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1 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes FAJ – FACULDADE DE JUSSARA DIREITO ADMINISTRATIVO II (6° Período) PROFESSOR VICTOR FERNANDES * Este material não substitui um livro! RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO (RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL) 1. NOÇÃO GERAL Antes de adentrarmos no tema Responsabilidade Civil no âmbito administrativo, é importante que o conceito de Responsabilidade Civil em sentido amplo esteja bem claro. Tal instituto diz respeito à possibilidade de responsabilização civil de alguém que gerou dano a outrem, de natureza moral, material ou estética. A responsabilidade civil pode ser divida em Responsabilidade Civil Subjetiva e Responsabilidade Civil Objetiva. Na Responsabilidade Civil Subjetiva, para que haja a responsabilização, é necessária a incidência de 4 (quatro) elementos: - CONDUTA – que pode ser comissiva (fazer algo) ou omissiva (deixar de fazer algo). - DANO – que pode ser moral, material ou estético. - NEXO CAUSAL – que é a ponte, o elemento de ligação entre a conduta e o dano, ou seja, aquela conduta foi responsável por gerar o dano. - ELEMENTO SUBJETIVO (dolo ou culpa) – sendo o dolo a intenção de causar o dano pelo agente e a culpa, que se subdivide em negligência (deixar de praticar uma conduta esperada), imprudência (praticar conduta não esperada – ex: dirigir acima da velocidade) ou imperícia 2 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes (relacionada à técnica profissional – ex: médico que não toma os devidos cuidados para descontaminação de sala de cirurgia). Por sua vez, na Responsabilidade Civil Objetiva, apenas três elementos devem ser demonstrados para que haja o direito à indenização: - CONDUTA - DANO - NEXO CAUSAL Atenção! Na Responsabilidade Civil Objetiva, o elemento subjetivo (dolo ou culpa) não precisa ser demonstrado. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO A responsabilidade civil do Estado também é chamada de Responsabilidade Civil Extracontratual. Explica-se: tal responsabilidade não deriva de contrato anterior entre o particular afetado e a administração. É importante diferenciar a responsabilidade extracontratual da responsabilidade contratual e daquela proveniente da perda de um direito. A responsabilidade contratual ocorre quando a administração possui o dever de indenizar o particular prejudicado quando havia relação contratual preestabelecida com este. É o exemplo da concessão de uso, contrato administrativo realizado entre particular e Administração para que aquele utilize bem público de maneira privativa (ex – restaurante em Universidade Federal). 3 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes Caso a Administração Pública outorgue ao particular uma concessão de uso com prazo determinado, deverá observá-lo, sob o risco de indenizá-lo pelos prejuízos causados (isso se a não observância do prazo não se deu por inobservância contratual pelo particular). Por sua vez, a responsabilidade pela perda de um direito, como o próprio nome já diz, ocorre quando a indenização é proveniente da retirada de um direito pelo Estado. O melhor exemplo para ilustrar a responsabilidade por perda de direito é a desapropriação, já estudada, que como se sabe, em regra, gera o dever de indenizar (Art. 5°, XXIV), visto que suprime o direito de propriedade do particular. 3. EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL (FASES) Como a grande parte das áreas do direito, a disciplina acerca da responsabilidade civil estatal também passou por um processo de evolução, sendo divida em 3 (três) fases, que são exteriorizadas através de teorias, abaixo demonstradas: - 1° fase – Teoria da Irresponsabilidade Estatal (até 1873): Na primeira fase referente à responsabilidade estatal, mesmo que o Estado causasse dano aos seus agentes, estes não teriam qualquer direito de ressarcimento. Tal entendimento é proveniente da época cujo governo era absolutista, representado por um rei. Nesse período, religião e política se misturavam, sendo os reis considerados entidades que representavam o divino (Deus) e, se Deus não erra, o rei também não erraria. Desse entendimento surgiu a expressão “o rei não erra” (the king can do no wrong), expressão que já caiu em provas de concurso! Ora, se o rei não cometia erros, não haveria motivos para a responsabilização estatal, sendo a primeira fase