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KOWARICK, L. - Trabalho e vadiagem

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Kowarick – Trabalho e vadiagem � PAGE \* MERGEFORMAT �4�
KOWARICK, Lúcio
Trabalho e vadiagem – a origem do trabalho livre no Brasil
Introdução, cap.1 e cap. 2.
O regime colonial escravocrata implantado no Brasil, por meio da exploração da terra (extrativismo até aprox. 1540 e depois agricultura tropical de exportação) e com o uso da mão de obra africana escravizada, ocorreu como a face colonial da emergência do capitalismo mercantil na Europa. 
Serviu para dinamizar o comércio mundial, criar acumulação primitiva de capital, prover matéria prima, manter a altamente lucrativa atividade de comércio escravo.
O regime colonial escravocrata ocorreu paralelamente e dentro da mesma dinâmica de transição do feudalismo para o capitalismo, criando no Brasil um sistema estamental de divisão social centrado na dualidade escravo-senhor.
O monopólio da Metrópole sobre a colônia controlava a rígida imobilidade social e econômica do sistema colonial; não permitia a produção de produtos necessários ao consumo da colônia (que eram trazidos da Metrópole); reduzia a colônia ao binômio economia exportadora / economia de subsistência ambas em padrões rudimentares em relação à diversificação ou agregação inovação produtiva. 
Por mais de 300 anos a produção agro-exportadora operou de forma estagnada. Baseou o incremento da produtividade em mais importação de escravos e novas ocupações de terras virgens. Isso se deu até a segunda metade do século XIX, incluindo o comércio interno de escravos (do Nordeste para o Centro-Sul), principalmente após a abolição do comércio escravo (1826) e até 1850. Isso encarecia o valor do escravo como mercadoria.
Enquanto a Europa desenvolvia um mercado interno, uma renovação na estratificação social com o desenvolvimento da burguesia, de uma classe trabalhadora urbana assalariada (e depois operária) e de um campesinato em novas bases de relação entre propriedade/trabalho/produto, a colônia portuguesa foi imobilizada em relação a esses fatores de produção da economia capitalista nascente.
O escravismo é a expressão colonial do capitalismo europeu em expansão.
E o que acontecia na colônia?
Senhor Amleto H.Ferreira-Dutton: “Mas vejamos bem, que será aquilo que chamamos de povo? Seguramente não é essa massa rude, de iletrados, enfermiços, encarquilhados, impaludados, mestiços e negros. A isso não se pode chamar um povo, não era isso o que mostraríamos a um estrangeiro como exemplo do nosso povo. O nosso povo é um de nós, ou seja, um como os próprios europeus. As classes trabalhadoras não podem passar disso, não será jamais povo. Povo é raça, é cultura, é civilização, é afirmação, é nacionalidade, não é o rebotalho dessa mesma nacionalidade.” 
A formação de um mercado livre foi marcada por uma trajetória histórica com coerção e violência e nenhuma condição de formação de uma sociedade civil ou do trabalho livre (base para uma cidadania política) – a base foi a dicotomia escravo-senhor e o trabalho escravo.
Assim a percepção do trabalho para os não escravos - livres ou agregados – sempre foi associada à servidão e humilhação, repressão e violência – uma forma aviltada de existência que era preterida em favor da condição de homem livre: agregado, itinerante ou mesmo indigente (indivíduos de várias origens sociais). 
O trabalho disciplinado, regular e contínuo foi então sempre associado com trabalho escravo.
Os não escravos no Brasil colônia e independente, até pelo menos 1930, não tinham papel central no processo produtivo principal do país, eram acessórios e inúteis, vadios e desclassificados para o trabalho. Os não escravos não eram necessários, eram dispensáveis. A produção colonial não precisava deste contingente humano porque era suprida por escravos. Só se tornaram exército de reserva com a abolição e a introdução do trabalho assalariado.
Os homens livres realizavam tarefas de forma esporádica a pedido dos senhores, para atender à demanda dos senhores por meio de coação ou mesmo atividades “da mão para a boca”
No sec. XIX o contingente de homens livres e libertos formava grande parte da população do país (no final do séc. XVIII dos 3 milhões de habts. a metade era de homens livres ou libertos formada por negros, brancos, índios e mestiços). Com a economia de subsistência irregular e os trabalhos ocasionais havia os seguintes estratos desta população: 
em atividades a serviço do latifúndio estavam os agregados que recebiam um pedaço de terra dentro do latifúndio e estavam sempre disponíveis para o senhor que arbitrariamente poderia expulsá-los, pois a concessão da terra era um favor (clientela) e não uma obrigação (servo feudal).
Em atividades ligadas à produção de mulas (meio de transporte), couro/ tropeiro, carreiro, vendeiro, produtos outros, capinagem da terra e desflorestamento.
 Como forças de segurança a serviço do latifundiário, atividades de serviço diversas a serviço da economia colonial controlada.
