas existentes. 
Por exemplo, retomar o caráter cultural da empresa editorial que, no caso 
do livro infantil e juvenil, pressupõe uma genuína aposta na formação de leitores 
autônomos e permanentes, portanto, na formação de mediadores críticos. Trata 
se de todo um pacote, uma aposta única e a longo prazo no livro e na leitura. 
Praticamente todas as editoras assumem esse discurso como seu, muitas 
até com grandes empreendimentos nessa direção – penso nos grandes grupos, 
nas Fundações que promovem a leitura -, porém raras são aquelas que 
efetivamente levam isso até as últimas consequências e deixam impresso isso 
no seu catalogo e na forma de trabalhar. 
Outro exemplo, produzir, MENOS, MUITO MENOS, este seria outro passo 
na direção de um novo modelo; dar tempo ao livro de ter a sua história, trabalhar 
cada título, difundir cada um com todo o cuidado necessário. A velha formula do 
menos é mais. 
Nesta direção, uma das grandes polêmicas deste mercado foi sempre a 
defesa inflexível das compras governamentais, como garantia de acesso ao livro 
em todos os cantos do pais. Se isto é verdade, também é verdade que poderia 
se garantir este acesso por outras vias, por exemplo, com programas de apoio 
ao desenvolvimento de livrarias em todo o território nacional. 
A questão é que, depois de anos de volumosas compras, as bibliotecas 
da grande maioria das escolas públicas estão cheias de livros. Isto quer dizer 
que o problema não reside na falta de livros. E sim no que fazer com eles. Todos 
sabemos das histórias das caixas fechadas nas bibliotecas, ou dos professores 
que não sabem como trabalhar com os livros recebidos. 
Pensar numa política que intercale compra de livros e formação de 
mediadores é algo impensável para a maioria dos editores no Brasil. E aqui 
reside uma das questões chaves: livros que formem leitores autônomos e 
4 
 
