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www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 1 PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES E JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO SANEAMENTO E FASE DE SANEAMENTO. AS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES Diante da apresentação, ou não, da resposta do réu, inicia-se uma fase do procedimento ordinário que se denomina de “fase de saneamento” ou “fase de ordenamento do processo”. Durante este período, o magistrado, se for o caso, deve adotar providências que deixem o feito apto para que nele seja proferida uma decisão, chamada de “julgamento conforme o estado do processo” (art. 323, CPC). A atividade de saneamento do magistrado, porém, não se esgota nessa fase, que se caracteriza, apenas, pela concentração de atos de regularização do processo. É que desde o momento em que recebe a petição inicial, pode adotar medidas para regularizar eventuais defeitos processuais – a determinação de emenda da petição inicial (art. 284, CPC) e a possibilidade de controle a qualquer tempo das questões relativas à admissibilidade do procedimento (art. 267, § 3º, CPC) são exemplos disso. O dever de o magistrado sanear o processo deve ser exercido ao longo de todo o procedimento, mas há uma fase em que a sua atuação revela- se mais concentrada. A “fase de saneamento” inicia-se após o escoamento do prazo de resposta do réu. No entanto, é possível que, após esse momento, a “fase postulatória” se prolongue, pois o réu pode ter reconvindo ou denunciado a lide a um terceiro. É possível, ainda, que o autor requeira a modificação do pedido ou da causa de pedir, com o consentimento do réu, com base no art. 264, CPC. Os primeiros atos da “fase de saneamento” podem coincidir, portanto, com a prática dos últimos atos da fase postulatória. As “providências preliminares” que podem ser adotadas são, basicamente, as seguintes: a) tendo sido apresentada defesa indireta, deve o juiz intimar o autor para apresentar a sua réplica, em 10 (dez) dias (arts. 326/327, CPC), que consiste na manifestação deste último sobre os fatos novos deduzidos pelo réu em sua defesa. Se a defesa for direta, não haverá intimação para a réplica. Se o autor trouxer documentos na réplica, o réu deverá ser intimado para manifestar-se sobre eles, em 5 (cinco) dias, conforme a regra do art. 398, CPC. b) se o réu apresentar defesa direta, mas trouxer documentos, deve o juiz intimar o autor para manifestar-se sobre eles, no prazo de 5 (cinco) dias (art. 398, CPC). c) se o réu apresentar defesa direta, consistente na negação da relação jurídica prejudicial deduzida pelo autor, deve o juiz intimar este último para que possa, querendo, em 10 (dez) dias, promover “ação declaratória incidental”, ampliando o objeto litigioso do processo, nos termos dos arts. 5º e 325, CPC. A “ação declaratória incidental” consiste em demanda, formulada pelo autor, para que o magistrado declare a existência da relação jurídica prejudicial, de modo que essa decisão possa ficar imune pela coisa julgada material (art. 470, CPC). O réu também pode promover “ação declaratória incidental” que terá, porém, natureza de reconvenção. d) se há defeitos processuais que possam ser corrigidos, inclusive aqueles relacionados aos requisitos de admissibilidade do procedimento, deve o juiz providenciar a sua correção, fixando, para tanto, prazo não superior a 30 (trinta) dias (art. 327, parte final, CPC). e) se houve revelia, deve o juiz verificar a regularidade da citação. f) se, não obstante a revelia, a confissão ficta não se tiver produzido, o autor será intimado para especificar as provas que pretenda produzir em audiência (art. 324, CPC). O prazo para especificação das provas é de 5 (cinco) dias, aplicando-se a regra supletiva do art. 185, CPC, tendo em vista o silêncio da lei sobre o assunto. g) se a revelia decorrer de citação ficta, será designado curador especial (art. 9º, II, CPC). h) se o réu reconveio, o autor será intimado para contestá-la, em 15 (quinze) dias. É possível, assim, que o autor seja intimado para replicar, em 10 (dez) dias, e contestar a reconvenção, em 15 (quinze) dias. Poderá apresentar as suas manifestações em 10 (dez) dias, mas não poderá replicar em 15 (quinze) dias, valendo-se do prazo maior de reconvenção. i) se o réu promover alguma das modalidades de intervenção de terceiros (uma denunciação da lide, um chamamento ao processo ou uma www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 2 nomeação à autoria), o juiz adotará as providências inerentes a essas intervenções, tal como determinar a comunicação do terceiro cujo ingresso no processo se pleiteia. j) o magistrado deve verificar se é o caso de intervenção do Ministério Público (art. 82, CPC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, art. 31, Lei nº 6.385/1976), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE, art. 89, Lei nº 8.884/1994) ou de qualquer outro órgão/entidade cuja presença o processo seja obrigatória, por força de lei. