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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A Regularização de vazão variabilidade temporal da precipitação e, conseqüentemente, da vazão dos rios freqüentemente origina situações de déficit hídrico, quando a vazão dos rios é inferior à necessária para atender determinado uso. Em outras situações ocorre o contrário, ou seja, há excesso de vazão. A solução encontrada para reduzir a variabilidade temporal da vazão é a regularização através da utilização de um ou mais reservatórios. Os reservatórios têm por objetivo acumular parte das águas disponíveis nos períodos chuvosos para compensar as deficiências nos períodos de estiagem, exercendo um efeito regularizador das vazões naturais. Em geral os reservatórios são formados por meio de barragens implantadas nos cursos d‘água. Suas características físicas, especialmente a capacidade de armazenamento, dependem das características topográficas do vale em que estão inseridos, bem como da altura da barragem. Características dos reservatórios Um reservatório pode ser descrito por seus níveis e volumes característicos: o volume morto; o volume máximo; o volume útil; o nível mínimo operacional; o nível máximo operacional; o nível máximo maximorum. Outras características importantes são as estruturas de saída de água, eclusas para navegação, escadas de peixes, tomadas de água para irrigação ou para abastecimento, e eventuais estruturas de aproveitamento para lazer e recreação. Vertedores Os vertedores são o principal tipo de estrutura de saída de água. Destinam-se a liberar o excesso de água que não pode ser aproveitado para geração de energia elétrica, Capítulo 15 A W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 206 abastecimento ou irrigação. Os vertedores são dimensionados para permitir a passagem de uma cheia rara (alto tempo de retorno) com segurança. Um vertedor pode ser livre ou controlado por comportas. O tipo mais comum de vertedor apresenta um perfil de rampa, para que a água escoe em alta velocidade, e a jusante do vertedor é construída uma estrutura de dissipação de energia, para evitar a erosão excessiva. Nas fotografias da figura abaixo é possível ver o vertedor da barragem de Itaipu em operação. Na outra fotografia o vertedor da barragem Norris, nos EUA, não está operando, o que significa que toda a vazão está passando através das turbinas. Figura 15. 1: As barragens Norris (Clinch River, Tenessee, EUA) e Itaipu (Rio Paraná, Brasil-Paraguai). A vazão de um vertedor livre (não controlado por comportas) é dependente da altura da água sobre a soleira, conforme a Figura 15. 2 e a equação abaixo: 2 3hLCQ ⋅⋅= (15.1) onde Q é a vazão do vertedor (m3.s-1); L é o comprimento da soleira (m); h é a altura da lâmina de água sobre a soleira (m); e C é um coeficiente com valores entre 1,4 e 1,8. É importante destacar que a vazão tem uma relação não linear com o nível da água. 207 Figura 15. 2: Vertedor de soleira livre. Figura 15. 3: Curva de vazão do vertedor da usina Corumbá III nas situações de comportas completamente ou parcialmente abertas. Descarregadores de fundo Descarregadores de fundo podem ser utilizados como estruturas de saída de água de reservatórios, especialmente para atender usos da água existentes a jusante. Para estimar a vazão de um descarregador de fundo pode ser utilizada uma equação de vazão de um orifício, apresentada abaixo: hg2ACQ ⋅⋅⋅⋅= (15.2) W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 208 onde A é a área da seção transversal do orifício (m2); g é a aceleração da gravidade (m.s- 2); h é a altura da água desde a superfície até o centro do orifício (m) e C é um coeficiente empírico com valor próximo a 0,6. Da mesma forma que a vazão do vertedor, a vazão de um orifício tem uma relação não linear com o nível da água. Curva cota – área - volume A relação entre nível da água, área da superfície inundada e volume armazenado de um reservatório é importante para o seu dimensionamento e para a sua operação. O volume armazenado em diferentes níveis define a capacidade de regularização do reservatório, enquanto a área da superfície está relacionada diretamente à perda de água por evaporação. A Tabela 15. 