Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL - UNIBRASIL ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES TATIANNE BERNARDO DE BRITO AS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BANCO DE ALIMENTOS DA CEASA/PR, UNIDADE DE CURITIBA, COMO UM MECANISMO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. CURITIBA 2010 TATIANNE BERNARDO DE BRITO AS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BANCO DE ALIMENTOS DA CEASA/PR, UNIDADE DE CURITIBA, COMO UM MECANISMO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. CURITIBA 2010 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social – Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL. Professora Orientadora: Melissa Ferreira Portes. iii AGRADECIMENTOS Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito. Chico Xavier Agradeço primeiramente a Deus, por fazer cada dia de minha vida mais uma vitória. Agradeço aos meus familiares. Agradeço principalmente aos meus pais por tornarem esse sonho realidade, por toda dedicação e esforço, vocês são a razão que me impulsionam a nunca desistir dos meus desejos. Agradeço a minha cunhada Ineide pela preocupação e interesse em contribuir com essa minha realização. Agradeço carinhosamente ao meu padrinho Sergio, pois foi ele quem me auxiliou na escolha por esta profissão. Agradeço a minha supervisora de campo de Estágio Edite, mais que supervisora ganhei uma amiga, e a Clarice por todas as orientações, pois me auxiliou para a construção de uma postura crítica da realidade. Agradeço minha orientadora Melissa, pelo incentivo da construção desta pesquisa. Agradeço a minhas amigas Evania, Jhecy e Iza, pela força, cumplicidade e amizade nesses quatro anos de faculdade. Em fim, agradeço a todos que acompanharam esta minha caminhada. iv LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BA - BANCO DE ALIMENTOS BNDE - BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO CE - ESTADO DO CEARÁ CEASA/PR - CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DO PARANÁ CEAGE/SP - ENTREPOSTOS GERAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO CIBRAZEN - COMPANHIA BRASILEIRA DE ARMAZENAMENTO CIC - CIDADE INDUSTRIAL DE CURITIBA CMAS - CONSELHO MUNCIPAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL CME - CAMPANHA DA MERENDA ESCOLAR CNAN - CONFERÊNCIA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO NUTRICIONAL CNPJ - CADASTRO NACIONAL DA PESSOA JURÍDICA CNSAN - CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL COBAL - COMPANHIA BRASILEIRA DE ALIMENTOS COEP - COMITÊ DE ENTIDADES PÚBLICAS NO COMBATE À FOME CONSEA - CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL COOPNUTRI - PROJETO DE COOPERAÇÃO NUTRICIONAL CRAS - CENTROS DE REFERÊCNIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL DESAN - DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DHAA - DIRETO HUMANO À ALIMENTAÇÃOI ADEQUADA DIVAS - DIVISÃO SOCIAL EAN - EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA FBSAN - FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA ALIMENTAR FESAN FÓRUM ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL FINEP - FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS FMI - FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL GEASAN - GRUPO DE ESTUDOS E AÇÕES EM SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL GEMAB - GRUPO EXECUTIVO DE MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO GERAP - GERÊNCIA DA ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA INAN - INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO IPEA - INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS LOSAN - LEI ORGÂNICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL MDA - MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO v MDS - MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME ONG - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PAA - PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS PAT - PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR PE - ESTADO DE PERNAMBUCO PEC - PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL PNAE - PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR PNSAN - POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL PR - ESTADO DO PARANÁ PROVOPAR - PROGRAMA DE VOLUNTÁRIADO PARANAENSE SAAPS - SERVIÇO DE ALIMENTAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL SAN - SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SETP - SECRETARIA DE ESTADO DO TRABALHO, EMPREGO E PROMOÇÃO SOCIAL SINAC - SISTEMA NACIONAL DE CENTRAIS DE ABASTECIMENTO SISAN - SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SSAN - SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SUAS - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL UNICEF - FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 ENTIDADES SOCIAIS CADASTRADS NO BA............................................ 53 GRÁFICO 2 ENTIDADES CADASTRADS APÓS NOVEMBRO/2008.............................. 54 GRÁFICO 3 FREQÜÊNCIA GERAL E ANUAL DO ATENDIMENTO REALIZADO AS ENTIDADES SOCIAIS EM 2009.................................................................. 55 GRÁFICO 4 DIA DE RETIRADA DOS PRODUTOS EM 2009......................................... 56 GRÁFICO 5 DIA EFETIVO DA RETIRADA DE PRODUTOS EM 2009............................ 58 GRÁFICO 6 DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA O CADASTRO............................. 59 GRÁFICO 7 MUNICÍPIOS DAS ENTIDADES SOCIAIS CADASTRADAS....................... 60 GRÁFICO 8 LOCALIZAÇÃO POR REGIONAIS DAS ENTIDADES CADASTRADAS..... 61 GRÁFICO 9 MODALIDADE DE ATENDIMENTO............................................................. 62 GRÁFICO 10A PÚBLICO ALVO............................................................................................ 63 GRÁFICO 10B PÚBLICO ALVO............................................................................................ 64 GRÁFICO 11 PESSOAS ATENDIDAS PELAS ENTIDADES POR FAIXA ETÁRIA........... 65 GRÁFICO 12 DESTINAÇÃO DOS PRODUTOS RECEBIDOS PELO BA.......................... 66 GRÁFICO 13 ENTIDADES COM PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL...................... 67 vi GRÁFICO 14 ENTIDADES COM PROFISSIONAIS DE NUTRIÇÃO................................. 68 LISTA DE TABELAS TABELA 1 DADOS INSTITUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO FEMININA DE PROTEÇÃO À MATERNIDADE E A INFÂNCIA DE CURITIBA................... 69 TABELA 2 DADOS INSTITUCIONAIS DO PRECAVVIDA............................................. 70 TABELA 3 DADOS INSTITUCIONAIS DO INSTITUTO AMA........................................ 70 TABELA 4 DADOS INSTITUCIONAIS DO ROCHA VIVA PROMOÇÃO SOCIAL......... 71 TABELA 5 DADOS INSTITUCIONAIS DO LAR RECANTO TARUMÃ.......................... 71 TABELA 6 DADOS INSTITUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DAS VILAS ESPERANÇA E NOVA CONQUISTA................................................ 72 TABELA 7A DADOS DOS PROFISSIONAIS PARTICIPANTES ATRAVÉS DE ENTREVISTA................................................................................................ 72 TABELA 7B DADOS DOS PROFISSIONAIS PARTICIPANTES ATRAVÉS DE ENTREVISTA................................................................................................ 73 vii SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................................9 CONHECENDO A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL............................17 1.1 Da fome ao Direito Humano à Alimentação Adequada e Soberania Alimentar .......................... 17 1.2 Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil .............................................................................. 23 1.3 Redes de Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional ............................................... 32 1.3.1 Restaurantes Populares..................................................................................................... 32 1.3.2 Cozinhas Comunitárias ....................................................................................................... 33 1.3.3 Banco de Alimentos ............................................................................................................ 33 1.3.4 Feiras e Mercados Populares ............................................................................................. 33 1.3.5 Educação Alimentar e Nutricional ....................................................................................... 34 1.4 Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Paraná ......................................................... 