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO O “julgamento conforme o estado do processo” pode ter diversos conteúdos. Como já consignado, depois de cumpridas as “providências preliminares” (arts. 323/327, CPC), ou não havendo necessidade delas, o juiz examinará os autos para que tome uma dessas decisões: a) extinção sem julgamento do mérito (art. 267, c/c art. 329, CPC); b) resolução do mérito, em razão de autocomposição total (art. 269, II, III e V, c/c art. 329, CPC); c) resolução do mérito em razão de decadência ou prescrição (art. 269, IV, c/c art. 329, CPC); d) julga antecipadamente o mérito da causa (art. 330, CPC); e) marca audiência preliminar de conciliação (art. 331, CPC); f) não sendo o caso de audiência preliminar, determina imediatamente a realização da audiência de instrução e julgamento, proferindo o chamado “despacho saneador”, ordenando o processo para a fase probatória (art. 331, § 2º, CPC); g) profere uma decisão parcial, com o conteúdo dos arts. 267 ou 269, mas sem extinguir o processo, pois diz respeito a apenas uma parcela do objeto litigioso (transação parcial, p.ex.). JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO DA CAUSA Conforme visto, após as providências preliminares, o magistrado deve proferir uma decisão, que se denomina “julgamento conforme o estado do processo”. O julgamento antecipado da lide (rectius: julgamento antecipado do mérito da causa) é uma das possíveis decisões que podem ser tomadas neste momento do procedimento. Trata-se de decisão de mérito em que o magistrado decide o objeto litigioso, julgando procedente ou improcedente a demanda formulada. Perceba-se que em outras duas variantes do “julgamento conforme o estado do processo” há, também, exame de mérito: a) extinção por autocomposição (reconhecimento da procedência do pedido, transação ou renúncia ao direito sobre o que se funda a demanda, art. 269, II, III e V, CPC); b) extinção pelo reconhecimento da prescrição/decadência (art. 269, IV, CPC). Nessas situações, só há julgamento de mérito nos casos da letra “b”. No julgamento antecipado da lide, porém, o magistrado julga o mérito com base no inciso I do art. 269, CPC. Assim, como se vê, o julgamento conforme o estado do processo pode implicar decisão de mérito tomada com base em qualquer dos incisos do art. 269, CPC. São hipóteses de abreviação do procedimento. O julgamento antecipado da lide é uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida após a fase de saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção de mais provas em audiências de instrução e julgamento (provas orais, perícia e inspeção judicial). Diz o caput do art. 330, CPC que “O juizreconhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença”. Aqui, o juiz entende ser possível proferir decisão de mérito apenas com base na prova documental produzida pelas partes. O julgamento antecipado da lide é uma técnica de abreviamento do processo. É manifestação do princípio da adaptabilidade do procedimento, pois o magistrado, diante de peculiaridades da causa, encurta o procedimento, dispensando a realização de toda uma fase do processo. É bom frisar que o adjetivo “antecipado” justifica-se exatamente no fato de o procedimento ter sido abreviado, tendo em vista as particularidades do caso concreto. www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 3 O art. 330, CPC, prevê as hipóteses em que se admite o julgamento antecipado da lide. “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferido sentença: I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II – quando ocorrer a revelia (art.319)”. É preciso, porém, fazer algumas anotações sobre esse artigo: a) em primeiro lugar, o “princípio da cooperação” impõe que o magistrado comunique às partes a intenção de abreviar o procedimento, julgando antecipadamente a lide. Essa intimação prévia é importantíssima, porquanto profilática, pois, a uma, evita uma decisão-surpresa, que abruptamente encerre o procedimento, frustrando expectativas das partes; a duas, se a parte não concordar com essa decisão, deve interpor agravo (no mais das vezes, será o agravo retido, art. 522/523, CPC) – se não o fizer, não poderá, posteriormente, alegar cerceamento de defesa, pela restrição que se fez ao seu direito à prova, em razão da preclusão. b) essa possibilidade de abreviação do procedimento deve ser utilizada com cautela e parcimônia, não só porque pode implicar restrição ao direito à prova, mas também porque, sem a audiência de instrução e julgamento, podem os autos subir ao tribunal, em grau de recurso, com fraco conjunto probatório. Como de praxe, em órgãos colegiados, a realização de atividade de instrução probatória complementar é mais raro, sendo possível que, diante de um processo “mal-instruído”, o tribunal resolva anular a sentença, para que se reinicie a atividade probatória – e isso não é desejável. c) não há questão de mérito que seja “unicamente de direito”, como está escrito no inciso I, do art. 330, CPC. O fenômeno jurídico não prescinde do suporte fático, sobre o qual incide a hipótese normativa. As hipóteses previstas no inciso I podem ser resumidas em uma: é possível o julgamento antecipado quando não for necessária a produção de provas em audiência, ou seja, quando a prova exclusivamente documental for bastante para a prolação de uma decisão de mérito. d) sobre o inciso II, é preciso esclarecer que a revelia só implica julgamento antecipado da lide se ela produzir o efeito típico da confissão ficta, pois, assim, os fatos tornar-se-iam incontroversos, o que dispensa a prova, consoante o art. 334, III, CPC. Ocorre que nem sempre a revelia gera confissão ficta. É possível, ainda, que, não obstante a revelia e o julgamento antecipado da lide, o autor perca a demanda; nada impede que o magistrado julgue improcedente