1 apresenta a relação cota – área – volume do reservatório da usina Corumbá IV, construída recentemente no rio Corumbá, no Estado de Goiás. Devido às características topográficas da área inundada, a relação entre cota e área não é, em geral, linear. Da mesma forma, a relação entre cota e volume também não é linear. Tabela 15. 1: Relação cota – área – volume do reservatório Corumbá IV, em Goiás. Cota (m) Área (km2) Volume (hm³) 772,00 0,00 0,00 775,00 0,94 0,94 780,00 2,39 8,97 785,00 4,71 26,40 790,00 8,15 58,16 795,00 12,84 110,19 800,00 19,88 191,30 805,00 29,70 314,39 810,00 43,58 496,50 815,00 58,01 749,62 820,00 74,23 1.079,39 825,00 92,29 1.494,88 830,00 113,89 2.009,38 835,00 139,59 2.642,00 840,00 164,59 3.401,09 845,00 191,44 4.289,81 Volume morto e nível mínimo operacional O Volume Morto é a parcela de volume do reservatório que não está disponível para uso. Corresponde ao volume de água no reservatório quando o nível é igual ao mínimo operacional. Abaixo deste nível as tomadas de água para as turbinas de uma usina hidrelétrica não funcionam, seja porque começam a engolir ar além de água, o que I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 209 provoca cavitação nas turbinas (diminuindo sua vida útil), ou porque o controle de vazão e pressão sobre a turbina começa a ficar muito instável. O tamanho do volume morto é definido no projeto da barragem e do reservatório, mas pode ser alterado com o tempo em função do assoreamento. Em reservatórios de abastecimento de água o volume morto é o que se encontra abaixo da tomada de água de bombeamento. Volume máximo e nível máximo operacional O nível máximo operacional corresponde à cota máxima permitida para operações normais no reservatório. Níveis superiores ao nível máximo operacional podem ocorrer em situações extraordinárias, mas comprometem a segurança da barragem. Geralmente o nível máximo operacional concide com o nível da crista do vertedor ou com o limite superior de capacidade das comportas do vertedor. O nível máximo operacional define o volume máximo do reservatório. Volume útil A diferença entre o volume máximo de um reservatório e o volume morto é o volume útil, ou seja, a parcela do volume que pode ser efetivamente utilizada para regularização de vazão. Nível máximo maximorum Durante eventos de cheia excepcionais admite-se que o nível da água no reservatório supere o nível máximo operacional por um curto período de tempo. A barragem e suas estruturas de saída (vertedor) são dimensionados para uma cheia com tempo de retorno alto, normalmente 10 mil anos no caso de barragens médias e grandes, e na hipótese de ocorrer uma cheia igual à utilizada no dimensionamento das estruturas de saída o nível máximo atingido é o nível máximo maximorum. Nível meta Na operação normal de um reservatório costumam ser utilizadas referências de nível de água que devem ser seguidas para atingir certos objetivos de geração energia e de segurança da barragem. O nível meta é tal que se o nível da água é superior ao nível meta, deve ser aumentada o vertimento de vazão, para reduzir o nível da água no reservatório, que deverá retornar ao nível meta. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 210 Curva guia A curva guia é semelhante ao nível meta, porém indica um nível da água no reservatório variável ao longo do ano, que serve de base para a tomada de decisão na operação. Uma curva guiapode indicar, por exemplo, o limite entre o uso normal da água, quando o nível da água está acima do nível indicado pela curva guia, e o racionamento, quando o nível da água está abaixo da curva guia. Volume de espera O volume de espera, ou volume para controle de cheias, corresponde à parcela do volume útil destinada ao amortecimento das cheias. O volume de espera é variável ao longo do ano e é definido pelo volume do reservatório entre o nível da água máximo operacional e o nível meta. Se um reservatório tem o uso exclusivo para controle de cheias, então o volume de espera é maximizado, podendo ser igual ao volume total, ou igual ao volume útil. Se um reservatório tem múltiplos usos, há um conflito entre a utilização para controle de cheias e os outros usos. A geração de energia elétrica é