Buscar

ERA VARGAS - DOS ANOS 20 AO ESTADO NOVO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 132 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 132 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 132 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

Era Vargas: Dos anos 20 ao Estado Novo
Módulo 1: A crise dos anos 20
Unidade 1: Conjuntura
1922: a crise econômica
A década de 1920 é uma das mais importantes do ponto de vista da história econômica, política e cultural brasileira, e mesmo mundial. É um período de transição, de grande efervescência, que tem paralelos interessantes com o que acontece hoje. Minha intervenção aqui se centrará, contudo, no ano de 1922, momento em que talvez se tenha chegado mais perto de uma ruptura, exceção feita evidentemente para o final da década, quando a ruptura realmente ocorreu. Talvez eu focalize mais a árvore e perca um pouco da floresta da década de 20, mas como o desafio daqueles anos foi uma espécie de tentativa de resolver a ressaca da crise econômica de 1921-1922, 22 é um bom começo.
Mil novecentos e vinte e dois é um ano de profunda crise econômica, só comparável, na experiência republicana anterior, à gigantesca crise da década de 1890, que só acabou com o enorme esforço de ajustamento do período Campos Sales sob a tutela financeira britânica. Tem-se em 22 uma crise do café, uma inflação em alta e, especialmente, uma crise fiscal. É o final do governo Epitácio Pessoa, que, no entanto, havia começado com uma grande esperança de prosperidade, com grande otimismo, depois de anos de guerra, apreensões e dificuldades – de certa maneira, o fim do governo Epitácio parece muito com o fim do governo Sarney.
É desse clima de crise do Estado que surge ou que é renovado, como também se pode interpretar, o acordo Minas – São Paulo, que garante a eleição do mineiro Artur Bernardes, mas dá aos paulistas o controle absoluto da economia, com Sampaio Vidal no Ministério da Fazenda e Cincinato Braga no Banco do Brasil. Se se quiser recortar um exemplo de acordo café com leite, não existe nenhum melhor do que este, que solidifica a candidatura Bernardes contra os ataques violentos dos militares, numa situação de crise fiscal e crise do Estado como a que marca o final do governo Epitácio. Essa aliança marca também o primeiro compromisso formal do governo federal com a valorização permanente do café, que será uma bandeira do governo Bernardes mais à frente. Vinte e dois é, portanto, um ano de crise, mas de uma crise que gera uma reação de continuidade do regime, que sacode Minas e São Paulo para uma aliança formal. Por que, afinal, 22 foi tão ruim? A partir de que momento o governo Epitácio degringolou na gestão da economia? Quais as origens da crise? 
A crise que começa na segunda metade de 1920 chega ao auge em 1922, mas, na verdade, se arrasta até o final do governo Bernardes. Ela é um exemplo de livro-texto de choque externo adverso, ou seja, daqueles choques que marcam o comportamento de uma economia primária exportadora muito dependente do preço do seu produto básico. Epitácio Pessoa assume o governo em ótimas condições em 1919. É um período de alta do preço do café sem precedentes na memória das pessoas que viveram naquela época. Em 1918, uma imensa geada havia arrasado os cafezais de São Paulo. Ora, a produtividade logo depois de uma geada é muito pequena, pois as árvores demoram um tempo para se recuperar. Em 1919, portanto, os estoques estão baixos. Além disso, há um grande crescimento da demanda nos países centrais devido ao fim da guerra e à desmobilização das tropas. O medo do desemprego que a desmobilização rápida dos homens, com as mulheres ainda nas fábricas, poderia provocar, conduz esses países a uma política econômica expansionista, levando os governos a soltar o crédito. Diga-se de passagem, também, que na Europa a população civil não tomava café havia muito tempo. Esse crescimento da demanda mundial, combinado à restrição da oferta, eleva o preço do café até as nuvens.
A entrada no Brasil de uma receita de exportação muito grande leva, por sua vez, a uma enorme apreciação cambial, exatamente numa época em que a indústria está querendo investir. Os bens de capital tornam-se mais baratos, e abre-se um período de aumento das importações. O crescimento da atividade econômica tem um impacto muito favorável sobre a receita fiscal do governo, e o ano de 1919 se abre com grandes perspectivas de boa saúde financeira do governo. Com os Estados Unidos ainda no começo de sua disputa com Londres pela posição de centro financeiro, o Brasil começa a negociar empréstimos norte-americanos em 1920. Essa melhora na posição fiscal, somada a uma espécie de visão consensual sobre a necessidade de investimento público, leva finalmente a um grande programa de obras.
De fato, Epitácio Pessoa assume o governo em 1919 com um programa de obras que se ergue sobre duas pernas. A primeira delas está no Nordeste – afinal tratava-se de um presidente nordestino, o que, aliás, constitui outro ponto de semelhança com Sarney. Pouco tempo antes tinha havido também uma grande seca que se tornou famosa. O primeiro grande programa de obras contra as secas, com a construção de açudes, é assim lançado no governo Epitácio Pessoa, e isso nos custa uma grande quantia de dinheiro em libras e dólares, pois não tínhamos, na época, oferta interna de serviços e tecnologia, e as obras tiveram de ser contratadas no exterior.
Em segundo lugar, mas não menos importante, vem o programa de investimentos nessa espécie de sala de visitas que era o Rio de Janeiro da época, com vistas à Exposição do Centenário de 1922. A importância que as elites brasileiras davam à preparação da cidade para a exposição pode ser vista na epígrafe do capítulo 2 do livro de Marly Silva da Motta, onde se lê: É preciso que quem aqui aportar encontre, como primeira cidade brasileira, alguma coisa que provoque louvores. As obras para a exposição são monumentais. O que havia sobrado – e havia sobrado muito – do morro do Castelo, foi levado para dentro d'água. Vários pavilhões foram construídos, muitos deles com o dinheiro dos governos dos países participantes. De toda forma, a infraestrutura da exposição consome um colosso de dinheiro. Também no governo Epitácio, tem início a urbanização de Ipanema e da Lagoa Rodrigo de Freitas, com arruamentos, calçamento com paralelepípedos e construção de redes de esgotos. O imenso programa de obras do Rio de Janeiro beneficia ainda outras áreas públicas.
É engraçado observar, lendo os depoimentos da época, que como num reflexo do que se passava na Europa, Epitácio justificava seu imenso programa de obras como uma medida para combater o desemprego que iria se seguir à guerra, o que no Brasil não fazia o menor sentido. O desemprego no Brasil era estrutural, o país não empregava, mas também não tinha mobilizado um grande número de tropas para a guerra. Obviamente o programa do Nordeste se justificava por si só, devido aos efeitos sociais e econômicos da seca. Porém, justificar os altos investimentos em obras públicas como uma forma de minimizar o desemprego, incorporando a preocupação conservadora europeia e americana com o avanço das esquerdas no pós-guerra, era algo absolutamente esquizofrênico.
Toda essa perspectiva positiva que está por trás do início do governo Epitácio, em termos de solidez fiscal e de condições para um bom programa de obras, desaparece, no entanto, como por magia com o começo da crise mundial. Na verdade, o período de 1919 a 1922 é conhecido na literatura sobre a economia mundial como o período do boom e da recessão do pós-guerra. As origens da recessão são muito parecidas com as origens do boom: são as mudanças na política econômica dos países centrais, preocupados com o efeito da desmobilização. Primeiro, esses países viram que o efeito do desemprego provocado pela reconversão à economia de paz não foi tão grande. Por outro lado, a expansão monetária e o crescimento muito rápido das economias beligerantes levaram ao enfraquecimento das moedas dos países europeus e à dificuldade de combater a inflação herdada da guerra. Começa então a aparecer a reação conservadora, que depois vai se cristalizar na França com Poincaré e na Inglaterra com a volta dos Tories, com Churchill como ministro da Fazenda, reação essa queestá muito mais preocupada com a restauração do valor da moeda e com a solidez financeira do que com o emprego. Começa então a mover-se o pêndulo: depois de se preocupar com o desemprego, a restauração burguesa da Europa começa a dar mais peso ao conservadorismo monetário e fiscal. No começo de 1920, há na Europa uma passagem clara para políticas de contenção fiscal e de juros altos, que levam a uma reversão do boom do pós-guerra, que por sua vez tem efeitos devastadores sobre o café.
A reversão provoca uma queda nos preços de commodities em geral, mas atinge particularmente o café por razões exatamente contrárias àquelas que haviam feito subir seu preço em 1919, ou seja, escassez de oferta e crescimento de demanda. Em 1920, a oferta já está normal e a demanda cai. A virada no mundo ocorre na verdade no meio do ano de 1920. Os preços do café, que vinham subindo enormemente, param de aumentar no terceiro trimestre e despencam no final do ano. Esse fato tem efeitos graves sobre a saúde financeira do Estado brasileiro. Exatamente naquela hora, Epitácio havia iniciado um programa de metas que implicava compromissos políticos importantes e que ele não podia mais suspender. O Rio de Janeiro tinha de ser a sala de visitas do país na Exposição do Centenário, e o futuro político de Epitácio estava pendurado em seu programa de obras contra as secas.
A crise de 1920-1922, em termos de efeitos sobre os preços em nível de atividade internacional, é mais severa do que a Grande Depressão. A variação dos preços internacionais e do desemprego é maior em termos de amplitude. É uma crise mais rápida que não tem os efeitos perversos, em cadeia, ocorridos em 1929-1932. Não houve reações protecionistas, a economia mundial não foi descendo lentamente pelo abismo. Houve um choque muito violento. A economia mundial voltaria a crescer, e pode-se dizer que, por volta de 1922, o pior já havia passado. Entretanto, o período entre o fim de 1920 e o começo de 1922 é muito duro.