o pedido, a despeito de reputar existentes os fatos alegados – p.ex., os fatos deduzidos não têm aptidão para conferir ao autor o direito pleiteado. e) não se permite que o magistrado, no julgamento antecipado da lide, conclua pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou o alegado. Se o magistrado convoca os autos para julgamento antecipado, é porque entende provados os fatos alegados. Entende, enfim, que não há necessidade de prova. Essa decisão impede comportamento contraditório do juiz (venire contra factum proprium); há preclusão lógica para o magistrado, que, então, não pode proferir decisão com aquele conteúdo. A sentença de improcedência por falta de prova, em julgamento antecipado da lide, além de violar o dever de lealdade processual, a boa-fé objetiva, que orienta a relação entre os sujeitos processuais, e o “princípio da cooperação”, poderá ser invalidade por ofensa à garantia do contraditório, em sua dimensão de direito à prova. f) quando for o caso, o “julgamento antecipado não é faculdade, mas dever que a lei impõe ao julgador”, em homenagem ao princípio da economia processual (art. 125, I, CPC). AUDIÊNCIA PRELIMINAR Generalidades Ultrapassada a fase das “providências preliminares”, e não ocorrendo as hipóteses previstas nos arts. 329/330, CPC – extinção do processo sem exame do mérito, ou com exame do mérito em razão de autocomposição, prescrição, decadência ou julgamento antecipado da lide – caberá ao juiz designar audiência preliminar, situação em que tentará promover a conciliação das partes (art. 331, CPC). Cabe, inicialmente, uma observação. Nada impede, não obstante o texto legal, que o magistrado, mesmo sendo caso de www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 4 julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), marque a audiência preliminar, com o objetivo de tentar conciliar as partes. Isso com base no inciso IV, art. 125, CPC, que atribui ao magistrado o dever de tentar conciliar as partes a qualquer tempo. Não obtida a conciliação, o magistrado julgaria a demanda imediatamente. Seguindo tendência mundial, foram acrescentados ao CPC, nas últimas reformas das leis processuais, dois dispositivos que, somados ao art. 448, CPC (que já previa uma tentativa de conciliação no início da audiência de instrução), compõem o tripé normativo em favor da conciliação (da solução do litígio por autocomposição): o art. 125, IV e o art. 331. O inciso IV do art. 125 estabelece o dever do magistrado conciliar as partes a qualquer tempo; o art. 331 introduz no procedimento ordinário uma audiência preliminar à fase de instrução probatória, cujo objetivo principal é ensejar uma tentativa de conciliação das partes. Denominação e objetivos da audiência A audiência de conciliação obrigatória, introduzida no art. 331, CPC, em dezembro de 1994, sofreu sua primeira reforma com a edição da Lei Federal nº 10.444/2002. Uma das mudanças foi terminológica: a audiência passou a chamar-se de “audiência preliminar”. A mudança do nome do instituto para “audiência preliminar” justifica-se plenamente. É que a doutrina, de modo geral, já reconhecia nessa audiência funções outras além da simples tentativa de conciliação. Como bem afirma Dinamarco, possuía essa audiência um tríplice escopo: conciliação, saneamento do processo e delimitação da instrução. Iniciada a audiência, o magistrado tentará alcançar a conciliação. Não obtida a conciliação, o magistrado deverá resolver as questões processuais pendentes e fixar os pontos controvertidos do processo – isto é, identificar as questões que devem ser objeto da fase de instrução probatória. O § 2º do art. 331, CPC, por sua vez, prescreve que o magistrado, frustrada a conciliação, “decidirá as questões processuais pendentes”. Esse enunciado causa certa perplexidade, uma vez que o caput indica que é pressuposto para a ocorrência da audiência preliminar o exame prévio do magistrado acerca da admissibilidade do processo e, por conseguinte, “questões pendentes” não haveriam de estar relacionadas nem com o juízo de admissibilidade do processo, nem com a existência de prescrição ou decadência e nem com a existência de autocomposição do litígio. Como bem diz Calmon de Passos, esse momento processual não comportaria, a bem da verdade, “questões pendentes”, por faltar um iter processual que permitisse novas alegações: assim,concluir-se-ia serem pendentes as questões processuais suscitadas pelo réu e não abordadas em decisão anterior. Se isso ocorrer, então, poderá o magistrado examinar essas questões pendentes e, se for o caso, extinguir o processo sem exame do mérito (art. 267, CPC) ou com exame do mérito (art. 269, IV, prescrição e decadência). Após isso, o magistrado deve se limitar a fase de produção de provas: admitir e não admitir a produção de certos meios de prova, designar perito e formular o rol de quesitos (se for o caso), marcar audiência de instrução e julgamento, determinar a inspeção judicial, oitiva de testemunhas ou depoimento da parte etc.. A audiência, por não ser simplesmente de conciliação, não merecia o nome que tinha. Muda-se com isso também o nome da Seção III, que passa a chamar-se “Da audiência preliminar”, conforme o art. 3º da Lei Federal nº 10.444/2002. A não marcação de audiência preliminar, quando for o caso, implica em invalidade do procedimento (nulidade) apenas se houver prejuízo. Antecipa-se, porém, que dificilmente esse prejuízo ocorrerá, tendo