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1 Marketing Estratégico MARKETING ESTRATÉGICO GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS 1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS Núcleo de Educação a Distância Filosofia, Ética e Direitos Humanos SCHUCK, Prof.º Me.José Fernando Foz do Iguaçu - PR 2014. 59.p Graduação - EaD CDU: 179.1 NEAD – Núcleo de Educação a Distância Av. Bartolomeu de Gusmão, 1324 - Centro – CEP: 85.852-130 Foz do Iguaçu – Paraná / ead.udc.br / 3574-6900 2 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS APRESENTAÇÃO Prezado (a) Acadêmico (a), Bem-vindo(a) à Graduação na modalidade a distância, ofertado pelo Centro Universitário Dinâmica das Cataratas – UDC. Sabemos que o seu percurso de aprendizagem necessita ser acompanhado e orientado, para que você obtenha sucesso nos estudos e construa um conhecimento relevante à sua formação profissional e acadêmica. Preparamos este material didático, possibilitando, assim, guiá-lo no autoestudo da disciplina e na realização das atividades. Além disso, você conta com o ambiente virtual de aprendizagem como espaço de estudo e de participação ativa no curso. Nele você encontra as orientações para realizar atividades e avaliações on-line, além de recursos que vão enriquecer a proposta deste material didático, tais como links para sites da Internet, vídeos gravados pelo professor e outros por ele sugeridos, textos, animações, ilustrações, dentre outras mídias. Lembre-se, no entanto, de que você deve se organizar para criar sua própria autonomia de estudo. Isso inclui o planejamento do seu tempo de dedicação ao estudo individual e de participação colaborativa no ambiente virtual. Este material é o seu livro-texto e apoio importante no percurso de aprendizagem! Bom estudo! Direção UDC On-line 3 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 1 UNIDADE III – ÉTICA E CIDADANIA ......................................................................... 4 3.1 O QUE É ÉTICA .................................................................................................... 4 3.2 CONCEPÇÕES ÉTICAS ....................................................................................... 8 3.3 A ÉTICA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL .................................................... 12 3.4 A CIDADANIA ..................................................................................................... 15 3.5 CIDADANIA: A JUSTIÇA, OS VALORES E AS LEIS .......................................... 17 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 22 4 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS UNIDADE III – ÉTICA E CIDADANIA “Fragilidade da vida”, por Alexandre Schuck 3.1 O QUE É ÉTICA Levar vantagem em tudo; satisfação e realização pessoal a qualquer preço; buscar saber de nossos direitos e reivindicá-los sem em contrapartida cumprir com deveres; ser esperto para não ficar para trás; competitividade x responsabilidade social... Estes jargões e situações estão presentes em nosso dia a dia e nos levam a refletir sobre questões éticas. Ouvimos muito: “esta pessoa ou aquela empresa não tem ética”, o que isto significa? Afinal, o que é ética? Geralmente quando se diz que “tal pessoa não tem ética” entendemos que de alguma forma a pessoa em questão não segue os valores e costumes 5 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS comumente aceitos na prática social, ou seja, ela não respeita aquilo que nossa sociedade determinou como sendo correto. Mas o que de fato pode ocorrer é que esta pessoa não respeita os limites determinados socialmente por não acreditar na eficácia deles ou por não visualizar qualquer benefício em respeitá-los. Os valores existem, eles são socialmente construídos, e podem – mas nem sempre é o que efetivamente ocorre – direcionar nosso modo de agir e garantir que nossas ações sejam benéficas para o convívio social. Os valores, porém, não são os mesmos desde sempre, sua construção é contínua, eles são frequentemente modificados ou necessitam de constante reafirmação para não perderem sua função e sentido. Alguns valores simplesmente caem em desuso ou desaparecem. Em nosso tempo este processo se dá de forma muito rápida. Uma nova realidade desafia constantemente nossa capacidade de adaptação a novas situações e valores. Experimentamos um processo de transformação tão voraz que parece diluir todo e qualquer valor na lógica imediatista do mercado. Tudo se vende tudo se compra as coisas, e o próprio ser humano, viram simplesmente “mercadorias”. É justamente por vivermos numa sociedade que experimenta uma profunda crise de valores que as reflexões sobre ética se fazem urgentes. A sustentabilidade de uma sociedade depende do seu código de valores, ou seja, depende de suas relações éticas. A ética é precisamente a reflexão sobre os valores que fundamentam nossas ações, sobre o que posso ou não posso fazer, devo ou não devo fazer. Falar em ética é falar em escolhas e responsabilidade. Se há um destino já traçado, fica difícil falar em ética, pois se as coisas estão determinadas elas independem de nossas escolhas. Se não há espaço para exercermos alguma escolha sobre o curso dos acontecimentos e sobre o curso de nossas próprias vidas, então não temos responsabilidade nem culpa sobre aquilo que ocorre. A