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LEGITIMAÇÃO PELA SOBERANIA OU PELOS DIREITOS HUMANOS Considerações acerca da entrada da Venezuela no Mercosul e sua denúncia à Convenção Americana de Direitos Humanos Nathália Santos (1)

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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais 
 
De 22 a 26 de julho de 2013. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LEGITIMAÇÃO PELA SOBERANIA OU PELOS DIREITOS HUMANOS: 
Considerações acerca da entrada da Venezuela no Mercosul e sua 
denúncia à Convenção Americana de Direitos Humanos 
 
 
II Instituições Internacionais 
 
Trabalho Avulso | Painel 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nathália Santos Veras 
Universidade Federal de Roraima 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2013 
 
 
Nathália Santos Veras 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LEGITIMAÇÃO PELA SOBERANIA OU PELOS DIREITOS HUMANOS: 
Considerações acerca da entrada da Venezuela no Mercosul e sua denúncia à 
Convenção Americana de Direitos Humanos 
 
 
 
 
 
Trabalho submetido e apresentado 
no 4º Encontro Nacional da 
Associação Brasileira de Relações 
Internacionais – ABRI. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2013 
 
 
RESUMO 
 
 
 
 
 
 
O presente artigo pretende discutir o fator legitimador do Estado na comunidade 
internacional, se a soberania ou os direitos humanos, a partir dos fatos acerca da 
denúncia da Venezuela à Convenção Americana de Direitos Humanos e sua entrada 
no Mercosul, após a suspensão do Paraguai por infringir à cláusula democrática, do 
Protocolo de Ushuaia, sobretudo por serem os direitos humanos considerados marcos 
de democracia. Após a Segunda Guerra Mundial, a agenda política internacional 
voltou-se para a proteção dos direitos humanos e pela manutenção da paz e da 
segurança internacional. Nesse sentido, o conceito contemporâneo de segurança 
inclui a conservação de valores mínimos, o que faz os estudiosos refletirem acerca do 
fator legitimador dos Estados na comunidade internacional. Atualmente, os fatos em 
torno da Venezuela voltaram a temática para a América do Sul. A partir de pesquisa 
bibliográfica e analítica, verificou-se que os direitos humanos tendem a ser elevados à 
soberania, a fim de que esta não encubra atos internos que os violem, sendo, 
inclusive, necessários à efetiva integração regional, pretendida pelo Mercosul. 
 
 
Palavras – Chave: Venezuela; Mercosul; Convenção Americana de Direitos 
Humanos. 
 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Lafer, em 1994, no Painel “Ética nas Relações Internacionais”, na XV 
Conferência Nacional da OAB, discutiu “os modos pelos quais a soberania subordinar-
se-ia, ou não, a considerações de natureza ética” (p. 1). O tema, após mais de dez 
anos, ainda é atual e atraiu olhares na América do Sul, recentemente, no episódio da 
denúncia da Venezuela à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e à 
sua entrada no Mercado Comum do Sul (Mercosul). 
Para contextualizar o tema em torno do caso ora discutido, é necessário 
esclarecer que a Venezuela, antes da denúncia, até 10 de setembro de 2012, teve 
várias condenações e seu Presidente Hugo Chávez disse, publicamente, que 
pretendia retirar o país do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O estopim foi 
a condenação no caso Díaz Peña pela Corte Interamericana de Direitos Humanos 
(CoIDH). A CoIDH entendeu que ficou configurada violação aos direitos humanos por 
Raúl José Díaz Peña ter permanecido em prisão preventiva por um tempo superior ao 
 
