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Buscando as memórias de um texto: a história por trás das entrelinhas

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ 
 
 
 
 
 
 
 
 
BUSCANDO AS MEMÓRIAS DE UM TEXTO: a história por trás das entrelinhas 
 
 
 
Projeto apresentado à disciplina Literaturas 
Africanas de Língua Portuguesa (LTA 574), 
como avaliação parcial, para II crédito da 
disciplina de Letras, 5º semestre, noturno, 
turma II. 
 
Área de concentração: Literaturas Africanas 
 
Orientador: Flávio Lourenço Peixôto Lima 
 
Aluna: Joelene Tavares Correia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ilhéus - Bahia 
12 de julho 2016 
 
 
 
 
 
 
BUSCANDO AS MEMÓRIAS DE UM TEXTO: a história por trás das entrelinhas 
 
 
RESUMO 
 
O presente projeto tem como objetivo despertar o interesse pela busca do resgate das 
memórias em algumas narrativas curtas de Mia Couto. Para isso, foram escolhidos os seguintes 
contos: “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, 
“Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, presentes no livro Na berma de nenhuma 
estrada de Mia Couto. A palavra literária foi o elemento norteador para uma melhor 
interpretação que, muitas vezes, está contida nas entrelinhas dessas narrativas. Para ampliação 
e fundamentação desse projeto utilizou-se teóricos que argumentam sobre a significação da 
linguagem utilizada pela literatura e a importância de levar em consideração alguns elementos 
relevantes na construção de uma melhor interpretação. Esses elementos são: as marcas de 
oralidade, transmissão de crenças e símbolos que representam o imaginário do povo 
moçambicano. Quanto ao o objetivo, utilizamos o método da pesquisa bibliográfica. Isto é, 
voltado para a leitura, fichamentos e levantamento de dados que facilitaram o desenvolvimento 
desse estudo. 
Palavras-chave: Literatura. Memória. Linguagem. Mia Couto. 
 
1. TEMA 
Buscando as memórias de um texto: a história por trás das entrelinhas. 
 
2. PROBLEMATIZAÇÃO 
A partir da leitura dos contos “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O 
amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, presentes no 
livro Na berma de nenhuma estrada escrito por Mia Couto, percebe-se fortes marcas da 
memória negra comunicada pela palavra. Interessa aqui, destacar elementos que tragam a 
memória de um texto por trás das entrelinhas. 
Diante desses aspectos, problematiza-se a seguinte questão: como os elementos contidos 
nas entrelinhas de um texto e as memórias comunicadas pela palavra podem ajudar para uma 
melhor interpretação dos contos “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante 
do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”? 
 
3. HIPÓTESE 
Os elementos contidos nas entrelinhas de um texto, como: marcas de oralidade, 
transmissão de crenças e costumes, símbolos que representam o imaginário e as memórias 
comunicadas pela palavra, contribuem na construção de uma melhor interpretação dos contos 
 
 
“Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição 
auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”. Pois, a interpretação dessas narrativas não pode se 
restringir aos simples códigos das letras de cada palavra, mas sim, capturadas em um âmbito 
que transcende o habitual significado dos signos. 
A hipótese levantada é que podemos trabalhar a leitura dos contos de Mia Couto de 
maneira que as memórias presentes nessas narrativas possam levar o leitor a perceber uma 
história imbricada na literatura. 
 Trabalhar a leitura dos textos “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O 
amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, significa 
permitir que o leitor tenha contato com um vasto campo semântico. Essa linguagem utilizada 
por Mia Couto traz para o texto as memórias dos negros moçambicanos e revela fatos sociais 
dentro de um texto fictício. 
Portanto, a partir da leitura de narrativas como essas, que dialogam com a história dos 
negros de Moçambique, podemos despertar o interesse pela memória que o texto literário 
possibilita. De maneira que o leitor perceba a literatura como um meio capaz de contribuir na 
instituição da cultura de um povo. 
 
4. OBJETIVOS 
4.1 Geral 
a) Despertar o interesse pela memória que o texto literário dispõe, a partir dos 
contos de Mia Couto “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O 
amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, 
presentes na obra Na berma de nenhuma estrada. 
4.2 Específicos 
a) Estudar os aspectos sociais e históricos presentes nos contos “Isaura, para 
sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição 
auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, como proposta de interpretação desses 
textos; 
b) Mostrar que o campo semântico de algumas palavras dos contos nos possibilita 
buscar a memória de um texto, reconstruindo a história de um povo via ficção; 
c) Refletir sobre a vida dos personagens dos contos, de maneira que essa reflexão 
permita a retomada das memórias presentes nas narrativas. 
 