ética pressupõe uma capacidade humana de escolher, de determinar em alguma medida as ações que constroem nossa realidade. A ética é muitas vezes confundida com a moral. A moral é um conjunto de práticas, costumes e normas assumidos culturalmente por uma sociedade. São as normas sociais praticadas pelos indivíduos e grupos em uma sociedade. Estas normas nem sempre podem ser sustentadas eticamente, ou seja, elas são praticadas sem necessariamente oferecer uma fundamentação racional. Já a ética 6 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS são os princípios, os conceitos que dão sustentação às escolhas morais. A ética diz respeito às reflexões sobre os costumes e práticas morais. Muitos filósofos tentaram estabelecer uma “receita” ética universal, o que significa estabelecer um conjunto de valores e condutas, ou mesmo um mecanismo que possa direcionar de modo claro e imperativo todo agir considerado moralmente correto, porém, isso nunca se mostrou viável na prática. As práticas mudam conforme a época e a conveniência e, neste processo, os padrões de valores são alterados. Não houve nenhuma concepção considerada como modelo ético que não tenha sido historicamente construída e que não tenha sido de alguma forma alterada com as mudanças culturais e sociais. Muitos desses valores foram estabelecidos de acordo com crenças e preceitos religiosos. Se lançarmos um olhar genealógico sobre a origem de nossos valores, veremos que grande parte deles surgiu ou foi alterada de acordo com as mudanças no âmbitoreligioso. Se examinarmos as bases de nossos princípios éticos, verificaremos que nossa prática moral se sustenta numa postura de parcialidade. Dispensamos um tratamento diferenciado aos que estimamos; respeitamos aqueles que temos por “iguais” ou “superiores”. Tudo que nos é mais próximo passa a ser merecedor de maior estima, merece um tratamento mais atento e cuidadoso. Esta capacidade empática é praticamente uma tendência natural, pois parece sempre mais fácil agir moralmente na relação com os indivíduos e grupos com os quais nos identificamos de alguma forma. Gostamos de acreditar em princípios, nos sentimos seguros com esta crença. Esperamos, principalmente, que os outros observem tais princípios. Usamos a máscara da moralidade porque ela passa confiança aos que se relacionam conosco. Estaremos condenados a uma imoralidade que tentamos continuamente disfarçar com nosso discurso ético? Talvez por trás de nossas ações mais veladas se esconda um fundo de imoralidade, talvez seja realmente o interesse que sustenta muitas de nossas condutas morais. Isso é capaz de anular qualquer reflexão ou postura ética? Não é o caso, pois necessitamos, para a própria construção e manutenção das relações sociais, de parâmetros de ação que permitam estabelecer relações de confiança. Os valores prezados por indivíduos e grupos constituem o amálgama capaz de unir qualquer sociedade. 7 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Sem o estabelecimento de valores e limites, e sua consequente manutenção, não há sociedade que subsista. Portanto, mesmo que os valores sejam criados visando certas finalidades e interesses, são convenções necessárias que permitem o convívio social. O mais importante é manter o diálogo aberto, questionar os valores, tomar posição, estabelecer parâmetros para a ação, guiar-se pela baliza de limites que possam contribuir para o bem da vida em sociedade, e também para o bem da própria “comunidade da vida” (a natureza e seus ecossistemas) que tem sido tão afetada pela falta de cuidado com o planeta. Sobre a origem da ética e da postura moral, o filósofo inglês John Gray faz considerações bastante interessantes. Leia e reflita sobre o texto complementar abaixo: Pode ser que Sócrates não fosse o racionalista inquiridor que Platão o fez ser. Ele pode ter sido um sofista divertido que via a filosofia como um esporte, um jogo que ninguém leva a sério – e muito menos ele. No entanto, sob a influência de Sócrates, a ética deixou de ser a arte de viver bem num mundo perigoso – como tinha sido em Homero. Tornou-se a busca de um bem maior que nada pode destruir um valor excepcionalmente potente que derrota todos os outros e protege da tragédia os que vivem de acordo com ele. No mundo grego onde eram cantados os cantos de Homero, tornava- se como pressuposto que a vida de todo mundo era governada pelo destino e pelo acaso. Para Homero, a vida humana é uma sucessão de contingências: todas as coisas boas são vulneráveis à fortuna. Sócrates não podia aceitar essa visão trágica arcaica. Ele acreditava que a virtude e a felicidade eram uma e mesma coisa: nada pode causar dano a um homem realmente bom. Então ele reimaginou o bom para torná-lo indestrutível. Além dos bens da vida humana – saúde, beleza, prazer, amizade, a vida mesma –, havia um Bem que ultrapassava todos os outros. Em Platão, isso se tornou a ideia de Forma do Bem, a fusão mística de todos os valores num todo espiritual harmonioso – uma ideia mais tarde absorvida na concepção cristã de Deus. Mas veio de Sócrates a ideia de que a ética está preocupada com um tipo de valor além da contingência; que pode de algum modo, prevalecer sobre qualquer tipo de perda ou infortúnio. Foi ele quem inventou a “moralidade”. Pensamos a moralidade como um conjunto de leis ou regras a que todos