Havia os mendigos, vagabundos, vadios, etc.
Entre os homens livres havia muita mobilidade territorial e migração, tendo como conseqüência a não fixação na terra ou não criação de vínculos fortes. A violência era parte integrante da linguagem social e cultural desta população, principalmente no cotidiano e na resolução de conflitos: bravura, ousadia, destemor, violência. Questões de honra não se transformavam em rebeldia ou revolta, mas em violência destituída de razão de ser (resolução de conflitos) e para marcar a não-submissão. O homem livre também era de, diversas formas, aproveitado como “capataz” violento do senhor.
Na fase da exploração do ouro (meados do sec. XVIII), da produção do algodão, açúcar e café a mão de obra escrava sempre foi central, inclusive em São Paulo e no Rio.
Isto formava não somente um sistema de estratificação social excludente e centralizador, mas também uma mentalidade originada nesta ordem social: os senhores desprezavam os homens livres como inúteis e os homens livres desprezavam o trabalho disciplinado como servidão.
A Metrópole se apropriava de grande parte do excedente da economia exportadora; o que ficava na colônia era apenas o suficiente para manter as atividades centradas na economia exportadora (segurança, burocracia civil e militar, administração).
A renda da economia exportadora do açúcar a partir de 1650 começou a sofrer muito a concorrência e a oscilação dos preços no mercado mundial. Assim, produtos de exportação e algodão, mais tarde o café, beneficiavam-se dos períodos favoráveis do comércio – situações consideradas mais transitórias - e eram profundamente afetados pelas crises mundiais – situações consideradas mais estruturais relativa ao modo de inserção da economia colonial no processo de acumulação capitalista.
Como seria possível a formação de uma classe de trabalhadores assalariados originados dessa estratificação social na colônia?
A cultura do café, desde 1830, se baseou no escravo e os cafeicultores foram nas primeiras décadas não-abolicionistas. Com o fim do tráfego e a inevitabilidade da abolição mudaram de posição, mas preferiram a mão de o. imigrante do que a nativa.
O café se impunha como riqueza internacional e o Brasil aproveitou dessa situação: 1825 representava 25% da produção mundial, 40% em 1850 e 57% no fim do séc. 19, representando então 65% do valor total das exportações nacionais.
Diferentemente do açúcar, o período do café correspondeu à independência política, Império e República (sistema de representação e eleições), formação de um mercado interno, industrialização inicial e consolidação do trabalho assalariado em áreas específicas da economia.
Diferentemente do açúcar, a economia do café gerou excedente interno e acumulação de capital e financeira (ainda que o comércio e o financiamento das atividades estivessem nas mãos dos ingleses). Fomentou empresas nacionais, bancos, indústrias, serviços, e a formação de um contingente de trabalhos públicos que iriam ser estruturadosde forma definitiva após 1930 com a organização do aparelho do Estado. Isso trouxe efeitos multiplicadores na economia e a diversificação de atividades produtivas ainda que o país permanecesse essencialmente agro-exportador. 
Mudanças demográficas e populacionais incrementaram o contingente de indivíduos à margem das atividades básicas da economia e que também, por razões históricas, não estavam bem qualificados para as novas exigências do trabalho do sec. XX. As populações escravas ainda persistiram em diversas regiões até a abolição e depois engrossaram o contingente de desocupados – não, foram em sua maioria, absorvidas nem pelas atividades urbanas nem ocuparam um lugar importante no setor rural.
Na economia rural não houve divisão e redistribuição da propriedade: a estrutura deste setor se manteve de forma concentrada e excludente dos contingentes que gravitaram em torno do latifúndio por décadas a seguir. 
Na agricultura do café foram introduzidas inovações técnicas, mão de o. assalariada imigrante, expansão de terras em novas áreas (Vale do Paraíba e depois Oeste Paulista) e gestão capitalista da produção: o cafeicultor quase sempre morava na cidade, procurava diversificar as fontes de renda (ele ou seus familiares), desenvolvia hábitos mais integrados a uma sociedade de elite regional, e acompanhava diretamente a situação do café no âmbito das políticas nacionais e do comércio internacional (não havia mais o monopólio do ente externo – a Metrópole), etc.
A economia do café, em relação à m.de., para Kowarick, não mudou de fato a mentalidade dos novos donos da riqueza em relação às relações sociais de produção: o mando do empregador tratava o trabalhador em condições precárias e de forte subalternidade. Não concebiam o trabalhador como a outra ponta do sistema produtivo, mas como alguém totalmente subordinado devido à percepção do trabalho como algo indigno: mecânico e feito por indivíduos-coisas.
As atividades de serviços, artesãos e outros ofícios também estavam imbuídas de um sentido de desvalorização do trabalho por parte dos artesãos e da sociedade – o artesão sempre teve um significado econômico e social diminuto, imprimindo esta imagem ao próprio trabalho autônomo.

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