 
 
 
5. JUSTIFICATIVA 
O presente trabalho visa despertar o interesse pelas memórias de um texto trazidas pelo 
campo semântico da palavra literária em Mia Couto. Para isso, partimos da leitura dos contos 
“Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição 
auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”. Destacam-se, nesse estudo, alguns elementos contidos 
nas entrelinhas das narrativas, como: as marcas de oralidade, transmissão de crenças e 
costumes, símbolos representantes do imaginário e memória do povo moçambicano. 
O principal motivo pelo qual foi escolhido trabalhar a busca das memórias nas narrativas 
de Mia Couto, fundamenta-se na importância do leitor se tornar capaz em perceber que uma 
boa interpretação de um texto literário vai além de uma simples leitura. É necessário observar 
os elementos contidos nas entrelinhas que, muitas vezes, podem revelar uma história de um 
povo, sua cultura ou até mesmo suas chagas. Essa é a razão que nos leva a destacar a relevância 
de mostrar que os textos literários possuem uma linguagem própria, comunicada pela palavra. 
De acordo com o próprio Mia Couto (2009, p. 14), o que move a linguagem literária é 
a vocação divina da palavra. Uma linguagem inventiva e que produz encantamento, ou seja, a 
significação da palavra não pode ser percebida apenas na decodificação de suas letras, mas nas 
emoções e sentimentos que elas carregam. Em seus contos, o escritor moçambicano faz uso da 
oralidade e cria novas palavras, mostrando ao leitor todas as possibilidades que a linguagem da 
literatura permite e a importância desses elementos para a construção do sentido das narrativas. 
O conto “Isaura, para sempre dentro de mim” possui um enredo que gira em torno de 
dois personagens centrais: Raimundano e Isaura. Onde, relata a vida de duas crianças negras 
que eram empregados domésticos na casa dos brancos. Isaura sempre se encontrava com 
Raimundano às escondidas e lhe contava sobre os abusos sexuais que sofria do seu patrão. 
Raimundano ficava revoltado com os relatos, mas sabia que não poderia fazer nada para livrar 
Isaura daquele tormento, como podemos notar no fragmento a seguir: 
 
Não havia parede em que ela, de pé, não tivesse deitado. Tudo aquilo lhe dava 
nojeira, reviragem nas vísceras. Queixar para quem? Deus teria ouvidos para 
mim? Eu sonhava que me subiam coragens e enfrentava o patrão. Mas 
adormecia sem ousadia sequer de terminar o sonho. (COUTO, 2015, p. 42) 
 
Esse fragmento mostra a estreita relação entre a ficção do texto e as memórias dos 
africanos. Povo esse quesofria com a barbárie praticada pelos senhores brancos que abusavam 
das empregadas domésticas negras. O conto também mostra a cultura dos negros com relação 
 
 
ao uso do tabaco. Pois, Isaura levava cigarros da casa do patrão para fumar com Raimundano. 
Esse fato marcou de tal forma a vida do menino que, vinte anos depois, ele reencontra Isaura e 
remete suas lembranças para o cigarro que está entre os dedos dela. 
Vejamos o fragmento a seguir: 
 
Vinte anos depois, Isaura dessarumava a tarde, interrompendo o bar. Para 
mais, ela trazia entre os dedos um cigarro, fumejante. 
A mulher se sentou em minha mesa e, sem me olhar, desatou as falas. Desfiou 
memória, entre fumos e goles de cerveja. (COUTO, 2015, p. 43) 
 
A citação acima, além de permitir uma percepção da presença da memória na prática do 
fumo entre os negros de Moçambique, também possibilita entender o tempo em que acontece 
os fatos da narrativa. Pois, o conto se inicia enquanto os personagens ainda eram pequenos e é 
finalizado na fase adulta dos mesmos. A narrativa termina com Raimundano pedindo a Isaura 
que fume com ele pela última vez. A mulher atende ao seu pedido e, ao colar os lábios em 
Raimundano, ela converte-se em fumo e é tragada para dentro do peito do homem. 
A recorrente presença da palavra “fumo” no conto “Isaura, para sempre dentro de mim”, 
exemplifica bem uma memória contida nas entrelinhas da narrativa. Pois, esse é um elemento 
cultural de grande importância para os negros de Moçambique. O fumo era utilizado não apenas 
como uma prática para descontração ou relaxamento, mas também servia como uma valiosa 
moeda de troca entre eles. Por isso, as palavras literárias não podem ser lidas levando em 
consideração apenas o que está na narrativa, é essencial que o leitor possua a sensibilidade de 
captar outras imagens trazidas pela palavra. 
Outro conto que possibilita a relação entre literatura (ficção) e memórias (história) em 
Mia Couto é “A benção”. O enredo da narrativa se desenvolve em torno de quatro personagens 
principais: o casal de brancos Esteves, seu bebê com saúde debilitada e a criada negra 
Marcelinda. O casal português contrataram a negra para cuidar do seu bebê que chorava muito. 
Ao perceber que o menino é tomado de afeto por Marcelinda, a mãe do bebê a expulsa quando 
descobre que a negra utilizava uma espécie de amuleto amarrado na barriga da criança. 
Vejamos: 
 
Um dia, enquanto vestia o filho, dona Clementina encontrou um fio de algodão 
amarrando o ventre do menino. Chamou a empregada e exigiu saber as 
proveniências do achado. A negra Marcelinda gaguejou: 
- É remédio, senhora... 
- Remédio? 
- Para o menino não sofrer dessas tosses... 
 