em vista que há sempre a possibilidade de correção do defeito do procedimento, quer pela designação de uma data para a realização da audiência, quer pela tentativa de conciliação que o magistrado pode efetuar por ocasião da abertura da audiência de instrução e julgamento. Direitos que admitam transação (rectius: conciliação) Generalidades A audiência preliminar deve ser designada se os direitos puderem ser objeto de transação. A Lei nº 10.444/2002 promoveu a troca da “infeliz expressão” “direitos disponíveis” por outra www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 5 tecnicamente mais correta: “direitos que admitam transação”. A mudança foi importante, pois são inúmeros os casos de direitos considerados indisponíveis que admitem transação (alimentos, guarda de filhos e outras causas de família, causas coletivas, causas que envolvem entes públicos, por exemplo), sendo forçoso reconhecer que há distinção entre disponibilidade e intransigibilidade (rectius: inconciliabilidade). Deve-se ressaltar que não se pode, atualmente, aplicar de forma indistinta o art. 841, CC, que afirma somente ser possível a transação em relação a direitos patrimoniais de caráter privado. Não se pode, ainda assim, confundir transação com conciliação, esta gênero do qual aquela é espécie. É possível conciliação sem transação, como nas hipóteses de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação ou reconhecimento da procedência do pedido. O que visou o legislador, com a criação da audiência preliminar, foi ensejar um momento processual propício ao fim do litígio por conciliação, não necessariamente por transação. Assim, onde se lê “direitos que admitem transação”, leia-se “direitos que admitem conciliação”. A mudança legislativa, embora elogiável, poderia ter sido ainda melhor. Conforme já se apontou, em causas de família (direitos não patrimoniais) a conciliação revela- se como a melhor e mais eficaz forma de solução de conflitos. Interessante citar a lembrança de Barbosa Moreira, em relação à doutrina que comentou a legislação de 1994: registra o autor a sustentação de alguns autores (como Cândido Dinamarco), que, à época, à revelia do comando normativo – que previa apenas a conciliação em causas com direitos disponíveis em disputa -, a audiência de conciliação seria também obrigatória nos casos de direitos indisponíveis: é que apesar da impossibilidade de conciliação em virtude da natureza da contenda, ainda assim justificar-se-ia a audiência de conciliação pelas suas demais funções: o saneamento do processo e a preparação para a instrução probatória. Um exemplo de causa que não admite transação e, pois, conciliação, é a ação de improbidade administrativa (art. 17, §1º, da Lei Federal nº 8.429/1992). O STJ entendeu que não é admissível transação em processo que envolve discussão sobre a transposição de cargos públicos. Conciliação em causas que envolvam pessoas jurídicas de direito público Há certo dissenso na prática forense em relação à possibilidade de conciliação nas causas que envolvem pessoas jurídicas de direito público. Existe um mau vezo de se relacionarem tais causas com suposto interesse público, a não permitir a realização de qualquer espécie de autocomposição. Trata-se de equívoco lamentável. São inúmeras as hipóteses de autocomposição envolvendo interesse de ente público, não sendo temerário afirmar, por exemplo, que a maior parte dos conflitos fiscais se resolve por acordo de parcelamento firmado perante a repartição pública, longe das mesas de audiência do Poder Judiciário. A lei, inclusive, prevê expressamente a possibilidade de conciliação em demandas que dizem respeito os entes federais: “Em regra são situações em que a cobrança integral do valor é muito dispendiosa, se comparada com o seu possível resultado. A renúncia ou a transação acaba sendo de interesse público”. A possibilidade de conciliação envolvendo entes estaduais e municípios dependerá de lei estadual ou municipal específica. Assim, é plenamente possível o acordo em tais causas. Pouco importa se lhes atribua a característica da indisponibilidade, pois é induvidosa a possibilidade de conciliação, justificando-se a realização de audiência preliminar. O comparecimento à audiência. O preposto (representante voluntário) Generalidades Uma outra novidade, trazida pela Lei Federal nº 10.444/2002 à audiência preliminar, foi a possibilidade expressa de a parte fazer-se representar por preposto – possibilidade já prevista para as audiências nos ritos sumário (art. 277, § 3º, CPC) e dos Juizados Especiais Cíveis (art. 9º, § 4º, da Lei Federal nº 9.099/95). O preposto representará a parte na audiência, e apenas nela, desde que tenha poderes expressos para conciliar (art. 331, fine, CPC). Trata-se de delegado da parte com o poder especial de transigir (rectius: conciliar). Seu www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 6 agir é essencialmente material (transação, por exemplo, é ato de direito material), consistente na prática de determinado ato jurídico, sem qualquer função postulatória, daí por que não precisa ser advogado. A preposição regulada no Código Civil é figura de direito material, mais especificamente de direito empresarial, e cujo regramento legal tem por fim precípuo regular as relações do preposto com a sociedade a que pertence e com terceiros (arts. 1.169/1.178, CC). A preposição, aqui prevista, assemelha-se (repita-se: assemelha-se) à