têm de obedecer e como um tipo especial de valor que tem precedência sobre todos os outros. A moralidade consiste nesses preconceitos que herdamos parcialmente do cristianismo e parcialmente da filosofia grega clássica. No mundo de Homero, há havia moralidade. É certo que havia ideias de certo e errado. Mas não havia nenhuma ideia de um conjunto de regras que todos devem seguir, ou de um tipo especial, superpotente, de valor que superava todos os outros. A ética tratava de virtudes como coragem e sabedoria; mas mesmo o mais bravo e mais sábio dos homens experimenta a derrota ou ruína. Preferimos basear nossas vidas – em público, pelo menos – na presunção de que a “moralidade” vence 8 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS no final. No entanto não acreditamos nisso realmente. No fundo, sabemos que nada pode nos tornar à prova do destino e do acaso. Nisso, estamos mais próximos dos gregos arcaicos, pré-socráticos, do que da filosofia grega clássica. (GRAY, John. Cachorros de palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2007, pp. 122 – 123). John Gray: Filósofo inglês contemporâneo que tem escrito textos com análises críticas sobre a condição do homem na atualidade, envolvendo aspectos biológicos, socioculturais, políticos e morais, além de refletir sobre como a globalização e a tecnologia têm afetado as sociedades. Vídeo: Ética e a vida que “vale a pena ser vivida”: Parte 1:http://www.youtube.com/watch?v=D8_NICu4mq0 Parte 2:http://www.youtube.com/watch?v=LQhv8QGMY0M 3.2 CONCEPÇÕES ÉTICAS A ética é um modo de reflexão surgido na Grécia no século V a. C. Os gregos, ao refletirem sobre o destino e sobre a capacidade humana de mudar o curso dos acontecimentos, iniciam a reflexão de caráter ético; reflexão que avalia o modo de agir e as consequências advindas das escolhas que fazemos. Para os gregos a ética também está relacionada ao agir virtuoso, neste sentido, quase todas as concepções éticas a partir de Sócrates – considerado “pai da ética” – elogiam o agir racional e avaliam mal o agir pelas paixões (impulsos e desejos). O homem ético seria aquele que conhece o bem e age de acordo com ele, atuando de forma justa e equilibrada. Esta perspectiva está de acordo com as abordagens éticas de Sócrates, Platão e Aristóteles. Após o período grego clássico, que constituiu o período entre o século VII e V a.C., em que os gregos alcançaram grande desenvolvimento artístico, intelectual e político, os hedonistas (do grego hedoné, “prazer”), também chamados de epicuristas, pois seguia a filosofia do filósofo grego Epicuro, identificaram o agir virtuoso como aquele que produz prazer e evita a dor. Sobre esta concepção ética, Maria Lúcia de Arruda Aranha faz um paralelo com a atualidade: 9 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Em sentido bem genérico, podemos dizer que a civilização contemporânea é hedonista por identificar a felicidade com a aquisição de bens de consumo: ter uma bela casa, carro, muitas roupas, boa comida, múltiplas experiências sexuais. E, também, pela incapacidade de tolerar qualquer desconforto, seja uma simples dor de cabeça ou o enfrentamento sereno das doenças e da morte (ARANHA, Maria L. A. Temas de filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2001). Já na Idade Média as perspectivas éticas estavam subordinadas às determinações cristãs católicas. Neste período, era considerado ético, o homem “temente a Deus”. Somente na modernidade a ética buscou novamente afastar-se da religião num processo que a tornou mais secularizada. Com o iluminismo há uma ênfase na autonomia do indivíduo que, através dapretendida autonomia da racionalidade, pode conduzir seu agir moral visando à realização de ideais éticos. Immanuel Kant (século XVIII), filósofo alemão de influência iluminista, tentou elaborar um modelo ético de validade universal. Para Kant, somente a razão pode servir de instrumento indicativo para o agir moral. A própria razão seria capaz de revelar a necessidade de um agir ético imperativo, ou seja, a razão é capaz de conhecer e impor a necessidade de uma conduta moral determinada. Ele afirma que deveríamos agir de tal maneira que o modelo de nossa ação pudesse ser considerado um padrão universal de conduta, deste modo, deveríamos sempre agir como gostaríamos que todos agissem. Este modo de determinar a ação ética é um pouco formal e abstrato, mas Kant confia que somente assim poderíamos alcançar uma universalidade ética mediada pela razão. No século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche realizou uma crítica radical à pretensão de universalidade moral. Para Nietzsche, os valores são todos originários do próprio homem, não são leis naturais nem reveladas por uma divindade. Para o filósofo, os valores cristãos se perpetuaram no íntimo da cultura ocidental tornando a existência humana culpada e doentia, já que trazem a ideia de 10 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS pecado e assumem a vida terrena como um estado decaído que adquire significado somente como meio de preparação para uma vida após a morte. Para restaurar ou criar valores que afirmem a existência terrena é preciso resgatar as forças vitais e instintivas que foram subjugadas por uma razão moralizante que, desde Sócrates e da perpetuação dos valores cristãos, tem impedido os homens de viverem