 
Foram palavras, últimas. Quando Esteves chegou a casa já a sentença estava 
tomada. (COUTO, 2015, p. 61) 
 
 
O trecho acima deixa claro outra marca de memória contida nas entrelinhas do conto de 
Mia Couto: a prática de simpatias, que se trata de um elemento do imaginário dos negros 
moçambicanos. Após a expulsão da negra, a criança volta a chorar de maneira que nem mesmo 
a mãe consegue acalmar o filho. O pai traz de volta a criada para sua casa, o que acalma o bebê 
imediatamente. 
No dia seguinte, o casal português nota que a criada e o bebê não estão em casa. 
Tomados pelo pensamento de que a negra fugiu com o menino, os pais vão na casa de 
Marcelinda mais uma vez. Um homem fala ao casal sobre a possibilidade da negra ter levado o 
bebê para uma cerimônia com um curandeiro. 
Observe outra parte do conto que se segue: 
 
O magricelas sugeriu então que eles se dirigissem ao curandeiro, ali a dois 
quarteirões. Talvez Marcelinda estivesse lá a cerimoniar o miúdo. Esteves 
acatou a sugestão. Foi devagarinho, perdido, acompanhado só pelo silêncio da 
esposa. Encontrou Marcelinda saindo para a rua. A empregada trazia o menino 
dormindo em suas costas. Parecia esperar o patrão e entrou para a viatura sem 
dizer palavra. (COUTO, 2015, p. 65) 
 
 
O fragmento mostra mais uma vez um elemento do imaginário dos negros de 
Moçambique (cerimônias com curandeiros), permitindo construir o sentido do texto através da 
memória comunicada por meio da palavra. Esse elemento pode ser notado em “dirigissem ao 
curandeiro” e “cerimoniar o miúdo”. A narrativa chega ao fim quando o casal de brancos aceita 
a prática religiosa da negra. Pois, eles percebem que a crença de Marcelinda faz bem ao menino. 
O conto descrito acima evidencia a prática religiosa da negra Marcelinda. Para entender 
a significação dessa prática para a personagem, o leitor precisa compreender que o uso de 
amuletos e a busca por curandeiros é de extrema importância para os negros moçambicanos. 
Ou seja, mais uma vez, a interpretação dos contos de Mia Couto ocorre também por meio das 
entrelinhas. Por isso, essa leitura por trás das linhas e a percepção de outra semântica, que não 
seja a habitual, da palavra literária é tão relevante na construção do sentido do texto. 
O conto “O amante do comandante” é mais um exemplo de que Mia Couto utiliza uma 
linguagem onde as palavras carregam uma semantização capaz de comunicar a memória dos 
negros moçambicanos. A narrativa possui dois personagens principais: Josinda (uma mulher 
 
 
com traços e comportamento masculinos) e o comandante do navio de portugueses. O 
comandante manda os marinheiros à procura de um homem para um serviço de amor. 
Como é possível observar no seguinte trecho: 
 
Até que, dias passados, do grande barco saiu uma pequena canoa que se 
aproximou da costa. Nela vinham três portugueses, enroupados e barbalhudos. 
Com eles havia a mais um preto, como nós. Não era da nossa gente mas falava 
a nossa língua. Esse tipo escuro desceu e acenou um chamamento: 
- Quero falar com as humanas pessoas daqui - disse ele. (COUTO, 2015, p. 
131) 
 
 
O trecho mostra que os negros da aldeia diferencia os três homens portugueses do 
homem preto que falava a língua deles. Assim, é possível entender que o conto “O amante do 
comandante”, também possui marcas capazes de comunicar a memória dos negros de 
Moçambique, contida nas entrelinhas do conto. A narrativa segue mostrando o espanto dos 
negros ao ouvir que o comandante precisa de um homem ao invés de uma mulher. Assim, 
decidem enviar Josinda, uma mulher que possuía traços e comportamentos masculinos. Porém, 
trocam seu nome por Jezequiel. 
Josinda retorna chorando e não conta para ninguém o ocorrido. O comandante manda 
seus homens em busca do seu amante, mas Jezequiel (que na verdade era Josinda) se recusa a 
retornar ao navio e se esconde. A narrativa chega ao fim quando o comandante manda os 
marinheiros embora. Apenas ele permanece à procura de Jezequiel. Antes de deixar a praia, o 
homem escreve com um pauzinho um nome no chão. Um soldado português que retorna à praia, 
admira-se ao ver que no chão estava escrito o nome de Josinda. 
Ainda observando os sentidos contidos nas entrelinhas, se faz necessário destacar outro 
conto da obra Na berma de nenhuma estrada: “Prostituição auditiva”. A narrativa traz a estória 
de um relacionamento bastante inusitado entre uma prostituta negra chamada Mariana e um 
militar que não aceitava revelar seu nome para negros. A estória se desenvolve em uma casa de 
prostituição frequentava pelo soldado. O mesmo possuía o hábito de pagar a prostituta Mariana 
apenas para ouvi-la falar. O homem alegava que as negras tinham um estilo próprio de falar, 
muito diferente das mulheres brancas e que não podia ter relações sexuais com ela porque a sua 
educação não permitia tocar em negros. 
Vejamos no fragmento a seguir: 
 
- É escusado, Mariana. Eu não toco em preta. Fui educado assim. 
- Ao menos, me espalheum creme, menzugo. 
 
