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Vida e Obra de Maria Montessori

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Vida e Obra de Maria Montessori 
 
"O Método de Montessori" (excertos) 
 
 
"MARIA MONTESSORI nasceu em 31 de Março de 1870, em 
Chiaravalle, de uma família conhecida pelo seu fervor religioso; feitos 
os estudos elementares, entrou na Universidade, matriculando-se na 
Faculdade de Medicina; a resolução causou estranheza porque até aí 
nenhuma mulher ousara cursar a Faculdade: considerava-se, em toda a 
Itália, que não eram trabalhos a que se pudessem dedicar as mulheres, 
sobretudo as que tinham amor de Deus e das coisas sagradas; Maria 
Montessori arrostou com todas as oposições, venceu uma a uma as 
resistências, impôs-se pelo seu gosto do estudo; respeitavam-na os 
mestres e os condiscípulos, todos que a conheciam foram louvando a sua 
inteligência e a sua coragem; havia nela um desejo de ver claramente os 
problemas, uma ânsia de servir a humanidade, um poder de iniciativa 
que lhe preparavam uma carreira brilhante. 
 
Em 1896, alcançou o diploma de doutoramento e começou a ver-se 
como uma curiosidade a primeira médica italiana; ela, no entanto, só 
pensava em preparar-se melhor, em entrar na sua vida profissional 
armada, como um bom cavaleiro, de boas armas; interessavam-lhe 
sobretudo as doenças do sistema nervoso e concorreu ao internato da 
clínica de psiquiatria; a pouco e pouco foi-se especializando: as crianças 
desequilibradas atraíram-lhe a atenção e a piedade, encontrava-as em 
grande número num hospital de doidos onde ia escolher os seus doentes; 
toda a sua alma se confrangia ante os pobres seres que um duro destino 
aniquilara e ante os quais a medicina pouco podia; uma imensa piedade 
a invadia e a cada passo lhe lembravam as palavras de Jesus sobre os 
pequeninos; também ela estava certa de que o reino de Deus se não 
poderia construir sem a ajuda da criança. 
 
O seu interesse pelos anormais levara-a ao conhecimento dos trabalhos 
de Ittard que, no tempo da Revolução Francesa, tivera de educar um 
idiota de oito anos conhecido pelo Selvagem de Aveyron e que, pela 
primeira vez, praticara uma observação metódica do aluno, construindo 
depois sobre ela o seu método de educação; de Ittard passou a 
Montessori a Edouard Séguin, professor e médico, que fizera durante 
dez anos experiências pedagógicas com pequenos internados numa casa 
de saúde e montara a primeira escola para anormais; leu atentamente o 
seu livro Hygiene et éducation des idiots et autres enfants arriérés 
(1846), seguiu-se-lhe o trabalho feito na América para onde emigrara e 
onde tinha fundado escolas de atrasados e anormais; em Nova Iorque, 
publicara outro livro, Idiocy and his treatment by physiological method 
(1866), em que dava o essencial do método. 
 
Séguin insistia sobretudo na necessidade de uma observação cuidadosa 
do aluno; nada devia ser feito que pudesse representar uma violência às 
suas possibilidades psíquicas, o mestre não devia ser um modelador mas 
um espírito atento, pronto a aproveitar, fornecendo-lhe pontos de apoio 
para que se exercesse, todo o mais leve sintoma de um despertar 
psicológico; como o homem que ajuda o atleta no salto, tratava-se de 
amparar, não de forçar; o mestre devia, portanto, ter uma preparação 
científica cuidada e um perfeito domínio de si próprio; ao mesmo tempo, 
Séguin fornecia-lhe um material que construíra depois de anos de 
experiência e que lhe parecia ser o mais adaptado aos interesses 
espontâneos do anormal; o esperar aparecia no método de Séguin como 
a primeira grande qualidade do professor de anormais; a segunda, era a 
de saber aproveitar as oportunidades, que são quase sempre únicas, de 
fixar e desenvolver as débeis iniciativas internas do aluno. 
 