marcada pela total irresponsabilidade do Estado perante danos gerados à terceiros. Caso Blanco – Em 8 de fevereiro 1873, houve a primeira decisão favorável no sentido de responsabilizar o Estado por ato lesivo causado a particular: na cidade de Bordeaux, França, uma menina de nome Agnes Blanco, foi atingida por um vagão que transportava fumo. Seu pai ajuizou ação com o intuito de responsabilizar o Estado pela lesão causada à sua filha, com 4 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes parecer favorável pelo Tribunal de Conflitos do país. Tal decisão é considerada um divisor de águas da total irresponsabilidade estatal para a teoria da responsabilidade subjetiva. - 2° fase – Teoria da Responsabilidade Subjetiva (de 1874 a 1946): também chamada de teoria da responsabilidade com culpa, teoria intermediária ou teoria civilista, a teoria da responsabilidade subjetiva foi um avanço no que diz respeito à possibilidade de responsabilização do Estado em caso de dano ao particular. Como o próprio nome da teoria nos diz, na segunda fase utilizava como regra a responsabilidade civil do Estado, ou seja, o lesado deveria demonstrar os quatro elementos já mencionados acima, quais seja 1) conduta 2) dano 3) nexo causal e 4) elemento subjetivo (culpa ou dolo). Ainda assim, diante a hipossuficiência do administrado frente ao Estado, a vítima de conduta danosa possuía grande dificuldade em comprovar judicialmente os requisitos da responsabilidade subjetiva, culminando em uma nova vertente da segunda fase: a teoria da culpa do serviço (também chamada de culpa anônima). A teoria da culpa do serviço, ou culpa anônima, permitia ao administrado a demonstração apenas de que um serviço público não havia sido prestado ou havia sido exteriorizado de maneira deficiente, exonerando-o de comprovar a conduta danosa de um agente público específico. Atenção! Ainda hoje a teoria da culpa do serviço é utilizada, porém, como exceção à responsabilidade objetiva do Estado (regra desde a promulgação da Constituição Federal de 1946 – abaixo mencionada). Nos casos de conduta omissiva do Estado, como regra, deverá o particular demonstrar o elemento subjetivo (culpa ou dolo). - 3° fase: Teoria da Responsabilidade Objetiva (1947 até os tempos atuais): desde a Constituição Federal de 1946, a regra no ordenamento jurídico brasileiro é pela 5 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes responsabilização civil do Estado de maneira objetiva. Isto é, para que um particular tenha seus prejuízos (causados pelo Estado) ressarcidos, é necessário a demonstração apenas de 3 (três) elementos: 1) Conduta: que poderá ser lícita ou ilícita. Um exemplo de conduta lícita é a construção de um presídio próximo a um bairro residencial. Nesse caso, se o particular comprovar judicialmente que seu imóvel sofreu grande desvalorização em decorrência daquela obra pública, deverá ser ressarcido. 2) Dano. 3) Nexo causal. A disciplina é regulamentada pela Constituição Federal (artigo 37, §6°) e pelo Código Civil Brasileiro (artigo 43), que dispõem, respectivamente: Art. 37, CF/88A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Art. 43, CC/02 As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. 4. ARTIGO 37, § 6° DA CONSTUTIÇÃO FEDERAL DE 1988 Para melhor compreendermos o instituto, analisemos o artigo 37, §6° da Constituição Federal por partes: 6 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes Os sujeitos da responsabilidade civil objetiva são: As Pessoas Jurídicas de Direito Público (União, Estados, DF, Municípios – administração direta e Autarquias e Fundações Públicas de Direito Público – administração indireta) e As Pessoas Jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público (Empresas Públicas; Sociedade de Economia mista (se não exploradoras de atividades econômicas, como os Correios), concessionárias e permissionárias de serviços públicos (CELG, SANEAGO, RMTC). A responsabilidade objetiva sempre será aplicada a partir de um ato de agente público (aquele que de maneira temporária ou definitiva, remunerada ou não, presta serviços ao Estado). O agente público deverá estar no exercício de suas funções (“nessa qualidade – art. 37°, § 6°). Ou seja, se um policial em seu dia de folga causa danos a terceiro (atira em um indivíduo), o Estado não responderá civilmente e objetivamente por isso, sendo apenas a pessoa do policial responsável por seus atos (e de maneira subjetiva). Em outras palavras, se o agente público pratica atos fora do exercício de suas atribuições, o Estado nada tem a ver com isso! Assegurado o direito de regresso em caso de culpa e dolo do agente público: atenção! A regra é que a responsabilidade civil do Estado seja objetiva, porém, caso um agente público, no exercício de suas funções, pratique conduta danosa à particular de maneira culposa/dolosa, o Estado poderá ajuizar ação regressiva contra o agente a fim de restituir os valores pagos ao particular em sede de ação indenizatória. Nesse caso, a responsabilidade do agente será subjetiva. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, EM REGRA, É OBJETIVA. A RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO, EM CASO DE AÇÃO REGRESSIVA, É SUBJETIVA! 7 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes 5. RESPONSABILIDADE PRIMÁRIA X RESPONSABILIDADE SUBSIDÁRIA A regra é que cada pessoa jurídica responda civilmente pelos prejuízos causados a terceiros (responsabilidade primária): Se um motorista da UNIÃO, no exercício de suas atividades, atropela pedestre, a União será responsabilizada (responsabilidade primária). Se um motorista de um Ministro, no exercício de suas atividades, atropela pedestre, a União será responsabilizada (responsabilidade primária), visto que um Ministério não é pessoa jurídica e sim departamento criado em decorrência de DESCONCENTRAÇÃO. Se um motorista do INSS (Autarquia, criada pela União), atropela pedestre, no exercício de suas atividades, o INSS será responsabilizado (e não a União, que criou a autarquia em decorrência de DESCENTRALIZAÇÃO) (responsabilidade primária). Se a CELG (pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos) cause danos a terceiros, ela mesma será responsabilizada e o Estado, quem delegou a sua função (responsabilidade primária). Atenção! Apenas se o devedor principal (responsável direto) não puder cumprir com suas obrigações (falta de patrimônio) ou cumpri-las de maneira insuficiente, é que poderá o devedor secundário (responsável subsidiário) ser acionado. Se um motorista do INSS (Autarquia, criada pela União), atropela pedestre, no exercício de suas atividades, o INSS será responsabilizado (e não a União, que criou a autarquia em decorrência de DESCENTRALIZAÇÃO) (responsabilidade primária), mas, suponhamos que a autarquia esteja falida e impossibilitada de ressarcir os prejuízos causados ao particular. Nesse caso a União poderá ser acionada (responsabilidade subsidiária). 8 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes Se a CELG (pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos) cause danos a terceiros, ela mesma será responsabilizada e o Estado, quem delegou a sua função (responsabilidade primária), mas, suponhamos que a CELG encontra-se falida e impossibilitada de ressarcir os prejuízos causados ao particular. Nesse caso a União poderá ser acionado (responsabilidade subsidiária). 6. EXCEÇÕES À RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Como visto, a regra é que o Estado, caso algum agente público cause prejuízo a terceiro, seja responsabilizado de maneira objetiva. Porém, há certas circunstancias em que o Estado só poderá ser responsabilizado caso o prejudicado demonstre os 4 (quatro) elementos da responsabilidade subjetiva: 1) Na ação regressiva, já estudada acima. 2) Em casos de conduta omissiva. A conduta omissiva é aquela em que o dano é causado quando a Administração Pública deixa de realizar algo (não fazer), ao contrário da conduta comissiva, quando a pratica de ato causa algum dano. Nos casos de conduta omissiva, a responsabilidade será subjetiva, porém, ao particular não caberá demostrar culpa ou dolo específico de agente público, apenas a má- prestação/ineficiência/atrasado do serviço público. Ou seja, será aplicada a teoria da culpa anônima, já estudada na 2° fase da evolução da responsabilidade civil do Estado. Um exemplo de conduta omissiva responsabilizável é a falta de segurança pública em rua que constantemente ocorrem assaltos. Nesse caso, o Estado deixou de providenciar segurança pública. Outros exemplos que podem ser citados: enchentes, bala perdida, queda de árvore. Atenção! Nas relações de custódia a responsabilidade estatal será OBJETIVA, mesmo por atos de terceiro. Os exemplos clássicos são: morte de preso em rebelião; criança que se machuca em briga na escola. 