Para o Brasil, os efeitos do colapso do preço do café são duríssimos. Primeiro, há uma enorme desvalorização cambial, que chega a valores nunca vistos na história da República. As importações caem, e isso afeta as receitas públicas, para as quais eram importantes as tarifas alfandegárias. O nível de atividades se reduz, e isso é grave num país cuja estrutura tributária era baseada em impostos indiretos. A receita do governo diminui, de um lado, em consequência da queda no volume das transações, e, de outro, em virtude da depreciação rápida do câmbio, que encarece os produtos estrangeiros e tem um efeito perverso sobre a inflação. Na economia aberta da Primeira República, a inflação está muito associada ao câmbio. Toda vez que se tem uma depreciação muito forte, segue-se um período de inflação. E a inflação, como cansamos de ver agora nos anos 80, erode ainda mais a receita fiscal.
O que acontece no Brasil, em resumo, é um enorme desequilíbrio financeiro do governo. Para piorar, a crise faz com que os empréstimos norte-americanos, que haviam começado a aparecer logo depois da guerra, cessem. A Inglaterra ainda levaria três ou quatro anos para arrumar a casa e poder emprestar, e a França não mais voltaria a fazer empréstimos depois do choque psicológico do calote soviético. Sobra apenas um meio de financiar o déficit: a emissão de moeda ou a colocação de títulos da dívida pública no mercado. Isso aumenta o desequilíbrio financeiro e alimenta a inflação. Além do mais, por ter sido muito violento, o colapso dos preços reacende de 1921 para 1922 uma forte pressão de São Paulo em favor da defesa do café. A última pressão havia ocorrido em 1917. Desde o convênio de Taubaté, não se falava mais nisso, mas agora os paulistas voltavam com força. Bancar a defesa do café significava mais gastos públicos para comprar estoques e segurar os preços, porém, o governo Epitácio cede; por duas razões.
A primeira delas é a decisão de atender aos interesses corporativos do café. Porém, o mais importante é o reconhecimento do fato de que a crise fiscal do Estado era decorrente da depreciação cambial, que por sua vez era decorrente do colapso do preço do café. Existe um discurso de Epitácio que não deixa a menor dúvida a respeito da defesa do café, e vários outros documentos já provaram que a racionalidade era essa significa defender o Estado, a estabilidade econômica e financeira do Estado. Os interesses da cafeicultura e do Estado brasileiro se confundem. E mais: há um acordo tácito de que não se interromperiam as obras do Nordeste em troca da defesa do café. É um tipo de acordo que sempre se faz no Brasil com o dinheiro público - no final dois mais dois são oito.
Por tudo isso, o final do governo Epitácio Pessoa apresenta um absoluto desequilíbrio fiscal. No entanto, a defesa do café também tem um imenso efeito positivo: segurando-se os preços do café, corta-se o desequilíbrio do balanço de pagamentos, que está na base do desequilíbrio fiscal e da queda das receitas públicas. Isso tem um efeito positivo sobre a indústria, e nos permite dizer que, do ponto de vista do nível de atividades, o pior estava passando. De toda forma, a herança do governo Epitácio é um desequilíbrio fiscal gigantesco, e isso o torna ainda uma vez parecido com o governo Sarney.
A aliança política que apoia Artur Bernardes é muito clara. Sampaio Vidal e Cincinato Braga vão para o governo basicamente para fazer a defesa permanente do café. É um modelo novo de defesa. Constroem-se armazéns enormes nos entroncamentos ferroviários, e os estoques comprados pelo governo passam a ser controlados dentro do país – antes, eram mandados para a Europa e ficavam sob controle dos importadores estrangeiros. Agora tudo passa a ser feito no Brasil, mas é preciso dinheiro. O programa dessa aliança passa, portanto, por um ajuste fiscal, imposto pela necessidade de financiamento das safras. Todo o discurso de austeridade fiscal de Bernardes vai por água abaixo.
Em 1923, há novamente pressão. A safra é grande, e o Banco Central independente criado por Cincinato Braga vira uma máquina de fazer dinheiro para financiar o café. O desequilíbrio fiscal continua, o governo se vê de novo à beira de uma crise fiscal e tem de fazer algo muito parecido com o que fez o governo Campos Sales na tentativa de preservar a República, ou seja, tem de entrar em contato com o governo inglês para um grande empréstimo de consolidação. Uma missão inglesa vem ao Brasil e coloca condições para esse empréstimo. Uma delas é que o governo abandone a defesa do café. Bernardes concorda, e, em 1924, há um racha importante no acordo Minas – São Paulo.
Os mineiros, ao contrário dos paulistas, sempre derivaram seu poder na Primeira República do controle dos recursos públicos. Nunca houve uma burguesia mineira como havia em São Paulo, onde a elite política era visivelmente plutocrata, de origem fazendeira. Em Minas, havia políticos de carreira e cultivava-se a ideia de que o equilíbrio fiscal era coisa a ser preservada. É assim que Bernardes ejeta Sampaio Vidal e Cincinato Braga sem a menor cerimônia e adota um rígido programa de austeridade. Em dois anos, é restaurado o equilíbrio fiscal, apesar do relativo insucesso das negociações com os ingleses, de cujo empréstimo só chega muito depois. Só que esse ajuste fiscal vem numa hora em que o governo já não precisava tanto dele, pois o mundo estava começando a melhorar e novamente começavam a aparecer capitais.
O fim do governo Bernardes é interessante. Quando ele ejeta os paulistas, abre mão, de modo totalmente unilateral, da responsabilidade federal pela defesa do café e a entrega ao governo de São Paulo. Bota o bebê na porta e toca a campainha. Porém, no momento em que Bernardes consegue fazer esse ajuste fiscal fantástico, cria-se um problema muito parecido com o do período Campos Sales – Rodrigues Alves. A economia mundial cresce, e começa-se a ter um embaraço de riquezas: muito fluxo de capital, exportações se comportando bem, atividades ainda reprimidas e, portanto, importações ainda baixas.Tem-se então um excesso de cambiais, e a taxa de câmbio começa a valorizar de novo. Bernardes acha bom, porque pensa nas finanças públicas, mas o setor produtivo não gosta muito disso. Sabe-se que os exportadores não gostam de câmbio que valoriza, mas não são só os cafeicultores que protestam. Os produtores têxteis são os que mais berram contra a apreciação do câmbio no final do governo Bernardes. Começam então, de novo, as pressões para a estabilização da moeda e para a volta ao padrão-ouro, mecanismo pelo qual se evita a apreciação cambial. Estabilizando-se a taxa de câmbio, cresce o volume de moeda interna, o que é música para os ouvidos dos empresários. É evidente que, num ano de campanha eleitoral, o candidato à presidência tenderia a incorporar ao seu discurso a volta ao padrão-ouro e a criação de uma Caixa de Estabilização. Foi isso o que fez Washington Luís. Em seu governo, o país conheceu um imenso crescimento, até o mundo mudar novamente, com a Grande Depressão. Mas esta já é outra fase da história do Brasil.
Arte e cultura
A entrada do Brasil na modernidade foi parte de um processo complexo em que se entrecruzaram dinâmicas diferentes. Nas primeiras décadas do século XX, aceleraram-se a industrialização, a urbanização, o crescimento do proletariado e do empresariado. De outro lado, permaneceram a tradição colonialista, os latifúndios, o sistema oligárquico e o desenvolvimento desigual das regiões. De toda forma, com a expansão dos centros urbanos, modificaram-se os valores da cultura cotidiana e os próprios padrões da comunicação social. As ideias de simultaneidade, concisão, fragmentação, velocidade e arrojo passaram a expressar os tempos modernos. As Kodaks, o cinema e as revistas ilustradas captavam um mundo feito de imagens. Era inevitável que a arte expressasse as transformações trazidas pela modernidade. Mas, no Brasil, outros problemas também preocupavam artistas e intelectuais. 
Nós não nos conhecemos uns aos outros dentro do nosso próprio país. A frase, do escritor carioca Lima Barreto, caracteriza bem o espírito da década de 1920. Era um tempo de indagações e descobertas. A tarefa que se impunha era a de construir a nação, e isso significava também repensar a cultura, resgatar as tradições, costumes e etnias que haviam permanecido praticamente ignorados pelas elites. A questão da identidade nacional estava agora em primeiro plano: que cara tem o Brasil? Artistas e intelectuais buscaram responder a essa pergunta, e esse esforço foi uma característica importante do modernismo brasileiro. Isso não quer dizer que o modernismo tenha sido um movimento homogêneo. Ao contrário: produziu imagens e reflexões sobre a nacionalidade profundamente contrastantes entre si.
A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo no ano de 1922, representou uma verdadeira teatralização da modernidade. Mas o movimento modernista não se resumiu à Semana. Na verdade, começou antes de 1922 e se prolongou pela década de 1930. Tampouco se restringiu a São Paulo. Houve também uma modernidade carioca e a proliferação de revistas e manifestos por todo o país indica que o raio de ação do movimento foi maior do que se supõe.
Assim como a Exposição Universal do Rio de Janeiro de 1922, a Semana de Arte Moderna fazia parte da agenda oficial comemorativa do Centenário da Independência. O evento teve grande impacto na época, pois formalizou e discutiu questões que já se estavam esboçando na vida cultural. Por exemplo: como integrar tradição e modernidade; regional e universal; popular e erudito? 