35 2 CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DO PARANÁ S.A. - Unidade Curitiba - E O PROGRAMA BANCO DE ALIMENTOS......................................................................38 2.1 Centrais de Abastecimento do Paraná S.A. .............................................................................. 38 2.2 Histórico dos Programas Sociais na Ceasa/PR, Unidade de Curitiba ....................................... 41 2.2.1 Projeto Compras Comunitárias ........................................................................................... 41 2.2.2 Projeto Mercadão Popular .................................................................................................. 42 2.2.3 Programa Armazém da Família .......................................................................................... 42 2.2.4 Projeto Cesta do Trabalhador ............................................................................................. 42 2.2.5 Projetos Nutricentro, Supersopa e de Cooperação Nutricional ........................................... 43 2.3 A Concepção do Banco de Alimentos no Âmbito Nacional ........................................................ 44 2.4 O Banco de Alimentos da Ceasa/PR, Unidade de Curitiba ....................................................... 48 2.5 Perfil das Entidades Atendidas: o Relato de uma Experiência .................................................. 51 2.5.1 Entidades Sociais Cadastradas no BA ............................................................................... 52 2.5.2 Entidades Cadastradas Após Novembro/2008 ................................................................... 53 viii 2.5.3 Freqüência Geral e Anual do Atendimento Realizado às Entidades Sociais em 2009 ....... 54 2.5.4 Dia de Retirada dos Produtos em 2009 .............................................................................. 55 2.5. 5 Dia Efetivo de Retirada de Produtos em 2009 ................................................................... 56 2.5. 6. Documentos Necessários para o Cadastro ...................................................................... 57 2.5.7 Municípios das Entidades Sociais Cadastradas ................................................................ 59 2.5.8 Localização por Regionais das Entidades Cadastradas .................................................... 60 2.5.9 Modalidade de Atendimento ............................................................................................... 61 2.5.10 Público Alvo ...................................................................................................................... 62 2.5. 11 Pessoas Atendidas pelas Entidades por Faixa Etária ...................................................... 64 2.5. 12 Destinação dos Produtos ................................................................................................ 65 2.5.13 Entidades com Profissionais de Serviço Social ................................................................ 66 2.5. 14 Entidades com Profissionais de Nutrição ......................................................................... 67 3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS DA PESQUISA..........68 3.1 Apresentações das Entidades Sociais objeto de nossa pesquisa empírica ............................... 69 3.1.1 Dados Institucionais ............................................................................................................ 69 3.1.2 Dados dos Profissionais Participantes Através de Entrevista ............................................. 72 3.2 Análises dos Dados ................................................................................................................... 73 3.2.1 Entrevistas do Bloco 1 ........................................................................................................ 74 3.2.2 Entrevistas do Bloco 2 ........................................................................................................ 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................96 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Conhecendo o Programa de Alimentação Escolar (PAE) no Brasil. Disponível em: <http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/merenda/Anonimo/prog_alimentacao/historicobrasil.aspx?MenuID=28&MenuIDAberto=11>. Acesso em 23 ago 2010 ........................................... 100 ANEXO......................................................................................................................102 9 INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto da vivência no campo de estágio realizado pela acadêmica no Programa Banco de Alimentos - BA, nas Centrais de Abastecimento do Paraná - CEASA/PR, unidade Curitiba. No decorrer das atividades desenvolvidas nesse estágio, várias questões foram levantadas, especialmente sobre o entendimento que as entidades sociais atendidas têm sobre o programa. O vínculo criado entre as partes é de mera distribuição e recebimento de produtos, não tendo o BA um perfil social das entidades sociais atendidas, ou seja, não há conhecimento de quem são estas instituições, de quais ações são por elas desenvolvidas, e de qual é a destinação concebida dos produtos recebidos através do BA. Desta forma, se fez oportuno, conhecer as entidades sociais atendidas, saber qual o trabalho que estas desenvolvem e qual o destino dado aos produtos recebidos, bem como verificar o entendimento que as mesmas têm sobre a atuação do BA. Nesse sentido, foi elencado como tema para essa pesquisa, as contribuições do programa BA da Ceasa/PR, unidade de Curitiba, como um mecanismo da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Foi eleito como objetivo geral a identificação da compreensão que as entidades sociais atendidas pelo BA da Ceasa/PR, unidade de Curitiba, têm acerca das contribuições do programa, como um mecanismo da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Objetivos específicos, ou secundários, colaborarão com o desenvolvimento da pesquisa através da identificação das entidades sociais (e a determinação do destino dado aos produtos recebidos) e do conhecimento e contextualização das atividades de cunho social desenvolvidas pela CEASA/PR para a área alimentar (com maior ênfase no BA). Além disso, o conhecimento da Política de Segurança Alimentar e Nutricional servirá de referencial teórico para uma análise empírica do trabalho realizado, tornando possível apontar os limites e as possibilidades do BA em relação às entidades sociais atendidas pelo programa. A CEASA/PR, ao longo dos anos, vem desenvolvendo ações de combate ao desperdício de alimentos, contribuindo conseqüentemente para a amenização da fome. Tais ações ocorrem não somente pelo desperdício, mas 10 também pelo excedente de produtos hortigranjeiros comercializados cotidianamente neste entreposto. O desperdício nesse caso analisado ocorre por conta do processo incorreto de manipulação dos alimentos, seja pela colheita tardia no campo pelos produtores rurais, seja pelo manuseio e carregamento pelo meio de transporte até a sua chegada na CEASA/PR. No momento da entrega dos produtos hortigranjeiros à CEASA/PR, as condições de higiene, de manuseio e de processamento em novas embalagens, também propiciam para a não comercialização dos mesmos e, assim, para desperdício. Por outro lado, a busca de entidades sociais por alimentos gratuitos junto ao comércio atacadista da CEASA/PR era uma constante problemática: como não existiam programas de repasse de alimentos as pessoas se arriscavam coletando produtos descartados em caçambas de lixo. Para sanar a problemática do desperdício alimentar, e atender socialmente entidades com necessidades específicas, a CEASA/PR passou a desenvolver diversas ações de responsabilidade social. Todas as suas ações nesse sentido serão apresentadas no segundo capítulo desta pesquisa através de um resgate de seu trajeto histórico. As ações estratégicas de combate ao desperdício de alimentos, atualmente, encaminha o excedente para o BA que, por sua vez, distribui os produtos às entidades sociais cadastradas. Sendo assim entende-se o BA como um mecanismo importante para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), pois ao mesmo tempo em que distribui alimentos para as entidades sociais necessitadas, está combatendo o desperdício de alimentos. Mister se faz ressaltar que quando a referência acima a SAN é feita especialmente para uma alimentação adequada, ou seja, ao direito de