 
- Um creme? 
- É que nós, pretas, secamos mais que lagartos. É nossa raça, assim. Me 
esfregue um creme, me faça um favor. 
Mas ele recusava, nem pele nem óleo. Alergia a gorduras, justificava já em 
antecipado arrepio. (COUTO, 2015, p. 78) 
 
 
O diálogo revela a distinção feita pelo homem entre sua raça e a dos negros. Essa 
diferença é tão grande que o soldado chega a acreditar que não pode tocar em pessoas negras. 
Assim, podemos perceber que a narrativa se constrói não apenas via ficção, ou seja, o conto 
possui uma relação com a memória dos negros moçambicanos. É necessário que o leitor seja 
capaz de perceber essa história que perpassa a literatura de Mia Couto, dessa forma, ele será 
capaz de fazer uma melhor interpretação do texto. 
O conto “Prostituição auditiva” chega ao fim com um desfecho surpreendente. Ao 
chegar na casa de prostituição e perceber que Mariana está triste por perder uma amiga que foi 
espancada até a morte, o soldado se mostra sensibilizado. Afinal, ele também já perdeu um 
amigo por causa da violência e sabia o significado daquela dor. Então, ele resolve cuidar da 
prostituta negra. O homem ignora a sua crença de que não pode tocar em negros e faz uma 
massagem na mulher. Os dois se relacionam sexualmente e após esse ato ele faz uma revelação: 
diz para a negra que seu nome é Raimundo. 
Assim, é possível perceber que a linguagem utilizada por Mia Couto em seus contos da 
obra Na berma de nenhuma estrada, contribuem não apenas para a reconstrução da memória 
de um povo via ficção, mas também é capaz de instituir essa cultura por meio da valorização 
da identidade do negros de Moçambique contada nas entrelinhas da narrativa. Essa valorização 
torna-se notória no desfecho dado ao conto “Prostituição auditiva”. O autor equipara os 
personagens de forma que o soldado branco e a prostituta negra passam por situações parecidas 
e sentem a mesma dor. Esse fato leva o homem a ultrapassar os preconceitos construídos por 
sua educação, percebendo que aquela prostituta negra era um ser humano igual a ele. 
 Percebe-se no trecho a seguir: 
 
- Deixa, eu te esfrego, Mariana. 
Ela sobrancelhou uma surpresa. Ele aceitava tocar-lhe?! Voltou a sentar, 
oferecendo as costas. A mão dele sonhou, divagante e devagarosa. Os dedos 
recheados de óleo pareciam chuva escorrendo sobre água. Mariana sentia o 
aconchego dele. (COUTO, 2015, p. 80) 
 
 
O trecho acima nos permite refletir sobre a possibilidade de entender a literatura não 
apenas como um texto imaginativo e apenas com finalidade de divertimento. Pode-se pensar 
 
 
que ficção e história participam na construção de uma identidade, reafirma uma cultura e 
contribuem para a formação do imaginário de um povo. O entrelaçamento entre literatura e 
memória ocorre nas entrelinhas dessa narrativa, pois a distância existente entre a raça negra e a 
branca é descrita de forma que o leitor precisa ir além das palavras do conto. De outro modo, a 
interpretação torna-se limitada pela semântica prevista de cada palavra. Outro texto que nos 
leva a observar essas questões é o conto “Ezequiela, a humanidade”, presente também na obra 
Na berma de nenhuma estrada. 
O conto de Mia Couto “Ezequiela, a humanidade” narra o casamento entre dois negros: 
Ezequiela e Jerónimo. O fantástico se faz presente em todo o conto, pois Ezequiela possui a 
capacidade de se transformar em várias pessoas distintas. No início, o marido manifesta 
insatisfação. Porém, ao passar do tempo, ele aprende a conviver com sua esposa figurada em 
outras mulheres. A narrativa muda de rumo quando Jerónimo acorda ao lado de sua esposa 
transfigurada em homem. Assim, o marido resolve sair de casa, abandonando sua esposa: 
 
Mas o facto é que Jerónimo se desengendrou. A sua mulher: um homem? Já 
se vertera em branca e em preta, baixa em alta, tudo isso, sim. Mas sempre 
mulher. Ezequiela o tentava sossegar mas ele, de perna atrás. Até que 
espreitou a esposa na casa de banho. Seria ela, integralmente, um ele? E, 
estremecimento geral: era mesmo. Dormia em camas afastadas não fosse ele 
ceder. Após uma tarde em silêncio, Jerónimo veio às falas: 
- Desculpa, mas agora é de mais. Enquanto você for Ezequiel eu fico fora... 
(COUTO, 2015, p. 107) 
 
 
A decisão de Jerónimo descrita acima, se converte em uma lição para o personagem. O 
homem acaba adoecendo e em delírio de febre volta para a casa de sua esposa. A mulher, 
cuidadosamente, trata da doença de seu marido. O mesmo adormece envolvido nos beijos de 
Ezequiela, mesmo estranhando um raspar de barba em seu pescoço. No dia seguinte, o homem 
acorda e se surpreende ao se deparar com sua própria imagem. Ele percebe que não se trata de 
um espelho, mas sim de sua esposa convertida nele mesmo. O conto chega ao fim com o 
seguinte fragmento: 
 