Mário de Andrade defendia a perspectiva de integração dinâmica do passado ao presente. No Prefácio interessantíssimo de seu livro de poemas Paulicéia desvairada – 1922 –, definia o passado como lição para meditar não para reproduzir. A tradição em si não tinha valor, a não ser que estabelecesse um elo vivo com a atualidade. Era esse o sentido dos estudos folclóricos a que se dedicou. Seu célebre livro Macunaíma – 1928 – mostra um herói que nasce índio, torna-se negro e no final é branco. O herói Macunaíma sobrevoa o Brasil nas asas de um pássaro. O que importava era destacar a nossa multiplicidade étnico-cultural, vislumbrar o conjunto da nacionalidade.
Outro autor modernista de renome, Oswald de Andrade, propunha no Manifesto pau-brasil – 1924 – uma síntese capaz de unir o lado doutor da nossa cultura ao lado popular. Já no Manifesto antropofágico – 1928 –, sugeria um projeto de reconstrução da cultura nacional. Metaforicamente, deveríamos devorar e absorver de maneira crítica as influências do inimigo externo. As ideias do futurismo, do dadaísmo e do surrealismo poderiam ser integradas à nossa cultura desde que fossem reelaboradas. No quadro de Tarsila do Amaral intitulado Abaporu – que significa o homem que come –, está expressa plasticamente a ideia da integração cultural.
O grupo dos verde-amarelos, por sua vez, tinha ideias bastante diferentes: propunha um retorno ao passado, considerado como o depositário das nossas verdadeiras tradições. Via no popular, com sua índole pacífica, a alma da nacionalidade, a ser guiada pelas elites políticos-intelectuais do país. No manifesto Nhengaçu verde-amarelo – 1929 –, defendia as fronteiras nacionais contra as influências culturais estrangeiras. Nesse ponto, o grupo reforçava a tese do nacionalismo militarista de Olavo Bilac, fundador da Liga de Defesa Nacional e criador da figura do poeta-soldado. As ideias dos verde-amarelos seriam mais tarde incorporadas pelo regime autoritário do Estado Novo – 1937-1945.
Entre os intelectuais dos anos 20, cujas análises visavam à definição de novos rumos para o país, incluíam-se Oliveira Viana, Gilberto Amado, Pontes de Miranda. Eles escreveram ensaios que foram publicados em 1924 em uma coletânea organizada por Vicente Licínio Cardoso, chamada À margem da história da República. Na base de seu ideário, estava o pensamento do político e escritor fluminense Alberto Torres.
Um dos nossos maiores problemas, na opinião desses pensadores, era a debilidade do governo federal. A Constituição de 1891 estava, a seu ver, ultrapassada, e isso por dois motivos principais: possuía inspiração externa e assegurava grande poder aos estados em detrimento do poder central. Urgia que o país construísse seu próprio modelo e criasse instituições adequadas à realidade nacional.
Café e indústria
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o fluxo internacional de comércio sofreu uma drástica desaceleração. Aumentaram as dificuldades para a exportação do café brasileiro, que foram ainda mais agravadas pela volumosa safra de 1917-18. Paralelamente, porém, o conflito mundial favoreceu o processo de industrialização do Brasil. A interrupção da entrada de capitais estrangeiros e a obrigação de honrar os compromissos da dívida externa minaram os estoques de divisas nacionais. Como consequência, foi necessário controlar as importações, já prejudicadas devido à guerra, e promover a produção nacional de artigos industrializados. Estima-se que a produção industrial brasileira cresceu a uma taxa anual de 8,5% durante os anos de conflito.
Ao mesmo tempo que incentivava, a guerra criava limites à expansão da nossa indústria, ao impedir a reposição e manutenção de máquinas e equipamentos. O problema era que o Brasil continuava carente de uma indústria de base que inclui a produção de aço, ferro e cimento. Data somente de 1924 o início da produção de aço no país, pela siderúrgica Belgo-Mineira, enquanto a produção de cimento, pela Companhia de Cimento Portland, só se iniciou em 1926.
O processo de industrialização da década de 1920 se dividiu em duas etapas: a primeira até 1924, coincidindo com a terceira valorização do café – 1921-24 –, quando foram realizados importantes investimentos em maquinaria, que levaram à modernização da indústria; a segunda, de 1924 até 1929, quando ocorreu um processo de desaceleração na produção industrial, em virtude da retomada do fluxo de importações, graças a uma taxa de câmbio que tornava mais barato o produto estrangeiro.A despeito da relação simbiótica entre café e indústria, que se refletia inclusive na união das famílias por meio de casamentos ou no duplo papel do cafeicultor-industrial, não se pode negar a existência de disputas entre fazendeiros e industriais, principalmente quanto à delicada questão da elevação de tarifas. Tanto a burguesia cafeeira quanto a nascente burguesia industrial queriam proteger seus interesses. 
Assim, em 1922 foi criado o Instituto de Defesa Permanente do Café, órgão destinado a organizar o mercado produtor nacional. Não tardou muito para que essa função passasse a ser atribuição do estado de São Paulo, com a criação, em 1924, do Instituto do Café de São Paulo. Os industriais também se organizaram em diversas associações de classe, em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Juiz de Fora. Mas foi o Centro Industrial do Brasil – CIB –, sediado no Rio de Janeiro, o que mais se destacou por procurar articular os interesses empresariais em todo o país. Ao longo das greves ocorridas entre 1917 e 1920, conseguiu garantir a união do setor industrial frente à classe operária. O CIB também procurou limitar a intervenção do Estado na questão social, a fim de evitar um excesso de ônus para os industriais e o cerceamento de sua liberdade na condução das relações com o operariado. 
A crise política dos anos 20 foi caracterizada pela rejeição do sistema oligárquico, que era associado ao rei Café. Seu desfecho foi o fim da hegemonia da burguesia cafeeira na condução da economia e da política brasileiras. Mas a estreita relação entre café e indústria fez com que tanto os cafeicultores quanto os industriais fossem identificados como beneficiários da política do governo. De fato, os industriais – supostamente representantes dos novos tempos – aliaram-se em sua maioria aos setores mais conservadores das forças em luta. Ao se inaugurar a Era Vargas, apesar das dificuldades políticas e econômicas enfrentadas, a industrialização do país já iniciara um caminho sem retorno.
Questão social
Durante a Primeira Guerra Mundial, a indústria brasileira registrou alto índice de expansão, fruto do declínio do comércio internacional e da consequente necessidade de substituição das importações. Com o aumento das atividades industriais, aumentou o contingente de trabalhadores organizados, o que fortaleceu o movimento operário. Entre 1917 e 1920, inúmeras greves foram decretadas nos principais centros urbanos do país. Em decorrência, o debate sobre a questão social e sobre as medidas necessárias para enfrentá-la ganhou considerável espaço no cenário político nacional. O mesmo acontecia no plano internacional, tanto que o Brasil participou da Conferência do Trabalho de Washington em 1919. Esse foi um ano de eleições presidenciais aqui, e o tema foi bastante explorado pelo candidato de oposição Rui Barbosa. Mesmo sem apoio de uma máquina eleitoral, Rui conseguiu cerca de um terço dos votos e saiu vitorioso no Rio de Janeiro, então capital da República.
O objetivo central da classe operária era melhorar as condições de vida, de trabalho e salário. Já o empresariado considerava a possibilidade de fazer algumas concessões ao operariado para garantir o processo de produção e de acumulação de capital e, simultaneamente, fazer frente às críticas anti-industrialistas que acusavam o setor de ser o causador da alta do custo de vida além de estimulador de graves problemas sociais com sua intransigência.
Enquanto a classe trabalhadora negociava com os empresários através dos seus sindicatos legalmente organizados, o patronato também se reunia em associações. Entre as principais figurava o Centro Industrial do Brasil – CIB –, que funcionou como um órgão de negociação. Jorge Street, industrial, presidente do CIB, representava a corrente mais favorável à concessão de certos direitos para a classe trabalhadora como condição para a reprodução do capital e da força de trabalho. Além disso, aceitava a intervenção estatal na regulamentação do mercado de trabalho, até então relativamente ausente, desde que fosse respeitada a iniciativa individual dos empresários. 
O Poder Legislativo deu início a um debate com vistas a encaminhar a aprovação de um Código de Trabalho, o que não chegou a acontecer. Dois deputados destacaram-se na defesa das demandas da classe trabalhadora: Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento. É bem verdade que, para a maioria dos políticos da época, a questão social não era percebida como sendo de natureza econômica ou mesmo social, mas sim como um problema de moral e higiene. Daí, portanto, a tendência a tratá-la em conjunto com os temas de educação e saúde. Com o tempo, entretanto, a questão educacional e a questão sanitária ganharam sua área própria, e abriram-se novas discussões, sobre as reformas educacionais e o movimento sanitarista. 
Aos poucos, começaram a ser tomadas algumas iniciativas para a criação de normas jurídicas de regulação e controle dos contratos de trabalho. Dava-se início à formação de uma legislação social no país. A primeira dessas leis foi a relativa a acidentes de trabalho, de 1919. Para se precaver, o patronato criou companhias seguradoras, responsáveis pelo pagamento dos benefícios, mas igualmente fontes de acumulação de capital. Em 1920, foi criada a Comissão Especial de Legislação Social da Câmara dos Deputados, com a função de analisar toda e qualquer iniciativa legislativa na área trabalhista. A lei de criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões, de 1923, é considerada a primeira lei de previdência social. Também conhecida como Lei Elói Chaves, nome do autor do projeto, ela concedia aos trabalhadores associados às Caixas ajuda médica, aposentadoria, pensões para dependentes e auxílio funerário. A Lei Elói Chaves beneficiou de início apenas os trabalhadores ferroviários. Só três anos mais tarde, seus benefícios foram estendidos aos trabalhadores das empresas portuárias e marítimas. 