permitido pela lei penal sob o fundamento de perigo de fuga. A Venezuela, por sua 
vez, alega que a CoIDH está protegendo um terrorista, acusado de participar, em 
2003, de atentados contra escritórios diplomáticos da Espanha e da Colômbia (CoIDH, 
2012). 
Como aponta Martuscelli (2012), apesar de Trinidad y Tobago terem 
denunciado à CADH, a Venezuela é o primeiro país com importância política e 
comercial a fazê-lo. Essa atitude foi criticada não apenas internacionalmente, mas 
também no âmbito interno, e passou a ser mais um argumento pela conjecturada 
característica antidemocrática do governo do Presidente Hugo Chávez. 
Não obstante, pouco antes, em 31 de julho de 2012, a adesão da Venezuela 
ao Mercosul foi oficializada de um modo, no mínimo, curioso. O Paraguai estava 
suspenso do bloco, em razão de ter infringido a cláusula democrática, do Protocolo de 
Ushuaia, por ter destituído seu presidente eleito em um processo sumário. Os 
Presidentes do Brasil, Uruguai e Argentina consideraram que o procedimento de 
impeachment do ex-presidente Fernando Lungo não garantiu a plena vigência das 
instituições democráticas1. Assim, foi impossível ao Paraguai vetar a entrada da 
Venezuela no Bloco. 
Chamou à atenção a declaração do Ministro das Relações Exteriores do 
Brasil, Antônio Patriota, de que a denúncia à CADH seria uma “decisão soberana” da 
Venezuela (MARTUSCELLI, 2012). A curiosa entrada deste país no Mercosul, após a 
suspensão do Paraguai por infringir a cláusula democrática, evidenciou ainda mais a 
controversa entre direitos humanos, tidos como marcos de democracia, e soberania. O 
fato é que, passado um ano exigido para a efetividade da denúncia, a Venezuela 
passará a ser o único país do Mercosul a não se submeter à CADH. Esses 
acontecimentos em torno da Venezuela e do Mercosul fazem retornar novamente a 
questão se poderiam os direitos humanos limitarem a soberania de um país? 
Nesse contexto, a discussão sobre a legitimidade das decisões políticas dos 
Estados, especialmente por refletirem internacionalmente e a teor do conceito 
contemporâneo de segurança ganha destaque na agenda política internacional, 
merecendo analises sistematizadas. Esse artigo pretende contribuir com o debate 
tendo como ponto de central a entrada da Venezuela no Mercosul e sua denúncia à 
CADH. 
 
 
 
1
 Nota do Itamaraty de 31 de julho de 2012. 
 
 
2 A LEGITIMIDADE NA SOCIEDADE INTERNACIONAL 
 
O conceito de legitimidade encontra-se entre a política e o direito. Seu 
significado, conforme Bobbio (2009), possui dois sentidos: um genérico e um 
específico. No primeiro, legitimidade aproxima-se de justiça ou de racionalidade. No 
significado específico da política, legitimidade é um atributo do Estado que se traduz 
em consenso e obediência. Nas palavras de Bobbio (2009, p.675): 
 
Num primeiro enfoque aproximado, podemos definir Legitimidade 
como sendo um atributo do Estado, que consiste na presença, em 
uma parcela significativa da população, de um grau de consenso 
capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao 
uso da força, a não ser em casos esporádicos. É por esta razão que 
todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja 
reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. 
 
O autor (2009) continua explicando que, considerando o Estado sob o ponto 
de vista sociológico, a legitimidade depende de vários fatores, como o grupo social, o 
regime, o governo e, se for o caso, ao sistema hegemônico ou imperial. Para o autor 
(2009), a legitimidade pressupõe democracia e consenso, que não significa o 
somatório de interesses dos indivíduos, mas valores. A legitimidade seria ao mesmo 
tempo uma situação, que seria a aceitação do Estado por parte significativa da 
população, e um valor, representado pelo consenso livre do povo. 
Enquanto Bobbio analisa a legitimidade a partir do Estado, as lições de 
Habermas (1997) permitem uma análise do conceito no direito internacional. Apesar 
de pertencerem a corretes teóricas distintas, tanto em um como no outro, aparecem a 
noção de legitimidade como consenso. Habermas (1997) coloca que a teoria do 
discurso explica a legitimidade a partir da igualdade de aplicação da lei, pela 
legitimação democrática do legislador e pela divisão de poderes do Estado. 
O autor (1997, p. 173) explica que quanto mais o direito se afasta dos forospúblicos, mais cresce a autonomia de instâncias estatais que “instrumentalizam 
direitos para realizar fins coletivos”. Dessa forma, o Estado acaba por olvidar de 
“subordinar a escolha dos fins ao projeto de realização de direitos inalienáveis”. No 
campo do direito internacional, isso é traduzido pela incapacidade dos Estados de 
representar a sociedade global. 
Assim, a questão da legitimidade na sociedade internacional pode ser 
analisada a partir de dois contrapontos: os Estados e as pessoas. A partir dos 
 
Estados, poder-se-ia concluir que a legitimidade é aferida pelo grau de consenso entre 
esses entes que o fazem obedecer normas internacionais. Ocorre que, 
tradicionalmente, os Estados só se submetem se assim o quiserem, assinando e 
ratificando tratados. O consenso acaba por ser distorcido para uma unanimidade com 
relação àquela norma específica. A partir das pessoas, a legitimidade exigiria a 
participação do povo nas decisões de política internacional de um ente supraestatal, o 
que não ocorre, ao menos não diretamente. 
Assim, pode-se afirmar que a legitimidade, atualmente, possui característica 
contratualista, pois exige assinatura, ratificação e depósito de tratados. Além de ser 
voluntarista, pois implica a manifestação formal em acerca das normas pelo Estado 
(MOREIRA, 2012). As pessoas são sujeitos de direitos na sociedade internacional, 
podendo exigir a observância das normas após a internalização no seu Estado, que os 
representa ou deveria na sociedade internacional. 
. 
 