permanentes, dependem sim de uma cultura leitora que se adquire em casa ou 
na escola. E que supõe a existência de mediadores leitores, críticos, capazes de 
promover a promoção do livro e da leitura e formação de futuros leitores. 
Desatar estes nos é função de todos aqueles que se dizem 
comprometidos com o livro e a leitura, começando pelos editores responsáveis 
pelas escolhas que chegam no mercado. 
Os desafios são inúmeros, a situação é muito complexa, mas os 
momentos de crise também são momentos de redefinição de caminhos e 
estratégias. A crise nunca é uma via de mão única, ao contrário produz saltos e 
superações. Há exemplos muito positivos e inspiradores nessa direção não só 
no plano internacional como no nacional. Cooperativas de pequenas editoras 
que estão circulando por SP em um ônibus livraria. Editoras minúsculas 
produzindo livros preciosos. Parcerias entre editoras e livrarias. 
A situação anterior era insustentável, isso é um fato. A bolha explodiu. E 
olhando de forae a médio prazo, estamos certamente frente a um novo 
panorama e um novo equilíbrio editorial. O que é muito bom e coloca enormes 
desafios a todos que compõem a cadeia do livro. Rever o papel de cada um, 
reforçar parcerias, discutir políticas, certamente é um bom caminho para se 
seguir. 
Enfrentar estes desafios, por sua vez implica em redefinir para onde vai a 
literatura infantil e juvenil nacional. O que se quer deste mercado? Para onde 
vamos? 
• Vamos produzir livros para a chamada primeira infância? Vamos entrar 
seriamente no mercado de Dopples? Se produziu muito pouco, porque é um 
produto caro, com exigências particulares, e o governo não comprava. 
• Vamos continuar produzindo principalmente livro álbum? Por quê? 
• Vamos dar espaço e recuperar os clássicos nacionais e estrangeiros, incluindo 
os mais contemporâneos, aqueles que marcaram época e que são 
insubstituíveis? 
• Vamos investir em livros informativos para todas as idades? E apostar na 
curiosidade do leitor? 
• Vamos continuar publicando “literatura juvenil” como instrumento de apoio para 
o ensino de outras matérias na escola? 
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• Vamos continuar tratando os temas difíceis como meio de ensino da tolerância 
e do politicamente correto? Ou vamos tratar a literatura como literatura e a poesia 
como poesia? 
• Vamos arriscar em novos formatos, em narrativas originais de modo a abrir 
novos campos e evitar as formulas que até aqui já deram certo? 
• Vamos apostar nos leitores finais, ou vamos continuar editando para os 
mediadores nas escolas? 
• Vamos seguir os padrões das faixas etárias e dos temas transversais? Ou 
finalmente revisar e começar a educar os mediadores? 
• Vamos apostar no novo e dar espaço para a originalidade e criatividade? 
• Vamos produzir menos e selecionar mais? 
• Vamos nos comprometer com programas de formação de maneira efetiva? 
• Vamos reforçar as pequenas livrarias e novos canais de distribuição? 
• Vamos trabalhar para fazer do livro um produto acessível? 
Estas são algumas das questões que precisam ser respondidas para 
saber para onde vai a literatura infantil nacional. O campo, sem dúvida, é vasto, 
as possibilidades muitas, desde que se mude o modelo de negócio, a forma de 
pensar, as estratégias a médio e longo prazo. 
A edição do livro infantil se transformou em um negócio, aliás um dos mais 
polpudos de todos. Não é à toa que grandes grupos internacionais aqui se 
instalaram e brigam pela sua fatia de mercado com armas impossíveis de serem 
pensadas pelas medias e pequenas editoras. Nessa briga de gente grande, o 
livro didático é personagem principal, mas ele se reveste de prestigio com os 
catálogos da chamada “literatura infantil”, um “saco de gatos” que precisa ser 
melhor conceituado. 
O mercado do livro infantil está muito preso à escola. E uma das 
consequências mais perversas disso é que o destinatário final não costuma ser 
nem a criança nem o jovem, mas sim o mediador, o adulto. Aquele que escolhe 
o livro. Isto produz uma inversão total e faz da escola, à medida que a criança 
cresce, um espaço de negação da leitura. 
Hoje são inúmeros os exemplos de jovens que estão lendo e muito, que 
são críticos e formadores de opinião de seus pares nas redes sociais. Muitos 
inclusive cujo histórico na escola é de não leitor, para espanto de seus 
professores. 
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Falar em leitura na escola remete por sua vez a uma discussão do papel 
e do perfil da escola hoje. A escola tal como a conhecemos não está dando 
conta. As experiências mais exitosas são aquelas que não só dão liberdade de 
escolha aos leitores, mas que pressupõe uma escuta da parte dos professores, 
uma reflexão compartida das leituras, sem lugar para avaliação ou controle seja 
lá qual for de caráter didático pedagógico. 
Neste vasto e subjetivo campo em que nos movemos da leitura e dos 
leitores, não existem garantias. Não existe teste-drive, não existe prova dos 9. 
Nada garante que a criança leitora se transforme em um adulto leitor. 
Seguramente a criança que foi leitora será um adulto familiarizado com o livro e 
a leitura, com muito mais possibilidades de ser um leitor. Mas nada além disso. 
Penso que nosso papel fundamental é o de dar acesso à leitura. Dar os 
instrumentos que a operacionalizam, cada vez mais na contramão do dia-a-dia 
contemporâneo. Garantir o contato com o livro, com a literatura, dar a 
possibilidade de que a leitura faça parte do cotidiano de todos. Ler não é uma 
atividade fácil e nem necessariamente prazerosa nos seus resultados. 
Daí algumas perguntas chaves que deixo aqui para pensar, a final que 
leitor queremos formar? Que leitura queremos promover? Devemos responder a 
estas perguntas como mediadores que somos. Toda leitura é boa? Melhor ler do 
que não ler? Toda leitura fomenta uma visão crítica? 
 
*Texto apresentado por ocasião do Seminário Janelas de Leitura, organizado em 
comemoração ao 5 ano da Freguesia do Livro em Curitiba, realizado nos dias 23 
a 27 de março de 2017. Disponível em: http://revistaemilia.com.br Acesso em: 
17 de mai. De 2017. 
 
SOBRE A AUTORA: Dolores Prades 
 
É Publisher da Revista Emília. Consultora editorial. Curadora e coordenadora 
dos seminários Conversas ao Pé da Página (2010-2015, realizado pelo Sesc-
SP). Desde 2015 preside o Instituto Emília e é uma das criadoras e 
coordenadoras do Laboratório Emília de Formação. Coordenadora no Brasil da 
Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura. Foi professora 
convidada do Curso da Universidad Autónoma de Barcelona. Curadora de 
FLUPP Park em 2014 e 2015. Membro do jurado do Prêmio Hans Christian 
Andersen 2016 e do Bologna Ragazzi Award 2016.

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