um cidadão comer dignamente sem exercer a coleta de alimentos em condições de higiene precárias, fato esse ocorrido antes da existência dos programas sociais dentro da CEASA/PR. Falar em SAN é falar ainda de uma alimentação de qualidade, na qual o indivíduo possa ter variedade de produtos e em quantidade suficiente, se alimentando desta forma de acordo com sua necessidade e satisfação, não 11 exigindo que algum membro de uma família tenha ingestão menor de quantidade de alimentos, para suprir a necessidade dos demais. Diante do exposto, pontualmente, verificou-se como problema para essa pesquisa a determinação de qual a compreensão que as entidades sociais atendidas pelo BA têm sobre as atribuições do programa, e qual sua relevância enquanto um mecanismo de combate à fome e, por conseqüência, como um mecanismo da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Entende-se que o problema discutido nesse estudo contribuirá de maneira positiva para as práticas adotadas pela CEASA/PR, pois possibilitará que as entidades sociais entendam o BA como um programa social, constituinte de uma política social que objetiva amenizar a fome. O estudo servirá também como referência para o conhecimento de entidades sociais sobre a existência do programa, para que as mesmas iniciem ou dêem continuidade ao atendimento de usuários necessitados nesta perspectiva alimentar. Sendo a alimentação um direito social fundamental, esse estudo justifica- se também pela possibilidade de compreensão e expansão da idéia de evitar o desperdício de alimentos, sensibilizando produtores e comerciantes a doarem seus excedentes para o BA, contribuindo para a garantia de continuidade do programa e para a efetivação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. A sensibilização quanto ao tema sobre a SAN vinculada em relação à atuação do BA, remete ao pensamento do Ministro do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, Sr. Patrus Ananinas, que afirma: A alimentação é o primeiro degrau constitutivo da dignidade humana. Direito elementar e sagrado. Sem comer adequadamente, nenhuma pessoa é capaz de produzir, de sonhar direitos mais elevados, de se desenvolver. (2008, p. 4). O trabalho hoje desenvolvido pela CEASA/PR estimula, portanto, a possibilidade de existência futura de uma Central de Abastecimento com baixo índice de desperdício, com contribuição para melhorias ambientais; e que sua atuação junto ao BA, e deste junto aos usuários do programa, permitirá que pessoas que hoje se encontram em insegurança alimentar e nutricional, 12 possam exercer sua cidadania suprindo suas necessidades básicas, para assim almejar e desenvolver habilidades e aspirações. Nesse ínterim, observando a fome como um fenômeno social que desencadeia um processo de exclusão, impossibilitando para diversos brasileiros o exercício de sua cidadania de forma elementar e positiva, parece oportuno citar a teoria social crítica de Karl Marx como fundamento para a elaboração desse estudo no que diz respeito às contradições presentes nas relações sociais aqui avaliadas. Buscar-se-á meios de um entendimento especifico no quediz respeito aos motivos que levaram a sociedade a pensar na criação, evolução e manutenção de aparatos de combate a fome, bem como para a verificação da relevância de tais aparatos para a parcela da sociedade que é vítima do liberalismo econômico atual. A análise das contribuições do BA como mecanismo de combate à fome possibilitará o conhecimento da importância que as entidades sociais atendidas depositam no programa. Dessa forma, será possível avaliar se o BA se trata apenas de programa executor de políticas públicas, de forma paternalista e assistencialista, ou se este desenvolve um trabalho social com vistas a resgatar a dignidade da pessoa humana através de incentivo sustentável. Nesse sentido, partindo de um pressuposto, que tais entidades sociais, mesmo que no senso comum, tenham um breve conceito sobre a importância da existência de programas de combate à fome e de políticas que os garantam, se faz necessário à aplicabilidade de instrumentos que afirmem esse pressuposto, permitindo desencadear um processo reflexivo a fim de sensibilizá-las e torná-las multiplicadoras de tal conhecimento. A partir de uma leitura crítica da realidade, onde o indivíduo, a partir de uma realidade ampla, decifre as expressões da questão social, levando em consideração as partes fragmentadas e interpretando-as como importantes para tecer um conhecimento do fenômeno social, se faz possível através deste estudo, entender as contribuições, os limites e as possibilidades da intervenção das políticas públicas de combate à fome para uma parcela específica da população. Para tanto, o estudo em questão, pela natureza da pesquisa, será abordado através do método quantitativo e qualitativo, partilhando assim do pensamento de Silva e Menezes: 13 Considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (2001, p. 20). No que diz respeito à tipologia da pesquisa, optou-se pela pesquisa descritiva, pois esta permite uma maior aproximação do objeto de estudo, para conhecimento com maior intensidade da realidade do tema escolhido, através de embasamento teórico fundamentado, criando uma prática de possibilidades e estratégias de ação consciente à população que o estudo visa atingir, assim como cita Silva e Menezes: Visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática. Assume, em geral, a forma de levantamento. (2001, p. 21) Utilizar-se-á como instrumento para coleta de dados a visita institucional, que como descreve Afonso: Apresenta-se como um instrumento do agir profissional do assistente social quando este – a partir de solicitação ou de sua própria iniciativa - entra em contato com informações sobre uma determinada situação social, as quais foram em busca para proceder à realização de um estudo social. Dessa forma, temos que a realização de uma visita institucional constitui uma das etapas da realização de um estudo social no meio institucional (2010, p.2). A visita institucional possibilitará ainda a utilização de outros instrumentos para a coleta de dados, como a observação direta, que se constitui um instrumento para extrair dados mais próximos da realidade, pois permite interagir com o usuário em seu contexto natural, assim como elucida Chizzotti: 14 A observação direta pode visar uma descrição “fina” dos componentes de uma situação: os sujeitos em seus aspectos pessoais e particulares, o local e suas circunstâncias, o tempo e suas variações, as ações e suas significações, os conflitos e a sintonia de relações interpessoais e sociais, e as atitudes e os comportamentos diante da realidade (2005, p. 90). Utilizar-se-á como procedimento da observação direta o método sistemático, que Cardoso descreve: O registro da observação sistemática é feito freqüentemente mediante a utilização de folhas de papel com a lista de categorias a serem consideradas. Nesse sentido, há a necessidade de um conhecimento prévio acerca do fenômeno que será observado, bem como a clareza sobre os objetivos da observação, para a elaboração do roteiro (2007, p. 2, citado por Gil 1994). Compreende-se como relevante e conveniente a aplicação de um questionário para a realização do levantamento da realidade social das entidades sociais envolvidas no processo. Sobre a aplicabilidade do questionário como método quantitativo, elucida Chizzotti: O questionário consiste em um conjunto de questões pré-elaboradas, sistemática e seqüencialmente dispostas em itens que constituem o tema da pesquisa, com o objetivo de suscitar dos informantes respostas por escrito ou verbalmente sobre assunto que os informantes saibam opinar ou informar (2005, p. 55). Atualmente estão cadastradas no BA 265 entidades sociais; destas, 6 foram escolhidas como amostra para elaboração desse estudo. A opção quantitativa deve-se ao tempo limitado para a coleta de dados e a distância física das demais unidades atendidas. A escolha deu-se através do levantamento do perfil social das entidades cadastradas, realizado durante o período de estágio acadêmico, supervisionado pela Assistente Social de campo, que indicava maior concentração de atendimentos na cidade de Curitiba. Tal perfil acima citado será exposto adiante como relato de experiência, no capítulo 3 desse estudo. As entidades escolhidas para o estudo localizam-se em Regionais delimitadas pela Prefeitura Municipal local, a saber: Bairro Novo, Boa Vista, Boqueirão, Cajuru, Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Matriz, Pinheirinho, 15 Portão e Santa