Trémulo, Jerónimo avançou a pergunta: 
- Ezequiela? 
E a voz, proveniente do outro, se espantou, devolvendo outra inquirição: 
- Como Ezequiela!? Você, Ezequiela, não reconhece o seu marido? (COUTO, 
2015, p. 108) 
 
Ao finalizar o conto “Ezequiela, a humanidade” com o trecho acima, Mia Couto traz 
uma reflexão sobre questões atinentes à memória de um povo que perpassa em sua ficção. O 
 
 
personagem que chega a abandonar sua esposa por não aceitar vê-la transfigurada na imagem 
de um homem, se depara com sua própria imagem refletida em Ezequiela. Ou seja, seu 
preconceito não permite perceber que na verdade todos os seres humanos são iguais. O próprio 
título do conto sugere essa igualdade entre os homens quando coloca uma única pessoa 
(Ezequiela), representando a humanidade. Essa fato nos permite pensar sobre a acepção feita 
entre negros e brancos, contribuindo de forma pertinente na construção da identidade dos negros 
de Moçambique. 
A obra de Mia Couto Na berma de nenhuma estrada, possui inúmeros contos que nos 
levam a pensar sobre a memória dos negros de Moçambique. Porém, esse projeto se apoia no 
estudo de apenas cinco contos: “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante 
do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”. Através da leitura desses 
textos literários, é possível perceber as marcas da memória que eles carregam. Porém, essa 
memória não está descrita apenas nas linhas dos contos, mas também retratada nas entrelinhas 
dessas narrativas. Ou seja, os contos dialogam com a vida do povo de Moçambique e 
contribuem na construção de uma identidade e reafirmação de uma cultura. 
Desse modo, levando em consideração os cincos contos descritos acima, o presente 
projeto destaca a importância de buscar os elementos contidos nas entrelinhas do texto literário 
como forma de construir uma melhor interpretação. Ao compreender a vocação divina da 
palavra, que estar além da simples decodificação de uma narrativa, o aluno do curso de Letras 
torna-se capacitado para construir as várias significações que a linguagem literária possibilita. 
Perante os argumentos citados anteriormente, é possível dizer que as marcas de 
oralidade, a transmissão de crenças e costumes comunicadas pela palavra literária e os símbolos 
que representam o imaginário do povo moçambicano contribuem na busca da memória dos 
contos de Mia Couto. Esses elementos possibilitam uma maior reflexão acerca de uma história 
imbricada na ficção. 
 
6. REFERENCIAL TEÓRICO 
Esse trabalho pontua no referencial teórico, alguns elementos capazes de contribuir para 
uma melhor argumentação acerca dos textos literários e expõe a relevância de buscar as 
memórias contidas na ficção dos contos de Mia Couto. Segundo Nascimento, “O referencial 
teórico é que possibilita fundamentar, dar consistência a todo o estudo e tem a funçãode nortear 
a pesquisa” (NASCIMENTO, 2012, p. 28). 
 Para isso, se faz necessário um referencial teórico com base em fundamentos que 
discorrem sobre memória, literatura, marcas de oralidade e linguagem literária. Onde, gostaria 
 
 
de ressaltar a relação entre literatura e memórias comunicada pela palavra literária e a 
interpretação construída por meio das entrelinhas dos contos de Mia Couto. Nesse sentido, o 
embasamento desse trabalho se deu pelos seguintes teóricos: Deleuze, Flávio Lima e o próprio 
Mia Couto. 
Os teóricos citados acima nos permitem dizer que a palavra literária pode trazer 
significativas contribuições para a construção da memória de um povo, neste caso, dos negros 
moçambicanos. Pois, ler não significa apenas decodificar a junção de letras e transformá-las em 
palavras, mas também se permitir nas várias possibilidades que essas palavras podem trazer 
dentro do seu campo semântico. 
Mia Couto discute os diversos campos semânticos da palavra quando afirma: 
 
Eu creio que todos nós, poetas e ficcionistas, não deixamos nunca de perseguir 
esse caos seminal. Todos nós aspiramos regressar a essa condição em que 
estivemos tão fora de um idioma que todas as línguas eram nossas. Dito de 
outro modo, todos nós somos impossíveis tradutores de sonhos. Na verdade, 
os sonhos falam em nós o que nenhuma palavra sabe dizer. (COUTO, 2009, 
p.12) 
 
 
De acordo com o fragmento acima, podemos observar que Mia Couto entende a palavra 
como algo incapaz de comportar os sonhos que os poetas e ficcionistas procuram traduzir. Ou 
seja, a semântica da palavra vai além de códigos escritos em um papel, tanto que o escritor 
chega a dizer, anteriormente, que os poetas e ficcionistas são “impossíveis tradutores de 
sonhos” (COUTO, 2009, p. 12). 
A literatura vem pela linguagem. Essa linguagem pode ser usada de forma libertadora, 
reinventada, reconstruída. Nesse sentido, podemos perceber a importância da semantização que 
cada palavra carrega. É dentro dessa semântica, buscada nas entrelinhas, que podemos descobrir 
outras histórias imbricadas no texto. 
Deleuze destaca: 
 