figura do mandato, com poder específico de proceder à conciliação judicial, administrando os interesses do preponente. Trata-se de representação voluntária, regulada, genericamente, pelos arts. 115/120, CC. A utilização, pelo legislador, do termo “preposto”, de conteúdo dogmático mais restrito, deve-se, induvidosamente, à consagração do seu uso nas causas trabalhistas e no âmbito dos Juizados Especiais. Para que não houvesse confusão, seria de bom alvitre a mudança do termo: de “preposto” para “representante voluntário”, ou simplesmente “representante”. É possível, entretanto, representação voluntária sem a existência do contrato subjacente de mandato. O Código Civil de 1916 parecer ter equiparado, equivocadamente, as duas figuras; já o Código Civil de 2002 procurou dar um tratamento normativo mais aprimorado, criando regulamentação geral da representação, legal ou voluntária. Aplicam-se, entretanto, supletivamente, à representação voluntária, as normas relativas ao mandato representativo (art. 120, CC; arts. 653/691, CC). A outorga do poder de representaré provada pela procuração, que é o seu instrumento. A representação, normalmente, legitima-se em outra relação jurídica, de onde esse poder é retirado; relação essa que não é, necessariamente, a de mandato, pois há outras relações negociais básicas que autorizam a concessão do poder de agir em nome de outrem, por exemplo: prestação de serviços, empreitada, expedição, agência, sociedade e preposição mercantil. Não se pode confundir, ainda, a preposição, aqui examinada, com aquela típica das demandas trabalhistas. É que lá – processo do trabalho – o preposto assume outras funções processuais, sendo inclusive fonte de prova (prestará depoimento oral), enquanto cá – processo civil – a função do preposto é puramente de direito material – conciliação -, não lhe restando qualquer outra. Embora rotulado com o mesmo nome, são figura distintas, com papéis distintos e que merecem, pois, tratamento distinto. Preposto de pessoa jurídica ou firma individual não precisa ter com esses entes vínculo empregatício. A propósito, a nova redação do § 4º do art. 9º da Lei nº 9.099/1995, trazida pela Lei nº 12.137/2009, aplicável por analogia aos procedimentos ordinário e sumário: “§4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício”. Pessoa física pode utilizar-se de “preposto”? É claro que pessoa física pode valer-se de “preposto”. Embora o termo seja utilizado, costumeiramente, quando se está diante de representante de pessoa jurídica, nada indica a inadmissibilidade do manejo da preposição – essa, com função de representação judicial para fins conciliatórios – pela pessoa física. Trata-se, enfim, de representante voluntário, com poder específico de conciliação, e a pessoa física, obviamente, pode constituir representante voluntário. Ademais, não permitir à pessoa física valer-se da preposição, para fins conciliatórios, é ferir o princípio da igualdade, pois não se justifica tratamento processual tão desigual entre pessoa humana e pessoa jurídica. Há pessoas muito hábeis na tarefa conciliatória, enquanto outras são totalmente despreparadas para tanto. Enquanto a pessoa jurídica treina seus prepostos em cursos profissionalizantes, a pessoa física, normalmente litigante eventual, se vê diante de uma situação que lhe não é peculiar, o que torna a negociação bem desigual. Por mais que o advogado e o juiz possam ser fatores de equilíbrio, não vemos como repelir a ideia de pessoa física constituir representante para esse fim específico. É possível até mesmo a nomeação de “profissionais”: pessoas especializadas na “arte de negociar”. Quem pode ser representante www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 7 Qualquer pessoa capaz pode sê-lo. O maior de dezesseis e menor de dezoito não emancipados também podem ser prepostos, por força do art. 666, CC. No caso de pessoa jurídica, não precisa sequer ser seu empregado. Há proibição de atuação de advogado como preposto (art. 23 do Código de Ética da OAB). Parece, no entanto, que essa proibição não se aplica à preposição processual, porquanto a participação do advogado, aqui, na qualidade de preposto, restringir-se-á à tentativa de conciliação – típica, portanto, do exercício da advocacia. A restrição do Código de Ética refere-se à preposição em causas trabalhistas, nas quais a figura do preposto assume outras funções processuais, como já examinado. Além disso, o próprio texto normativo é muito claro ao permitir a representação, na audiência, por procurador habilitado com poderes de transigir (rectius: conciliar), consagrando, a propósito, o regramento que já existia antes dessa reforma. O instrumento da representação O preposto precisa apresentar a carta de preposição (art. 118, CC), pois, conforme vimos, essa é modalidade daquela, e a audiência preliminar pode gerar qualquer espécie de conciliação, e não apenas a transação. Importa frisar, entretanto, que a procuração deve conter expressamente o poder conciliatório, sob pena de não- realização da tentativa de conciliação e ineficácia (art. 662, CC) do acordo porventura homologado. Os prepostos podem conciliar sem a presença de advogados? Sim, não haveria qualquer problema, pois a conciliação, como já se disse, é ato de direito material, e envolve interesses a princípio apenas das partes envolvidas no litígio. O DESPACHO SANEADOR A dispensa de realização da audiência preliminar A