particularmente conflitante com o controle de cheias porque a criação do volume de espera reduz o volume disponível para regularizar a vazão, o que reduz a vazão que pode ser regularizada, afetando a potência, ou energia firme. Além disso, a operação com um volume de espera, e com nível meta inferior ao nível máximo operacional, reduz a diferença de altura (queda), que está diretamente relacionada à potência da usina. Cota da crista do barramento A cota da crista do barramento é definida a partir do nível da água máximo maximorum somado a uma sobrelevação denominada borda livre (free board) cujo objetivo é impedir que ondas formadas pelo vento ultrapassem a crista da barragem. A figura a seguir apresenta um esquema com os diferentes níveis e volumes que caracterizam um reservatório. Balanço hídrico de reservatórios A equação de continuidade aplicada a um reservatório é dada por: I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 211 QI t S −= ∂ ∂ (15.3) onde S é o volume (m3); t é o tempo (s); I é a vazão afluente (m3.s-1) e Q é a vazão de saída do reservatório (m3.s-1), incluindo perdas por evaporação, retiradas para abastecimento, vazão turbinada e vertida. Esta equação pode ser reescrita em intervalos discretos como: QI t SS ttt −= −+ ∆ ∆ (15.4) onde I e Q representam valores médios da vazão afluente e defluente do reservatório ao longo do intervalo de tempo ∆t. Considerando uma variação linear de I e Q ao longo de ∆t, a equação pode ser reescrita como: 2 QQ 2 II t SS ttttttttt ∆∆∆ ∆ +++ + − + = − (15.5) onde It ; It+∆t ; Qt ; Qt+∆t são os valores no início e no final do intervalo de tempo. Esta equação é utilizada quando o intervalo de tempo é relativamente pequeno (1 dia ou menos), especialmente no caso de análise de propagação de cheias em reservatórios. Quando o intervalo de tempo é longo (um mês, por exemplo) a equação é simplificada para: saídasentradasSS ttt −+=+∆ (15.6) onde as saídas representam todo o volume retirado do reservatório ao longo do intervalo de tempo, e as entradas representam todo o volume afluente ao longo do intervalo de tempo. Esta equação pode ser utilizada para dimensionamento e análise de operação de um reservatório. Dimensionamento de um reservatório O dimensionamento de um reservatório pode ser realizado com base na equação: saídasentradasSS ttt −+=+∆ W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 212 sujeita às restrições 0 < St+∆t < Vmax; onde Vmax é o volume útil do reservatório. Neste caso as entradas são as vazões afluentes estimadas para o local em que se deseja construir o reservatório e as saídas são incluem a demanda de água e as perdas. Se o problema é dimensionar um reservatório com o volume necessário para regularizar uma vazão D, os passos são: a) Faça uma estimativa inicial do valor de Vmax b) Aplique a equação abaixo para cada mês do período de dados de vazão disponível (é desejável que a série tenha várias décadas). As perdas por evaporação (E) variam com o mês e podem ser estimadas por dados de tanque classe A. A demanda D pode variar com a época do ano. A vazão vertida Qt é diferente de zero apenas quando a equação indica que o volume máximo será superado. ttttttt QEDISS −−−+=+∆ c) Em um mês qualquer, se St+∆t for menor que zero, a demanda Dt deve ser reduzida até que St+∆t seja igual a zero, e é computada uma falha de antendimento. d) Calcule a probabilidade de falha dividindo o número de meses com falha pelo número total de meses. Se esta probabilidade for considerada inaceitável, aumente o valor do volume máximo Vmax e reinicie o processo. Algumas hipóteses são feitas neste tipo de simulação: 1) o reservatório está inicialmente cheio; 2) as vazões observadas no passado são representativas do que irá acontecer no futuro. E X E M P L O 1) Um reservatório com volume útil de 500 hectômetros cúbicos (milhões de m3) pode garantir uma vazão regularizada de 55 m3.s-1, considerando a seqüência de vazões de entrada da tabela abaixo? Considere o reservatório inicialmente cheio, a evaporação nula e que cada mês tem 2,592 milhões de segundos. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 213 mês Vazão (m3/s) jan 60 fev 20 mar 10 abr 5 mai 12 jun 13 jul 24 ago 58 set 90 out 102 nov 120 dez 78 A solução é obtida montando a tabela que resulta da aplicação sucessiva da equação ttttttt QEDISS −−−+=+∆ com It dado pela tabela acima; Et igual a zero e Qt igual a zero, exceto quando é necessário verter. A demanda de 55 m3.s-1 é igual a 143 hm3 por mês. No primeiro mês observa-se que sobra água. No segundo mês a demanda é maior do que a vazão de entrada e o volume no reservatório começa a diminuir. O volume no início do terceiro mês é dado por 40914352500S tt =−+=+∆ e assim por diante. No início do mês de julho o volume calculado é negativo, o que rompe a restrição, portanto o reservatório não é capaz de regularizar a vazão de 55 m3.s-1. Mês S (hm3) I (hm3) D (hm3) Q (hm3) Jan 500 156 143 13 Fev 500 52 143 0 Mar 409 26 143 0 Abr 293 13 143 0 Mai 163 31 143 0 Jun 52 34 143 0 Jul -57 62 143 0 Em uma planilha de cálculo ou uma calculadora científica é fácil repetir o cálculo até que o volume atenda a vazão regularizada desejada. Da mesma forma é fácil determinar em uma planilha eletrônica qual é a maior vazão que pode ser regularizada com um dado volume de reservatório. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 214 Teoricamente, a máxima vazão que pode ser regularizada é a vazão média do rio no local em que está a barragem. Este valor máximo é impossível de ser atingido porque a criação do reservatório aumenta a perda de água por evaporação. Figura 15. 4: Relação entre o volume do reservatório e a vazão regularizada em uma bacia cuja vazão média é 25,4 m3.s-1, sem considerar a evaporação do reservatório. Reservatórios de usinas hidrelétricas No Brasil existem centenas de reservatórios construídos para a geração de energia elétrica. Dependendo do volume do reservatório as usinas hidrelétricas podem ser: centrais a fio d’água; centrais com reservatório de acumulação ou centrais reversíveis. Usinas hidrelétricas com reservatórios cujo volume é pequeno em relação à vazão afluente, são denominadas usinas a fio d’água, porque a energia que podem gerar depende diretamente da vazão do rio. A regularização de vazão proporcionada por reservatórios de usinas a fio d’água é desprezível. Nestes casos a barragem é construída para aumentar a diferença de nível da água (queda) entre a tomada de água e a turbina. Esta situação é típica das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Uma usina com reservatório de acumulação dispõe de um reservatório de tamanho suficiente para acumular água na época das cheias para uso na época de estiageme, I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 215 portanto, pode dispor de uma vazão substancialmente maior do que a vazão mínima natural. Uma usina reversível é utilizada para gerar energia durante o período em que ocorre o pico da demanda no sistema elétrico, utilizando água previamente bombeada para um reservatório temporário, aproveitando o excesso de oferta de energia nos períodos que não coincidem com o pico de demanda. A potência gerada em uma usina hidrelétrica depende da vazão, da queda líquida e da eficiência da conversão de energia potencial em elétrica, de acordo com a equação a seguir: eHQgP ⋅⋅⋅⋅= ρ (15.7) onde P é a potência em Watts; g é a aceleração da gravidade (9,81 m.s-2); Q é a vazão (m3.s-1); H é a diferença de nível da água entre a tomada de água da turbina e no início do canal de fuga, a jusante da turbina; e é a eficiência de conversão de energia potencial hidráulica em energia elétrica (valores da ordem de 0,80); e r é a massa específica da água (1000 Kg.m-3). Quanto à potência as centrais hidrelétricas podem ser classificadas em: • Micro – Potência inferior a 100 kW • Mini – Potência entre 100 e 1000 kW • Pequenas - Potência entre 1000 e 10000 ou 20000 kW • Médias – Potência entre 10 e 100 MW • Grandes – Potência maior do que 100 MW Quanto à altura de queda da água (H) as centrais hidrelétricas podem ser classificadas em: • Baixíssima queda – H < 10 m • Baixa queda – 10 < H < 50 m • Média queda – 50 < H < 250 m • Alta queda – H > 250 m W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 216 Impactos ambientais de reservatórios No passado considerava-se que a geração hidrelétrica era uma forma de produção de eletricidade com mínimos impactos