Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Superior Tribunal de Justiça MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.162 - DF (2012/0027627-0) RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS IMPETRANTE : ALFREDO GONÇALVES NASCIMENTO ADVOGADO : ULISSES BORGES DE RESENDE E OUTRO(S) IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO INTERES. : UNIÃO RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator): Cuida-se de mandado de segurança impetrado por ALFREDO GONÇALVES NASCIMENTO contra ato reputado coator praticado pelo MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, consubstanciado em aplicação da pena de suspensão por quarenta (40) dias ao impetrante, nos termos dos arts. 116, inciso III, 129, parte final, e 130, todos da Lei n. 8.112/90, "por ter descumprido o dever de observar as normas legais e regulamentares " (fl. 700, e-STJ). Na sua petição inicial (fls. 1-34, e-STJ), o impetrante alega que não poderia ter lhe sido aplicada a penalidade de suspensão, pois estava em exercício como dirigente sindical e não como servidor público. Argumenta, também, que os fatos punidos seriam "fatos de greve" e não configurariam "exercício das atribuições" no ditame do art. 148 da Lei n. 8.112/90, o que induziria a ilicitude da pena. Alega que o estado de greve suspende a relação laboral e, assim, não há falar em violação no exercício das funções. Alega, ainda, violação do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Postula que o art. 130 não poderia ter sido mobilizado, uma vez que o termo de indiciamento não permitiria tal enquadramento (suspensão) e somente a advertência. Refere à alegação anterior com base no argumento de que a comissão teria proposto sua demissão. Por fim, alega que os fatos teriam sido distorcidos para lhes imputar mais gravidade. Pleiteou a concessão da medida liminar, que foi indeferida nos termos da seguinte ementa (fl. 778, e-STJ): "ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE FEITA POR INTERMÉDIO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. LIMINAR NEGADA" . Interposto agravo regimental pelo impetrante, o qual foi negado provimento pela Primeira Seção desta Corte (fls. 832-833, e-STJ). Prestadas informações pela autoridade coatora, MINISTRO DE Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 15 Superior Tribunal de Justiça ESTADO DA EDUCAÇÃO (fls. 818-829, e-STJ). Suscita duas preliminares. A primeira, argumenta pela inadequação da eleita, haja vista que a discussão sobre a suposta prática de ato ilegal demanda dilação probatória. A segunda seria de inépcia da petição inicial, porque não teria havido a pertinente argumentação referente à violação do devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, o que conduziria à intelecção de que não houve a necessária exposição da causa de pedir. No mérito, alega que a paralisação na prestação de serviços, em decorrência de greve, não teria o condão de obstar o fiel cumprimento das normas que tratam dos deveres funcionais dos servidores públicos, motivo pelo qual não se pode entender como lícita a conduta do servidor que participou do bloqueio das portas da entrada do edifício-sede do FNDE com correntes e cadeados. Aduz, ainda, que, em relação ao argumento de que não teria sido adequada a aplicação da penalidade de suspensão, o ato disciplinar não pode ser visto como violação do princípio da proporcionalidade, porquanto, ao considerar a gravidade e a repercussão do ilícito administrativo – fechamento das portas de entrada do seu local de trabalho –, foi aplicada a reprimenda prevista na legislação de regência. Defende, também, ser manifesta a adequação da penalidade e que sua revisão demandaria a revisão do mérito administrativo. Por fim, postula que não haveria qualquer violação do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, pois o impetrante manifestou-se diversas vezes nas necessárias fases do Processo Administrativo Disciplinar, inclusive por meio de pedido de reconsideração da decisão proferida pelo Ministro de Estado da Educação. O agravo regimental interposto pelo impetrante contra a decisão que indeferiu a liminar foi improvido pela Primeira Seção (fls. 832-840, e-STJ). Parecer do Ministério Público Federal pela denegação da ordem. Eis a ementa do parecer (fl. 848, e-STJ): "MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. TRANSGRESSÃO COMETIDA DURANTE ATO DE GREVE. PROCESSO DISCIPLINAR. - Insurgência do impetrante contra entendimento regularmente manifestado pela comissão processante. - Parecer pela denegação da ordem." É, no essencial, o relatório. Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 15 Superior Tribunal de Justiça MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.162 - DF (2012/0027627-0) EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. ATO ABUSIVO E ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA. NÃO IDENTIFICADA. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. APLICAÇÃO DO MI 712/PA. ART. 15. PENA POR EXCESSO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PENALIDADE ADEQUADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Mandado de segurança impetrado no qual se pede a anulação de processo administrativo disciplinar cujo resultado foi a aplicação da pena de suspensão por quarenta dias (fl. 700), com base no art. 130 da Lei n. 8.112/90, em razão de atuação ilícita em ato de greve; o processo administrativo disciplinar apurou que o servidor atuou em conjunto com outros para trancar os acessos do edifício-sede da repartição; o cerramento mostrou-se perigoso, pois outro servidor derramou líquido inflamável na porta e, assim, criou situação de risco. 2. O impetrante alega que não poderia ter sido punido com suspensão, uma vez que seus atos não teriam sido praticados no exercício da função, nos termos do art. 148 da Lei n. 8.112/90; além disso, postula que a penalidade teria sido excessiva e alude a violação do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 3. Do exame acurado do processo disciplinar, bem se vê que foi dada publicidade de todos os procedimentos ao longo do processamento, bem como facultado o direito de defesa, junto com informações hábeis para contradição; além disso, houve garantia da produção de provas pedida. Não há falar em nenhuma violação de cunho formal. 4. A alegação central é a pretensa impossibilidade de aplicação da penalidade ao servidor público que, por integrar comando de greve, postula que seus atos de greve estariam fora das atribuições do cargo e, logo, não poderia responder por nenhuma procedimento disciplinar por prática de abuso do direito. 5. Está pacificado o cabimento da aplicação da Lei de Greve – Lei n. 7.783/89 – aos movimentos grevistas federais, em razão do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandados de Injunção 712/PA (Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, publicado no DJe-206 em 31.10.2008 e no Ementário vol. 2339-03, p. 384), e a referida Lei prevê a possibilidade de penalização por ato ilegal de greve, como se Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 15 Superior Tribunal de Justiça infere do seu art. 15. 6. A aplicação da penalidade de suspensão está em conformidade com as provas apuradas no processo administrativo disciplinar e com o enquadramento nos inciso III do art. 116, combinado com os arts. 129 e 130 da Lei n. 8.112/90, tendo havido, inclusive, adequação do rigor por parte do parecer jurídico (fls. 681-685) em relação à recomendação inicial do relatório final, que opinou pela demissão. Não há violação da proporcionalidade e da razoabilidade. Segurança denegada. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator): Deve ser denegadaa ordem pleiteada. Como resta claro do relato efetuado, põe-se em discussão a aplicação da pena de suspensão por quarenta (40) dias de servidor público que, estando em greve, impediu a entrada de servidores públicos às dependências do FNDE, valendo-se na ocasião do uso de correntes e cadeados para cerrar as portas de acesso. Eis o ato coator (fl. 700, e-STJ): "O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, tendo em vista o disposto no inciso II, do artigo 141, da Lei 8112, de 11 de dezembro de 1990, e o que consta no Processo Administrativo Disciplinar nº 23034.001162/2010-53 e no Parecer nº 647/2011/CGEPD/FHL, resolve: Aplicar a penalidade de SUSPENSÃO por 40 (quarenta) dias ao servidor ALFREDO GONÇALVES NASCIMENTO, matrícula SIAPE nº 1695912, ocupante do cargo de Especialista em Financiamento e Execução, do Quadro de Pessoal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com fulcro no art. 130 c/c o art. 129, parte final, e art. 116, inciso III, da Lei nº 8.112/90, por ter descumprido o dever de observar as normas legais e regulamentares" . A pena de suspensão foi aplicada ao impetrante, servidor público federal lotado no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, já que, durante um período em que houve greve, este – junto com outros servidores – impediu a entrada de trabalhadores às dependências da entidade estatal, valendo-se na ocasião, para tanto, Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 15 Superior Tribunal de Justiça do uso de correntes e cadeados para cerrar as portas de acesso. Todavia, o cerramento da porta tornou-se perigoso, já que comprovado ter havido o derramamento de líquido inflamável na porta. O termo de indiciação consta dos autos (fls. 468-485, e-STJ). O relatório