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Caçadores da lenda perdida
Durante séculos, o mito das guerreiras amazonas foi alimentado por
aventureiros estrangeiros. Embora nunca comprovado, mantém-se vivo até
hoje.
Johnni Langer
7/7/2008
Uma caveira de cristal supostamente encontrada por Francisco de Orellana (1490-1550), durante
a primeira navegação completa do rio Amazonas, desde os Andes ao Oceano Atlântico, em 1542,
é o tesouro a ser salvo por Indiana Jones (Harrison Ford), no quarto e mais recente filme da
série. Num roteiro com altas doses de fantasia, o arqueólogo se depara com diversos e
surpreendentes perigos. Mas em nenhum momento cruza com a mais impactante lenda
propagada pelo aventureiro espanhol: a das amazonas, mulheres guerreiras.
Já na época dos descobrimentos, elas surgiam em ilustrações majestosas da cartografia
européia, como um símbolo do Novo Mundo. Mas sua fama remontava à Antigüidade. Para os
gregos, caracterizavam-se pelo costume de extraírem um seio para melhor manejar o arco
(a-mazôn = mulheres sem seios), e eram bárbaras que desconheciam as leis da cidade.
Em terras tropicais, essas figuras incorporaram elementos das civilizações andinas, como os
incas. Da expedição de Orellana veio a descrição de uma cidade de pedra habitada por mulheres
guerreiras com imensos templos dedicados ao sol e repletos de ídolos de ouro e prata. O relato
foi escrito pelo padre dominicano Gaspar de Carvajal (1504-1584), que integrava o grupo e
indicou como localização dessa jóia perdida a foz do rio Jamundá, próximo ao rio Negro.
Segundo ele, aquelas mulheres eram muito altas e brancas, e tinham longos cabelos. Andavam
nuas, portando apenas arcos e flechas. Dominavam uma vasta região, cobrando tributos dos
indígenas. Suas comunidades eram habitadas apenas por mulheres, que não se casavam.
Periodicamente, engravidavam de índios capturados das aldeias vizinhas. Somente as filhas
permaneciam entre elas.
Uma forte tradição oral reforçaria o mito. Em 1745, o naturalista francês La Condamine
(1701-1774), protagonista de uma expedição de nove anos à América do Sul, defende a
existência remota de uma república de mulheres nas terras do rio Negro, denominadas de
Comapuíras pelos indígenas. Sua crônica da viagem, publicada nas “Memórias da Academia de
Ciências”, se baseia em relatos locais e narra o caso de um soldado francês que teria avistado
pedras verdes — os muiraquitãs — no pescoço de índias da terra das “mulheres sem maridos”.
Esse vestígio material era o que faltava para legitimar a tese, num tempo em que a ciência se
apoiava muito em provas concretas. Diante de tantas evidências, o imaginário das amazonas
estava mais forte do que nunca. Afinal, os conquistadores coloniais podiam até ser imaginosos,
mas como sustentariam uma história desprovida de qualquer sentido?
Essa pergunta ainda ecoava em pleno século XIX, quando vigorava na Europa a imagem
primordial da Amazônia como floresta dos mistérios e perigos, com residentes igualmente
fascinantes. O espaço amazônico tornou-se a grande vitrine naturalista para o mundo ocidental,
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fornecendo peças biológicas, antropológicas e arqueológicas para o olhar admirado do Velho
Mundo. O exotismo também contribuía para causas políticas, como as pretensões imperialistas
de integrar as regiões ditas “primitivas” à civilização.
No Brasil, o mito das amazonas era visto com desconfiança. Fundado em 1838, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) desde o início se dedicou ao tema. Para os especialistas,
Orellana teria apenas avistado mulheres de um grupo indígena do qual os homens
encontravam-se momentaneamente ausentes — e daquela visão criado suas especulações
equivocadas.
Mas nos anos 1840 uma nova descoberta reavivaria o mistério. Embrenhando-se na floresta
amazônica, o explorador Francis de La Porte (1810-1880), conhecido como Conde de Castelnau,
acreditou ter encontrado uma importante prova da existência da mítica sociedade. Depois de
passar quatro anos percorrendo o interior do Brasil, entre 1843 e 1847, o aventureiro francês
achou, na região de Barra do Rio Negro (atual Manaus), uma estátua de pedra, que logo foi
enviada para a França e exposta no museu do Louvre, junto com outros objetos coletados.
Apesar de muito raros (atualmente não se conhecem mais de 50 exemplares), outros ídolos e
estatuetas de pedra seriam encontrados na região amazônica, sobretudo a partir de 1870.
Atribuídos, hoje, à cultura pré-cabralina denominada de Santarém, representam figuras de
homens e animais. Mas na época de Castelnau foram vistos como indícios reais da civilização das
amazonas! O explorador estava certo de que o artefato não provinha de sociedades consideradas
primitivas. Para explicar sua origem, recorreu ao sedutor mito da sociedade de mulheres
guerreiras, em declaração ao jornal parisiense L’Illustration.
Enquanto a peça estava exposta no Louvre, o historiador Antonio Baena, do IHGB, descartou as
conclusões de Castelnau, que comparou a um trabalho de ficção, e chegou a defender que o
Brasil não devia mais ser visitado por cientistas estrangeiros. Segundo Baena, a estatueta tinha
na verdade a forma de um macaco, e teria sido realizada no final do século XVIII, por um
pedreiro chamado Jacintho Almeida. Tratava-se, portanto, de um objeto de origem histórica
recente, que recebeu um caráter arqueológico fantasioso.