O que a literatura produz na língua já aparece melhor: como diz Proust, ela 
traça aí precisamente uma espécie de língua estrangeira, que não é uma outra 
língua, nem um dialeto regional redescoberto, mas um devir-outro da língua, 
uma minoração dessa língua maior, um delírio que a arrasta, uma linha de 
feitiçaria que foge ao sistema dominante. (DELEUZE, 1997, p. 15) 
 
 Quando Deleuze trata a linguagem literária, como uma “espécie de língua estrangeira”, 
fica notório que é preciso ir além das palavras escritas em um papel, ou seja, a essência de um 
texto literário está por trás das linhas. Uma zona de deleite para o leitor. Um lugar onde, muitas 
 
 
vezes, podemos descobrir a história de um povo. Um exemplo textual de como ficção e 
memória muitas vezes se entrelaçam, pode ser observado a seguir: 
 
Foi no tempo colonial. Eu e Isaurinha éramos empregados domésticos na 
mesma casa. Ela empregada de dentro, eu de fora. Ambos miúdos, em idade 
mais de brincar. Aos fins da tarde, quando ela despegava me vinha contar as 
novidades, segredos da vida dos brancos. (COUTO, 2015, p. 41) 
 
 
Observa-se no trecho acima que Mia Couto utiliza uma linguagem com muitas marcas 
de oralidade, como podemos notar em “aos fins da tarde”, “ela despegava”, “segredos da vida 
dos brancos”. Essa oralidade nos permite construir o sentido do conto por meio das entrelinhas, 
pois a forma de falar dos negros de Moçambique revela uma memória expressiva desse povo. 
Dentro da perspectiva que considera as marcas de oralidade como um elemento que possibilita 
buscar as memórias de um texto, é importante destacar o pensamento de Débora Zanelato, que 
diz: 
 
O contador José Chico Simbe trabalha na rádio e tem um caderno com mais 
de 70 histórias. Ele diz que esses relatos são feitos para ensinar valores 
universais de convívio e de ética, além de ajudarem a resolver conflitos. “São 
histórias que não querem muito ser fixada na escrita, em um congelado 
folclore, porque nascem de um tecido vivo que é a existência humana”. Diz 
Christian. (ZENELATO, 2016, p. 33) 
 
 
Zanelato exemplifica muito bem a importância da oralidade como marca da cultura dos 
negros de Moçambique. Ao documentar mais de 70 histórias que não possuem interesse de se 
fixar em uma escrita estática, o contador José Chico coloca a língua como um elemento vivo, 
fluído, resultado de uma existência humana. Ao retratar a oralidade comunicada pela palavra 
literária, Mia Couto permite que sua escrita sirva como meio de instituir a cultura do povo 
moçambicano. 
Flávio Lima argumenta ainda com relação a esse ponto: 
 
Pensar nas questões atinentes à ficção e à memória é pensar no direito das 
nações de reaverem e instituírem a sua cultura, procurando fazer com que os 
indivíduos recuperem as raízes dessa memória e passem a coabitar com um 
permanente lastro imaginário, através da existência de um caminho que os 
leva a permanecer harmonizados em torno da sua unidade étnica. (LIMA, 
2005, p. 139) 
 
 
 
 
Quando Lima ressalta a importância de recuperar a raiz de uma memória, relacionando-
a com o imaginário, nos faz lembrar um fragmento do conto “Isaura, para sempre dentro de 
mim”, onde Couto (2015, p. 43) relata: “Ela gostava mesmo era de tabaco, pouco a pouco se 
adentrava no vício das fumagens”. Isso relata outro forte elemento da cultura dos negros 
moçambicanos, o tabaco. 
A presença do fumo no conto “Isaura, para sempre dentro de mim”, nos permite 
estabelecer uma ponte entre memória e ficção. Pois, o fumo é um elemento de grande 
importância na construção do imaginário dos negros de Moçambique. Dessa forma, Mia Couto 
nos faz buscar uma memória de grande relevância para os negros moçambicanos. Pois, eles 
usam o tabaco não apenas para relaxar, mas também como moeda de troca. Isso nos faz refletir 
sobre a semântica da palavra “fumo”, que é imbricada nos costumes do povo, terminando por 
ir além da habitual referência desse signo. 
Vejamos a seguir: 
 
Ela me olhou, os olhos tão longe que parecia nem terem focagem. Aspirou 
fundo o cigarro, refreou umas tosses e veio em minha renteza. Quando ela 
colou seus lábios em mim se fabulou o seguinte: a mulher se converteu em 
fumo e se desvaneceu primeiro no ar e, depois, lenta, na aspiração de meio 
peito. Nessa tarde, eu fumei Isaurinha. (COUTO, 2015, p. 44) 
 
Ao trazer para os contos os costumes do povo moçambicano, Couto viabiliza em seu 
texto passagens em direção ao resgate da memória. Logo, ele utiliza a linguagem literária para 
a reconstrução das raízes culturais por meio da ficção. Quando o personagem do fragmento 
acima diz: “Nessa tarde eu fumei Isaurinha”, percebe-se que o sentido do verbo “fumar” não 
pode ser percebido apenas nas letras do alfabeto que compõem essa palavra, é necessário 
entendê-la nas entrelinhas da narrativa. Pois, a excelência dessa palavra, dentro do conto, é 
superior a referência que temos do ato de fumar. 
Ao observar a presença de elementos que fazem parte dos costumes do povo 
moçambicano dentro dos contos de Mia Couto, se faz necessário destacar um trecho do conto 
“A benção”: 
 