plenamente as possibilidades terrenas. Sobre a posição de Nietzsche em relação aos valores morais, Scarlett Marton observa: A noção nietzschiana de valor opera uma subversão crítica: ela põe de imediato a questão do valor dos valores e esta, ao ser colocado, levanta a pergunta pela criação dos valores. Se até agora não se pôs em causa o valor dos valores ‘bem’ e ‘mal’, é porque se supôs que existiram desde sempre; instituídos num além, encontravam legitimidade num mundo supras sensível. No entanto, uma vez questionados, revelam-se apenas ‘humanos, demasiado humanos’; em algum momento e em algum lugar, simplesmente foram criados. (MARTON, Scarlett. Nietzsche, a transvaloração dos valores. São Paulo: Moderna, 2006, p. 43). Para analisar o valor de nossa moral, Nietzsche vai opor dois universos espirituais: o dos senhores e o dos escravos. Nossa moral tem sido de escravos. Desejamos um ideal de convivência sem conflitos, em que se pensa que viveremos em felicidade. Queremos viver em paz como num rebanho. O escravo é ressentido: o mundo o faz sofrer, alimenta esperanças numa vida futura sem luta nem sofrimento. Sempre existiu outra perspectiva moral, outro modo de encarar a existência, esta é a moral dos “senhores”, que ele acredita redescobrir analisando a vida grega antes da “decadência” platônica. Era uma vida que não fugia ao conflito. Segundo Nietzsche, um grego do bom período, não conhecia felicidade sem luta nem vitória. Sua vida era uma expressão da vontade de potência. A afirmação de si substituía as virtudes cristãs. O homem devia buscar realizar a sua potência através da afirmação e não da negação de sua vontade. No início do século XX, Sigmund Freud levanta a hipótese de que o inconsciente encobre toda uma vida de impulsos e desejos que influenciam 11 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS decisivamente em nossas escolhas morais. Esses impulsos estão na base do modo de se conduzir no mundo. Freud entende que o id (instância pulsional) é pressionado pelas determinações do superego (regras e padrões sociais) de tal forma que provocam desequilíbrio no homem. São o id e o superego, e não o ego (a racionalidade), a possuírem maior peso em nossas escolhas. O corpo e os desejos, por meio do inconsciente, atuam sobre nossa capacidade decisória de modo a não permitir que nos conduzamos por meio de uma “pura racionalidade”. Segundo Freud, o sujeito concreto não pode viver de forma equilibrada se reprimir constantemente seus impulsos, a repressão constante do agir espontâneo pode produzir formas doentias de comportamento. Entender, aceitar, recusar conscientemente ou sublimar, são meios indicados por Freud para lidar com os impulsos de forma saudável. Na segunda metade do século XX, o filósofo alemão Jürgen Habermas propôs um modelo ético inspirado na proposta iluminista de Kant. Para Habermas, a ética deve ser erigida através de um processo de diálogo contínuo. Kant baseava suas determinações morais em uma razão reflexiva em que o indivíduo decide sozinho, por meio da reflexão, o que deve ser considerado uma ação ideal. Habermas propõe uma ética que vai além da reflexão solitária, pois defende que é preciso expor os nossos valores éticos ao diálogo, à interação com os outros indivíduos. Nisto, ou convenço o outro de minha posição ou me deixo convencer. Para Habermas a ética do discurso se baseia na capacidade racional de apresentar e debater valores e de se chegar a um consenso por meio do diálogo. É uma ética processual, pois pode, a todo o momento, ser repensada e alterada se isso se fizer necessário. A esta proposta ética Habermas dá o nome de ética do discurso. Karl-OtthoApel, um filósofo que acompanha Habermas na perspectiva da ética do discurso distingue três esferas éticas diferentes: a microesfera, que trata de estabelecer valores em esferas menores, como a família, a empresa, ou uma sala de aula; a mesosfera, que trata de questões um pouco mais amplas, como as que dizem respeito às leis de um país, por exemplo; e a microesfera que se refere a um âmbito de discussão em que estão situadas questões de interesse global como, por exemplo, a destruição ambiental, a ameaça nuclear e os direitos humanos. Em um mundo globalizado e dinâmico, fica cada vez mais urgente a necessidade de estabelecer valores que permitam uma relação respeitosa entre 12 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS diferentes realidades e culturas. Sobre isso, Apel observa: “A civilização técnico- científica confrontou todos os povos, raças e culturas, sem consideração de suas tradições morais grupalmente específicas e culturalmente relativas, com uma problemática ética comum a todos. Pela primeira vez, na história da espécie humana, os homens foram praticamente colocados ante a tarefa de assumir a responsabilidade solidária pelos efeitos de suas ações em medida planetária”. A questão é: como estabelecer relações humanas confiáveis e ecologicamente responsáveis enquanto a lógica de mercado se impõe com seu consumismo e devastação dos recursos naturais para transformá-los em mercadorias? Evitar o colapso ambiental e humano depende diretamente de nossa capacidade de estabelecer novos valores que não mais considerem a vida como simples mercadoria. 