Em 1922, inaugurou-se o governo de Artur Bernardes, que seria marcado por uma grande instabilidade política devido ao movimento tenentista, e por uma forte repressão ao movimento operário. Uma das principais correntes deste último movimento, a dos anarquistas, além de enfrentar a polícia, passou a sofrer a concorrência dos comunistas, que fundaram, em 1922, o Partido Comunista do Brasil. O enfraquecimento do poder de pressão da classe trabalhadora, juntamente com a desaceleração do ritmo da produção e o aumento das importações, fez com que setores do empresariado retrocedessem em seu relativo apoio as demandas sociais e trabalhistas. Além disso, o patronato sentia-se, dia a dia, mais lesado em seus direitos e liberdades com o crescente intervencionismo do Estado no campo trabalhista.
Ainda assim, duas leis importantes foram introduzidas na segunda metade dos anos 20: a Lei de Férias – 1925 – e a Lei de Regulamentação do Trabalho de Menores – 1926-27. A primeira visava a obrigar os empresários a concederem 15 dias de férias a seus empregados, sem prejuízo do ordenado, mas foi sistematicamente desrespeitada. Já o Código do Menor estipulava a maioridade a partir dos 18 anos e propunha uma jornada de trabalho de seis horas. Ao contrário da Lei de Férias, enfrentou uma reação apenas parcial, com relação aos limites de idade – de 14 anos – e ao horário de trabalho estipulados.
O cumprimento da legislação social, entretanto, deixava muito a desejar devido à ausência de fiscalização adequada. Apenas os trabalhadores mais organizados e de maior peso político conseguiram, assim mesmo com muita luta, garantir sua aplicação. Isso também se restringia aos grandes centros do país, São Paulo e Distrito Federal, não tendo, portanto, um caráter nacional. Mesmo a criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923, concebido como um órgão específico para tratar de questões dessa natureza, não resolveu o problema. O Conselho teve uma atuação de caráter meramente consultivo, não chegando a operar como planejador de uma legislação social. Só a partir de 1928, o órgão adquiriu poderes para atuar como árbitro de conflitostrabalhistas.
Até a inauguração da Era Vargas, o direito social brasileiro só abrangia alguns poucos aspectos da questão trabalhista e menos ainda da questão previdenciária. Seja como for, a implantação de uma legislação social como um todo após a Revolução de 1930 tem suas raízes nessas iniciativas pioneiras e na luta dos trabalhadores desse período.
Unidade 2: Sistema político na Primeira República
O regime republicano no Brasil: duas versões
Um dos problemas enfrentados pela República é a questão da legitimidade do novo regime. A proclamação parece ter sido uma ação militar, e os militares não tinham até então atuação reconhecida na história nacional. Durante 60 anos, o país não sofreu crise no governo imperial que fosse provocada pela força armada. A atuação na Guerra do Paraguai, por assim dizer, funda uma nova experiência, e, a partir daí, cresce a demanda por um novo papel das forças armadas na política brasileira, o que só se vai dar efetivamente na proclamação.
O esprit de corps que uniu os bacharéis fardados – tenentes, alunos ou ex-alunos de Benjamin Constant – e os tarimbeiros – oficiais superiores que tinham lutado na Guerra do Paraguai – possibilitou a ação política de proclamar a República. Essa unidade temporária resultante dos efeitos da Questão Militar produziu uma ação política, mas não garantiu a institucionalização da nova ordem nem sua legitimidade. E, é preciso lembrar: O núcleo republicano civil mais poderoso e organizado, o paulista, tinha poucos contatos com os militares e muitas dúvidas sobre a conveniência de envolvê-los na campanha (CARVALHO, 1977: 217).
Se é assim, cabe perguntar como se construiu a legitimidade da nova ordem e dos novos atores políticos. A antiga ordem havia se desagregado e a nova ainda não se consolidara sob a forma de instituições estáveis e aceitas. Este tempo forte composto de momentos de efervescência da vida política, caracteriza os primeiros dez anos da República – 1889-98 –, também chamados de anos entrópicos, nos quais a quantidade de desafios parece ser maior que a capacidade dos atores de erradicar a ignorância sobre o que se passava (LESSA, 1988: 15).
Nessa década do caos, buscou-se, sem êxito, construir as bases da obediência legítima, já que...
“...a noção de legitimidade não corresponde a nada além do reconhecimento espontâneo da ordem estabelecida, da aceitação natural, não obrigatoriamente das decisões daqueles que governam, mas dos princípios em virtude dos quais eles governam” (GIRARDET, 1987: 88).
Memórias específicas compõem as versões em conflito. Essas imagens construídas preenchem tanto uma função explicativa capaz de fornecer parâmetros para a compreensão do momento presente quanto uma função mobilizadora, quando o objetivo é alterar a ordem estabelecida. As versões expressam situações opostas no quadro político, expondo as posições de diferentes grupos que fazem parte da mesma sociedade.
Monarquistas e republicanos constituíam os dois grupos em conflito explícito no início da República, construindo cada qual a sua versão dos fatos e dos desafios a serem vencidos. Quem eram eles? O que pensavam? Quais os seus heróis?
Os monarquistas ou, como na feliz expressão de Maria de Lourdes Janotti (1986), os subversivos da República, formavam um grupo de grande consistência ideológica, composto por políticos influentes, jornalistas, intelectuais, ativistas, que se dividiam entre restauradores e adesistas ou neorrepublicanos. Apesar de muitos deles terem aceitado o novo regime como fato consumado, o grupo sempre esteve envolvido nas questões políticas que marearam a década do caos, trazendo dificuldades à consolidação republicana.
Os defensores da monarquia confiaram, em um primeiro momento, na possibilidade de rearticular sua força política por ocasião das eleições para a Constituinte. Desejavam levar o povo, através de um plebiscito, a não referendar a ação militar que proclamara a República. Entretanto, dentro de suas próprias fileiras, enfrentavam algumas questões cruciais: desde a de responsabilizar o gabinete liberal de Ouro Preto pela ruína do Império e a passividade de Pedro II em incentivar as ações restauradoras, até a difícil questão dinástica que incluía a possibilidade de uma regência.
Os monarquistas esperavam e desejavam que as crises republicanas convencessem as forças políticas das ameaças de desmembramento e da validade da única salvação possível – a restauração. Tinham esperança na ruína do regime, mesmo quando não estavam atuando neste sentido. Sofriam perseguições, eram vistos com desconfiança, principalmente os que aderiram ao novo regime e aceitaram jogar o jogo republicano.
A Revolta da Armada foi o movimento mais sério em que estiveram envolvidos. Resultante do manifesto de 13 oficiais que, em nome da defesa da Constituição republicana se rebelaram contra a posse de Floriano, esse movimento apareceu em um primeiro momento como uma reação legalista contra o militarismo que ameaçava tomar conta da República. A adesão do almirante Saldanha da Gama – conhecido monarquista – caracterizou o movimento como restaurador e forneceu munição aos jacobinos que apoiavam Floriano no combate à revolta.
O fato de os monarquistas terem participado intensamente da luta política não significa que tenham tido êxito. Entretanto, ressaltamos aqui sua superioridade do ponto de vista de sua versão e de seus quadros. Inúmeros intelectuais são seus porta-vozes, o que parece ter conferido mais estabilidade e consistência à sua interpretação.
Eduardo Prado, em seu livro Fastos da ditadura militar no Brasil (1902), reuniu artigos publicados – entre dezembro de 1889 e junho de 1890 – na Revista de Portugal, periódico dirigido por Eça de Queiroz. Sob o pseudônimo de Frederico S., Eduardo Prado denunciava as práticas da ditadura militar republicana que se opunham às teorias e práticas liberais vigentes no Império. O autor via no Império a presença liberal, enquanto a República se apresentava como a introdução do caudilhismo na política brasileira. A República trazia a ameaça de dividir o Brasil em múltiplos países, rompendo a unidade conseguida pelo Império.
Outro livro de Eduardo Prado, A ilusão americana, escrito em 1893, trata do período histórico que se estende de 1823, com a elaboração da doutrina Monroe, até 1892, com a chamada política do big-stick, sob a inspiração de Blaine, quando o expansionismo norte-americano fez sua presença armada na América Central.
A ilusão americana condena a forma republicana apresentando-a como a cópia do modelo político norte-americano. A crítica à República aparece já no prefácio, onde Eduardo Prado se refere a este regime como dolorosa provação que (...) tanto tem amargurado a pátria brasileira, ou quando diz: o governo republicano do Brasil, tristemente predestinado a reagir sempre contra a civilização.
A primeira parte de A ilusão americana centra-se na apresentação de fatos da política externa americana frente aos países da América Latina, com especial ênfase no caso mexicano e das Antilhas. A conclusão do autor é a de que o grande protetor da independência dos países latinos sempre foi a Inglaterra. A doutrina Monroe e sua execução estariam bem distantes da interpretação jacobina que os republicanos brasileiros estavam dando a ela.
Ao adotarem o modelo norte-americano, os países da América espanhola renegaram suas tradições. O Brasil, mais feliz, instintivamente, obedeceu à grande lei de que as nações devem reformar-se dentro de si mesmas, como todos os organismos vivos, com a própria substância (PRADO, 1893: 53). Em 1889, cometeu-se o mesmo erro dos países hispano-americanos: a imposição de um modelo que produziu, imediatamente, a perda da liberdade.