Felicidade. A localização das entidades facilitou também a escolha, devido ao fato de não ser disponibilizado à pesquisadora recursos materiais, físicos ou financeiros por parte do BA da CEASA/PR para o estudo. O roteiro de visitas a 4 entidades foi elaborado para o momento em que elas receberiam e serviriam as doações do BA aos seus usuários. Essa opção foi escolhida, com base no perfil institucional das mesmas, para verificação da manipulação dos produtos recebidos, que se dá “in locus”. Outras duas entidades foram visitas no momento de recebimento e distribuição dos produtos para verificação do trabalho social desenvolvido. A escolha do profissional para conceder entrevista teve como referencial primordial a sua área de atuação, preferencialmente de Serviço Social e/ou Nutrição. Na ausência desses profissionais graduados, optou-se pelo responsável direto pela entidade, seja esse o presidente ou a pessoa com maior integração as atividades desenvolvidas na instituição. Posteriormente a coleta de dados e informações, foi elaborada a análise do conteúdo obtido. Bardin (1977, p. 42) considera que “A análise de conteúdo se constrói em um conjunto de instrumentos metodológicos que asseguram a objetividade, sistematização e influênciasaplicadas aos discursos diversos”. Em relação à entrevista semi-estrutura, partilha-se das considerações de Manzini: (...) A entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas (1990/1991, p. 2). A presente pesquisa contém três capítulos. Em seu primeiro capítulo, discorre-se sobre a temática de SAN, a importância do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), o histórico da SAN no Brasil e no Estado do Paraná e quais os mecanismos existentes para que tal tema se efetive. O segundo capítulo tratará da CEASA/PR, unidade de Curitiba, de quais foram os programas de cunho social que existiram no decorrer dos anos até a 16 efetivação do programa BA. A respeito do BA, apresentar-se-á descrição sobre sua atuação e das entidades por ele atendidas, através da exposição de um perfil social, elaborado durante o percurso acadêmico da pesquisadora. No terceiro capítulo foi realizada a análise prática, executada juntamente às entidades sociais atendidas, assim como elucidado anteriormente. Realizamos por fim as considerações finais do estudo ora elaborados. 17 CONHECENDO A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL Pretende-se com este capítulo efetivar o conhecimento sobre Segurança Alimentar e Nutricional, atribuindo a importância ao DHAA para a consolidação dessa temática, e levantando informações sobre seu processo de construção no contexto histórico do Brasil e do Estado do Paraná. O levantamento desses dados poderá verificar de forma efetiva quais as possibilidades dos programas públicos estabelecidos de amenizar a fome da população que se encontra em situação de vulnerabilidade social e, portanto, em insegurança alimentar e nutricional. 1.1 Da fome ao Direito Humano à Alimentação Adequada e Soberania Alimentar Partilhamos das considerações de Burity [et AL], ao falar sobre a fome assim a considera: A manifestação mais grave da insegurança alimentar e nutricional é a fome. Mas o estado de insegurança alimentar e nutricional deve ser percebido em seus variados graus, que envolvem desde dimensões psicológicas até manifestações físicas que comprometem e colocam em risco a saúde e a própria vida das pessoas (2010, p. 26). Segundo Ribeiro: Todos os estudos sobre a fome carregam implícita ou explicitamente uma concepção sobre a alimentação. Isso porque a fome é um conceito que se define na sua relação com a alimentação. Assim, pode-se dizer que o conceito que se tem sobre a alimentação indica a compreensão que se tem da fome (2008, p. 14). A fome segundo Helene, Marcondes e Nunes (2002) a fome deve ser conceituada em dois aspectos: o primeiro trata da fome crônica, que conceituam como sendo a privação constante de nutrientes, ou seja, o indivíduo convivendo com a falta parcial, precária ou quase nula de uma alimentação adequada, que possibilitaria a este sanar suas necessidades vitais 18 e assim desenvolver-se, portanto seria o primeiro estágio da fome. O segundo aspecto, de acordo com os autores, trata da fome aguda, e esta é a face mais cruel da fome, pois leva o individuo a morte, ou seja, a fome aguda é decorrente da crônica, pois intensifica a falta de alimentos. No pensar de Conti (2009) “A fome é definida como um conjunto de sensações provocadas pela privação de nutrientes que incitam a pessoa a procurar alimentos e que cessam com sua ingestão”. Neste processo, podemos engrenar e desencadear o histórico da sociedade brasileira que viveu e vive em situação de falta e privação da ingestão de alimentos para sua sobrevivência. Assim como elucida Valente: Como bem sabemos, a história das carências alimentares e nutricionais no Brasil começa com a ocupação da nova colônia pelos portugueses em 1500. O primeiro relato refere-se aos nativos escravizados que morriam de fome ao recusar-se a comer em cativeiro. Prossegue no Brasil colônia e Império, com os negros escravos e pequenos produtores rurais agregados às grandes propriedades. Estende-se por todo o período da Velha Republica e do Estado Novo, no Nordeste, nas áreas rurais e nas periferias de todas as maiores cidades do País. Agravava-se com processo de intensa modernização conservadora da agricultura. Chegamos aos dias de hoje com 32 milhões de brasileiros incluídos no Mapa da Fome e espalhados por todo país, mesmo que concentrados no Nordeste, nas áreas rurais e nas grandes metrópoles (2002, p. 43). Partilhando também da ilustre idéia de um dos precursores da questão da fome, Josué de Castro, que em sua obra prima Geografia da Fome, mapeou geograficamente o quadro de desnutrição do Brasil, faz suas considerações sobre o tema, dizendo que: A alimentação do brasileiro tem-se revelado, à luz dos inquéritos sociais realizados, com qualidades nutritivas bem precárias, apresentado, nas diferentes regiões do país, padrões dietéticos mais ou menos incompletos e desarmônicos. Numas regiões, os erros e defeitos são mais graves e vive-se num estado de fome crônica; noutras, são mais discretos e tem-se a subnutrição. Procurando investigar as causas fundamentais dessa alimentação em regra tão defeituosa e que tem pesado tão duramente na evolução econômico- social do povo, chega à conclusão de que elas são mais produtos de fatores sócio-culturais do que de fatores de natureza geográfica (1984, p.280). 19 Levando em consideração que a problemática da fome começou a se acentuar com o novo modelo econômico efetivado no Brasil na década de 30, quando trabalhadores rurais passam a migrar para os grandes centros em busca de emprego nas fábricas, por salários desproporcionais à condição de vida que eles deveriam ter, desta maneira a questão social fome, se agravou ainda mais. É o que atesta Parrino ao citar: A questão da fome viu-se agravada e mais dramaticamente exposta no Brasil nos anos 30 do século passado, com o início da industrialização, que fomentou a urbanização do País e inseriu massas empobrecidas na cena política nacional (2009, p. 23). Diretamente ligada à idéia de massas empobrecidas e famintas citadas por PARRINO acima, Bomfim relata: Em primeiro lugar, é preciso considerar que, não sendo a fome no Brasil um problema epidêmico, sua natureza é política e econômica, ou seja, não provém de calamidades ou de um regime de escassez, mais, sim, da falta de recursos da população mais pobre para comprar alimentos (2000, p. 2). É o que também afirma Martins (1996) dizendo que “A grande limitação está decididamente no acesso ao alimento que, colocado no mercado, é apenas acessível a quem disponha de renda”. Contribuindo com tais análises, pode-se enunciar também o pensar de Silva, que ao realizar uma pesquisa empírica no Vale do Jequitinhonha-MG, considerada umas das regiões do país com índices mais elevados de pobreza na década de 1970. Contar a história da fome nesta região é contar a história de expropriação de seus camponeses e, ao mesmo tempo, entender a fome como um fenômeno produzido por relações sociais, logo, um fenômeno cuja compreensão exige não a análise da fome em si, mas uma análise contextualizada e reveladora do pólo produtor fome. Parte-se do princípio de que a fome é produzida (1996,p. 32). Nos estudos de Valente (2002) se pode encontrar uma explicação para a importância do ato de se alimentar. Segundo o autor a alimentação vai além da 20 mera ingestão da ração nutricional; o indivíduo transformou