3.3 A ÉTICA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL Um dos mais importantes dilemas éticos atuais está relacionado a uma polarização esmagadora em torno da noção de valor econômico. No mundo capitalista há o risco de todas as demais considerações de valor acabar sucumbindo à lógica de mercado. Neste sentido, quando o econômico se torna absoluto, a prática moral torna-se prisioneira dos fins estabelecidos pelo mercado. Segundo esta lógica, a única posição louvávelé daquele que atinge um patamar econômico elevado: pessoas bem-sucedidas são aquelas que ganham muito dinheiro; empresas “vencedoras” são as que obtêm grande lucratividade. Outros meios de avaliação sobre o sucesso ou o fracasso pessoal ou coletivo são desconsiderados tais como: a satisfação pessoal e coletiva; o orgulho por algo bem feito; as vivências enriquecedoras que não geram lucro; e as trajetórias, por mais significativas que sejam, acabam sendo desprezadas se não conduzirem ao patamar de elevadas cifras monetárias. Em um mundo capitalista competitivo, o estabelecimento de um padrão único de sucesso atrelado à realização econômica somente pode produzir uma sociedade de indivíduos que, por não valorizarem outras conquistas e vivências, acabam por cair em frustração. Quantas pessoas já não tiveram saudade de uma 13 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS situação em que não tinham tanto dinheiro, mas que ainda assim, tiveram vivências satisfatórias? Quantos não trabalham em empresas “líderes de mercado” ganhando salários elevados sem, contudo, estarem satisfeitos com seu modo de vida? A maior riqueza provavelmente não está relacionada ao processo de acúmulo monetário, mas ancorada numa vivência diversificada de experiências e realizações que podem enriquecer como seres humanos e, ao mesmo tempo, acrescentar algo significativo à coletividade da qual fazemos parte. Existem outras implicações éticas importantes em tempos de dominação capitalista. O capitalismo enquanto estado de livre competição por bens materiais nos coloca diante de alguns dilemas morais: Não haveria quase que uma contradição entre a busca por lucratividade e uma postura ética e virtuosa? Ou seja, se a maximização da lucratividade constitui a meta central, a preocupação com uma condução ética das relações e negócios não prejudicaria esta lucratividade impedindo a maximização de lucros? O capitalismo como forma de livre competição não incentiva o egoísmo e o desinteresse por aqueles que não contribuem de alguma forma para nossa obtenção de lucro? Há como manter o valor da pessoa humana, ou da própria vida em geral, num ambiente em que os valores mais apreciados estão relacionados a bens materiais? Em relação a estas questões, João Mattar, em Filosofia e Ética na Administração, observa o seguinte: Um sistema que assume a competição e a maximização de lucros como seus fundamentos básicos, e não coloca como seu fundamento básico a alimentação decente de sua população, não merece credibilidade. É claro que um país capitalista pode ser bem- sucedido em fornecer saúde, educação e alimentação em níveis mínimos de decência para sua população, como o são muitos, mas isso não significa que o fundamento teórico desse movimento seja ético, mesmo porque outros países também capitalistas não conseguem atingir esse mínimo de decência. (MATTAR, João. Filosofia e Ética na Administração, 2010, p. 315). Em meio a este dilema, encontra-se profissionais da área administrativa, pressionado a maximizar lucros e, ao mesmo tempo, cobrado socialmente por uma postura ética condizente com padrões morais elevados. Observamos, infelizmente, que profissionais que não buscam a lucratividade a todo custo, e que mantêm uma 14 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS postura ética não hipócrita, acabam tendo algumas desvantagens num mercado tão competitivo. Cabe observar, porém, que se o critério de sucesso não ficar simplesmente restrito à realização econômica, podemos ter profissionais mais completos, que assumem um comportamento ético por acreditarem que a lucratividade a qualquer preço tem um custo que não vale a pena ser pago: o custo da dignidade. Profissionais assim se destacam por sua capacidade de agregar atitudes e vivências positivas. Os colaboradores que convivem com tais profissionais, sentem-se valorizados como pessoas. Cria-se um círculo virtuoso de satisfação que beneficia o próprio administrador, a equipe, os clientes e a comunidade na qual estão inseridos. A primeira grande responsabilidade social das empresas começa com o cuidado dispensado a seus colaboradores. Uma empresa socialmente responsável preocupa-se primeiramente com o bem-estar e a dignidade daqueles que compõe seu quadro funcional. Além de afetarem significativamente a vida daqueles que compõem os quadros da empresa, qualquer tomada de decisão e qualquer nível de atuação da empresa acaba por gerar efeitos em indivíduos, grupos sociais e na própria natureza. Difícil é determinar a medida exata do impacto gerado por uma empresa na vida das pessoas. Num mundo globalizado, por exemplo, uma empresa que gera empregos na China pode gerar desemprego em outras partes do mundo. Por isso, numa dimensão global, fica difícil medir os efeitos causados pela atuação de cada empresa, o que não as isenta de sua responsabilidade social e moral pelas consequências causadas por seu modo de atuação no mundo. As empresas assumem culturas que se perpetuam. Algumas desenvolvem códigos de ética internos e também determinam qual seu papel e sua missão. Mas são, principalmente, os comportamentos assumidos e a importância que dedica a determinadas questões que demonstram claramente os valores que norteiam a empresa. O compromisso com seu público interno e externo tem de ser real e efetivo. Não há como mascarar o tempo inteiro uma responsabilidade social que de fato não existe. Um compromisso social que aparece somente em campanhas publicitárias já denuncia a falta de compromisso ético de uma empresa. A responsabilidade social inicia com a coerência entre discurso e ação, com respeito ao público interno e externo, ao meio ambiente, e com uma atuação responsável na comunidade. 