Eduardo Prado reconhece que a república americana fora criada em um período onde predominou o patriotismo e a abnegação, e relembra Montesquieu em sua proposição de que as repúblicas precisam ter como fundamento a virtude. Esse fora o fundamento da república americana ao tempo dos pais fundadores. Os vícios, as faltas atuaisnão estavam presentes no seu início, tinham a ver com a sociedade burguesa.
Do ponto de vista cultural, Eduardo Prado aponta o encantamento americano pela realeza e pelas aristocracias europeias. Esta admiração tem sentido, já que os Estados Unidos são ainda uma colônia. A civilização vem-lhe da Europa (p. 116). Refere-se ao americano como um parvenu enriquecido. O encantamento pela realeza fez com que os Estados Unidos dessem preferência pelo apoio à Alemanha, durante a guerra franco-prussiana, mesmo depois da proclamação da república francesa. Aprovaram a guerra de 1870 e a consequente anexação da Alsácia e da Lorena. O autor deseja demonstrar que não há qualquer compromisso essencialmente republicano na política externa dos Estados Unidos.
Outro ponto de destaque é a questão da abolição. Segundo Prado, a solução norte-americana foi genuinamente republicana e norte-americana, isto é, pela violência, pela força, pela guerra entre irmãos. No Brasil tivemos a solução monárquica. Nossa monarquia teve a glória de ser punida pela sua ação libertadora (p. 131). Isto em si não é uma novidade, já que, para Eduardo Prado, todas as grandes reformas sociais se realizam sob um governo monárquico.
De acordo com Prado... 
“...na gestão dos negócios e dos dinheiros públicos, a monarquia arrisca a sua própria existência; é como uma firma solidária que responde com a sua pessoa e com a totalidade de seus bens. A República é uma companhia anônima de responsabilidade limitada” (p. 130-1). 
E complementa: a forma republicana burguesa, como existe em França e nos Estados Unidos, é a que mais protege os abusos do capitalismo (p. 133). 
Ao mesmo tempo em que combate a imitação – sejamos nós mesmos, sejamos o que somos, e só assim seremos alguma coisa" (p. 169) –, Eduardo Prado não considera serem os exemplos americanos dignos de qualquer apreço. Os Estados Unidos mantinham um sentimento de indiferença e mesmo de superioridade para com os sul-americanos. Os laços da amizade eram fictícios. A grande ajuda que recebíamos tinha sido e era a inglesa. A águia americana com que se sonhava não estava protegendo e sim dominando toda a América - era a política imperial dos Estados Unidos.
Procuramos destacar pontos do livro de Eduardo Prado em que seu pensamento apresenta, de forma mais explícita, a defesa da monarquia. Suas ideias o colocam como um digno representante do panteão onde estão presentes figuras como Renan e Maurras.
Eduardo Prado, liberal, anglófilo e ardente monarquista, teria sido certamente, uma das mais destacadas presenças no mundo intelectual brasileiro, não fosse sua morte prematura, aos 41 anos. Sua posição no mundo literário era proeminente, fazia parte de um grupo luso-brasileiro, junto com Eça de Queiroz, Rio Branco, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Afonso Arinos. Foi também um dos organizadores da Academia Brasileira de Letras.
A proclamação da República trouxe Eduardo Prado para o mundo da luta político-ideológico através dos textos acima referidos. Ele foi, também, o responsável pela organização de uma série de conferências comemorativas do centenário de José de Anchieta, dentro do espírito histórico e do renascimento do catolicismo no Brasil.
Além de Eduardo Prado, as fileiras monarquistas contavam, entre outros, com Afonso Celso – filho do visconde de Ouro Preto –, autor de Por que me ufano do meu país?, e Joaquim Nabuco, político abolicionista que, com seu livro Um estadista do Império, abordando a figura de seu pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, construiu o modelo de um gênero que seria muito utilizado no Brasil, a biografia política.
Se esses textos expressam a versão que os monarquistas têm da República, a súmula desse ponto de vista parece estar presente na publicação, em quatro volumes, de A década republicana (JANOTTI, 1986; QUEIROZ, 1986).
Os republicanos jacobinos constituíam a tropa de choque de defesa da República e de combate aos monarquistas. Originários dos batalhões patrióticos, espécie de milícia voluntária, formada nos primeiros dias da República para a sua defesa, proliferaram principalmente durante o governo de Floriano Peixoto. Compostos de alunos de escolas superiores, funcionários públicos, comerciantes e guarda-livros atuavam junto com militares nos clubes jacobinos. Desenvolveriam sua ação em meetings, passeatas, agressões e empastelamento de jornais, ajudando a manter o clima de conflito político no Rio de Janeiro. O Nacional e O Jacobino eram os principais jornais que divulgavam os pontos de vista e as propostas desse grupo.
Para os jacobinos, o novo regime deveria ser não só republicano e federativo, mas sobretudo presidencialista, e do presidencialismo, os jacobinos chegaram à defesa da ditadura militar no fim do governo de Prudente de Moraes. A defesa do papel fundamental dos militares não só controlando as revoltas – Revolução Federalista e Revolta da Armada, ambas em 1883 –, mas também outros postos do governo foi a prática do governo Floriano e ideário do jacobinismo.
Em seu combate à monarquia, os jacobinos associavam o Império à dominação lusitana e clerical. Neste sentido, denunciavam e se opunham ao decreto de naturalização do Governo Provisório, expedido nos primeiros dias da República. Apoiaram Floriano quando este rompeu relações diplomáticas com Portugal em 1894, em consequência do apoio deste país aos vencidos da Revolta da Armada. Além disso, empreenderam duro combate à colônia portuguesa do Rio de Janeiro, que teria sempre apoiado ações restauradoras.
O movimento jacobino emergiu como força política no governo Floriano, mas não desapareceu com a saída e a morte deste: sua força aumentou como oposição ao governo Prudente de Morais. As atitudes de Prudente – demitindo florianistas do governo, reatando com Portugal, anistiando rebeldes federalistas e da Revolta da Armada, diminuindo as restrições à atividades dos monarquistas – só fizeram aumentar os conflitos. Os desastres contra Canudos puseram mais lenha na fogueira. Esta linha ascendente de conflito político só foi rompida com o atentado ao presidente, quando morreu o ministro da Guerra.
É a partir daí que se reverte o quadro político. Vários políticos4 foram envolvidos no atentado e este evento fez com que a ação política oposicionista mudasse de direção. A partir de então, vários políticos se uniram contra os jacobinos e passaram a defender o governo Prudente de Moraes.
Raul Pompéia é figura importante desse período, sendo considerado um elo entre os intelectuais e os jacobinos ativistas (QUEIROZ, 1986: 115-6). Por meio de seus artigos pela imprensa, este autor constrói uma versão do nacionalismo, combate o sentido impresso à colonização brasileira e o lusitanismo do Império e defende a criação de uma indústria nacional, única atividade capaz de proporcionar a independência do país.
Sua carta-prefácio do livro de Rodrigo Otávio, Festas Nacionais, datada de 1893, expressa com clareza sua interpretação sobre o conflito político do país dilacerado entre dois grupos: o partido da emancipação e o partido da colônia. Este duelo secular já tivera como contendores José Bonifácio e José Clemente Pereira, representando o primeiro a pátria nova e o último a servidão colonial.
Raul Pompéia relê a história do Brasil segundo esta luta política: condena o Império, responsabilizando-o por cinquenta anos de inércia e de abandono: uma inépcia benigna, que alcançava a ordem e a tranquilidade a preço de passividades, resignações, corrupções (p. 11). Para ele, o Segundo Reinado voltou as costas à pátria. O empreendimento do princípio de uma dinastia europeia foi a anulação do caráter nacional. O estrangeiro apoiava o trono, que garantia seu monopólio sobre as especulações mercantis. O fazendeiro apoiava o trono, que garantia a manutenção do trabalho servil. Neste sistema, o brasileiro que não fosse proprietário rural...
“...tinha que ser o parasita involuntário do funcionalismo, ou o soldado, sob a prevenção eficaz da chibata. As carreiras de futuro pela especulação e pela indústria, quecriam o povo forte e independente, foram reservadas aos hóspedes da terra, aos estranhos do patriotismo” (p. 12).
Concluindo sua análise, Raul Pompéia afirma que o povo brasileiro não contava com classes conservadoras. Os proprietários rurais, únicos conservadores possíveis, acabaram por confundir seus interesses com os do comércio, controlados exclusivamente por estrangeiros. A pátria brasileira não contou com o patriotismo das classes ricas, com a vigilância dos que mais têm o que perder: Somos assim, em economia política, uns miserandos desvertebrados.
Para Raul Pompéia o militar, tradição de virilidade do povo, núcleo do nacionalismo brasileiro, ensaiou a redenção e era, então, condenado. Contra ele, contra a República, coligavam-se todas as forças reacionárias, que compunham o sebastianismo e comandavam tanto a aversão à República – porque a República tenta promover a emancipação nacional, quanto a aversão do soldado – porque o soldado fez a República (p. 18).
O partido da colônia representava o grande obstáculo à organização republicana, pois dominava pontos estratégicos da política e do comércio. Foi ele, também, o responsável pela manutenção do preconceito de cor, desconhecido do brasileiro, e que serviu como elemento demolidor do civismo nacional.
Raul Pompéia combate o conservadorismo estrangeiro porque este nada conserva para o Brasil. Defende a organização, em seu lugar, do partido conservador brasileiro. 