Em 1898, num congresso em Turim, defendeu a Montessori a tese de 
que os deficientes e anormais precisavam muito menos da medicina do 
que dum bom método pedagógico; não se punha, evidentemente, de 
parte tudo o que fosse tratamento do sistema nervoso, reconstituintes e 
tónicos; mas assegurava-se que as esperanças de qualquer 
desenvolvimento estavam no mestre, não no clínico; era necessário que 
se criasse à volta do aluno um ambiente que o ajudasse, e que os 
médicos desprezavam, demasiado interessados por uma terapêutica 
tomada em sentido restrito; não havia que internar os anormais em casas 
de saúde e fazê-los desfilar pelas clínicas; tinham de se construir escolas 
onde se aperfeiçoassem, pela observação quotidiana, os métodos de 
Séguin e onde, ao mesmo tempo, se pu- dessem formar os professores; 
porque, sem bons professores, nada se poderia fazer . 
 
Guido Baccelli, que fora professor de Maria Montessori e ocupava então 
o lugar de ministro da Instrução Pública, interessou-se pela comunicação 
e chamou-a a Roma para uma série de conferências sobre o ensino de 
anormais; as conferências despertaram o interesse de todos que se 
dedicavam ao assunto e criaram um movimento de opinião a favor das 
ideias que defendia a Montessori; o facto de terem dado excelentes 
resultados as experiências de Séguin em Paris e na América animava os 
mais cépticos; havia que tentar na Itália um instituto semelhante aos de 
Séguin; com relativa facilidade, pôde Baccelli fundar uma Escola 
Ortofrénica, com internato para crianças anormais e com organização 
que permitia fornecer os mestres que desejassem entregar-se a tal 
especialidade: fixara-se bem no espírito de todos a ideia de que um 
mestre sem preparação compromete os resultados de um método por 
melhor que este seja. 
 
Toda a vida de Maria Montessori se orientava agora para a educação dos 
anormais; tomava conhecimento de tudo quanto se ia publicando em 
Itália e no estrangeiro sobre pedagogia, aproveitava todas as sugestões 
que se lhe afiguravam úteis, prosseguia infatigavelmente as suas 
experiências com os alunos do internato; mostrava aos candidatos a 
professores como a tarefa que empreendiam era das mais nobres que 
alguém pode tomar sobre si, como a caridade, o espírito de sacrifício, a 
atenção, o íntimo entusiasmo, o optimismo e o zelo pelo trabalho 
formam o indispensável fundamento em que vêm assentar os 
conhecimentos e preceitos; já desde então lhe surge no espírito o 
pensamento de que na escola não ganham só os alunos, mas também os 
mestres, e de que a educação não é, como se julgara até aí, um jogo 
unilateral: se a escola é boa, a personalidade do mestre deve também 
enriquecer-se ao contacto da do aluno, mesmo que se trate de anormais, 
e, como veremos, sobretudo se se trata de anormais. 
 
As viagens a Paris e a Londres puseram-na a par do que se fazia de mais 
moderno em outros países; já, porém, a sua escola se colocava em 
melhor plano do que aquelas que visitava; sentia que dentro de pouco 
tempo Séguin estaria superado; ao regressar, trabalhou ainda com mais 
vontade: dia após dia, das 8 da manhã às 8 da tarde, Maria Montessori 
instruía os mestres, observava os alunos, redigia as suas notas, atendia a 
consultas, entrava em ligação com todas as pessoas que podiam ajudá-
la; mandara fabricar o material de Séguin e aperfeiçoara-o, pusera de 
lado o que reconhecia insuficiente, criara ela própria material novo; o 
esforço físico a que se obrigara prostrou-a por fim; mas os anormais que 
educara, submetidos a exame nas escolas públicas, prestaram provas tão 
boas como as dos alunos normais. 
 
Triunfava, mas, no descanso que se impusera, um novo problema a 
preocupava; como era possível que alunos anormais quase batessem os 
normais? Só havia uma explicação: a de que as escolas de normais 
estavam mal organizadas, a de que os métodos eram péssimos e 
sacrificavam todas as possibilidades que a natureza, generosamente, 
tinha distribuído à maiorparte das crianças; se assim era (e que dúvida 
poderia existir?), havia uma faina mais importante do que educar 
anormais: tinha que libertar os milhões de espíritos que 
implacavelmente as máquinas escolares diminuíam ou esmagavam; a 
empresa apareceu-lhe como tão grandiosa, a missão como tão bela que 
teve medo de se entregar por completo ao sonho magnífico; dominou-se 
e disciplinou-se: tinha de preparar-se cuidadosamente, antes de se lançar 
pelo novo caminho que se abria. 
 