15 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS 3.4 A CIDADANIA O conceito de cidadão, do qual provém o termo cidadania, é originário da Grécia Antiga. Naquele contexto ser cidadão representava uma conquista, era um título que proporcionava o acesso à participação política, significava também ser portador de direitos e deveres. O cidadão participava das decisões públicas e políticas, tinha um papel fundamental no desenvolvimento social e, pode-se dizer que o destino da cidade (polis) dependia totalmente da participação dos cidadãos que decidiam e atuavam politicamente. É bom observar que em Atenas, berço da democracia, apenas uma parcela da população era portadora da cidadania, para tal, era necessário ser homem, livre, proprietário de terras e ter nascido em Atenas. A cidadania estava restrita ao espaço geográfico da cidade, ao se afastar dela o cidadão ficava privado de seus direitos políticos. Com o fim da democracia grega o conceito de cidadão como participante ativo da vida pública ficou prejudicado. Do período que vai da antiguidade grega até a modernidade, a participação nas questões públicas foi sempre restrita, e a população, durante vários séculos, esteve submetida à vontade de grupos oligárquicos, imperadores, senhores feudais e reis que ocupavam o poder político quase sempre de forma absoluta. A preocupação com a cidadania e participação política tornou-se importante tema de reflexão somente a partir dos filósofos contratualistas. Segundo os contratualistas, os cidadãos podem ser vistos como pessoas que se associam para defender o direito à vida, à liberdade e à propriedade; são membros racionais de um Estado e representam os interesses individuais e também da classe a que pertencem;estes direitos só se tornam concretos se houver a participação efetiva dos cidadãos. Vídeo: Cidadania http://www.youtube.com/watch?v=JAvnKzqDsc4 Cidadania e participação política: A cidadania diz respeito à forma como nos posicionamos e agimos perante o poder político e os outros cidadãos. A partir da retomada dos ideais democráticos na modernidade torna-se cada vez maior o 16 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS espaço de atuação do cidadão, isto é o que verifica, principalmente nos discursos políticos e nas constituições modernas. É preciso lembrar que, sem os governados, não haveria governo, só há poder político porque homens e mulheres concretos, os cidadãos, reconhecem ou se submetem ao poder instituído. Num ambiente democrático espera-se que haja participação efetiva dos cidadãos nas decisões e ações públicas e não apenas uma submissão cega aos poderes instituídos por meio do voto. Os regimes democráticos são os que mais garantem direitos e também os que mais exigem participação política dos cidadãos. Trata-se de um regime político nascido na Grécia Antiga e que se desenvolveu até predominar no Ocidente. As democracias atuais não são diretas como a grega, mas representativas. A democracia institui a autoridade através de eleições, o voto parece ser o único meio de participação democrática mais efetiva. Assim, a maioria dos cidadãos se ocupa com o debate e participação política apenas em época de eleições. A democracia representativa moderna não realiza os ideais de participação política plena tais como os gregos antigos propuseram, pois, os representantes eleitos não costumam manter um canal de acesso ao eleitor que permita à população participar efetivamente de suas decisões. A grande maioria dos cidadãos não costuma cobrar uma participação mais eficaz dos representantes eleitos. Consultas populares e prestação de contas não são uma constante. A vida dos seres humanos e a espera social possuem duas dimensões: a esfera privada – em que são indivíduos com interesses e necessidades particulares – e a esfera pública – em que são cidadãos, eleitores, profissionais, membros de instituições com interesses comuns a um grupo ou a um povo. Os interesses públicos e privados nem sempre são conciliáveis, e grande parte dos problemas sociais e políticos são decorrentes desta tensão ou falta de delimitação entre o público e o privado. Infelizmente observamos constantemente indivíduos e grupos que fazem uso dos órgãos e espaços públicos como se estes fossem privados, adquirindo vantagens para si e para o grupo a que pertencem. Estes desmandos do poder e das instituições públicas não ocorrem apenas de forma ilegal por meio da corrupção, há vários casos em que os interesses privados tiram vantagens que estão amparadas em lei, como por exemplo, as aposentadorias especiais, as gratificações 17 