“Tivemos um dia a revolução em nome da dignidade humana – a Abolição. Temos a revolução da dignidade política – a República. É preciso que não tarde a terceira revolução: a revolução da dignidade econômica, depois da qual somente poder-se-á dizer que existe a Nação Brasileira” (p. 22).
Desse período, emerge a figura controversa de Floriano Peixoto. Chamado de Marechal de Ferro, ele recebeu as glórias por ter conseguido debelar as duas mais graves revoltas à República. Por outro lado, subiu ao poder substituindo Deodoro, que renunciara, com o apoio da única força política republicana organizada: o Partido Republicano Paulista. Em seu governo, os paulistas ocuparam os principais postos: Bernardino de Campos foi presidente da Câmara; Prudente de Moraes foi presidente do Senado e Rodrigues Alves ocupou o ministério de Finanças.
Floriano, ao mesmo tempo em que foi arbitrário e despótico, foi o contrário de tudo isso: iniciador de uma mística de pureza e republicanismo" (CARDOSO, 1982: 44). Lutou contra a volta ao passado, consolidou a República identificada com uma disciplina centralizadora e com a pureza das instituições.
Floriano foi, em inúmeros momentos posteriores, invocado como pai fundador da República brasileira. Os movimentos nacionalistas do Rio de Janeiro – Propaganda Nativista (1919), Ação Social Nacionalista (1920) – retomaram o antilusitanismo, a luta pela pureza das instituições e construíram um panteão que começou por Floriano Peixoto e incorporou Epitácio Pessoa. Estes movimentos posteriores à Primeira Guerra combinaram em suas fileiras ex-monarquistas, como Afonso Celso, e defensores do jacobinismo, como Álvaro Bomilcar (OLIVEIRA, 1986: 164-8).
Constituição de 1891:
Durante grande parte da Primeira República – 1889-1930 –, desenvolveu-se um intenso debate sobre a necessidade de se reformar a Constituição de 1891. Muitos reformadores defendiam a ampliação dos poderes da União e do presidente da República como forma de melhor enfrentar as pressões advindas dos grupos regionais. A Emenda Constitucional de 1926 iria em parte atender a essas demandas centralizadoras. A Revolução de 1930 encerraria o período de vigência dessa primeira carta republicana.
Unidade 3 : Revisão da historiografia
Elites políticas em Minas Gerais na Primeira República
A historiografia política sobre a Primeira República no Brasil é bastante extensa. Podemos destacar, na sua análise, três tendências metodológicas. 
A primeira consiste em isolar as elites políticas de seu conteúdo de classe, ao afirmar que elas tendem a atuar no Estado na defesa de interesses coletivos. Destacam-se neste campo os trabalhos de Martins (1981 e 1983) para o caso mineiro e Schwartzman (1970) para o caso de São Paulo. Esta vertente se relaciona à interpretação patrimonialista do Estado brasileiro. No âmbito das análises sobre a Primeira República, os trabalhos historiográficos relacionados a esta tendência subestimam a hegemonia política da aliança Minas – São Paulo. No caso mineiro, evitam relacionar as ligações entre o café e a forte presença política de Minas no cenário nacional. No caso paulista, procuram afiançar que os ganhos políticos de São Paulo não corresponderam a seu êxito no campo econômico, destacando suas contínuas derrotas políticas.
A segunda tendência consiste em analisar a performance das elites políticas como mero reflexo de sua situação de classe. De base marxista, esta tendência tem afiançado que as elites políticas atuam como representantes dos interesses econômicos dominantes em uma sociedade. Os trabalhos que a ela se relacionam procuram destacar a hegemonia política e econômica da aliança Minas – São Paulo, levando para segundo plano suas rupturas internas e derrotas políticas. Tendem a obscurecer a atuação das chamadas oligarquias de segunda grandeza e vinculam a hegemonia política, tanto de São Paulo quanto de Minas Gerais, às potencialidades econômicas dos dois estados. Relacionam prioritariamente a atuação de suas elites políticas aos interesses agroexportadores.
A terceira tendência, mais recente, tenta colocar-se a meio caminho da primeira e segunda vertentes, procurando resgatar a autonomia relativa das elites políticas quanto aos interesses econômicos. A sua atuação no seio do Estado não estaria nem totalmente desconectada dos interesses econômicos hegemônicos nem condicionada por eles. Destacam-se aqui os trabalhos de Steven Topik (1989), Winston Fritsch (1989), Eduardo Kugelmas (1986) e Marieta de Moraes Ferreira (1994). Tais trabalhos procuram, igualmente, relativizar não só o caráter monolítico de dominação do eixo Minas – São Paulo, como a atuação de suas próprias elites na defesa dos interesses cafeeiros. Sem negar a hegemonia da aliança Minas – São Paulo, que se fundamentava em bases econômicas cafeicultoras, nem a relação dessas elites com essas classes produtoras, tais autores reconhecem que a hegemonia foi construída com muita dificuldade e que nem sempre as elites políticas atuaram corporativamente. Uma vez no poder, tais elites detinham certo grau de autonomia que as levava a defender interesses coletivos, mesmo que eventualmente contrários à cafeicultura. Essas pesquisas têm privilegiado o estudo das oligarquias de segunda grandeza, destacando o papel desestabilizador do Rio Grande do Sul e a atuação das oligarquias fluminenses na tentativa de construção de um eixo alternativo de poder.
As divergências políticas da primeira década republicana
Este período foi de grande instabilidade política não só em Minas, como em toda a nação. A Proclamação da República surpreendeu os próprios republicanos históricos do estado, e a indicação do monarquista Cesário Alvim, por Deodoro, para a presidência de Minas, desagradou-os, gerando as primeiras divergências no seio das lideranças políticas mineiras.
Os republicanos históricos se concentravam nas regiões cafeicultoras do estado, e os monarquistas e adesistas principalmente na região central, antiga região mineradora. A montagem da primeira chapa eleitoral à Constituinte de 1891 excluiu as principais lideranças das regiões cafeicultoras. Estava aberta a dissidência, que se manifestou na realização de congressos e na montagem de chapas alternativas. À semelhança do Rio de Janeiro, conforme Ferreira (1994:17), as dissidências dos republicanos históricos se uniram a antigos monarquistas e católicos, descontentes com a laicização do Estado, e concorreram à Constituinte em chapa alternativa, sendo, porém, derrotadas.
Os anais da Constituinte estadual ilustram bem as divergências estabelecidas entre os dois grupos.Tais divergências se manifestaram, sobretudo, em dois momentos: no estabelecimento da autonomia municipal e na mudança da capital mineira.
A questão da autonomia municipal assumia dupla importância no período: a primeira, de caráter econômico, na medida em que significava a possibilidade de retenção dos recursos excedentes da agra exportação cafeeira nos municípios produtores. A segunda, de caráter político, implicava o fortalecimento do poder dos coronéis locais, que, segundo análises sobre o tema (Leal, 1949; Carvalho, 1984), tinha por base o município.
Os deputados das regiões cafeeiras defendiam a autonomia municipal como forma de retenção das riquezas provindas do café em seus locais de origem. Os deputados de outras regiões se opunham a esta autonomia, para viabilizar a distribuição dos excedentes por todas as regiões do estado. Devido à ação consistente dos deputados das regiões cafeeiras, a autonomia municipal que propunham foi obtida.
Quanto à questão da transferência da capital, a divisão interna foi mais nítida. Os políticos da Mata e do Sul pretendiam esvaziar seus opositores através da transferência da capital de Ouro Preto. Mas foram derrotados, ao tentar transferir a capital para Juiz de Fora, principal pólo econômico da Zona da Mata.
Através de nossas pesquisas, foi possível observar que as elites alvinistas apoiavam o alvinismo no estado e o deodorismo no país. Este ambiente de disputas internas impediu o desempenho político unificado da bancada mineira nos primeiros tempos do novo regime, bem como o estabelecimento de alianças com as elites cafeicultoras paulistas.
A renúncia de Deodoro implicou o enfraquecimento interno do grupo alvinista. As pressões constantes dos chamados republicanos radicais, inclusive com ameaças separatistas, confluíram na saída de Alvim da presidência do estado.
As dissidências persistiram nos governos estaduais de Afonso Pena – 1892-1894 – e Bias Fortes – 1894-1898. Um novo partido de oposição ao Partido Republicano Mineiro – PRM – fora criado, reunindo a dissidência radical: o chamado Partido Republicano Constitucional – PRC. Em 1898, um político da região sul, Silviano Brandão, foi eleito presidente pelo PRC. Uma vez no poder, tentou expurgar os radicais de sua legenda e implantar a conciliação mineira.
Neste momento, ao contrário do que afirmam Resende (1982), Blasenheim (1982), Wirth (1982), Franco (1955), Iglésias (1990) e muitos outros, a aliança entre os políticos das duas regiões cafeicultoras de Minas não era permanente. O Sul de Minas, impossibilitado de ser o elo dominante em uma aliança com a Zona da Mata, em função do poder político e econômico detido por esta região, uniu-se aos antigos alvinistas. Nesta aliança pragmática, obteve maiores ganhos, pois colocava-se como elo dominante. A chamada conciliação dos interesses divergentes no estado não foi obtida nos primeiros anos do novo século. O que ocorreu foi a vitória de uma facção sobre a outra, vitória esta, como veremos, provisória.
Apesar do revisionismo introduzido nos debates sobre o federalismo brasileiro no período, Enders e Viscardi não chegam a discordar que, na prática, com a política dos governadores, o governo federal passou a sustentar os grupos dominantes nos estados.
