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1 Ética, Cultura e Arte 1º semestre / 2017 2 PRÓ-REITORIA DE ENSINO COLETÂNEA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA Ensino Presencial (1º semestre) EAD (MÓDULO 51) Organizadoras Cristina Herold Constantino Débora Azevedo Malentachi Colaboradores Fabiana Sesmilo de Camargo Caetano Rogerio Borgo Direção Geral Pró-Reitor Valdecir Antônio Simão 3 SUMÁRIO Apresentação.............................................................................................................................. 04 Considerações Iniciais............................................................................................................... 05 Leitura: etapas, níveis, estratégias............................................................................................... 06 Textos Selecionados.................................................................................................................. 13 Ética na modernidade: uma questão de reflexão......................................................................... 13 Concepção de Cultura.................................................................................................................. 19 Diversidade Cultural, Diálogo e Desenvolvimento....................................................................... 20 Saiba mais: Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural................................................. 21 Identidade Cultural....................................................................................................................... 22 O conceito de aculturação............................................................................................................ 23 Vaquejadas: um conflito entre ética e cultura.............................................................................. 24 Da comédia à crítica, o humor se consolida transformando riso em informação......................... 28 Fazer de sua vida uma Obra........................................................................................................ 38 Sobre o Oscar 2017 e um pedaço de papel................................................................................. 38 Saiba mais: Oscar 2017: os filmes que disputaram e os que venceram..................................... 39 Lei Rouanet.................................................................................................................................. 39 Vale-Cultura têm recursos garantidos para 2017......................................................................... 41 O fenômeno das grandes exposições de arte em São Paulo...................................................... 41 As 15 obras de arte mais famosas do mundo.............................................................................. 44 Arte contemporânea..................................................................................................................... 52 Saiba mais: Afinal, o que é arte contemporânea?....................................................................... 56 A arte de ver a arte no mundo e nos museus.............................................................................. 56 A complicada arte de ver.............................................................................................................. 58 Filmes........................................................................................................................................... 60 Tiras e Charges........................................................................................................................... 69 Músicas e Poesias........................................................................................................................ 71 Considerações Finais................................................................................................................ 76 4 Apresentação A Formação Sociocultural e Ética (FSCE) compõe um dos Projetos de Ação da UniCesumar, cujo principal objetivo é aperfeiçoar habilidades e estratégias de leitura fundamentais para seu desempenho pessoal, acadêmico e profissional. Nesse sentido, esta disciplina corresponde à missão institucional, a qual consiste em “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Conforme slogan da FSCE, “Quem sabe mais faz a diferença!”, o conhecimento adquirido por meio da leitura é a mola propulsora capaz de formar e transformar sujeitos passivos em cidadãos ativos, preparados para fazer a diferença na sociedade como um todo! Na FSCE, você terá contato com vários assuntos e fatos que ocorrem na sociedade atual e que devem fazer parte do repertório de conhecimentos de todos os que buscam compreender criticamente seu entorno social, nacional e internacional. Em síntese, no intuito