O magricelas sugeriu então que eles se dirigissem ao curandeiro, ali a dois 
quarteirões. Talvez Marcelinda estivesse lá a cerimoniar o miúdo. Esteves 
acatou a sugestão. Foi devagarinho, perdido, acompanhado só pelo silêncio da 
esposa. Encontrou Marcelinda saindo para a rua. A empregada trazia o menino 
dormindo em suas costas. Parecia esperar o patrão e entrou para a viatura sem 
dizer palavra. (COUTO, 2015, p. 65) 
 
 
 
 
Ofragmento mostra que Mia Couto traz para a narrativa outro grande costume do povo 
de Moçambique: a prática de rituais religiosos. O autor comunica essa memória no texto através 
das palavras literárias “curandeiro” e “cerimoniar”, que ganham uma importante significação 
no desenvolvimento da narrativa. 
Desse modo, é importante destacar a importância de desenvolver uma leitura que possa 
ir além daquilo que está escrito nas linhas do texto. É necessário que o leitor se permita 
transcender os limites da semantização da palavra e perceba um texto fluído, vivo, capaz de 
comunicar uma verdade que nos faça refletir sobre a cultura de um povo marcado pelas chagas 
deixadas pela colonização portuguesa. Isso só é possível por meio de uma fabulação que 
permite várias visões. 
Deleuze ressalta: 
 
Não há literatura sem fabulação, mas, como Bergson soube vê-lo, a fabulação, 
a função fabuladora não consiste em imaginar nem proteger um eu. Ela atinge 
sobretudo essas visões, eleva-se até esses devires ou potências. (DELEUZE, 
1997, p. 13) 
 
 
De acordo com as palavras de Deleuze acima, pode-se dizer que a fabulação é um 
elemento presente nos textos literários. Pois, sem o mesmo, é impossível haver ficção. Porém, 
essa escrita se eleva por meio de uma imaginação que não protege um eu, assim como fez o 
escritor Mia Couto. Ele deu voz a um povo que precisava reconstruir sua identidade e o fez por 
meio da linguagem literária, ressaltando uma memória construída através dos sentidos 
percebidos pela linguagem literária. 
Como vimos, ainda que brevemente, podemos constatar que os teóricos citados na 
fundamentação teórica proporcionaram uma ampliação das questões levantadas por esse 
projeto. Cada um, ao seu modo, argumentam sobre elementos relevantes para a relação entre 
literatura (ficção) e memória (história), ressaltando uma interpretação que acontece por meio 
da linguagem literária e também nas entrelinhas das narrativas de Mia Couto. 
 
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 
De acordo com Nascimento, “A metodologia proporciona flexibilidade aos caminhos e 
alternativas na resolução dos problemas para os quais procuramos resultados em relação aos 
propósitos pretendidos” (NASCIMENTO, 2012, p. 11). Assim, alguns pontos serão descritos 
para que os objetivos desse projeto possam ser alcançados. 
 
 
Para alcançar esses objetivos, que serão descritas ao longo desse texto, o presente 
projeto utilizou-se de uma pesquisa bibliográfica. Para tal, foram feitas leituras sistemáticas e 
interpretativas de textos teóricos que dialogam com os objetivos desse trabalho. 
O ponto de partida para a realização dessa pesquisa é a obra Na berma de nenhuma 
estrada do autor moçambicano Mia Couto. A obra é constituída de vários contos que 
possibilitam perceber a memória dos negros de Moçambique entrelaçada nas entrelinhas da 
literatura. Tudo isso comunicado pela linguagem literária, que exige uma leitura capaz de 
transcender a simples significação das palavras. 
Esse projeto priorizou a leitura e releitura de cinco contos: “Isaura, para sempre dentro 
de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a 
humanidade”. Nos quais, buscou-se destacar a relação entre literatura (ficção) e memória 
(história), presentes nas entrelinhas das narrativas de Mia Couto. 
Após a leitura e releitura de cada um dos cincos contos, foram retirados dos textos 
literários alguns fragmentos que comprovam a presença da memória do povo de Moçambique 
nas narrativas de Mia Couto. Para revalidar essa constatação, fez-se necessário a busca de textos 
teóricos que possibilitam uma melhor interpretação e análise dos contos escolhidos. 
A partir desses caminhos, procuraremos descrever de forma circunstanciada, as metas 
(objetivos) registrados no quarto item desse projeto. Com isso, nossos procedimentos serão 
descritos abaixo de forma a exemplificar melhor quais foram os meios escolhidos para chegar 
a um resultado satisfatório. 
Para cumprir o objetivo geral desse projeto, que é despertar o interesse pela memória 
que o texto literário dispõe, a partir dos contos de Mia Couto “Isaura, para sempre dentro de 
mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a 
humanidade”, presentes na obra Na berma de nenhuma estrada, o texto teórico escolhido como 
foco foi “Ficção e memória em Mia Couto” de Flávio Lourenço Peixôto Lima. Nesse, o autor 
exemplifica de maneira clara e objetiva a constatação de que Mia Couto utiliza uma linguagem 
que dialoga com as memórias dos negros de Moçambique. 
Para atingir o primeiro objetivo específico, que é estudar os aspectos sociais e históricos 
presentes nos contos “Isaura, para sempre dentro de mim”, “A benção”, “O amante do 
comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, a humanidade”, se fez necessário uma 
leitura com base no texto teórico “A literatura e a vida” de Deleuze. O autor ressalta a 
importância de escrever uma literatura que ultrapassa os limites do vivível ou não vivida. 
Podemos observar a seguir: 
 