tal ato em um rico ritual de criatividade, de partilha, de carinho, de comunhão e solidariedade entre os seres humanos. Essa idéia está diretamente ligada à concepção marxista, que descreve a alimentação não como um ato natural/individual de cada sujeito e sim como um ato social. Ainda partilhando das considerações de Valente (2002) o autor lembra também que existem milhares de pessoas que sequer tem acesso a uma alimentação saudável, que possa sanar primeiramente suas necessidades vitais, para depois sim transformar o rito da alimentação em uma atividade de socialização e partilha. Não obstante, podemos encontrar no olhar das ciências sociais o seu pensar sobre o ato de se alimentar, assim como elucida Canesqui e Garcia: Não comemos apenas quantidades de nutrientes e calorias para manter o funcionamento corporal em nível adequado, pois há muito tempo os antropólogos afirmam que o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, embrica-se com a sociabilidade, com idéias e significados, com as interpretações de experiências e situações (2005, p. 9). Fica evidente, assim como elucida Valente: Que ao faminto não se nega apenas o nutriente, mais sim o prazer de comer, de compartilhar as refeições com amigos e familiares, viver seus hábitos e práticas alimentares que foram construídos e reconstruídos por sua cultura e história (2002, p. 28). É nesse sentindo, por questões aqui elucidadas, que a SAN, começou a se tornar uma temática de interesse mundial. Tanto esse fato é verdadeiro que o embrião do DHAA está contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – elaborada com o intuito de reconstruir os direitos humanos, resgatando valores éticos, de forma a orientar a ordem mundial, após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em seu artigo 25, a Declaração Universal dos Direitos Humanos declara: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, 21 viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. Como forma de maior efetivação desta garantia do direito a alimentação, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 11, pela primeira vez através da expressão DHAA, contemplou: 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa a estar livre da fome, adotarão, individualmente e mediante a cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais. b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios. Ao se referir sobre o DHAA os autores GOMES e PEREIRA (2009) afirmam que o acesso a uma alimentação de qualidade, em quantidade suficiente e nutrição plena, é fundamental para se garantir o direito à vida. Eles ressaltam ainda que o DHAA está sendo incorporado a sociedade brasileira como um direito. Desta forma Valente (2002) afirma que o DHAA começa pela luta contra fome, onde se começa a pensar em estratégias de garantia para todos os cidadãos ao acesso a alimentos em quantidade e qualidade suficiente, atendendo sobremaneira suas necessidades nutricionais básicas essenciais para uma boa saúde, e logo poder desenvolver suas atividades de cidadania. Para Burity [et AL] (2010), diz que o DHAA está previsto em normas internacionais que reconhecem o direito fundamental de toda pessoa a estar livre da fome como pré-requisito para a realização de outros direitos humanos. 22 Parrino ao definir o DHAA faz referência a um relato da Organização das Nações Unidas (ONU) do ano de 2002, conforme a seguir: O Direito Humano a Alimentação Adequada é um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequada e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva (2009, p. 20). Através do Comentário Geral nº. 12, item 6, aprovado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, como maneira de efetivar e operacionalizar o DHAA encontra-se a seguinte definição: O direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada terá de ser resolvido de maneira progressiva. No entanto, os estados têm a obrigação precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome, como estipulado no parágrafo 2 do artigo 11, mesmo em épocas de desastres, naturais ou não. Falar em DHAA implica também em citar o conceito de soberania alimentar, especialmente em uma época onde a lógica do lucro é indispensável para o sistema econômico. Os termos fome e lucro, nesse contexto globalizado, devem levar a reflexão dos limites de cada nação em questões de respeito e hábitos alimentares, como cita Conti (2009), ao lembrar que a soberania alimentar está estritamente relacionada às relações de comércio internacional, que precisam ser reguladas sob pena de desequilibrarem a produção e o abastecimento interno de cada país. Desta maneira, conforme citação de Parrino (2009), a soberania alimentar vem requerer o direito de cada povo, em produzir, transformar, consumir, importar e exportar alimentos, sem gerar injustiça social, respeitando as diversidades produtiva e cultural de cada nação. Para Burity [et Al] o conceito de soberania alimentar: 23 Defende que cada nação tem o direito de definir políticas que garantam a Segurança Alimentar e Nutricional de seus povos, incluindo aí o direito à preservação de práticas de produção e alimentares tradicionais de cada cultura. Além disso, se reconhece que este processo deva se dar em bases sustentáveis, do ponto de vista ambiental, econômico e social(2010, p. 13). Podemos atrelar esta idéia acima exposta, com o pensar de Ziegler (2002) que ao fazer suas considerações sobre a questão da fome, lembra que o Brasil é uma dos maiores exportadores de alimentos e uma das maiores economias do mundo, mas que, no entanto, milhões de brasileiros ainda sofrem de fome e desnutrição. Valente esclarece: Na realidade, segurança alimentar e nutricional trata exatamente de como uma sociedade organizada, por meio de políticas públicas, de responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo, pode e deve garantir o direito humano à alimentação a todos os cidadãos. Assim, a alimentação é um direito do cidadão, e a segurança alimentar e nutricional para todos é um dever do Estado e responsabilidade da sociedade (2002, p. 40). Após um trajeto histórico de lutas, considerações e conquistas, os fundamentos e operacionalizações da SAN, discutidos mundialmente, chegaram ao Brasil e ao Estado do Paraná, tornando-se um assunto significativo no âmbito governamental e da sociedade como um todo, assunto este que conheceremos no próximo ítem. 1.2 Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil Entendemos como oportuno antes de retratar o histórico da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, trazermos as considerações de Gomes Junior (2007) na qual narra que o termo SAN surgiu nas proximidades da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a segurança estava intimamente ligada à idéia de segurança nacional. Nesse período, portanto, segundo o autor, o alimento era reconhecido como um mecanismo de controle e persuasão. A idéia à época era ter capacidade de produção alimentícia suficiente para criar 24 reservas, de modo a não ficar suscetível em possíveis cercos, embargos ou boicotes de fomentação política ou militar. Segundo Lehman (citado por Valente, 2009, p. 40), a partir da década de 1940, em meio a Segunda Grande Guerra, ocorre o processo de criação da ONU e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Nessa mesma época criam-se o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Para todos esses instrumentos operados a partir do ano de 1945, embora haja divergências, a utilização de alimentos excedentes era vista como um componente da segurança alimentar. Aproveitando esta análise, podemos engrenar a idéia de Parrino (2009), que diz que o conceito de SAN ganha força, em especial a partir da criação da ONU, em 1945. A autora diz ainda que nesta época ocorreu certa tensão política, pois se de um lado a SAN era visualizada como um direito humano, de outro lado, ou seja, pelos organismos financeiros era visualizada como um mecanismo que poderia ser garantido pela lógica de mercado. Desta forma a SAN decorria da não disponibilidade de alimentos, levando a insegurança alimentar nos países pobres. Segundo Burity [Et Al] (2010), foram então criadas estratégias que garantissem o aumento da produção de alimentos nessas nações (pobres), utilizando-se novas variedades genéticas fortemente dependentes de insumos químicos (a chamada revolução Verde). Em resgate histórico, antes mesmo da Revolução Verde, no Brasil, conforme citado por Parrino (2009), no ano de 1940, no Governo de Getúlio Vargas, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), um programa