9 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes 7. EXCLUDENTES DE ILICITUDE (TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO) O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a chamada teoria do risco administrativo em casos de lesão ao administrado. Pela teoria do risco administrativo, poderão haver as chamadas excludentes de ilicitude, ou seja, fatos que excluem o dever de indenizar pelo Estado. São excludentes de ilicitude: 1) Caso fortuito (ato humano, previsível mas não controlável) – exemplo: guerra. 2) Força Maior (proveniente da natureza, imprevisível) – exemplo: raio que cai em árvore e atinge carro de particular.. 3) Culpa exclusiva da vítima – exemplo: particular que se joga em um ônibus da prefeitura com o intuito de se matar. 4) Culpa de terceiros – exemplo: arrastão. Atenção! A culpa concorrente (quando tanto o Estado como o particular causaram o dano através de conduta, a responsabilidade do Estado será amenizada, mas não excluída). A teoria do risco administrativo se contrapõe à uma teoria drástica, chamada de teoria do risco integral. Esta não admiteexcludentes de ilicitude, sendo o Estado responsável pelos danos causados à terceiros em qualquer situação. Embora tal teoria seja mais favorável à vítima, sua adoção não se faria justa, especialmente em casos que o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima, o que tornaria o Estado um “indenizador universal”. Atenção! Embora a teoria do risco administrativo seja a regra, há a possibilidade da aplicação da teoria integral em alguns casos, como em acidentes de trabalho em emprego público, na 10 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT), em casos de atentados terroristas em aeronaves e para alguns estudiosos em casos de danos ambientais, por força do artigo 225 §§ 2° e 3° da Constituição Federal. 8. PRAZO PRESCRICIONAL PARA INGRESSO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA PELO PARTICULAR O entendimento atual é que o prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória contra o Estado é de 5 (cinco) anos (prazo quinquenal), conforme o artigo 1° do decreto-lei 20.910/32. Atenção! Embora o artigo 206, § 3°, V do Código Civil disponha o prazo de 3 (três) anos para o ajuizamento de ação em casos de responsabilidade civil, o entendimento atual é de que este não se aplica à fazenda pública. 9. DENUNCIAÇÃO À LIDE O entendimento doutrinário majoritário é de que não pode o Estado em sede de ação indenizatória ajuizada por particular em caso de responsabilidade civil, chamar ao processo o agente público em casos de culpa/dolo (denunciação à lide). Entretanto, as bancas de concurso vêm entendendo que em razão da celeridade e economia processual, o Estado tem a faculdade de proceder com a denunciação à lide do agente. Ou seja, nesse entendimento, o Estado poderia optar por aguardar o transito em julgado da ação de indenização ajuizada pelo particular e em casos de culpa/dolo do agente ajuizar ação regressiva para ser reembolsado ou, na própria ação indenizatória proposta pelo particular chamar o agente ao processo para responder por sua conduta. 11 Direito Administrativo II Professor Victor Fernandes 10. RESPONSABILIDADE POR OBRA PÚBLICA Por fim, cabe demonstrar que a Administração poderá ser responsabilizada em casos de prejuízos causados a terceiros, decorrentes de obra pública: Prejuízo só pelo fato da obra: são aqueles danos causados independente de má- execução da obra. Os danos ocorrem pela simples existência da obra. Exemplo: rachaduras nas paredes de casas próximas a uma obra de metrô. Nesses casos a responsabilidade será objetiva. Prejuízo por má-execução: como o próprio nome já diz, os danos causados a terceiros foram decorrentes de má-execução da obra. Nesse caso, a responsabilidade será objetiva se a obra foi realizada pela própria administração. Porém, se a Administração Pública contratou serviço de terceiros (construtora civil/empreiteiro), a responsabilidade será subjetiva, visto a realização da obra não ser considerada prestação de serviço público. Atenção! A doutrina majoritária entende que nesses casos, se a Administração Pública deixou de fiscalizar a obra (conduta omissiva) poderá ser responsabilizada subjetivamente. BIBLIOGRAFIA ALEXANDRINO; Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2017. CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvm, 2017. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2016.
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