Em troca, os grupos dominantes apoiavam a política do presidente da República, votando no Congresso com o governo.
Esse tipo de acordo se repetia entre governadores e lideranças locais – os coronéis –, que controlavam a massa de eleitores, dadas as características da sociedade brasileira do período, que era predominantemente rural.
Os donos do poder
[...]
Outro conjunto de textos fundamental para o estudo das oligarquias na Primeira República é aquele que teve como questão principal a relação entre o público e o privado. A obra pioneira e que deu uma contribuição definitiva para esse debate é Coronelismo, enxada e voto, de Vítor Nunes Leal. Publicado em 1949, o trabalho representou uma significativa inovação no campo das ciências sociais. Além de apresentar uma consistente pesquisa como base de seus argumentos, rompeu com teses consagradas que apresentavam a sociedade brasileira a partir de modelos dicotômicos e opunham ordem privada a ordem pública, do qual o trabalho de Nestor Duarte (1939) é o melhor exemplo.
Preocupado em estudar o fenômeno do coronelismo, o autor recuperou a evolução do município brasileiro da fase colonial até a Constituição de 1946, enfocando-as atribuições municipais, a eletividade de suas administrações, sua receita, sua organização policial e judiciária e sua legislação eleitoral. Partindo desse quadro geral, Vítor Nunes localizou o coronelismo como um fenômeno específico da Primeira República e o definiu como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada (p. 20). Assim, o coronelismo não era uma mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico da história colonial e imperial brasileiras, mas sim um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público progressivamente fortalecido, e a decadente influência dos chefes locais, notadamente os donos de terra. Trata-se, portanto, de uma rede complexa de relações em que os remanescentes do poder privado são alimentados pelo poder público, em função de suas necessidades eleitorais de controlar o voto do interior. Dessa maneira, coronelismo não deve ser confundido com algumas de suas características secundárias, como mandonismo e clientelismo. Na verdade, contudo, ele pode ser entendido como uma fase do mandonismo.
Diferentemente de Vítor Nunes, Maria Isaura Pereira de Queiroz (1969) e Eul Soo Pang (1979) identificaram coronelismo com mandonismo, o que permite que o conceito seja dilatado, perca sua precisão histórica e possa ser aplicado a qualquer conjuntura da história brasileira. Maria Isaura também amplia a caracterização do coronelismo para incorporar manifestações urbanas, em que podem ser definidos como coronéis comerciantes, médicos, empresários, muitas vezes desvinculados da propriedade da terra. 
Contudo, a primeira crítica mais profunda às teses de Vítor Nunes; foram produzidas pelo historiador inglês Paul Cammack (1979). O ponto de partida de Cammack é o questionamento do conceito de compromisso coronelista que seria totalmente destituído de validez, pois o sistema político oligárquico não deve ser entendido a partir da noção de clientelismo, e sim da representação de interesses das classes dominantes. Para este autor, o modelo de análise de Vitor Nunes, ao privilegiar a ação política dos coronéis baseada no clientelismo, não atribui importância devida à sua atuação socioeconômica. Outro aspecto da crítica está baseado na negativa de uma das premissas do compromisso, isto é, a dependência do governo estadual em relação ao coronel para a produção de votos. Segundo Cammack, o sistema eleitoral era controlado pelo governo estadual, e estava em curso um processo de, centralização do poder. Nesse quadro, o poder público estadual dominava completamente a situação política e não necessitava de realizar nenhum acordo com o poder local, concretizado na figura do coronel.
A despeito da pertinência de alguns pontos levantados por Cammack, as linhas básicas da análise de Nunes; Leal permanecem atuais. Amílcar Martins, em seu artigo Clientelismo e representação em Minas Gerais durante a Primeira República: uma crítica a Paul Cammack (1984), faz uma análise das interpretações do historiador inglês, resgatando, no fundamental, a tese do compromisso coronelista. José Murilo de Carvalho, igualmente, em seu verbete Coronelismo (1984), recupera o amplo debate acerca do tema e, se por um lado reconhece os exageros atribuídos ao valor do voto na República Velha, não encara essa limitação como suficiente para invalidar o modelo de análise de Vitor Nunes.
Outra linha de trabalho que discute as relações entre ordem privada e ordem pública está associada às interpretações de Raimundo Faoro. Os donos do poder foi publicadoem 1958 e reeditado em 1975, quando sofreu um processo de revisão e ampliação. O livro trata da formação do patronato brasileiro, vista como um processo que se inicia com a fundação do Estado português e se encerra com o governo Vargas. A tese central é que o Estado foi sempre onipotente no Brasil, e ao estamento burocrático coube a direção dos negócios públicos. Como o Estado é o centro de tudo, quem o personifica é a classe dirigente. No caso específico da Primeira República, com a implantação de um federalismo desvirtuado, o estamento burocrático sofre um declínio, ou mesmo é banido ou escorraçado. Ainda assim, o poder público continua a atuar no sentido de solucionar crises econômicas e financeiras e, principalmente, intervir para amparar a cafeicultura.
Com uma perspectiva diferente, Elisa Reis (1985) analisa o processo de construção do Estado no Brasil de 1890 a 1930. A base de seu argumento é que os interesses agroexportadores dominantes no período, ao politizarem a economia, conferiram ao Estado uma posição estratégica, que, em função do seu timing político, propiciou uma marcada autonomia do Estado frente a interesses sociais. Partindo desse ponto, e retomando algumas contribuições de Vítor Nunes, a autora demonstra o crescimento do Estado republicano brasileiro no período, através da expansão da burocracia, do aumento de sua capacidade fiscal e do próprio aumento das forças militares.
Desse debate, a questão mais importante a ser retida é que o público e o privado no Brasil têm limites fluidos e continuam a suscitar amplas discussões.
[...]
O fato político – apontado como desencadeador do coronelismo – foi o federalismo implantado no país pela Carta de 1891.
A Carta de 1891 concedeu ampla margem de autonomia aos estados em detrimento dos municípios.
A Carta de 1891 criou um novo ator político – os governadores –, que passaram a ser eleitos a partir das máquinas estaduais. 
Já o fato econômico responsável pela manifestação do coronelismo foi a crise dos fazendeiros, que acarretou o enfraquecimento político do poder dos coronéis frente a seus dependentes e rivais.
A manutenção desse poder passava a exigir então a presença do Estado, que expandia sua influência na medida em que diminuía a dos donos de terras.
Em uma espécie de barganha – cuja moeda era o voto –, o poder público alimentava o poder local com uma autonomia extralegal em troca do voto do eleitorado rural.
Embora incorporado ao processo político, com a supressão do critério censitário, o eleitorado rural permanecia dependente, social e economicamente, dos proprietários rurais.
Desse compromisso fundamental – que ligava chefes locais a governadores de estado e estes ao presidente da República –, resultariam características secundárias do fenômeno coronelista como o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços locais.
Este esquema de funcionamento – chefes locais ligados a governadores de estado e governadores ligados ao presidente da República...
...por um lado, minimizou os conflitos intraoligárquicos, garantindo uma permanência mais duradoura das situações no poder – desde que atuassem em consonância com a situação federal.
...por outro lado, acabou dando forma a um federalismo desigual, marcado pela preponderância de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul sobre as demais unidades da Federação.
Dessa forma, no condomínio oligárquico em que se transformou a política brasileira, havia oligarquias de primeira e segunda grandezas, além dos chamados estados satélites.
Como resultado concreto desse modelo vigente durante grande parte da Primeira República... 
...os conflitos políticos – embora não eliminados – foram minimizados.
...as sucessões presidenciais foram marcadas por disputas controladas.
Entretanto, no início da década de 20, esse sistema apresentaria sinais de esgotamento com a eclosão de graves conflitos no interior das oligarquias.
Unidade 4: Reação Republicana
Interpretações sobre o sistema político oligárquico na Primeira República e a Reação Republicana
Os cronistas contemporâneos que escreveram sobre a sucessão presidencial de 1922 atribuem a cisão política que deu origem à Reação Republicana à disputa pela indicação do candidato a vice-presidente da República na chapa oficial encabeçada por Artur Bernardes. Para eles, o motor da crise política teria sido a impossibilidade de acordo entre Bahia, Pernambuco e secundariamente Rio de Janeiro, que pleiteavam a indicação do vice-presidente, e a frustração desses estados diante da escolha de um representante do Maranhão.
Mais recentemente, foram apresentados novos subsídios para o estudo da Reação Republicana. Boris Fausto, ao analisar a problemática econômico-financeira da Primeira República, levantou argumentos que encaminham a discussão no sentido de explicar a cisão como produto de divergências mais profundas. A Reação Republicana revelaria, na verdade, uma intensificação das dissidências interoligárquicas provocada por aqueles setores que não estavam diretamente ligados à cafeicultura e se mostravam insatisfeitos com a política de desvalorização cambial e de endividamento externo destinada a garantir a terceira valorização do café. O conflito refletiria assim, basicamente, o enfrentamento de interesses opostos no terreno econômico, diretamente ligados à terceira política de valorização do café, em debate em 1921.
Uma terceira proposta de interpretação localiza na Reação Republicana o primeiro ensaio de populismo no país, e enfatiza o papel das camadas urbanas cariocas e das suas articulações com Nilo Peçanha, visto como um precursor das lideranças populistas.