Lei Federal nº 10.444/2002 mitigou a obrigatoriedade da audiência preliminar (§ 3º do art. 331, CPC). Cabe agora ao juiz verificar, in concreto, se é o caso de marcar a audiência preliminar, sugerindo a lei, para tanto, dois critérios, ambos baseados na viabilidade da conciliação: a) inviabilidade da transação (rectius: conciliação) em razão dos direitos em jogo (critério mais objetivo); b) “se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção” (critério mais subjetivo). Reforça-se, também aqui, o poder do juiz de adequação do regramento processual ao caso concreto – o princípio da adaptabilidade do procedimento. Em vez de impor etapa procedimental obrigatória, enrijecendo o procedimento, o legislador transfere ao magistrado a tarefa de examinar a oportunidade da realização da audiência, a ser verificada a partir das peculiaridades do caso concreto. Já se defendia, mesmo antes dessa reforma, que, versando a causa sobre direitos inconciliáveis, não se marcaria a audiência de conciliação, devendo o magistrado providenciar a preparação do feito para a instrução no célebre “despacho saneador”. O legislador reformista foi além, pois permitiu a dispensa da audiência quando esta for improvável, mesmo havendo possibilidade teórica da conciliação. Quando não se puder vislumbrar em concreto o acordo, pode o magistrado sanear/ordenar o feito sem a realização da audiência. Assim, a audiência preliminar é, em princípio, etapa obrigatória do procedimento, mas será facultativa sempre que, conforme o § 3º, o direito em litígio não admitir transação. Não sendo caso de marcação da audiência preliminar, surge a última hipótese de julgamento conforme o estado do processo: o “despacho saneador”. Conteúdo do despacho saneador Se não for caso de extinção do processo sem julgamento do mérito, nem de extinção do processo com julgamento do mérito (prescrição/decadência, autocomposição ou julgamento antecipado da lide), e não sendo hipótese de audiência preliminar, deverá o magistrado proferir uma decisão escrita, em que deverá examinar as questões processuais suscitadas, declarar saneado o feito, fixar os pontos controvertidos e delimitar a atividade probatória. Na célebre síntese de Barbosa Moreira: “O despacho saneador tem lugar justamente nas hipóteses restantes..., o órgão judicial chega à convicção de que é necessário o prosseguimento do feito – porque ainda não www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 8 pode ser julgado o mérito -, e além disso é útil fazê-lo prosseguir – porque tudo indica que o mérito poderá ser julgado. Configura-se, pois, o despacho saneador como o ato pelo qual o juiz, verificando ser admissível a ação e regular o processo, o impede em direção à audiência de instrução e julgamento, por não estar ainda madura a causa para a decisão de mérito”. Perceba-se o seguinte: a) o “despacho saneador” não é despacho, mas decisão interlocutória; b) o “despacho saneador” nada saneia; na verdade, declara saneado; c) o seu conteúdo é equivalente ao da decisão, já examinada, que o magistradoproferiria acaso, tendo marcado audiência preliminar, restasse frustrada a tentativa de conciliação. Há, pois, nessa decisão, um capítulo decisório em que se reconhece a admissibilidade do processo (juízo declaratório) e outro capítulo decisório em que se fixam os pontos controvertidos e se delimita a atividade de instrução (juízo constitutivo). EFICÁCIA PRECLUSIVA DA DECISÃO DE SANEAMENTO Consideração introdutória O juízo de admissibilidade positivo, quer tenha sido feito no despacho saneador, quer tenha ocorrido durante a audiência preliminar, tem eficácia preclusiva? Proferido o juízo de admissibilidade positivo, é possível que a questão decidida possa ser reexaminada, ainda no mesmo processo? A doutrina não costuma atentar para uma circunstância bastante relevante: concluindo pela admissibilidade ou inadmissibilidade, o juízo que o magistrado faça sobre a validade do procedimento é o mesmo, não se altera de acordo com a conclusão alcançada. Se o juízo de admissibilidade é uma decisão (e parece indiscutível que o seja), positivo ou negativo, pouco importa, deverá submeter-se à preclusão. O juízo de admissibilidade positivo e a preclusão Prevalece, na doutrina brasileira, a concepção de que a decisão judicial que reconhece a presença dos requisitos de admissibilidade do processo (principalmente o denominado “despacho saneador”, pelo qual o magistrado declara a regularidade do processo) não se submete à preclusão pro iudicato: enquanto pendente a relação jurídica processual, será sempre possível o controle ex officio dos requisitos de admissibilidade, inclusive com o reexame daqueles que já houverem sido objeto de decisão judicial. O fundamento legal dessa concepção é o § 3º do art. 267, CPC, que teria imunizado as decisões sobre os requisitos de admissibilidade do processo à preclusão. Afirma-se que o enunciado nº 424 da Súmula do STF, embora ainda em vigor, não se aplica a esse tipo de questão. Fala-se que não se pode cogitar de preclusão para as matérias que podem dar ensejo à ação rescisória. Não é essa a concepção, porém, a que ora se adota. a) em primeiro lugar, convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3º do art. 267, CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Não há qualquer referência no texto julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Não há qualquer referência no texto