final da comissão de processo administrativo disciplinar consta dos autos (fls. 568-576, e-STJ; fls. 598-603, e-STJ; fls. 614-648, e-STJ). O parecer da Procuradoria Federal junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE consta dos autos (fls. 607-613, e-STJ; fls. 649-670, e-STJ). O parecer da consultoria jurídica do Ministério da Educação consta dos autos (fls. 673-685, e-STJ). Transcrevo trechos da conclusão da comissão processante sobre a conduta do impetrante (fls. 569-571, e-STJ): "O presente processo teve sua origem a partir do Memo nº 19 do Coordenador Geral de Recursos Logísticos / FNDE (fls. 03 e 04) que comunica ao Presidente do FNDE ocorrências no dia 05/05/2010 referente a bloqueio das portas da entrada principal, da garagem e de serviço com correntes e cadeados e derramamento de líquido com características de óleo diesel na calçada que dá acesso à entrada principal do prédio, por membros do comando de greve. Tais ocorrências foram comunicadas à Superintendência da Polícia Federal de Brasília, representada pela Senhora Mara Toledo Piza Biocchi, com cópia ao Senhor Delegado Marcelo Mozart Rocha Galli, por ser a área em frente ao Prédio do FNDE de responsabilidade da União (fl. 05). (...) Em conformidade com o que se apresenta nos autos do presente processo, tem-se aqui a ocorrência de um fato tido como irregular envolvendo servidores públicos vinculados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação / FNDE - o que, por força legal, justifica, desta forma, o procedimento em curso - o qual se caracteriza como ato de aparente responsabilidade funcional. É pertinente e necessário que se esclareça, sucintamente, de que forma tal suposta irregularidade se corporificou. Um Movimento de Greve promovido por servidores do FNDE, cuja deflagração, segundo os autos (fls. 78 - Volume I) ocorreu no dia 26 de abril de 2010, deu origem a atos e atitudes promovidos por alguns servidores grevistas, os quais, conforme as peças de denúncia Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 15 Superior Tribunal de Justiça (fls. 03 a 98 - Volume I) foram caracterizados como atos de irresponsabilidade funcional, descritos na sequência deste relatório. Nestas peças de denúncias, constam detalhamentos de como se sucederam tais ações. Trata-se de um volume de documentos, composto por várias correspondências e cópias de imagens fotográficas, que tramitaram internamente ao órgão e que foram registradas por seguranças e servidores não participantes do referido movimento. A Polícia Federal periciou a substância que teria sido despejada e derramada no acesso ao edifício sede do FNDE pelos grevistas, durante os atos de greve, contando no laudo de exame de combustível nº 772/2010-INC/DITE/DPF da Polícia Federal às fls. 86 a 90 - volume I - item III.2 - Resultados que o líquido examinado é constituído de composição dominante do combustível ÓLEO DIESEL, bem como substâncias constituintes do BIODIESEL" . O relato da conduta fática individualizada pode ser apreendido nos seguintes extratos do relatório final da comissão processante (fl. 632, e-STJ): "(...) A testemunha Márcio José de Souza, na ocorrência registrada no Departamento de Polícia Federal, conforme fls. 71/72, informou que, no dia 04/05/2010 percebeu a presença dos Srs. Manuel, Iriovaldo, Alfredo e aproximadamente um grupo de sete pessoas do 'Comando de Greve' e que 'Manuelzinho' derramava o líquido em frente à porta principal e ao ato contínuo, 'Manuelzinho' e Iriovaldo, juntamente com seis ou sete pessoas, passaram a acorrentar o portão de acesso às garagens e a 'rota de fuga' que dá acesso ao canteiro de obras, fatos estes confirmados em seu termo de declaração à Polícia Federal no mesmo dia, conforme documentos às fls. 73/75. Além dessa documentação apresentada pelo servidor Márcio José de Souza, onde aponta de forma convicta e peremptória a identificação dos três servidores já citados como autores ativos dos fatos acima mencionados, ainda é corroborada pelos depoimentos das testemunhas Sandro de Jesus (fls. 217/218 - volume II) e Adeni Andrade (fls. 219/220 - Volume II) que confirmaram serem verdadeiros os fatos e a imputação da autoria, por serem testemunhas oculares e diretas no momento dos fatos. (...)" . Bem descritos os fatos, passo ao julgamento. Inicio com as preliminares trazidas pela autoridade coatora. Alega Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 15 Superior Tribunal de Justiça inadequação da eleita, porquanto a apreciação da demanda exigiria dilação probatória. Também, alega que a petição inicial seria inepta, uma vez que não teria havido a pertinente argumentação referente à violação do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, o que