Em primeiro lugar, a despeito da existência de inúmeras divergências que dividiam a elite política dominante quanto à implementação de medidas de defesa da cafeicultura, este não pode ser considerado um fator determinante para a ocorrência da cisão política e o surgimento da Reação Republicana. O comportamento das bancadas dos estados de segunda grandeza por ocasião da discussão na Câmara Federal, a partir de 1920, dos projetos de defesa do café não demonstrou claramente uma posição coesa contrária às propostas encaminhadas pelo eixo Minas – São Paulo. Se, em relação à bancada pernambucana, foram explícitas as críticas às propostas emissionistas para a valorização do café, o mesmo não pode ser dito em relação às demais bancadas. Os baianos não se manifestaram em praticamente nenhuma discussão acerca do tema, enquanto a bancada gaúcha, liderada por Otávio Rocha, numa posição conciliatória, propôs a transformação do projeto de defesa permanente da produção do café num projeto de defesa da produção nacional. Em seus diversos discursos, diferentemente dos pernambucanos, os gaúchos não combateram o tratamento especial dado ao café diante dos demais gêneros, voltando suas críticas mais para as práticas emissionistas embutidas no projeto de valorização.
A bancada fluminense, por sua vez, caracterizada por uma atuação inexpressiva nesses debates, seguiu a orientação de Nilo Peçanha e acompanhou a posição dos gaúchos, que acabaram por ver aprovada – ainda que com restrições de Pernambuco – a transformação do projeto de criação do Instituto de Defesa do Café no do Instituto de Defesa da Produção Nacional, destinado a sustentar também a produção da borracha, do cacau, do algodão, do fumo, do açúcar, do mate e de produtos pecuários. A postura inexpressiva dos fluminenses nessas discussões pode ser interpretada como a consequência da necessidade de acompanhar as posições de Nilo, ainda que a bancada não estivesse plenamente de acordo com elas. Tradicional defensor da diversificação da produção e adepto da ortodoxia financeira, Nilo Peçanha não via realmente com simpatia as medidas de proteção ao café. Diante desse quadro, pode-se concluir que o engajamento das forças situacionistas fluminenses na Reação Republicana não passou diretamente por divergências em relação às medidas de defesa da cafeicultura tomadas pelo governo federal, esim pela adesão às posições de um grupo de adeptos de Nilo Peçanha e principalmente pela perspectiva de obter ganhos políticos através de alianças e acordos com outras forças estaduais que questionavam a hegemonia do eixo Minas – São Paulo. Pode-se argumentar, por fim, que, no momento da articulação de um esquema de resistência ao nome de Bernardes, ainda não haviam se configurado, com clareza, os conflitos em torno das questões econômico-financeiras. A votação do projeto relativo à terceira valorização do café em março de 1921, embora tenha sido objeto de críticas, não levantou resistências mais sérias. Foi somente no segundo semestre de 1921 que as divergências se explicitaram com clareza. Tudo isso daria margem para concluir que as divergências em torno da terceira valorização do café não teriam sido o motor da cisão política, mas poderiam, ao contrário, ter resultado dela.
Quanto à interpretação segundo a qual a Reação Republicana teria resultado de uma disputa em torno do vice de Artur Bernardes, há sérios argumentos que se combinam para invalidá-la. Em primeiro lugar, o exame da trajetória política de Nilo evidencia que suas aspirações à presidência eram antigas, tendo-o inclusive levado a desenvolver estratégias claramente vinculadas a um projeto de ascensão nacional. Além disso, a correspondência contida em seu arquivo relativa ao período que passou na Europa não fornece qualquer indicação de que estivesse comprometido com a candidatura Bernardes. Por seu turno, a correspondência do arquivo de Raul Soares, principal articulador do candidato mineiro no Rio de Janeiro, ilustra bem os temores e desconfianças sentidos em relação a Nilo. É significativo o número de cartas que alertam para articulações de bastidores entre importantes forças políticas em favor do lançamento de sua candidatura, bem como para a montagem de esquemas destinados a desestabilizar o nome de Bernardes.
Antes, portanto, do surgimento da disputa pela vice-presidência, já se delineava um conjunto de fatores que indicavam, de um lado, a dificuldade de consenso em torno de Bernardes, e, de outro, a articulação da candidatura Nilo Peçanha. De toda forma, a escolha do companheiro de chapa de Bernardes veio trazer novos elementos para complicar o quadro sucessório e bons pretextos para as forças que se opunham ao candidato mineiro. Intensas disputas se manifestaram em torno do nome que seria escolhido como candidato à vice-presidência, travando-se a partir de então debates infindáveis. Visava-se com isso criar um pretexto para aumentar as dificuldades para a consolidação da candidatura de Bernardes, e, ao mesmo tempo, abrir brechas para o nome de Nilo Peçanha, candidato patrocinado pelos estados dissidentes.
No dia 8 de junho de 1921, a convenção para a escolha do candidato a presidente se reuniu sem a presença dos representantes de Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Estado do Rio, o que demonstrava que a cisão oligárquica estava consumada, e que o caminho para o lançamento da Reação Republicana estava aberto.
A razão invocada pelos dissidentes e por Nilo para não comparecerem à convenção era o próprio processo de escolha do candidato, que seria indicado pelo mesmo poder que posteriormente iria verificar a legitimidade da investidura. A questão da disputa pela vice-presidência ficava absolutamente secundarizada. 
Finalmente, a proposta que enfatiza as relações entre a Reação Republicana e as massas urbanas cariocas também deve ser relativizada. Ainda que se reconheça a importância das relações da Reação Republicana, em especial de Nilo Peçanha, com a cidade do Rio de Janeiro, essa rede de relações estava muito mais centrada nas elites cariocas do que nas massas urbanas.
Passemos então à nossa própria proposta. Nosso interesse ao estudar a Reação Republicana insere-se numa discussão mais ampla sobre a natureza dos conflitos políticos e o papel do Estado na Primeira República. Aqueles que estudam o Estado segundo o modelo de representação de interesses, em geral, sustentam que os interesses cafeeiros de São Paulo e Minas eram determinantes na orientação da política republicana. A consequência dessa linha de interpretação é uma supervalorização do papel desses estados no jogo político oligárquico, e um silêncio sobre o papel e a trajetória dos estados de segunda grandeza. Nossa intenção, ao contrário, é destacar a complexidade do pacto oligárquico e buscar um melhor desenho do sistema político do país. Por isso mesmo, iremos enfatizar a atuação dos grupos oligárquicos regionais de segunda grandeza e sua tentativa de construção de um eixo alternativo de poder. Alguns estudos têm sido produzidos nessa direção, propondo uma revisão do papel do eixo dominante Minas – São Paulo. Ao relativizar o papel hegemônico de São Paulo, ao buscar novas explicações para a ascensão de Minas Gerais no jogo político nacional e ao rediscutir as teses que interpretam o Rio Grande do Sul como foco desestabilizador, essas contribuições permitem repensar os esquemas de funcionamento da política oligárquica.
Um fato fundamental é que, desde o início, o esquema de dominação São Paulo – Minas abriu espaço para o surgimento de conflitos no seio da classe dominante. A insatisfação dos estados de segunda grandeza diante das deformações do federalismo, que limitavam grandemente sua autonomia no campo político e subordinavam seus interesses econômico-financeiros aos interesses mineiros e paulistas, deu origem a iniciativas de contestação que não podem ser ignoradas. Embora essas iniciativas nem sempre fossem claramente delineadas e explicitadas, e se caracterizassem por uma instabilidade dos atores-estados nelas engajados, é possível identificá-las ao longo de toda a República Velha. 
Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, por exemplo, eram estados que haviam ocupado posições-chave na sustentação do Estado Imperial. Com a proclamação da República e o agravamento da crise de suas economias, foram relegados a um papel secundário. No federalismo, ocupavam, portanto, posições equivalentes e tinham potencialmente o objetivo comum de ampliar seu poder de barganha frente ao eixo Minas – São Paulo. O Rio Grande do Sul, por seu lado, embora desfrutasse de uma posição privilegiada em relação aos pernambucanos, baianos e fluminenses, ressentia-se da dominação mineiro-paulista, tendo seus interesses inúmeras vezes prejudicados.
A meta das facções dominantes desses estados era assim a maior participação no sistema federalista implantado com a Constituição de 1891, o que só se tornaria viável através da melhor repartição do poder entre os diferentes grupos regionais. A articulação desse projeto alternativo, entretanto, não representava uma ruptura com o modelo oligárquico em vigor, e consequentemente suas propostas não extrapolavam aqueles limites. As demandas dos estados de segunda grandeza centravam-se em grande parte numa distribuição mais igualitária das benesses clientelísticas federais, embora não deixassem também de trazer embutidas algumas críticas ao modelo agrário-exportador. Quanto ao Distrito Federal, fortemente controlado pelo governo federal, sua ambição era ampliar sua autonomia política. Isto levava parte de seus segmentos sociais, em algumas ocasiões, a manifestar seu desagrado frente a aspectos do sistema político oligárquico vigente.
A articulação desses interesses iria se concretizar de maneira mais visível em 1921, com a formação da Reação Republicana. Para se falarem Reação Republicana é preciso falar em Nilo Peçanha, líder fluminense que, desde as primeiras décadas da República, buscou uma projeção no cenário nacional. O período de dominação niilista no Estado do Rio, que se estendeu de 1904 a 1922, é de fato caracterizado pela busca de uma maior margem de manobra para os grupos dominantes fluminenses no contexto da política dos governadores. Se é verdade que, em diversas oportunidades, Nilo Peçanha firmou acordos, articulou-se e mesmo submeteu-se às oligarquias mineira e paulista, isso não impediu que sua posição e de seu grupo divergisse

Outros materiais