que se constituía em prestar atendimento aos trabalhadores industriais, com alimentação digna e barata. Esse programa era dirigido por Josué Apolônio de Castro. Ruano(2008) secretário de Segurança Alimentar, realiza considerações a Josué de Castro em seu centenário de morte, dizendo que é impossível falar em segurança alimentar no Brasil sem referendar Josué Apolônio de Castro, pernambucano nascido em Recife, em 5 de setembro de 1908, médico, professor, grande pensador, que contribuiu significativamente para o que hoje chamamos de SAN. 25 O mesmo material de Ruano (2008) descreve ainda as principais ações desenvolvidas por Castro. Em 1932, promoveu o primeiro inquérito sobre As Condições de Vida das Classes Operária no Recife; este primeiro inquérito realizado no Brasil, com vistas a uma população específica, denuncia o flagelo da fome vivenciado pelos trabalhadores pernambucanos. Em 1945, ocorre o lançamento de sua obra prima, Geografia da Fome, onde faz uma análise das carências alimentares das cinco regiões do Brasil. Geografia da Fome foi traduzida para 25 idiomas, levando ao mundo a denúncia do autor, sobre a fome não como fator meramente natural, mas como um produto gerado pelas relações existentes na sociedade, relações estas de natureza econômica, política e cultural. Nesse sentido o livro surge como promissor para o incentivo de uma ótica diferente do modo de se pensar na fome e, por conseqüência, a sociedade. Pode-se dizer que sob e a partir da influência desta visão crítica de Castro, vários programas a nível nacional foram surgindo. Em 1955 foi instituído pelo Decreto Federal nº. 37.106 a Campanha de Merenda Escola (CME), que definia as atribuições de um órgão específico para incentivo da alimentação escolar, com melhor valor nutritivo, com produtos ricos em proteínas e vitaminas. Em 1979, esta campanha passou a ter a nomenclatura de Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Em 1962, ocorreu a criação da Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL) e da Companhia Brasileira de Armazenamento (CIBRAZEN). No ano de 1972 criou-se o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), que se referia à desnutrição como uma doença social. O INAN foi extinto em 1997, pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Como forma de complementação das atribuições feitas por Castro para a elaboração de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional, cita-se em seguida as considerações realizadas por Valente: As primeiras sistematizações importantes sobre o tema foram desenvolvidas por Josué de Castro, cuja influência extrapolou a realidade brasileira e acabou por ter um papel importante na criação da FAO, da Campanha Mundial contra Fome e de Luta pela Paz. Josué tentou mostrar o caráter intrinsecamente político e social da fome e de suas seqüelas orgânicas, cobrando soluções de cunho 26 social para a questão. Tentou tirar a fome de debaixo do tapete e colocá-la em debate (2002, p. 44). Como forma de prosseguir e esboçar o processo histórico para a consolidação do que hoje conhecemos como SAN, apresenta-se a seguir o resgate histórico realizado por Parrino (2009). A autora relata que entre 1970-1980, foi criado o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Nesta época, assim como elucida Conti (2009), a FAO promoveu a I Conferência Mundial de SAN, porém, de alguma forma a questão da estimulação da produção agrícola para aumentar os estoques diante a crise mundial foi retomada, ou seja, a idéia da Revolução Verde, já mencionada anteriormente. Segundo Valente (2002) as primeiras referências sobre o conceito de SAN, descritas documentalmente, surgiram no Ministério da Agricultura em 1985, através de diversas mobilizações da sociedade civil organizada, criando uma proposta de Política de Segurança Alimentar e criando um Conselho de Segurança Alimentar. Em 1986, com a realização da I Conferência Nacional de Alimentação Nutricional (CNAN), surgiu a proposta da criação da política de SAN, agora através de um Conselho Nacional de AlimentaçãoNutricional e de um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN). Nesse mesmo ano é criado o Tíquete do Leite, no Governo Sarney. Segundo Parrino(2009) essa proposta de Política de SAN tinha ênfase na importância do Estado e do planejamento do combate contra a fome e a pobreza. Conti (2009) ao se referir à década de 1990, relata o surgimento de inúmeras organizações da sociedade civil com discussões e articulações sobre as propostas de SAN; ao mesmo tempo, o governo passou a desenvolver políticas públicas voltadas a erradicação da fome. Um exemplo da articulação civil é a criação, em 1993, dos comitês da Ação da Cidadania contra a Fome pela Vida, conhecida nacionalmente como a Campanha Contra a Fome, sob a liderança do sociólogo Herbert de Souza (mais conhecido com o Betinho). Também no ano de 1993, é criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), sob o decreto nº. 807, de 22 de abril do 27 referido ano, assim como proposto na I Conferencia Nacional de SAN, acima citado. Ao realizar suas considerações sobre a criação do CONSEA, Valente assim o expõe: Em 1993, paralelamente à criação do CONSEA e em sintonia com as demandas da sociedade civil, o governo federal, de forma absolutamente inédita na história do país, reconheceu o círculo vicioso formado pela fome, a miséria e a violência e definiu o seu enfrentamento como prioridade do governo (2002, p. 46). Partilhando da idéia Nascimento ao se referir sobre as atribuições do CONSEA, assim descreve: Da construção da segurança alimentar como política pública iniciada em 1917, passando por Josué de Castro em 1932 até início dos anos 1990, a política pública de SAN tem um significado restrito e uma dimensão menor. Quando da criação do CONSEA em 1993, hoje acrescentando o Nutricional, essa política recebe outro sentido, uma outra dinâmica é manifestada, muito em função do encontro da sociedade civil com o Estado (2009, p. 18). Perante a colocação de Valente (2002), onde o autor nos diz que no ano de 1993, a questão da fome, começa a ser visualizada de maneira prioritária pelo governo, torna-se oportuno lembrar que em 1994, ocorre a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, com o tema “Fome: uma questão nacional”. Segundo Valente (2002) o relatório final desta primeira CNAN resultou no entendimento de que a fome e a miséria são fatores causados pela concentração de renda de terra. Diante a isto, a partir de resoluções e considerações em relação ao problema fome, foram discutidas questões para construção de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com os seguintes eixos: I. Reduzir o custo dos alimentos e seu peso no orçamento familiar; II. Assegurar saúde, alimentação e nutrição a grupos populacionais determinados; 28 III. Assegurar a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos e seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis. Em 1995 o CONSEA foi extinto, conforme relata Nascimento: A extinção do CONSEA a partir de 1995, com o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, que cria em seu lugar o Conselho da Comunidade Solidária, órgão consultivo da Presidência da República, vinculado à Casa Civil. O Conselho era integrado por dez ministros de Estado, pela Secretária Executiva da Comunidade Solidária (Ruth Cardoso, primeira-dama) e por 21 representantes da sociedade civil, sendo seus membros nomeados pelo Presidente da República (2009, p. 19). As considerações de Valente (2002), referentes ao Conselho da Comunidade Solidária, ressaltam que o foco antes central da Segurança Alimentar, deu lugar a demandas de cunho econômico e social, que de certa forma são fatores que geram a pobreza, ou seja, fatores que propiciaram à sociedade pensar na questão da Segurança Alimentar, mas sem resolvê-la. Segundo Conti (2009) relata que, através das discussões ocorridas em âmbito internacional, por redes da sociedade civil e pela FAO, a alimentação e a nutrição passam a ser vistas como um direito humano. Diz o autor ainda, que esta visualização contribuiu para que a Cúpula Mundial de Alimentação, através da convocação da FAO, em 1996, definisse a SAN como uma garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer a outras necessidade essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral de pessoa, com preservação das condições que garantam uma disponibilidade de alimentos a longo prazo (FAO, citado por Conti, 2009, p.19) . Segundo Burity [Et. Al]: No final da década de 80 e início da década de 90, o conceito de segurança alimentar passou a incorporar também a noção de acesso a alimentos seguros (não contaminados biológica ou quimicamente); de qualidade (nutricional, biológica e tecnológica), produzidos de forma sustentável equilibrada, culturalmente aceitáveis e também incorporando a idéia de acesso à informação(2010, p. 12). 