3 O PARADOXO ENTRE SOBERANIA E DIREITOS HUMANOS NO PÓS GUERRA 
 
Segundo Ferrajoli (2002), a ideia de soberania pode ser traduzida pela 
expressão superiorem non recognoscens, isto é, poder supremo que não reconhece 
nenhum outro. Trata-se de uma aporia, como bem coloca o autor (2002). Essa ideia de 
soberania é constituída de dois paralelos: a soberania interna e a externa. Enquanto a 
primeira é progressivamente limitada, a segunda é progressivamente absolutizada. De 
acordo com Becke (in D’INÇÃO; SILVEIRA, 1994) a soberania interna legitima o 
Estado, enquanto a externa diz respeito à relação entre os Estados, conferindo a eles 
“igualdade”. 
Eis outra aporia apresentada por Ferrajoli (2002): a relação entre direito e 
soberania. Os Estados, soberanos, impõem ordenamentos jurídicos tanto ao povo 
como também regulam a si mesmo por estas normas, de forma a proteger o próprio 
povo. Ademais, internacionalmente, os Estados se submetem aos tratados 
internacionais que pactuarem. 
Tais afirmações levam a três considerações. A primeira é que a soberania 
induz a uma apenas aparente igualdade entre os Estados. A segunda é que, 
modernamente, tem-se admitido que alguns direitos devem ser garantidos pelo Estado 
independentemente de subscrição à pactos internacionais, como seria o caso da 
Declaração Universal dos Direitos Humanos. A última consideração, observada por 
 
Alves (1994), é que a noção de soberania rege os Estados ao negociarem um acordo, 
no sentido de obter ganhos e vantagens; mas, não no que se refere aos tratados de 
Direitos Humanos, ao menos concretamente. 
Note-se que se a soberania é, historicamente, tida como um poder ilimitado 
externamente e é reconhecida internacionalmente como um direito não só do Estado, 
mas também da nação, não é menos verdade que os direitos humanos ganham, 
gradativamente, um status superior à soberania. Em especial, dois fatores permitem 
essa conclusão: o constitucionalismo e a Segunda Guerra Mundial. Enquanto o 
primeiro limitou a soberania internamente para garantir ao povo direitos fundamentais, 
que possuem praticamente o mesmo conteúdo dos direitos humanos, estes 
intensificaram-se como preocupação internacional a partir da Segunda Guerra 
Mundial. As pessoas passaram a ser sujeitos de direitos internacionais. 
Assim, a noção de segurança internacional ultrapassou o conceito tradicional, 
puramente militar, que atribuía ao Estado a função de defender a nação de ameaças 
externas, cujo conceito, também tradicional, de soberania era satisfatório. As 
atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial incluíram na noção de segurança 
internacional a segurança humana. Entende-se que a segurança exige a conservação 
de valores mínimos, isto é, a garantia de direitos tidos como essenciais ao ser 
humano, incluindo a democracia. 
Nesse sentido, David (2001) explica que novos problemas, de toda a espécie, 
implicam uma cooperação entre os Estados. A noção de defesa estatal continua, mas 
é acrescida de instituições de segurança com obrigações multilaterais: 
 
A predominância dos Estados confronta-se com interdependências 
cada vez maiores e de toda a espécie. [...] o conceito de segurança 
puramente militar próprio da idade de oiro dos estudos estratégicos é 
progressivamente contestado pelos defensores do conceito de 
segurança humana, em virtude do qual o direito à existência e a uma 
certa qualidade de vida (muitas vezes ligada às dimensões não 
militares de segurança) é considerado fundamental e ultrapassa o 
direito à soberania e à integridade territorial dos Estados (o pai desta 
abordagem é Galtung, 1969). Pela sua transmissão e difusão de 
valores humanitários ou democráticos, os actores não estatais põem 
em causa a autoridade e a legitimidade dos Estados (DAVID, 2001, p. 
21). 
 