Abandonou a Escola Ortofrénica e entregou-se a uma nova leitura de 
Ittard e de Séguin; traduziu-lhes os livros para italiano, esforçando-se 
por os escrever como um calígrafo, para que cada palavra se lhe 
gravasse indelevelmente no espírito; durante meses, Maria Montessori 
medita no silêncio do seu gabinete, esforçando-se por dar às suas ideias 
a forma exacta e a íntima convicção que lhe seriam depois os meios 
infalíveis para a conquista do mundo; como um guerreiro em vela de 
armas, só quer no seu espírito pensamentos nítidos e puros; a linha 
essencial vai-se desenhando a pouco e pouco e o livro que Séguin 
publicara em1866 dá-lhe o traçado definitivo: o método que o francês 
criara era tão bom que dava resultado, mesmo quando se aplicava a 
alunos anormais. 
 
A preparação, porém, não se podia considerar completa; Maria 
Montessori volta a ser estudante e frequenta as aulas de psicologia 
experimental e de pedagogia; ouvidos os professores de Roma, corre aos 
de Nápoles e de Milão e fixa o mínimo ensinamento, cuidadosamente o 
insere no seu próprio sistema, eliminando o que a experiência lhe indica 
como errado, modificando o que uma segura penetração do problema lhe 
faz ver como precipitada conclusão; as bibliotecas e os cursos 
conhecem-lhe a assiduidade fervorosa e, não contente com os 
conhecimentos que eles lhe forneciam, procura alargá-los visitando as 
escolas elementares do reino, inquirindo junto dos professores dos 
métodos seguidos e dos resultados obtidos, assistindo às aulas, 
manejando as classes quando lhe era possível fazê-lo. 
 
O seu trabalho com os anormais e o interesse que demonstrava pelas 
questões de educação levaram o ministro a nomeá-la para a cadeira de 
antropologia pedagógica de Roma; era um lugar em que podia exercer 
uma grande influência, expondo as suas ideias sobre o ensino elementar 
e levando os futuros mestres a não considerarem como resolvido o 
problema da escola; lançar-lhes no espírito a dúvida quanto ao que se 
tinha feito até aí era já um grande passo; mas o que havia a fazer de 
positivo, não era da sua cátedra que o faria: as palavras podem preparar 
os espíritos, mas, nas questões de educação, só as realizações, com os 
resultados que ninguém pode discutir, trazem a vitória aos que se 
apresentam como paladinos de uma ordem nova. 
 
Pensou em seguir o caminho que tomara com os anormais e fez 
diligência por que se fundasse uma Escola Normal, com classes de 
experiência, por onde passariam todos os alunos e mestres; as duas 
tarefas - a da reforma de métodos e a preparação de professores - iriam a 
par, como da outra vez, dando todas as garantias contra a falência por 
falta de formação do pessoal; a burocracia, porém, que até então se 
mostrara anormalmente compreensiva e pronta, pôs obstáculos que se 
revelaram insuperáveis; nenhum esforço conseguia vencer a espessa 
barreira e Maria Montessori teve, por uns tempos, de se resignar ao 
único meio de que dispunha para ir espalhando as suas ideias. 
 
Mas não desanimava; sabia que, quando uma ideia e uma vida formam 
um todo indissolúvel e existem uma pela outra, cedo ou tarde o mundo 
acede à vontade invencível e se deixa modelar, oferecendo quanta vez 
uma riqueza de possibilidades muito superior ao que se tinha julgado; e, 
segundo o que pensava, a ocasião surgiu: uma empresa italiana que 
construía prédios para gente pobre pediu-lhe, em 1906, que ajudasse a 
resolver um problema importante: os pais dos pequenos que moravam 
nos prédios iam para o seu emprego muito cedo e quase todo o dia 
estavam ausentes de casa; o resultado era que as crianças, entregues a si 
próprias, faziam um barulho insuportável e estragavam o prédio; se 
Maria Montessori quisesse tomar conta do trabalho de as aquietar e 
entreter, estavam dispostos a ceder-lhe uma sala em cada "bloco" e a 
pagar-lhe o pessoal necessário. 
 
Maria Montessori mediu imediatamente as vantagens excepcionais da 
oferta: em primeiro lugar não se tratava de escolas, não havendo, 
portanto, nenhuma espécie de exigências quanto a programas e exames; 
em segundo lugar, os pais não possuíam a mínima noção de pedagogia e 
não seriam tentados a intervir no funcionamento da sala; por fim, se o 
método desse resultado, teria, para a sua difusão imediata e aplicação a 
todas as escolas elementares, duas qualidades importantes: era barato e 
dava resultado mesmo com camadas de população de baixo nível 
cultural e de deficiente vida material. 
 