29 Conforme Parrino (2009), em 1998, é criado o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN). Segundo sua Carta de Princípios, o FBSAN surgiu como herdeiro de uma história de mobilização social no campo da SAN para propiciar espaço político e técnico permanente para diálogo, articulação e intervenção nos processos de formação e tomada de decisão referentes a SAN. Dois anos mais tarde, em 2000, conforme PARRINO (2009) é criado a Organização Não Governamental (ONG) Instituto da Cidadania, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva. Tal ONG mobilizou mais de 100 especialistas para traçar um projeto de combate à fome e a miséria. De acordo com Parrino(2009), criou-se em 2001 o projeto Fome Zero, como proposta de uma política de SAN para o Brasil. Logo em 2003, no governo Lula, o projeto foi implantado, ou seja, o tema de SAN voltou a ser uma prioridade na agenda governamental. O CONSEA foi então reativado, de acordo com VALENTE e BEGHIN (2006) como um órgão consultivo, de imediata assessoria da Presidência da República, para formular políticas e definir orientações que garantissem a realização do DHAA no Brasil. Como forma de delinear a proposta de Política de SAN para o Brasil, segundo Valente e Neghin (2006), em 2004 realizou-se a II Conferência Nacional de SAN (CNSAN). Tal evento, realizado em Pernambuco, na cidade de Olinda, reunindo dois mil participantes, teve como tema "A construção da Política Nacional de SAN". A principal deliberação decorrente desta conferência foi à promulgação da Lei Federal nº. 11.346 de 15 de setembro de 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Conforme Ananinas (2009), os pontos principais da LOSAN são a criação do SISAN, a reafirmação das obrigações do poder público de respeitar, proteger, promover e prover alimentação adequada, o estabelecimento de instrumentos de monitoramento e a exigibilidade do direito humano à alimentação adequada, institucionalizando a Política e o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Referente à exigibilidade do DHAA, Burity [Et Al] considera: 30 Conceito de exigibilidade: é a possibilidade de exigir Direitos Humanos perante qualquer órgão público. O conceito inclui não somente o ato de exigir,mas também o direito de ter uma resposta em tempo oportuno. O termo “exigibilidade”, apesar de não parecer um termo simples, significa simplesmente exigir, cobrar aquilo que está na lei ou aquilo que não está na lei, mas que é necessário para que se possa viver de forma digna (2009, p. 35). Em 2007 Parrino (2009) relata a realização da III CNSAN, com o tema “Por um Desenvolvimento Sustentável com Soberania Alimentar e Nutricional”, realizado em Fortaleza, no Estado do Ceará. Tal conferência teve como o objetivo a formulação de uma estratégia para a criação do SISAN, para estruturar e pautar seus eixos na soberania alimentar e nutricional, como forma de se garantir o desenvolvimento sustentável. Assim a comissão organizadora do evento declara em seu relatório final: A III CNSAN reafirmou que o objetivo da segurança alimentar e nutricional implica uma concepção de desenvolvimento sócio- econômico que questiona os componentes do modelo hegemônico no Brasil que são geradores de desigualdade, pobreza e fome e com impactos negativos sobre o meio ambiente e a saúde. A busca desse objetivo requer que a PNSAN seja orientada por seis diretrizes integradoras dos diferentes setores de governo e da sociedade civil: (i) promover o acesso universal à alimentação adequada e saudável; (ii) estruturar sistemas justos, de base agroecológica e sustentáveis de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos; (iii) instituir processos permanentes de educação e capacitação em segurança alimentar e nutricional e direito humano à alimentação adequada; (iv) ampliar e coordenar as ações de segurança alimentar e nutricional para povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais definidos pelo decreto 6040/07; (v) fortalecer as ações de alimentação e nutrição em todos os níveis de atenção à saúde, de modo articulado às demais políticas de segurança alimentar e nutricional; (vi) promover a soberania e segurança alimentar e nutricional em âmbito internacional (Relatório Final 2007 da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Outro fator importante neste processo ocorreu em no mês de fevereiro de 2010, quando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 047/2003 foi aprovada. Nesse sentido, em seu artigo 6º que dispõem dos direitos sociais presentes na Constituição Federal Brasileira de 1988, o direito a alimentação é “emendado”. Mais recentemente conforme exposto no sitio da Rede SAN, em 25 de agosto de 2010, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto 31 Federal nº. 7.272, regulamentando a Lei n°. 11.346 (LOSAN), que cria o SISAN, com vistas a assegurar o DHAA, e institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), estabelecendo parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de SAN. Esse documento também dá outras providências, a saber, define a forma de gestão, financiamento, avaliação e controle social, e busca assegurar o direito à alimentação adequada e saudável em todo o país, conforme prevê a Constituição Federal e a LOSAN. No capítulo I, das disposições gerais, em seu artigo 1º, este decreto define: Art. 1º Este Decreto define as diretrizes e objetivos da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), dispõe sobre a sua gestão, mecanismos de financiamento, monitoramento e avaliação, no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), e estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Em seu artigo 2º assim dispõe sobre os objetivos e as diretrizes da PNSAN: Art.2º Fica instituída a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, com o objetivo geral de promover a segurança alimentar e nutricional, na forma do art.3° da Lei nº. 11.346, de 15 de setembro de 2006, bem como assegurar o direito humano à alimentação adequada em todo território nacional. Após exposição da evolução histórica da SAN no Brasil, cabe alertar que o entendimento que se tem sobre a SAN em nossos dias pode variar, pois é uma temática que ainda se encontra em processo de construção. Conforme Parrino (2009), “O conceito de SAN evoluiu na medida em que avançou a história da humanidade e alteraram-se a organização social e as relações de poder”. Ribeiro (2008) elucida que através de um estudo publicado pelo Fundo das Nações para a Infância (UNICEF), organizado por Maxwell e Frankenberger, constatou-se a existência de mais de 30 definições para o termo SAN. O conceito adotado na II Conferência Nacional de SAN, realizada em 2004, a define como 32 A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base boas práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam social econômica e ambientalmente sustentáveis. 1.3 Redes de Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional Para que de fato a Segurança Alimentar se operacionalize existe um conjunto de equipamentos públicos para combate a insegurança alimentar e nutricional, denominada rede de equipamentos de SAN. Podemos encontrar no portal1 do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), os equipamentos que compõem atualmente esta rede e que conseqüentemente contribuem para a efetivação do SISAN. 1.3.1 Restaurantes Populares São equipamentos públicos, de alimentação e nutrição, onde as refeições são produzidas balanceadamente, de forma a garantir boas práticas de alimentação saudável, respeitando hábitos alimentares de cada região. Encontram-se instalados em pontos estratégicos de grandes centros urbanos, onde o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional se acentuam. O MDS ainda viabiliza por meio de editais públicos a modernização e implementação de restaurantes populares, visando desta maneira a promoção de SAN. Conforme elucidado no sitio do MDS atualmente existem 92 restaurantes populares, instalados em 72 municípios brasileiros. Estas refeições são vendidas a preços acessíveis. 