conduziria à intelecção de que não houve a necessária exposição da causa de pedir. A via mandamental é adequada para apreciar a controvérsia. Estão claras as teses jurídicas. O impetrante alega que não poderia ter sido punido com suspensão, uma vez que seus atos não teriam sido praticados no exercício da função, nos termos do art. 148 da Lei n. 8.112/90. Ainda, postula que a penalidade teria sido excessivo e somente deveria ter sido penalizado com a advertência. Esses argumentos são suficientes para garantir a cognição do Writ of Mandamus , ainda que determinados argumentos não sejam aferíveis em razão de demandarem dilação probatória. O impetrante não nega a existência dos fatos. Defende que teriam sido distorcidos para lhes dar mais gravidade. No entanto, uma controvérsia sobre o panorama fático exigiria FNDE – inexoravelmente – a produção de provas e contra-provas. A petição inicial também não é inepta, pois os argumentos trazidos são coerentes com o objetivo buscado, que é a anulação do ato administrativo de aplicação da penalidade de suspensão. Transcrevo o pedido (fl. 34, e-STJ): "(...) o) finalmente, seja CONCEDIDO o presente MANDADO DESEGURANÇA, confirmnando-se os efeitos da liminar, se deferida, para, no mérito, ser declarado NULO o processo administrativo e, em especial, a DECISÃO ADMINISTRATIVA proferida pela Autoridade Coatora (Autoridade Impetrada), por meio da qual, ilegalmente, foi aplicada a penalidade de SUSPENSÃO, na pessoa do ora IMPETRANTE, de acordo com o que ficou acima alegado, discutido e comprovado. (...)" . Em suma, rejeito as duas preliminares. Passo ao mérito. De plano, localizado que não há falar em violação do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. O processo administrativo seguiu os ritos previstos na legislação de regência. Foi dada ciência da instauração do processo administrativo (fl. 148, Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 15 Superior Tribunal de Justiça e-STJ), por meio de notificação pessoal (fl. 156, e-STJ). Foi fornecida cópia integral do processo, em dois momentos, após pedido do servidor (fls. 178 e 496, e-STJ). Houve defesa técnica ao longo do processo, por meio de advogado constituído pelos servidores (fls. 179-180 e 184, e-STJ). Os servidores arrolaram várias testemunhas e foram notificados de suas oitivas (fls. 192, 198-207 e 222, e-STJ). Os servidores – e o impetrante – puderam ofertar depoimentos (fls. 366-369 e 372, e-STJ). O depoimento do impetrante consta dos autos (fls. 401-402, e-STJ). Houve indiciamento (fls. 468-485 e 499-509, e-STJ), com intimação para a oferta de defesa escrita (fl. 493, e-STJ). Por fim, houve defesa técnica por advogado constituído nos autos (fls. 510-517, 525-541 e 545-554, e-STJ). Em suma, compulsando os autos, noto que houve participação do impetrante ao longo do processo administrativo, com defesa técnica e direito à contraditar as provas, bem como ofertar aquelas que julgasse necessárias. Impossível localizar, faticamente, qualquer cerceamento. O argumento que postula deduzir alguma violação dos princípios de regência do direito de defesa em razão da interpretação esposada pela comissão processante aos fatos é descabida do ponto de vista lógico. A comissão possui a prerrogativa de, com base no acervo fático dos autos, sugerir o enquadramento jurídico das condutas apuradas no relatório final. É ato interpretativo que, aliás, pode ser alterado se estiver em dissonância com os fatos. Logo, não há como deduzir violação do direito de defesa. Passo às duas outras alegações. A primeira é de que o abuso de direito de greve não seria passível de punição administrativa. A segunda é de que a pena seria excessiva. Sobre a primeira alegação, a comissão de processo disciplinar rechaçou a tentativa de afastar a imputação da responsabilidade administrativa dos servidores com base na tese de que os servidores em "estado de greve" não estariam no exercício da função e, portanto, deveriam ser tratados somente como particulares. Essa tese é o ponto central do mérito do presente mandamus e pode ser apreendida da seguinte transcrição da peça inicial (fl. 2, e-STJ): "Ocorre que o referido ato é nulo de pleno direito, posto que o IMPETRANTE não se encontrava no exercício das atribuições de seu carpo. nem a pretexto de exercê-las, ao tempo em que também não se encontrava na repartição em que trabalha, senão na liderança de urna greve, enquanto grevista, Membro do Comando de Greve. Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de 15 Superior Tribunal de Justiça Logo, não se aplicaria ao caso o disposto no Título IV da Lei nº 8.2219/90" . Para elucidar o debate, transcrevo o ponto de vista da comissão (fls. 645-647, e-STJ): "No que tange à alegação de que os fatos diriam respeito à 'ações de particulares e que tais atos não teriam vínculo com o serviço público e nem com o exercício do cargos dos servidores, a própria defesa comete um enorme contra senso quando, de forma paradoxal, defende, por um lado o direito de greve e licitude das atuações dos servidores (empregados)e cometidas à título de 'atos grevistas', por outro lado, alega que os atos apontados na denúncia seriam 'ações particulares' cometidas por 'particulares' e, portanto, fora da esfera da investigação da seara administrativo/disciplinar. Ora, a greve - e as ações inerentes à mesma - só pode ser exercida por servidores investidos dessa condição! Qual seria o propósito de uma greve deflagrada por 'pessoas particulares'?! Qual seria o objetivo de tal greve? Um objetivo 'particular'? (...) A Lei nº 7.783/89, que regulamenta o direito de greve, em seu art. 15, exige sejam responsabilizados perante as esferas penal, cível e trabalhista todos os trabalhadores que praticam atos ilícitos ao longo da greve. (...) A fim de evitar qualquer confusão acerca da responsabilidade dos trabalhadores, quando do abuso do direito de greve, foi criada uma distinção doutrinária sobre o tema. Nesse sentido, vale transcrever ensinamento de Arnaldo Sussekind (Instituições de Direito do Trabalho, 22 ed., São Paulo - LTr, 2005): '(...) Os atos ilícitos de que tratamos no item anterior, configuradores do abuso do direito de greve, devem ser analisados em dois planos: a) no da responsabilidade de dirigentes da entidade sindical pela deflagração da greve, prática de atos ilícitos ou omissão quanto a providências impostas por lei; b) no da participação ativa de empregados na prática de atos ilícitos (piquetes obstativos), 'arrastão', agressão física ou moral, ocupação e local de trabalho, depredação de estabelecimento, máquina, equipamentos e outros bens, etc.), ou sua negativa em integrar turmas de emergência para a prestação de serviços considerados indispensáveis pela lei. (...) Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 9 de 15 Superior Tribunal de Justiça A constatação dos excesso cometidos, caracterizando a conduta abusiva e, portanto, afronta ao direito de greve, equivale ao ato ilícito (...) Destarte, restou cristalino que qualquer que seja a forma de abuso do direito de greve, estará o responsável sujeito a uma pena, não havendo complacência com o infrator, haja vista que há um tema de extrema relevância em jogo, não havendo margem para a impunidade.' (...)" . Em síntese, o argumento basilar da impetração recai na alegação de impossibilidade de aplicação da penalidade ao servidor público que, ao integrar comando de greve e – no seu ponto de vista – estar fora das atribuições do cargo, não poderia responder por procedimento disciplinar por prática de abuso do direito de greve. De plano, friso que está pacificado o cabimento da aplicação da Lei de Greve – Lei n. 7.783/89 – aos movimentos paredistas federais, em razão do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandados de Injunção 712, cuja ementa transcrevo, que é pertinente: "MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVEDOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 10 de 15 Superior Tribunal de Justiça 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 11 de 15 Superior Tribunal de Justiça antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque 'serviços ou atividades essenciais' e 'necessidades inadiáveis da coletividade' não se superpõem a 'serviços públicos'; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2º da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4º, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil" . (MI 712/PA, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 25.10.2007, publicado no DJe-206 em 31.10.2008 e no Ementário vol. 2339-03, p. 384.) Firmado que é aplicável a Lei n. 7.783/89, no que couber, bem se vê que a mesma prevê a hipótese de que ilícitos sejam apurados e, depois, que sejam aplicadas sanções. Cito: "Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 12 de 15 Superior Tribunal de Justiça segundo a legislação trabalhista, civil ou penal" . Em suma, rejeito a alegação de que não seria aplicável a pena ao servidor grevista em razão de ato abusivo. Assim o faço por considerar que a legislação pátria não confere ao servidor público federal grevista o salvo conduto para infringir os deveres previstos no regime jurídico próprio. Com outras palavras, a legislação pertinente não estabelece nenhuma espécie de imunidade que o torne desimpedido de responder pelos atos praticados contrários à ordem jurídica. No caso dos presentes autos, há plena suficiência de provas sobre a participação do impetrante no