 
 
Escrever não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria 
vivida. A literatura está antes do lado do informa, ou do inacabamento, como 
Gombrowicz o disse e fez. Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, 
sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou não 
vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível 
e o vivido. (DELEUZE, 1997, p. 11) 
 
O pensamento de Deleuze revela que o devir da escrita literária é uma passagem de vida 
que atravessa o vivível. Ou seja, o foco da literatura não é descrever fatos históricos, se assim 
fosse, deixaria de ser literatura. Porém, o vivível perpassa na linguagem literária, deixando 
marcas que ajudam ao leitor a construir os sentidos do texto contidos nas entrelinhas. No caso 
de Mia Couto, ele escreve no devir dos negros de Moçambique, se colando como representante 
de um povo desfavorecido. Por isso, é possível perceber essas marcas da memória desse povo 
nos contos presentes na obra Na berma de nenhuma estrada. 
Para realizar o segundo objetivo específico, que é mostrar que o campo semântico de 
algumas palavras dos contos nos possibilita buscar a memória de um texto, reconstruindo a 
história de um povo via ficção através das entrelinhas, foi necessário a leitura e fichamento dos 
seguintes textos: “Línguas que não sabemos que sabíamos” do próprio Mia Couto e “História 
de um povo” de Débora Zanelato. Mia Couto descreve a importância de perceber a linguagem 
literária por um âmbito não habitual. 
 Vejamos: 
 
Vivemos dominados por uma percepção redutora e utilitária que converte os 
idiomas num assunto técnico da competência dos linguistas. Contudo, as 
línguas que sabemos – são múltiplas e nem sempre capturáveis pela lógica 
racionalista que domina o nosso consciente. Existe algo que escapa à norma e 
aos códigos. (COUTO, 2009, p. 14) 
 
É possível notar no fragmento acima, que Mia Couto entende a linguagem literária como 
algo capaz de ser interpretada de forma que transcende a simples relação entre signo e 
significado. Ou seja, a palavra literária é dotada de uma semantização que não pode ser 
percebida apenas na junção das letras que a constrói ou na simples leitura da narrativa, mas 
construída pelas diversas possibilidades que a linguagem da literatura permite e também por 
meio das entrelinhas. Zanelato também argumenta sobre a importância de se perceber uma 
linguagem literária. No texto “História de um povo”, a autora enfatiza a presença de oralidade 
nos contos que relatam a vida do povo moçambicano. 
 
 
E, para que seja atingido o terceiro e último objetivo específico, que érefletir sobre a vida 
dos personagens dos contos, de maneira que essa reflexão permita a retomada das memórias 
presentes nas narrativas. A leitura foi baseada principalmente nos contos: “Isaura, para sempre 
dentro de mim”, “A benção”, “O amante do comandante”, “Prostituição auditiva” e “Ezequiela, 
a humanidade”. De forma que, foi analisado as vivências dos personagens dos contos 
escolhidos, relacionando-os com a história dos negros de Moçambique. 
Diante do que foi visto, é possível dizer que a pesquisa bibliográfica baseado nos autores 
citados no sexto item desse projeto foram de grande relevância para argumentar a importância 
do tema proposto. A metodologia baseada na leitura sistemática dos textos teóricos e a leitura 
e releitura dos contos escolhidos, possibilitaram um resultado satisfatório em relação ao 
principal objetivo deste trabalho, que é despertar o interesse pela memória que o texto literário 
dispõe, a partir dos contos elencados anteriormente. 
 
7. REFERÊNCIA 
COUTO, Mia. Na berma de nenhuma estrada. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 
 
COUTO, Mia. Línguas que não sabemos que sabíamos. In: E se Obama fosse africano? E 
outras interinvenções. 1.ed. Moçambique: Companhia das Letras, 2009. 
 
DELEUZE, Gilles. A literatura e a vida. In: Crítica e clínica. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: 
Ed. 34, 1997. (Coleção TRANS) 
 
LIMA, Flavio Lourenço Peixoto. Ficção e memória em Mia Couto. In: Itinerários: Revista de 
Literatura. (UNESP), p. 137-147. São Paulo: Brasil, 2005. 
 
NASCIMENTO, Luiz Paulo. Elaboração de projetos de pesquisa. 1ed. São Paulo. Cengage 
Learning, 2012. 
 
ZANELATO, Débora. Histórias de um povo. In: Vida simples. São Paulo, Editora CARAS, 
Edição 171, junho 2016. p. 30-35.

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