Vê-se que, a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que culminou 
com a cooperação entre os países, notadamente em sua divisão em blocos, também 
resultou em colaboração para assegurar os direitos humanos. Releva notar que o rol 
 
desses direitos esbarra, atualmente, no seu reconhecimento pelos Estados, isto é, na 
soberania. 
 
 
4 A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA PELOS DIREITOS HUMANOS 
 
Apesar do reconhecimento atribuído aos direitos humanos, que são vistos 
como necessários e de observância obrigatória, especialmente, em países 
democráticos, a ordem mundial ainda exige a sua aceitação pelos Estados. Ainda que 
aceitando a hipótese de ente supraestatal que não só regule, mas imponha a 
aplicação concreta desses direitos, a soberania continua no discurso da política 
internacional e na filosofia. 
Note-se que na Carta Nações Unidas é possível verificar a problemática da 
relação entre a soberania e os direitos humanos. Enquanto o documento coloca que 
as relações entre os Estados membros respeitará o princípio da igualdade soberana, a 
efetivação dos direitos humanos mostra-se como propósito. Não é demais observar 
que esse mesmo documento prevê o uso da força, inclusive de forma preventiva 
(BRASIL, 1945). 
Nesse sentido, discute-se se o uso da força pela Organização das Nações 
Unidas (ONU) pode ocorrer por razões humanitárias. Para a Comissão Internacional 
sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS)2, em casos onde o Estado não 
consegue ou não quer deter violações de direitos humanos, o princípio da não 
intervenção é substituído pela responsabilidade internacional de proteger. Para a 
Comissão, a soberania implica no dever do Estado de proteger as pessoas, diante de 
sua ineficácia, a comunidade internacional deve intervir para assegurar os direitos 
humanos (ICISS, 2001). 
Sobre o assunto, Habermas (2001) afirma que os direitos humanos devem 
ser protegidos em todas as sociedades, mas percebe que isso depende de sua 
institucionalização dentro do próprio Estado. A efetivação de uma política global mais 
justa depende desse reconhecimento interno. O autor não desvaloriza, contudo, a 
internacionalização dos direitos humanos, antes a defende3. Entende os direitos 
 
2
 Em inglês, International Commission on Intervention and State Sovenreignty. Foi uma 
Comissão anunciada pela Canadá na AssembleiaGeral da ONU de setembro de 2000, a fim 
de tentar responder o questionamento do Secretário-geral Kofi Annan acerca de um consenso 
sobre a intervenção. 
3
 Habermans (2001) defende que é possível um princípio moral universal. 
 
humanos como fator de legitimação da política da comunidade dos povos. Considera 
que, na comunidade de nações, tais direitos “[...] são a única base de legitimação que 
é reconhecida por todos” (HABERMAS in MERLE et al, 2003). 
Habermas (2001; in MERLE et al, 2003) está falando de uma comunidade 
organizada em nível supranacional. Nessa comunidade, a noção de soberania não 
conseguiria explicar a submissão do Estado ao ente supraestatal. Apesar de parecer 
utópico, o que Habermas defende, é também apontado por outros autores. Ferrajoli 
(2002), por exemplo, entende que essa nova ordem será fundamentada na autonomia 
dos povos, e não na soberania, e tenderá a uma universalização efetiva aos direitos 
humanos. 
Há, ainda, autores que entendem que a soberania continuaria sendo o 
fundamento dessa nova ordem. Nesse sentido, Gilberto Amado (apud GARCIA, 2000, 
p. 79) coloca que os Estados abdicariam um pouco de sua soberania, como os 
indivíduos para organizar a sociedade humana perderam liberdade pessoal, e assim 
se criaria “esse superorganismo necessário à paz do mundo e à felicidade do gênero 
humano”. 
 Nesse caso, o que se imagina é que haverá um organismo acima dos 
Estados. Tal organismo seria legitimado pelos direitos humanos, pela autonomia dos 
povos ou mesmo pela soberania (desprendendo-se cada Estado de parte dela). No 
fim, todos os argumentos de legitimidade dessa utópica ordem mundial convergem 
para o respeito aos direitos humanos. 
Atualmente, tem-se um Sistema de Estados, cuja legitimidade dos países é 
baseada na soberania, mas em progressiva relativização, para concretização dos 
direitos humanos. Cada vez, as decisões políticas submetem-se aos tratados de 
direitos humanos, apesar da soberania não ser ignorada. 
A título de exemplo, pode-se citar o fato dos Estados Unidos da América 
(EUA) terem sido submetidos à jurisdição consultiva da Corte Interamericana de 
Direitos Humanos (CoIDH), na Opinião Consultiva 164, contra sua vontade e a apesar 
 