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS generosas e o tratamento diferenciado perante a lei para pessoas que ocupam funções públicas. Podemos designar tais fatos como uma espécie de “corrupção legal”, pois se ampara na legalidade para obter vantagens e privilégios. O interesse pelas questões públicas, o que constitui a própria ideia de cidadania, tem sido relegado o segundo plano. Tratamos cada vez mais de cuidar de nossos interesses privados buscando algum benefício pessoal imediatista sem uma preocupação real com um futuro mais promissor para a coletividade. Não confiamos mais em nossos representantes e líderes, fator que abala a esperança em uma transformação social alicerçada em ações políticas significativas. Atuar em conjunto e visando o bem da coletividade parece cada vez mais um ideal utópico num mundo em que o individualismo e suas demandas ocupam a ordem do dia. Com relação a esta temática, a filósofa Hannah Arendt apontou para o problema, bastante evidente na cultura atual, de falta de interesse pela ação política, o que põe em risco e compromete a liberdade humana. A vida humana passa a ser apenas uma busca pela sobrevivência, em uma cultura de consumo e desperdício. A questão do exercício da cidadania deve impor-se como prioridade em uma sociedade que se pretende justa e participativa. Hannah Arendt: Filósofa alemã do século XX defendia um conceito de pluralismo político, ou seja, a possibilidade de uma liberdade e igualdade política estendida aos mais diversos segmentos sociais. 3.5 CIDADANIA: A JUSTIÇA, OS VALORES E AS LEIS Uma prática cidadã implica a busca de realização de um mundo mais justo. Independente de como conceituamos o termo “justiça”, esperamos que de alguma forma ela venha a tornar-se efetiva. Para Aristóteles, a justiça diz respeito à obediência às leis da polis e ao bom relacionamento com os cidadãos. Aristóteles formulou a teoria da justiça da “equidade”. A noção de equidade permite adaptar a justiça aos casos particulares. A justiça equitativa permite dar a cada um o que lhe é devido, levando-se em consideração: seus dotes naturais, sua dignidade, as funções que desempenha e o 18 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS grau hierárquico que ocupa na sociedade. Através desta noção aristotélica de equidade, é possível uma justificação da desigualdade, já que os desiguais não recebem o mesmo tratamento por terem méritos diferentes. De certa forma é esta receita de justiça distributiva que na prática tem ocorrido. Mas isto, que se perpetuou na prática, seria a justiça que os cidadãos entendem como ideal? Para os que se acreditam merecedores de um tratamento diferenciado este modelo será defendido com “unhas e dentes”. Outro filósofo, Arthur Schopenhauer, entendia que a noção de justiça deriva da noção de injustiça, ou seja, costumamos chamar de justiça: ou a reparação de uma injustiça cometida ou o impedimento de que uma injustiça ocorra, não havendo assim qualquer ato de justiça que não seja precedido por uma ideia ou prática de injustiça. Para Schopenhauer, vários indivíduos coexistem, e devido ao egoísmo existente em cada um, a vontade ultrapassa os limites de sua afirmação até negar a própria vontade manifestada por outro indivíduo. Schopenhauer diz: A vontade do primeiro irrompe no domínio em que se afirma a vontade de outro: ela destrói ou fere o corpo do outro, ou reduz forças desse corpo ao seu próprio serviço [...]. Esta invasão no domínio onde a vontade é afirmada por outrem é conhecida sob o nome de injustiça. [...] A injustiça manifesta-se ainda em todo o ato que tem como efeito submeter outrem ao nosso jugo, reduzi-lo à escravatura, em toda usurpação dos bens de outro [...] (SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, § 62, 2001). Em geral, a injustiça ocorre por duas formas: pela violência ou pela astúcia. “Prejudicar um homem é obrigá-lo a servir já não a sua própria vontade, mas a minha, a agir segundo o meu querer e não o seu” (idem). Se uso a violência, é com a força que chego aos meus fins; se uso astúcia, faço uso de minha razão e inteligência para apresentar à vontade dos outros motivos ilusórios (mentiras), de tal modo que no momento em que ele pensa seguir a sua própria vontade, ele segue a minha. Se tomarmos o critério de Schopenhauer, a injustiça é o que existe primariamente e só podemos entender a justiça como meio de estabelecer limites entre uma vontade individual e a vontade de outro(s) indivíduo(s). Para Schopenhauer, se a fraude, a impostura, a falcatrua inspira tamanhodesprezo, é porque os homens acreditam que franqueza e lealdade permitem a continuidade do vínculo social entre os cidadãos. 