Não à toa, Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), também historiador e então diretor da
seção de Arqueologia do IHGB, escreveria pouco tempo depois um pequeno livro chamado A
estátua amazônica: uma comédia arqueológica. Inspirada no teatro de Martins Pena,
principalmente pela crítica irônica ao modismo francês que reinava no meio erudito da época, a
comédia brinca com o imaginário arqueológico do século XIX. Nela, os sábios europeus são
descritos como verdadeiros dementes, presos a concepções absurdas e pré-concebidas e sem
qualquer entendimento da realidade brasileira. Ao interpretar as origens da estátua amazônica,
os personagens expõem as teorias mais mirabolantes sobre o passado do país, sugerindo sua
ligação com fenícios, egípcios e cartagineses. O protagonista da história, conde Sarcophagin, é
uma paródia clara de Castelnau, sendo apresentado como um visionário apto a conceber valores
inexistentes a todo vestígio pré-histórico americano. No ato final da comédia, os personagens
recebem um exemplar da Revista do IHGB, e descobrem que a estátua não passava de uma
falsificação. Com isso, revela-se o vazio e o exotismo infundado das suposições arqueológicas.
Apesar da crítica, não era tão grande a distância que separava Araújo Porto Alegre do
aventureiro Castelnau. Eles compartilhavam do mesmo imaginário sobre o nosso passado. Assim
como outros membros do IHGB, Araújo Porto Alegre acreditava na existência de antigas
civilizações perdidas na Amazônia. Achados arqueológicos na região já eram bastante
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conhecidos. O marechal Cunha Matos, um dos fundadores do IHGB, mencionara a existência de
figuras em rochedos do rio Negro e tribos indígenas que conservavam vestígios supostamente
fenícios. Mas os estudiosos brasileiros temiam embarcar em versões enganosas. Embora a
princípio incentivasse pesquisas para desvendar aqueles mistérios ancestrais, o IHGB passou a se
tornar cético diante da fragilidade das interpretações que vinham a público.
“Descobertas” como a de Castelnau eram vistas como grande piada, e até mesmo as ruínas da
cidade perdida da Bahia (um suposto antigo povoado romano, descoberto por bandeirantes em
1754), intensamente buscadas nos anos 1840, foram encaradas a partir de então como uma
quimera a ser esquecida. Mas um pedido irrecusável obrigou os intelectuais a reconsiderar a
hipótese das amazonas:o próprio imperador D. Pedro II, homem culto e afeito às ciências,
sugeriu aos sócios do IHGB que sua existência fosse investigada. Encarregado de examinar o
caso, o poeta e indianista Gonçalves Dias levou menos de dois meses para elaborar uma erudita
tese com 70 páginas dedicada ao assunto e publicada na Revista do IHGB em 1855.
Para o escritor, pouco importava o momento histórico em que haviam sido produzidas: eram
todas narrativas totalmente fantasiosas, criadas para despertar a curiosidade alheia e estimular
a busca de riquezas nos desconhecidos trópicos. O grande problema era rebater os relatos orais
recolhidos desde La Condamine. Gonçalves Dias não chegou a uma resposta definitiva: não sabia
se eles eram uma invenção dos indígenas ou dos europeus. Preferiu mostrar ao leitor as possíveis
contradições de uma sociedade formada só por mulheres. Com dados demográficos, tentou
comprovar que a taxa de nascimentos seria muito baixa, o que ocasionaria a extinção de
qualquer grupo desse tipo. Sua derradeira conclusão foi de que não houve verdadeiras amazonas
nem no Velho Mundo e nem nas Américas. A lenda das intrépidas mulheres parecia
definitivamente enterrada. Mas só ficaria assim até a próxima intriga arqueológica...
Já no século XX, durante pesquisas no Mato Grosso, uma equipe norte-americana encontrou
dezenas de gravuras pré-históricas em forma de triângulos invertidos com um corte transversal,
um tradicional símbolo da mulher e da fertilidade. No mesmo local, os investigadores se
depararam com narrativas orais dos índios wasúsus sobre mulheres guerreiras, que teriam sido as
ancestrais de sua tribo. O resultado da investigação foi publicado na revista National Geographic
de janeiro de 1979. No artigo, o pesquisador Jesco Puttkamer afirma acreditar que aquela região
originou o mito nas Américas. A interpretação da descoberta não teve muito repercussão.
Mais recentemente, o antropólogo Luiz Mott sugeriu que as mulheres avistadas pela expedição
de Francisco de Orellana não eram senão as çacoaiambaeguira, guerreiras tupinambás que
lutavam ao lado dos homens.
Nada disso parece fazer diferença. Mesmo sem qualquer traço de veracidade histórica, as
amazonas são presenças marcantes no imaginário sobre o nosso passado. Quem sabe, antes de se
aposentar, Indiana Jones ainda possa travar com elas um memorável encontro?
Johnni Langer é professor de história da Universidade Federal do Maranhão e autor do livro As
cidades imaginárias do Brasil (Curitiba: Secretaria de Cultura do Paraná, 1997).
Saiba Mais - Bibliografia:
MOTT, Luiz. “As amazonas: um mito e algumas hipóteses”. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). 
América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, pp. 33-57.
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CARVAJAL, Gaspar de. Relatório do novo descobrimento do famoso rio grande descoberto pelo
capitão Francisco Orellana. Rio de Janeiro: Scritta, 1992.
BUARQUE DE HOLLANDA, Sérgio. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MAGASICH-AIROLA, Jorgge & DE BEER, Jean-Marc. América Mágica. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.
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