1 Acessar o sitio: http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/equipamentos 33 1.3.2 Cozinhas Comunitárias As cozinhas comunitárias se operacionalizam através da mesma lógica dos restaurantes populares, porém, seu público de certa forma é estrategicamente selecionado: efetivamente são pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar, que são acompanhadas pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). 1.3.3 Banco de Alimentos O BA é um equipamento que tem por objetivo, arrecadar produtos excedentes de mercados, feiras, centrais de abastecimentos, varejões, entre outros integrantes da cadeia de produção, armazenagem e processamento de alimentos. Após o recebimento destes alimentos, os produtos são selecionados, processados, separados e embalados. São distribuídos gratuitamente à entidades sócio-assistenciais pertencentes ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O BA, como equipamento que compõem o SISAN, também tem por objetivo distribuir alimentos às cozinhas e restaurantes populares. Outra atividade desempenhada pelo BA, é o recebimento dos produtos oriundos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Nesse sentido entendemos que o BA contribui significativamente para o combate ao desperdíciode alimentos, ou seja, sua existência se torna de grande valia, pois combater ao desperdício é umas das ações propositivas da Política de SAN. 1.3.4 Feiras e Mercados Populares Segundo o portal do MDS, as feiras populares incentivam o agricultor familiar a vender seus produtos, de modo a compartilhar experiências alimentares, conservando desta maneira a cultura e os hábitos de alimentação de cada região, além de evitar o desperdício dos produtos. Essas feiras, como disposto no sitio do MDS, até o ano passado eram em número de 160, espalhadas pelo Brasil. Existem feiras realizadas sempre no 34 mesmo local, em dias alternados, ou uma vez na semana; e também aquelas que a cada semana acontecem em um ponto específico. Existem ainda as feiras móveis, realizadas com um veículo adaptado para acomodar os produtos. Já os mercados populares têm como objetivo a comercialização de produtos componentes de uma cesta básicas, porém, são comercializados com preços mais acessíveis, a famílias cadastradas. 1.3.5 Educação Alimentar e Nutricional Para que o cidadão possa ter acesso ao conhecimento de boas práticas alimentares, que estimulem a segurança alimentar de cada indivíduo, respeitando sua cultura e hábitos, compõe à Política de SAN a promoção da Educação Alimentar e Nutricional (EAN), que são ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada e por parcerias governamentais, para promover a intersetorialidade. Aproveitando este momento de elucidação dos meios que permitem a operacionalização da SAN, se faz de grande valia acrescentar algumas das estratégias de combate à fome, aderidas pelo programa Fome Zero, programa já mencionado anteriormente, que é a criação do PAA. Conforme disposto no sitio2 do MDS: O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma das ações do Fome Zero e promove o acesso a alimentos às populações em situação de insegurança alimentar e promove a inclusão social e econômica no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar. O PAA também contribui para a formação de estoques estratégicos e para o abastecimento de mercado institucional de alimentos, que compreende as compras governamentais de gêneros alimentícios para fins diversos, e ainda permite aos agricultores familiares que estoquem seus produtos para serem comercializados a preços mais justos. O Programa propicia a aquisição de alimentos de agricultores familiares, com isenção de licitação, a preços compatíveis aos praticados nos mercados regionais. Os produtos são destinados a ações de alimentação empreendidas por entidades da rede socioassistencial; Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição como Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias, e Banco de Alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade social. Além disso, esses alimentos também contribuem para a formação de cestas de alimentos distribuídas a grupos populacionais específicos. 2 Acessar o sitio: http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/alimentoseabastecimento/paa 35 1.4 Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Paraná Nesse trecho do estudo, apontar-se-á as lutas e as conquistas alcançadas no âmbito estadual. Nesse sentido traçaremos o histórico percorrido, onde se encontram marcos importantes para a efetivação desta temática no Estado do Paraná. Conforme expõe Parrino (2009), em 1993, existia a atuação do Comitê Ação da Cidadania do Paraná, projeto criado pelo sociólogo Betinho, com repercussão nacional. Nesse mesmo ano, criou-se o Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome (COEP). Podemos encontrar o sítio3 do COEP as seguintes considerações referentes ao programa: O COEP – Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida – foi criado em 1993 em meio à intensa mobilização da sociedade civil deflagrada pelo Movimento pela Ética na Política, tendo entre seus idealizadores o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. O objetivo era reunir empresas para somar esforços na articulação e implementação de ações voltadas para o combate à fome e à miséria. Inicialmente, eram 30 as entidades envolvidas; hoje, o COEP é um dos principais articuladores junto a organizações públicas e privadas para a promoção de iniciativas visando o desenvolvimento humano e social, em especial as realizadas em comunidades de baixa renda de todo o país. São mais de 1.100 instituições envolvidas nas 27 unidades da federação e em 29 municípios, incluindo entidades de classe e universidades, nas quais funcionários, colaboradores, professores e alunos são incentivados a participar de diferentes projetos sociais. Prosseguindo com as elucidações de Parrino (2009), no ano de 1997, acontece a criação do Grupo de Estudos e Ações em Segurança Alimentar e Nutricional (GEASAN). A respeito deste grupo de estudos, podemos encontrar no sitio4 do CONSEA/PR, as seguintes considerações: O GEASAN desenvolveu seus trabalhos tendo como objetivos: divulgar o conceito de segurança alimentar e nutricional e seus eixos estratégicos; viabilizar a integração e a implementação das ações desenvolvidas por seus integrantes, contribuindo para a construção da Segurança Alimentar e Nutricional no nível local; apoiar a formação de Conselhos Locais de Segurança Alimentar e Nutricional. 3 Acessar o sitio: http://www.coepbrasil.org.br/portal/publico/apresentarConteudo.aspx? CODIGO=C2007423103136125&TIPO_ID=5 4 Acessar o sítio: http://www.consea.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=5 36 Dentre as atividades desenvolvidas pelo GEASAN tiveram destaque a realização de eventos no Dia Mundial da Alimentação, quando foram criados espaços de discussão e de articulação de ações, Oficinas Temáticas de Trabalho e de Capacitação na Área de Segurança Alimentar e Nutricional. Os principais avanços obtidos pelo GEASAN puderam ser aferidos com a popularização e sensibilização de diferentes segmentos da sociedade civil e das instituições de governo, introduzindo na pauta de discussões a concepção de estratégias e de políticas públicas comprometidas com o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional. Logo em 2003, assim como disposto neste mesmo sítio, através da intermediação da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social (SETP) ocorreram diversas ações de enfrentamento à pobreza e à fome. Uma delas é a instituição do Programa Fome Zero Paraná; em face disso ocorreram 18 fóruns regionais para a elucidação de tal programa. Outro marco importante deste mesmo ano foi a criação do Fórum Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (FESAN). Essa instituição realizou no mesmo ano de sua criação o I Encontro Estadual de SAN, com o tema "Vamos acabar com a fome", abordando questões como segurança alimentar, direitos humanos e mobilização social; economia solidária, geração de emprego e renda; e o componente nutricional da segurança alimentar. Ainda em 2003 ocorreu a criação do CONSEA/PR, através do decreto nº. 1.556, de 09 de julho de 2003. No ano seguinte (2004) aconteceram 14 conferências regionais de SAN e, em seguida, a I Conferência Estadual de SAN. Em 2006, ocorre a II Conferência Estadual de SAN. Nesse mesmo ano, ocorreu outro marco importante para a evolução da SAN no Estado do Paraná: a criação da Frente Parlamentar de SAN. Em 2008, aconteceu a aprovação da Lei Estadual de SAN - nº. 15.791, que institui a política no Paraná. E, em 2009, criou-se o Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional (DESAN), ou o antigo SETP
Compartilhar