de atender ao objetivo desta disciplina, a FSCE está dividida em cinco grandes eixos temáticos: Ética e Sociedade, Ética, Política e Economia, Ética, Cultura e Arte – Ética, Ciência e Tecnologia – Ética e Meio Ambiente, sendo que nos dois primeiros eixos estão incluídos temas complementares e pertinentes propostos pelo Observatório Social do Brasil. Este material, também chamado de Coletânea, é o principal instrumento de estudo da FSCE. Recebe o nome de Coletânea porque reúne vários gêneros textuais criteriosamente selecionados para estimular sua reflexão e análise pontuais. Textos retirados de diferentes fontes, com a finalidade de abordar recortes temáticos relacionados aos conteúdos de cada eixo supracitado. Tem como principal objetivo ser um material de apoio à sua formação geral, servindo-lhe de estímulo à leitura, interpretação e produção textual. Uma Coletânea como esta é organizada a cada duas semanas, ou seja, a realização completa desta disciplina ocorre no período de 10 semanas. Cada Coletânea apresenta-se, inicialmente, com uma introdução, seguida por aspectos relacionados à leitura, interpretação e/ou escrita, os quais antecedem a apresentação dos diversos textos referentes aos respectivos eixos. A sequência de textos normalmente é finalizada com os gêneros música, poesia ou frases e charges, sendo finalmente concluída com breves considerações finais. Você tem em suas mãos, portanto, uma compilação por meio da qual terá acesso a um conteúdo seleto de textos basilares para sua reflexão, aprendizagem e construção de conhecimentos valiosos. Textos compostos por fatos, notícias, ideias, argumentos, aspectos veiculados nos principais meios de comunicação do país, links de acesso a entrevistas, depoimentos, vídeos relacionados ao eixo temático, além de respaldos teóricos e práticos acerca da linguagem que poderão servir como suporte à sua vida em todas as instâncias. Também, importa lembrar que a organização deste e demais materiais da FSCE não pressupõe qualquer tendência político-partidária e/ou apologia a qualquer grupo religioso em detrimento de outros, sendo que estamos disponíveis ao recebimento de indicações de textos, sites, tanto quanto às sugestões de conteúdos relacionados aos referidos eixos. Faça, portanto, da FSCE sua porta de entrada para a aquisição de novos conhecimentos. E lembre-se: Ler é pensar! Vista a camisa do conhecimento e seja MAIS! Organizadoras 5 Considerações Iniciais Todo material de leitura engajado em promover conhecimento com qualidade pode ser um prato cheio para nutrir nossa inteligência. Nesta Coletânea, você encontrará um banquete de cores, imagens, informaçõese ideias que não apenas informam, mas que também poderão estimular sua visão, sensibilidade e percepção acerca de detalhes que passam despercebidos mediante a rotina intensa, mas que, se notados, atribuem um caráter singular e um sentido especial à vida. Eis, portanto, mais um convite à leitura capaz de formar, enriquecer e transformar! Nossa proposta é ampliar conhecimentos sobre Arte e Cultura, e pensar, ainda que brevemente, sobre a relação destas com a Ética. Vamos adentrar no universo da cultura, refletir sobre suas diversidades e desigualdades... Visitar o cinema, o teatro, as obras de arte, as expressões artísticas que vêm das ruas, músicas, tiras... Antes, porém, você dará continuidade às suas reflexões pontuais acerca das etapas, estratégias e dos níveis de leitura, lembrando que essas reflexões servem como oportunidade para você avaliar a qualidade das suas leituras e, neste percurso, aperfeiçoar habilidades fundamentais para o seu bom desempenho acadêmico e pessoal. Não há como mergulhar dentro de um texto e sair dele a mesma pessoa de outrora, a não ser que este mergulho aconteça de modo extremamente raso e alienado. Principalmente, em se tratando de Cultura e Arte não há como ficar passivo e imune ao universo de conteúdos por trás das formas, de essências por trás de aparências, dos sentimentos que pulsam por trás da razão, de significados por trás dos signos. Só ficará imune a tudo isso o olhar que se recusa a ler de mãos dadas com a atitude atenta, reflexiva, observadora, questionadora. Nesse sentido, lançamos a você o desafio! Leia com seus olhos, sua razão e seus sentimentos. Analise, avalie, deixe-se envolver e aproveite o quanto puder deste banquete pelos caminhos da arte, da cultura, da ética, da expressão, da formação humana... Uma ótima leitura! Organizadoras 6 Leitura: etapas, níveis, estratégias Conforme procedimento que adotamos na elaboração das Coletâneas da Formação Sociocultural e Ética, dedicamos esta seção inicial para cultivar um pouco mais desta amizade profunda, confidente e indispensável com a LEITURA. Uma amizade que, tantas vezes, pode até começar por obrigação e, quase sempre, transformar-se em paixão. É