4
 Em 1997, o México consultou CoIDH acerca do direito do migrante à assistência consular no 
processo judicial, especialmente em condenações a pena de morte. Em síntese, o México 
alegou que os EUA estavam condenando mexicanos sem os informar sobre o direito de 
comunicar-se com as autoridades (COIDH, 1999). Considerou-se que ambos os países são 
membros da OAE e signatários da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Também 
destacou que os EUA, embora não tenha ratificado a Declaração Americana de Direitos e 
Deveres do Homem, ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da Organização 
das Nações Unidas (ONU) (COIDH, 1999). Apesar dos EUA não terem ratificado a CADH, a 
CoIDH julgou o caso e concluiu que a inobservância desse direito à assistência consular é 
 
de não terem ratificado a CADH. Ainda assim, foi observado que país é membro da 
Organização dos Estados Americanos (OAE), signatário da Convenção de Viena 
sobre Relações Consulares e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da 
Organização das Nações Unidas (ONU) (CoIDH, 1999). 
Apesar da soberania não ter sido ignorada nesse caso, mormente pela 
observação de que os EUA eram signatários de outros tratados que asseguravam o 
direito de assistência consular, é digno de nota o fato dessa submissão à CoIDH, 
quando a própria CADH exige a aceitação expressa dessa cláusula. Acentua-se, 
ainda, o fato da previsão de assistência consular ser, em princípio, um direito do 
Estado, mas que, na interpretação da CoIDH, assume a forma de direito humano. 
Este caso evidencia a tendência em relativizar a soberania, fazendo seu 
conceito contemporâneo adquirir outros sentidos. A soberania interna, 
progressivamente relativizada, por representar o dever do Estado de proteger seus 
nacionais, acarreta, gradualmente, a relativização da soberania externa, até então 
progressivamente absolutizada. O princípio da responsabilidade internacional de 
proteger não é menos importante que o princípio da soberania estatal. 
 
 
3 O CASO DO MERCOSUL 
 
Atualmente, o que se tem é um Sistema de Estados baseado na soberania. 
Por esse critério de legitimidade, tradicionalmente, se considerada a noção de 
soberania pela expressão superiorem non recognoscens. Nessa linha de pensamento, 
a declaração do Ministro Antônio Patriota, de que a denúncia à CADH pela Venezuela 
é uma decisão soberana, está correta. Da mesma forma, a decisão de suspender o 
Paraguai poderia parecer adequada, vez que esse país, por sua própria soberania, 
escolheu submeter-se à cláusula democrática do Mercosul, se essa cláusula tivesse 
sido objetivada para explicitar os modos de sua inobservância. O que de qualquer 
modo não se explica é a entrada da Venezuela no bloco durante a suspensão do 
Paraguai. 
Por outro lado, se for adotada uma ideia de soberania de que esta é o poder 
de gerenciamento de assuntos internos, será necessário concluir que há assuntos que 
 
medida que viola o direito humano; no caso da pena de morte, viola o direito de não ser privado 
da vida arbitrariamente. 
 
 
ultrapassam os interesses nacionais. Nesse sentido, Bielefeldt (2000) citando 
Buergenthal (et al, 1985) explica que: 
 
O conflito estabelecido na Carta das Nações Unidas, ao determinar, 
de um lado, a “observação geral dos direitos humanos e das 
liberdades básicas para todos” (Art. 1, item 3 da Carta) e, por outro, 
de proibir a ingerência em assuntos internos dos países (Art. 2, item 7 
da Carta), foi agora solucionado pela interpretação de que 
determinados direitos humanos básicos, cuja abrangência 
permanece, em verdade, bastante discutível, não podem ser 
considerados assunto interno exclusivo de cada nação. Esses 
direitos, do ponto de vista jurídico, não integram apenas a soberania 
de uma nação, que os reconhece ou garante por vontade soberana, 
mas sim, ultrapassam as fronteiras da soberania de cada Estado, 
como assunto da comunidade universal das nações (cf. Buergenthal 
entre outros 1985, p. 117). 
 