Escolhido o prédio em que se devia fazer a primeira experiência e 
contratada uma professora, elaborou-se o regulamente traçado em linhas 
muito simples: admitiam-se todas as crianças da casa, desde os 3 aos 7 
anos de idade, sem nenhum dispêndio para os pais, que apenas se 
comprometiam a mandá-las às horas indicadas pela directora, lavadas e 
com vestidos limpos; a ajudar o pessoal na sua tarefa de educação; a 
darem à directora as informações que lhes pedissem quanto ao 
comportamento da criança em casa; a acatarem os conselhos que lhes 
dessem os professores; os pequenos que se apresentassem sujos ou mal 
cuidados ou que se mostrassem indisciplinados não poderiam frequentar 
a sala; por último, excluir-se-iam também aqueles cujos pais faltassem 
ao respeito ao pessoal da Casa ou de qualquer modo entravassem a 
acção educativa que se empreendia com a fundação; todos os casos 
omissos seriam resolvidos pela directora. 
 
A primeira Casa dei Bambini abriu em Janeiro de 1907, com instalações 
que ficavam muito aquém das que hoje se exigiriam numa escola bem 
montada, mas que davam à Montessori toda a possibilidade de fazer as 
suas experiências; o mobiliário era rudimentar , faltavam flores, as 
crianças não tinham espaço suficiente para os recreios; mas, na parede, a 
Madona deIla Sedia de Rafael era o símbolo de todo o carinho, de toda a 
inteligente dedicação, de toda a vontade criadora que se iam empregar 
na empresa; a professora escolhida compreendia Maria Montessori e 
seguia-lhe as directrizes com entusiasmo pela tarefa e confiança nos 
princípios do método. 
 
Tão bons resultados deu, quanto a disciplina, a primeira Casa, que a 
empresa resolveu abrir outra; a 7 de Abril, inaugurou-se a segunda, 
pouco depois uma terceira; as perspectivas eram brilhantes porque a 
empresa possuía já 400 prédios, e 400 escolas Montessori seriam mais 
que o bastante para impor o método a toda a Itália e depois ao resto do 
mundo; os educadores começavam a chegar a Roma e a visitar as Case 
dei Bambini, regressando entusiasmados com o que se conseguia fazer: 
falavam de crianças novas, dos seres extraordinários de delicadeza, de 
precisão, de inteligência, de correcção que Maria Montessori soubera 
criar; nas escolas que iam montando noutras cidades, os professores 
mais audaciosos guiavam-se todos pelas normas montessorianas que 
vinham aprender nas visitas às Case . 
 
Teresa Bontempi introduziu-as na Suíça e as escolas infantis deixaram 
Froebel por Montessori; pouco depois fundou-se uma escola na 
Argentina e, em 1910, o método penetrou nos Estados Unidos; em 1911, 
abriu-se uma escola em Paris e, em 1913, constituiu-se na Inglaterra 
uma sociedadeMontessori. Ao mesmo tempo duas sociedades, uma de 
Milão, outra de Roma, ofereceram-se para fabricar o material necessário 
e a baronesa Alicia Franchetti pagava a primeira edição da Pedagogia 
Científica em que Maria Montessori expunha os princípios e a didáctica 
do seu método; e, em 1911, devido aos esforços de Maria Maraini 
Guerrieri, o método Montessori era adoptado nas escolas primárias de 
Itália. 
 
Hoje, os livros de Maria Montessori estão traduzidos em numerosas 
línguas, entre as quais o chinês e o árabe; há escolas Montessori em todo 
o mundo, até no Tibete e no Quénia; na Itália, na Hungria, na Holanda, 
no Panamá e na Austrália, os governos mandam adoptar o método nas 
escolas oficiais e modificam as leis escolares, todas as vezes que há 
entre elas e o funcionamento das escolas qualquer incompatibilidade; a 
preparação dos mestres também não foi descuidada e em vários países 
existem escolas de formação montessoriana; a sociedade Montessori tem 
secções em todas as terras civilizadas e funda escolas, organiza 
conferências, cursos de férias; o movimento amplia-se cada vez mais, 
embora com todas as modificações que os progressos recentes da 
pedagogia apresentam como aconselháveis. (Agostinho da Silva, O 
Método Montessori, pp.11-20) 
 
 
In http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/sanderson/vida_e_obra_montessori.htm

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