legal, porém, à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas. A qualquer tempo é possível conhecer tais questões, controlar a regularidade do processo, desde que o processo ainda esteja pendente e que não tenha havido preclusão a respeito. Não se permite que o tribunal, no julgamento do recurso, reveja questão que já fora anteriormente decidida, mesmo se de natureza processual, e em relação à qual se operou a preclusão. O que se permite ao tribunal é conhecer, mesmo, sem provocação, das questões relativas à admissibilidade do processo, respeitada, porém, a preclusão. Parece haver uma confusão entre a possibilidade de conhecimento ex officio de tais questões, fato indiscutível, com a possibilidade de decidir de novo questões já decididas, mesmo as que poderiam ter sido conhecidas de ofício. São coisas diversas: a cognoscibilidade ex officio de tais questões significa, tão-somente, que elas podem ser examinadas pelo Judiciário sem a provocação das partes, o que torna irrelevante o momento em que são apreciadas. Não há preclusão para o exame das questões, enquanto pendente o processo, mas há preclusão para o reexame. www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 9 b) a preclusão aqui defendida obviamente não se opera tendo em vista fato superveniente. Conforme já se disse, é possível que, por superveniente, deixe de existir um requisito de admissibilidade do processo (exemplo: incompetência absoluta superveniente e perda da capacidade processual). Exatamente por tratar-se de fato superveniente, a anterior decisão que reconheceu a regularidade do processo não lhe diz respeito, impondo-se nova decisão, que terá outro objeto: a questão nova. Não se deve confundir a possibilidade de controle a qualquer tempo da regularidade do processo com a inexistência de preclusão a respeito. A confusão é parecida com aquela que se faz em relação à coisa julgada da sentença de alimentos: porque fatos supervenientes podem alterar a realidade sobre que incidiu a primeira sentença, nova decisão deve ser proferida, que cuide desta nova realidade. Isso não retira a força da coisa julgada material, que indiscutivelmente recaiu sobre a primeira decisão. c) o art. 471, CPC, é peremptório ao prescrever que nenhum juiz decidirá de novo as questões já decididas – “precisamente por falta em nenhum juiz o texto dessa disposição abrange também o juiz da causa, manifestamente compreendido na generalidade do advérbio”. Esse artigo também se aplica às decisões interlocutórias. O art. 473, CPC, determina: é defesa a parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão. Nada há em tais artigos que leve à conclusão de que as questões de admissibilidade, mesmo já decididas, podem ser rediscutidas. d) como bem apontou Calmon de Passos, se as decisões interlocutórias são recorríveis (art. 522, CPC), não se pode cogitar, no direito brasileiro, da possibilidade de preclusão, não somente para as partes, mas também para o juiz. e) por imposição do dever da motivação (art. 93, IX, CF), a decisão sobre a validade do procedimento deve ser expressa: não se admite a preclusão do exame de questões implicitamente decididas, até porque não se pode admitir decisão implícita. A preclusão somente pode operar-se em relação às questões decididas, contra as quais ou não houve interposição de recurso, ou se o interpôs, tendo sido rejeitado. Assim, não há preclusão se o magistrado deixa, na decisão saneadora, ainda que indevidamente, para examinar as questões de admissibilidade por ocasião da sentença. f) há um dado curioso nesta discussão: não se nega a existência de preclusão em torno das questões de mérito já decididas (rejeição da alegação de prescrição, por exemplo), mas, em relação às questões de admissibilidade, permite-se a rediscussão a qualquer tempo. Dá-se a essas últimas um tratamento diferenciado, como se fossem as questões mais relevantes a ser resolvidas pelo Judiciário, que estaria autorizado, mesmo já se tendo manifestado a respeito, a voltar a discutir o tema e concluir pela inadmissibilidade do processo. Parece haver uma intenção não-revelada de permitir sempre a possibilidade do não- enfrentamento do mérito, como se isso fosse o desejável, como se isso fosse o mais importante. Bem pensadas as coisas, se o caso é de não existir preclusão, que o seja para as questões de mérito, pois assim se permitirá a revisão de decisões equivocadas/injustas. Em relação a elas, porém, há a coisa julgada, instituto secular, construído a partir da percepção de que a função jurisdicional deve ter (as questões de fundo, o objeto litigioso, o objeto do procedimento, a razão de ser do processo), que deve realmente existir, pois corolário do princípio da segurança jurídica, como não há em relação a questões processuais já decididas? Por que em relação a elas permite- se instabilidade? Não há razão para esse tratamento diferenciado. A o contrário, a preclusão justifica-se muito mais em relação às questões processuais. É que,solucionada a questão sobre a regularidade do processo, e ressalvados os fatos supervenientes, ao Poder Judiciário somente restaria o exame do mérito da causa. Isso é positivo, pois resolver o litígio é a tarefa principal da atividade jurisdicional. g) esse posicionamento, tomado ao pé-da- letra, ainda gera situações absurdas. Será, realmente, que, arguido o impedimento (falta de requisito processual, que autoriza inclusive ação rescisória), com decisão do