Assim, direitos humanos e democracia ultrapassariam os interesses 
nacionais. Tais matérias se não fossem protegidas pelo Estado em observância ao 
dever decorrente da soberania, acarretaria o dever de intervenção da sociedade 
internacional. Nesse raciocínio, ter-se-ia que a Venezuela ou qualquer país da OEA 
poderia, dependendo do caso, continuar se submetendo à CoIDH ainda que 
denunciando a CADH. Mas ainda pressupõe soberania, na medida em que 
pressupões sua qualidade de membro da OEA e de que tenha aderido a outros 
tratados de direitos humanos. 
O embate entre soberania e direitos humanos continua mesmo nesse último 
raciocínio. Mas demonstra uma tendência em se priorizar o segundo fator legitimador 
nas decisões internacionais ou a relativizar a soberania do ponto de vista externo. 
Contudo, apesar das contradições (denúncia da Venezuela à CADH e sua entrada no 
Mercosul), os direitos humanos tendem a ser elevados à soberania, a fim de que esta 
não encubra atos internos que os violem. 
Atualmente, a decisão da Venezuela de denunciar a CADH pode ser 
considerada legítima com base na soberania. Não é menos verdade que isso não a 
permite na atual conjuntura internacional a violar os direitos nela assegurado, podendo 
em casos específicos ainda ser submetida à CoIDH e a Comissão Interamericanade 
Direitos Humanos. 
O mesmo não se pode dizer de sua entrada no Mercosul após a suspensão 
do Paraguai. Tal atitude do bloco não é legítima, pois carece de consenso. Apesar 
deste, doutrinariamente, não ser traduzido pelo somatório de opiniões, no caso do 
Mercosul exige-se a unanimidade, isto é, todos os Estados deveriam concordar com a 
 
entrada da Venezuela. No caso, impediu-se a participação do Paraguai em importante 
decisão. 
A atitude do Mercosul está prevista no Protocolo de Ushuaia, que trata da 
cláusula democrática entre os países do bloco, Chile e Bolívia. Mas foi contraditória ao 
fazer prevalecer o legalismo do Protocolo ao seu fim (democracia). Se todos os 
Estados membros devem observar os princípios democráticos, é conclusão lógica que 
o Mercosul também se submete a eles. 
 
 
4 CONCLUSÃO 
 
A legitimidade pode ser traduzida, a partir do estudo apresentado, pelo 
consenso nas decisões políticas que obrigam a observância de normas sem uso, ao 
menos em um primeiro momento, da força. Consequentemente, pressupõe-se um 
processo a ser observado pelo qual as decisões políticas e as normas podem ser tidas 
como legítimas. 
Tradicionalmente, na sociedade internacional, a soberania é o fator 
legitimador. Tida, externamente, como o poder que não se submete a nenhum outro, 
os Estados vinculam-se ao que livremente pactuarem. Contudo, o princípio da 
soberania dos Estados está, gradualmente, sendo mitigado pelos direitos humanos. 
Entende-se, atualmente, que a soberania implica no dever de proteger e concretizar os 
direitos humanos, que ultrapassam os interesses internos dos Estados. Diante da 
ineficácia do Estado, passa a imperar a responsabilidade internacional de proteger. 
O caso da Venezuela voltou os olhares da discussão para a América Latina, 
na medida em que sua entrada no Mercosul não observou os princípios democráticos. 
Ademais, passou a ser o único país do bloco a não aderir CADH, após a denúncia que 
será efetivada ainda este ano. 
A legitimidade exige a observância da soberania tanto quanto aos direitos 
humanos, não apenas quando se referir aos Estados e aos seus indivíduos, mas 
também quando se tratar das relações entre Estados. As decisões internacionais 
devem ser tidas como legítimas ainda quando os direitos humanos não sejam violados 
diretamente. Isso implica na observância dos princípios democráticos pelos Estados, 
inclusive enquanto sujeitos de direito internacional. 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: 
Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994. 
 
BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das 
Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional 
de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da 
Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Coleção de Leis do 
Brasil de 1945. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D19841.htm >. Acesso em: 09 set. 2012. 
 
______. Decreto nº 4.210, de 24 de abril de 2002. Promulga o Protocolo de Ushuaia 
sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile. Publicado no D.O.U. de 
25.4.2002. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4210.htm>. Acesso em: 30 maio 
2013. 
 
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. B32: Convenção 
Americana sobre Direitos Humanos. "PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA". 
Assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, na Conferência 
Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Disponível em: < 
http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>. 
Acesso em: 09 set. 2012. 
 
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS (CoIDH). Opinión 
Consultiva OC-16/99, de 1 de octubre de 1999, solicitada por los Estados Unidos 
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