19 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Quem gostaria de permanecer convivendo com pessoas em quem não pode confiar? É o respeito pelo outro, e a boa-fé nas relações, que podem manter os vínculos sociais entre os cidadãos, sem práticas leais a sociedade não subsiste, desmorona. As relações baseadas no respeito mútuo e nas ações equilibradas não podem ser pautadas apenas no que dizem as leis. Temos inúmeros exemplos ao longo da história de que nem sempre o que consta em lei pode ser considerado como prática justa. A lei concede privilégios e proporciona brechas para ações que racionalmente não se sustentam. Afirmar que a justiça se estabelece por meio da lei é uma falácia. A lei petrifica o juízo, ela impõe e, ao fazê-lo de forma imperativa, imobiliza a capacidade do homem de ponderar sobre o que é bom ou ruim, ou entre o que é benéfico ou maléfico para si e para os outros. A lei imobiliza o senso moral e mobiliza facilmente, pelo medo, ao cumprimento cego dos deveres. Henry Thoreau, em A desobediência civil afirma: “A lei jamais tornou os homens sequer um pouco mais justos. O respeito reverente pela lei tem levado até mesmo os bem-intencionados a agir quotidianamente como mensageiros da injustiça”. Henry Thoureau: Pensador e ativista americano do século XIX defendia uma vida mais simples em proximidade com a natureza. Também defendia a desobediência civil como forma de oposição legítima frente a um estado injusto. Atentos aos nossos direitos e acessando os mecanismos da “justiça oficial”, podemos angariar as mais diversas vantagens com o aval das normas estabelecidas em lei e, ao fazê-lo, somos levados a acreditar que agimos de forma justa pelo simples fato de estarmos amparados na lei. Assim, cada nova causa e cada novo processo podem trazer consigo, de forma explícita ou velada, intenções maliciosas de tirar o máximo proveito, até o limite do código de leis. A lei não ensina os homens a desenvolverem um senso de justiça, apenas os condiciona dentro de certos limites. Uma vez que o mecanismo coercitivo e punitivo da lei não se faz presente, aquele que se via restringido por tal mecanismo impeditivo, vê-se livre para poder adquirir vantagens que antes o castigo iminente impedia. É o risco de ser pego, e não o princípio oculto por trás da norma, que impede muitos indivíduos de cometerem delitos. 20 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS A lei não ensina a decidir pelo justo, apenas nos condiciona a fazê-lo. Na ausência de fatores condicionantes, muitos percebem um caminho livre para a realização de delitos, pois o único impedimento era o mecanismo punitivo e não um senso moral fundamentado em valores. A lei, mais do que um mecanismo constitutivo de um projeto de construção da justiça, funciona como um dispositivo paliativo para a incapacidade de erigir valores que, por si só, sejam capazes de orientar nossas ações. Ela sempre tem conduzido os homens pela coação e pelo medo. É mais um remédio do que um tônico social. A lei pode suplantar facilmente sentimentos e valores morais, pois ela petrifica o exercício reflexivo que avalia nossas relações com a coletividade. Munidos de uma obstinada busca por interesses individuais, própria de nosso tempo, fazemos o possível para usufruir das benesses da lei. Neste estado de coisas, o dano ao outro e à coletividade acaba sendo apenas um efeito colateral e não um limitador a ser considerado. Valores vêm sendo progressivamente diluídos pelo avanço maciço da lógica de mercado que faz “tudo ter um preço”. Sobre isso, o filósofo Immanuel Kant observa que nem tudo é negociável, assim como nem tudo deve valer como mercadoria: “Tudo tem ou bem um preço, ou bem uma dignidade. Podemos substituir o que tem um preço por seu equivalente; em contrapartida, o que não tem preço e, pois, não tem equivalente é o que possui uma dignidade”. Aquilo que tem preço pode ser trocado, vendido, negociado, já aquilo que é maior de idade valor, não tem preço, portanto não tem equivalente e não pode ser negociado. Na lógica de mercado, contudo, o sujeito crítico (aquele que avalia e valora) perdeu seu espaço. Nesta lógica os valores perdem sua significância a tal ponto de serem facilmente negociáveis. Assim, na medida em que a lei permite, negocio qualquer coisa: meu tempo, minha energia, meu corpo, minhas ideias, meus conhecimentos, meus ideais e valores. E o faço com a regulamentação da lei. A própria lei está alinhada com a lógica de mercado, ela se dobra diante do poder econômico. Os tribunais frequentemente demonstram que as vantagens da lei são maiores na medida em que se pode pagar por elas. É certo que para muitos a lei não é a única referência do que é justo e para outros tantos os valores que prezam ainda estão acima da lógica de mercado. Mas 21 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS numa sociedade em que tudo é consumível e em que ao mesmo tempo se auto consome, a luta pela edificação de valores para além das leis e do mercado passou a ser uma luta quase heroica por uma causa aparentemente perdida. Mas são estas as causas que mais merecem o nosso respeito. 22 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS REFERÊNCIAS ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia - Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando – Introdução à Filosofia. 3ª Edição. São Paulo: Ed. Moderna, 2003. ______. Maria Helena P. Temas de Filosofia. 2ª Edição. São Paulo: Editora Moderna, 2001. ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 201 – 203, 8 ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. BRUM, José Thomaz. O pessimismo e suas vontades – Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 Ed. São Paulo: Ed. Ática, 1997. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia – Romance da história da filosofia. Trad. João Azenha Jr. São Paulo: Cia das Letras, 2000. GALLO, Silvio. Ética e cidadania. São Paulo, Papirus, 2002. GIACÓIA Jr. Oswaldo. 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