tribunal a respeito, é possível o reexame da matéria, em outra oportunidade, por esse www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 10 mesmo tribunal? Será que, após o processamento desse incidente, que suspende o andamento do processo e em que se permite a interposição de recursos, é possível ao litigante arguir a parcialidade do magistrado novamente, pelas mesmas razões, porque não haveria preclusão? Formulam-se as mesmas perguntas, mutatis mutandis, em relação a qualquer outro “pressuposto processual”, pois a falta de qualquer deles autoriza o ajuizamento de ação rescisória (incisos II e IV, especificamente, e o inciso V, genericamente, todos do art. 485, CPC). A circunstância de a questão de admissibilidade poder ensejar ação rescisória não suficiente para que se impeça a preclusão da decisão judicial a seu respeito. É que o fato de a questão ser decidida no processo originário não impede a propositura da ação rescisória; ou seja, o fundamento para que a questão não se submeta à preclusão é bem frágil: permite-se a discussão da questão de ordem pública a qualquer tempo, mas não se proíbe, a despeito disso, o ajuizamento da rescisória. A prévia discussão da questão no processo originário não é obstáculo ao ajuizamento da ação autônoma de impugnação. Enfim, adotar essa postura é comprometer totalmente a segurança jurídica, além de não se conferir o mínimo de respeitabilidade à decisão judicial sobre questões processuais. h) há ainda o problema em torno das condições da ação. Distingui-las das questões de mérito é tarefa hercúlea. Permitir a rediscussão sobre a existência de uma condição da ação é, muitas vezes, dar ensejo a nova decisão sobre a questão de mérito já decidida. i) não se descarta a hipótese de que, em certos casos, não haja preclusão para o juiz. É o caso da possibilidade de produção de provas, a qualquer tempo. Perceba-se, porém, que essa flexibilidade está relacionada ao julgamento da causa: permite- se ao magistrado, com isso, aprimorar a qualidade do seu julgamento. A ausência de preclusão, aqui, justifica-se plenamente, pois de acordo com a finalidade principal do processo, que é a correta decisão do mérito. Não se deve, pois, utilizar a inexistência de preclusão em tais casos como fundamento para que não exista preclusão sobre a decisão que examina a admissibilidade do processo. j) muitos dos doutrinadores, que defendem a inexistência de preclusão sobre a regularidade do processo (juízo de admissibilidade positivo), seguem orientação diversa em relação ao juízo de admissibilidade negativo. Nesse caso, extinto o processo pela falta de um “pressuposto processual”, a demanda somente poderia ser reproposta se o defeito fosse corrigido, ou seja, a primeira decisão haveria de ser respeitada, tendo, pois, eficácia preclusiva, ou não a tem; essa eficácia não pode ser secundum eventum litis. TEXTO CORRESPONDENTE NO NOVO CPC CAPÍTULO IX DAS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES E DO SANEAMENTO Art. 347. Findo o prazo para a contestação, o juiz tomará, conforme o caso, as providências preliminares constantes das seções deste Capítulo. Seção I Da Não Incidência dos Efeitos da Revelia Art. 348. Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando a inocorrência do efeito da revelia previsto no art. 344, ordenará que o autor especifique as provas que pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado. Art. 349. Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção. Seção II Do Fato Impeditivo, Modificativo ou Extintivo do Direito do Autor Art. 350. Se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova. Seção III Das Alegações do Réu Art. 351. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 337, o juiz determinará a oitiva do autor no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe a produção de prova. Art. 352. Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias. www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 11 Art. 353. Cumpridas as providências preliminares ou não havendo necessidade delas, o juiz proferirá julgamento conforme o estado do processo, observando o que dispõe o Capítulo X. CAPÍTULO X DO JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO Seção I Da Extinção do Processo Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento. Seção II Do Julgamento Antecipado do Mérito Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349. Seção III Do Julgamento Antecipado Parcial do Mérito Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. § 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. § 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento. Seção IV Do Saneamento e da Organização do Processo Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. § 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável. § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juizdesignar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações. § 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas. § 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas. § 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato. § 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados. § 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização. www.cers.com.br NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL Mauricio Cunha 12 § 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências.
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