cerramento das portas de acesso do edifício sede do FNDE e em ação concertada contra o patrimônio público. Passo à alegação de excesso da pena. Postula o servidor que sua conduta – participação no cerramento das portas com cadeados – seria passível apenas de advertência, em razão do art. 130 da Lei n. 8.112/90: "Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias" . Como pode ser visto dos autos, a comissão processante opinou pela aplicação da penalidade de demissão. Todavia, o parecer jurídico, produzido pela Procuradoria Federal junto ao FNDE opinou, em melhor correlação com as provas juntadas aos autos, pela aplicação da pena de suspensão de quarenta dias, no que foi acompanhado em tal entendimento pela Consultoria Jurídica do Ministério da Educação. Transcrevo o parecer da CONJUR (fls. 681-685, e-STJ): "(...) Por fim, no que se refere à plausibilidade das conclusões da Comissão Processante, quanto à conformidade com as provas em que se buscou para formar a sua convicção, à adequação do enquadramento legal da conduta e da penalidade proposta, bem quanto à inocência ou responsabilidade dos servidores (...), Gonçalves do Nascimento (...), faz-se mister tecermos algumas considerações. (...) No caso dos autos, o Colegiado Processante, após ouvir servidores e examinem os documentos carreados aos autos, conclui pela aplicação da penalidade de demissão aos servidores (...), Alfredo Gonçalves Nascimento (...) pela práticade condutas abusivas ao Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 13 de 15 Superior Tribunal de Justiça direito de greve nos seguintes termos: - demissão ao servidor Alfredo Gonçalves Nascimento, por infração ao artigo 116, III, VII e XI c/c o artigo 128, todos da Lei nº 8.112/90, em virtude da ocorrência de ilicitude de conduta tipificada nos artigos 5º e 9º da Lei nº 7.783/89, por ofensa ao artigo 6º, parágrafos 1º e 3º da mesma Lei; (...) A Procuradoria do FNDE, entretanto, após otejar as provas dos autos, divergiu da conclusão do Relatório da Comissão Processante, nos seguintes pontos: (...) No que tange ao servidor Alfredo Gonçalvez nascimento, a Procuradoria do FNDE verificou não restar comprovada a utilização de fogos de artifício em nenhum momento por parte daquele servidor, nem a sua adesão ao evento 'derramamento de óleo diesel', restando apenas comprovada a conduta de que o servidor procedeu ao fechamento de portas do prédio. Desta sorte, aquele órgão jurídico opinou, com fulcro no art. 128 e 129, parte final, combinado com o art. 130 e art. 116, III da Lei nº 8.112/90 e em desacordo com as conclusões auferidas pela Comissão Processante, pela aplicação da penalidade de suspensão por 40 (quarenta) dias ao servidor Alfredo Gonçalves do Nascimento. (...) Ante todo o exposto, proponho que o processo seja submetido ao julgamento do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Educação, com a sugestão de que, na forma do art. 168, acolha parcialmente o relatório da comissão, em razão das provas constantes nos autos e, acompanhando o parecer nº 328/2010/DICAD/PFFNDE/PGF/ AGU aplique as seguintes penalidades: (...) b) ao servidor Alfredo Gonçalves do Nascimento da penalidade de 40 (quarenta) dias de suspensão com fulcro no art. 130 c/c o art. 129, parte final, e art. 116, III, da Lei nº 8.112/90; (...) (...)" . Reitere-se que não há alegação de negativa dos fatos. A divergência do impetrante se refere ao enquadramento. Do exame dos fatos apurados e do enquadramento normativo feito – art. 116, inciso III, tenho que está correto o parecer do Ministério Público Federal no qual se postula não haver ilegalidade no julgamento (fl. 852, e-STJ): Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 14 de 15 Superior Tribunal de Justiça "Por derradeiro, quanto ao argumento insculpido na letra 'c', de que a penalidade correta seria 'advertência', em vez de suspensão, extrai-se do Parecer nº 647/2011/CGEPD/FIIL que o impetrante foi administrativamente enquadrado nas violações ao art. 116, incisos III, VII e XI c/c art. 128 da Lei nº 8.112/90, em razão de suas conduta ter sido tipificada nos artigos 5º e 9º da Lei nº 7.783/89, pelo que não há de se cogitar a hipótese de aplicação de simples penalidade de advertência, vez que o art. 130 da Lei nº 8.112/90 é claro ao determinar que 'a suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita à penalidade de demissão', a cuja hipótese se subsume perfeitamente o caso em exame" . Logo, não visualizo desproporção na pena aplicada. Examinadas as alegações, não há falar em máculas. Ante o exposto, denego e segurança. É como penso. É como voto. MINISTRO HUMBERTO MARTINS Relator Documento: 48058642 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 15 de 15
Compartilhar