ambientais. Atualmente, essa visão tem sido questionada, embora em diversos aspectos os impactos ambientais são relativamente pequenos em relação às formas alternativas normalmente utilizadas: usinas térmicas a carvão ou nucleares. Apesar destes impactos, a população muitas vezes vê com bons olhos a construção de uma usina hidrelétrica na área de seu município. Isto ocorre porque existe uma compensação financeira obrigatória, em que parte dos rendimentos auferidos na geração de energia elétrica são pagos ao município, de acordo com o tamanho da área inundada e com a potência da usina. Entre os impactos ambientais importantes das usinas hidrelétricas encontram-se impactos sociais; impactos sobre a flora e a fauna do local inundado; impactos sobre a fauna do rio a jusante; impactos sobre o sistema de transportes; impactos sobre a geração de gases de efeito estufa. Impactos sociais Os impactos sociais mais evidentes da implantação de uma usina hidrelétrica decorrem da remoção das pessoas que habitam a área inundada pelo reservatório. Os impactos deste tipo iniciam mesmo antes da construção da obra em si, já que a perspectiva da inundação futura reprime ou não incentiva o investimento no local. Esta situação pode se estender por vários anos, em função de indefinições sobre a construção ou não da obra. Durante este período as localidades sujeitas a inundação experimentam um estado de estagnação. Finalmente, quando a obra inicia e a inundação da área habitada passa a ser certa, surgem dúvidas e discussões sobre o valor da indenização. Embora o valor comercial da terra possa ser estimado de forma razoável, o apego dos habitantes à terra também é devido a um valor afetivo, por questões históricas, que é intangível, ou seja, dificilmente quantificável. Nesta situação é comum o surgimento de especulações e de confrontos de cunho político. Entre os impactos sociais também podem ser incluídos impactos culturais, como a perda, provavelmente para sempre, de sítios arqueológicos, ou eventualmente de lugares sagrados para culturas indígenas. Durante a construção ocorrem alguns impactos sociais positivos, devido ao aumento de oferta de emprego, e o aumento de consumo local, em função do grande número de trabalhadores. Após a conclusão da obra, porém, surge um impacto negativo porque muitos trabalhadores perdem seus empregos mas não deixam imediatamente o local. Impactos sobre a fauna e a flora do local inundado Os impactos sobre a flora e a fauna do local inundado por um reservatório são os que ganham maior atenção da mídia. Isto ocorre porque durante o primeiro enchimento do I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 217 reservatório a área seca vai se tornando restrita e os animais ficam concentrados em pequenas ilhas. Campanhas de resgate de fauna são organizadas em que os animais são capturados e levados para um novo habitat, após um período de adaptação. A sua sobrevivência neste novo hábitat é incerta, uma vez que o espaço provavelmente já está ocupado por outros indivíduos da mesma espécie, e os recursos dos quais a espécie depende são limitados. A vegetação inundada não apenas é extinta, como também pode provocar sérios problemas de qualidade de água no lago, durante a sua decomposição. Isto ocorre porque o oxigênio dissolvido (OD) na água é consumido durante o processo de decomposição, e a concentração de OD é reduzida para níveis inferiores ao limite para a sobrevivência dos peixes. Assim, o processo de enchimento pode resultar numa grande mortandade de peixes e outras espécies aquáticas ou que dependem dos peixes para sobreviver, como as aves. Impactos sobre a fauna e a flora do rio a jusante Os impactos da criação de um reservatório sobre a área inundada são fáceis de perceber, e têm sido, há muitos anos, considerados na análise de viabilidade de um empreendimento. Os impactos no rio a jusante começaram a ser reconhecidos a menos tempo, e surgiram a partir da constatação de que a presença de certas espécies de peixes, por exemplo, diminuía após alguns anos da existência do reservatório. Os impactos no rio a jusante decorrem, entre outras causas, do obstáculo imposto pela barragem à migração dos peixes, o que pode ser apenas parcialmente contornado pela construção de uma escada de peixes. Mais importante que isto é a alteração do regime hidrológico (sucessão de cheias e estiagens), que modifica o habitat do rio a jusante. Grandes reservatórios modificam, também, o fluxo de sedimentos e de nutrientes de um rio. O melhor exemplo disso no Brasil ocorre no rio São Francisco, onde a construção de uma série de usinas hidrelétricas, especialmente a de Sobradinho, com um enorme reservatório, interrompeu o fluxo de sedimentos que ficam depositados no reservatório e não atingem mais a foz. Em função disso, o equilíbrio entre a erosão marinha na costa e o aporte de areia pelo rio foi alterado, resultando num recuo de centenas de metros da linha da praia. Uma pequena vila de pescadores já foi destruída e o processo não parece estar estabilizado ainda. Os nutrientes básicos que mantém a cadeia alimentar na água são o nitrogênio e o fósforo. Estes nutrientes estão dissolvidos na ou adsorvidos aos sedimentos, e são retidos, em grande parte, nos grandes reservatórios. Em conseqüência disso, menos nutrientes chegam até a região do estuário deste rio, o que limita o desenvolvimento do fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar. Em conseqüência disso, a população que vivia da pesca artesanal junto à foz do rio não mais consegue sobreviver desta atividade. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S 218 Tempo de residência e eutrofização Reservatórios que recebem água com alta concentração de nutrientes podem passar por um processo denominado eutrofização. A eutrofização é a situação em que um lago ou reservatório recebe nutrientes em quantidade excessiva. Nesta situação o crescimento de algas e plantas flutuantes é acelerado, resultando num aumento da turbidez da água. A alta concentraçãode plantas e algas pode afetar os níveis de oxigênio, o que pode afetar os peixes. Em reservatórios mais profundos, os restos de plantas no fundo do lago podem consumir oxigênio durante sua decomposição, resultando em baixíssimos níveis de oxigênio nas áreas mais profundas. A possibilidade de um reservatório sofrer ficar ou não eutrofizado depende do aporte de nutrientes, da disponibilidade de luz solar na coluna d’água, e do tempo de residência da água no reservatório. O tempo de residência é definido como a relação entre o volume total do reservatório e a vazão afluente. Q VTr = (15.8) onde V é o volume máximo do reservatório (m3); Q é a vazão afluente (m3.s-1)e Tr é o tempo de residência (s). Normalmente a vazão utilizada no cálculo do tempo de residência é a vazão média de longo prazo, mas pode ser utilizada também a vazão média do período de cheia ou do período de estiagem. Exercícios 1) Qual é a perda de energia na usina de Sobradinho devida à evaporação direta do lago? Considere que a altura de queda H = 27,2 m; a eficiência e = 0,90; e que uma evaporação de 10 mm por dia ocorre sobre a área da superfície do lago, que corresponde a 4200 km2. 2) Um reservatório com volume útil de 500 hectômetros cúbicos (milhões de m3) pode garantir uma vazão regularizada de 25 m3.s-1, considerando a seqüência de vazões de entrada da tabela abaixo? Considere o reservatório inicialmente cheio, a evaporação constante de 200 mm por mês, área superficial e que cada mês tem 2,592 milhões de segundos. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 219 Mês Vazão (m3/s) Jan 55 Fev 27 mar 10 abr 5 mai 12 jun 13 jul 24 ago 51 set 78 Out 102 Nov 128 Dez 73 3) Um reservatório com volume útil de 150 hectômetros cúbicos é suficiente para regularizar a vazão de 28 m3.s-1 num rio que apresenta a seqüência de vazões da tabela abaixo para um determinado período crítico? Considere o reservatório inicialmente cheio, 200 km2 de área superficial constante e que cada mês tem 2,592 milhões de segundos. Os dados de evaporação de tanque classe A são dados na tabela (veja capítulo 5). Mês jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Vazão (m3/s) 98 45 32 27 24 20 19 18 17 14 78 130 Evaporação tanque classe A (mm/mês) 100 110 120 130 140 135 130 120 110 105 100 100 4) Qual é o tempo de residência do reservatório do exercício anterior?
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