inevitável! Quem ama o conhecimento apaixona-se pela leitura! A leitura é a porta de entrada para a interação com o outro, com o mundo e consigo mesmo em sua totalidade. Ler não é unicamente interpretar os símbolos gráficos, mas interpretar o mundo em que vivemos. Na verdade, passamos todo o nosso tempo lendo: lemos as imagens, as pessoas, suas palavras, seus gestos, seus olhares e até mesmo seu silêncio; lemos outdoors, placas e sinais de trânsito; lemos textos informativos e tantos outros gêneros que circulam na sociedade; lemos textos impressos, textos virtuais, textos verbais e não verbais. Lemos tudo, mesmo que inconscientemente. Entretanto, nem tudo o que é lido é compreendido por leitores habituados à leitura superficial. Conforme já explicamos na Coletânea anterior, lembre-se que leitura é processo que requer do leitor “um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem”. (Parâmetros Curriculares Nacionais; terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, PP. 69-70). Em outras palavras, o leitor não pode se colocar na posição de sujeito passivo nas leituras que realiza. Seu nível de leitura e o modo como lê, isto é, as estratégias que aplica nas suas leituras, principalmente as que são exigidas na vida acadêmica, é o segredo para a sua capacidade de compreensão leitora, para a formação do leitor proficiente, maduro, experiente, habilidoso. O segredo para o sucesso! E, o melhor de tudo, é que a leitura é um processo a ser aprendido! Nesse sentido, caro aluno, é muito importante que você mantenha o foco. Continue se autoavaliando enquanto leitor no percurso das suas leituras. Agora, propomos a você que conheça as etapas de leitura. Em seguida, considere seus níveis. De modo geral, a leitura consiste em quatro etapas: 1. DECODIFICAÇÃO: é o reconhecimento das letras, suas ligações com outras e com os seus significados. Decodificar é apenas o início do processo de leitura. Por exemplo, quando realizamos uma pesquisa sobre o escritor Oswald de Andrade e nos deparamos com a informação de que Oswald de Andrade é um modernista dionisíaco, na medida em que desconhecemos o exato significado da expressão modernista dionisíaco é fundamental, primeiro, 7 tentar depreender seu significado a partir do contexto geral apresentado no texto onde a informação está registrada. Se necessário, ou ainda para confirmar o significado depreendido, é fundamental consultar o dicionário e/ou fazer uma busca pela internet a fim de saber qual o sentido de ambas as palavras. Nessa busca é possível chegar à compreensão de que Dionísio era o deus grego equivalente a Baco dos romanos; portanto, dionisíaco diz respeito ao prazer da ação, à inspiração, ao instinto. 2. COMPREENSÃO: é assimilar as informações de um texto; é, a partir da leitura nas linhas, captar suas ideias principais. Nessa etapa, é importante que o leitor tenha conhecimentos prévios sobre o assunto tratado no texto, para que tenha condições de compreendê-lo. Por exemplo: você só poderá compreender a veracidade ou totalidade da informação citada no exemplo anterior se obtiver a informação sobre quem foi Oswald de Andrade, o que é o movimento modernista e relacionar todas essas informações ao que fora pesquisado anteriormente. 3. INTERPRETAÇÃO: é a capacidade de análise crítica do leitor frente ao texto e só ocorre depois da compreensão; é a leitura nas entrelinhas e por trás das linhas. Se não há compreensão, não é possível ao leitor interpretar o que leu. Nesta etapa, o leitor recupera todas as informações e conhecimentos prévios sobre o assunto, estabelece a intertextualidade entre os textos, questiona, julga e tira conclusões a respeito do que leu, concorda com as palavras do autor, ou as contesta. Por exemplo: a partir de sua compreensão acerca de todo o texto, e com base nos conhecimentos advindos de outros lidos anteriormente, a que conclusões você pode chegar a respeito do que determinado autor diz acerca de Oswald de Andrade quando refere-se a ele como modernista dionisíaco? Este adjetivo o descreve bem? Existe algum pesquisador/autor que diz algo contrário a isso? Qual a sua opinião? 4. RETENÇÃO: nesta etapa, ocorre a memorização das informações mais importantes, as quais ficam arquivadas na memória de longo prazo do leitor, seu repertório de conhecimentos. Desse repertório, o leitor resgata seus conhecimentos internalizados para dialogar com as novas leituras que realizará. Por exemplo: a informação de que Oswald de Andrade é um modernista dionisíaco transforma-se em conhecimento a partir do momento em que essa ideia volta à sua mente frente a situações ou conteúdos que tenham alguma relação, direta ou indireta, com esse assunto. É importante considerar cada uma dessas etapas de leitura no processo de autoavaliação. Seu desempenho nessas etapas depende da qualidade ou nível das suas leituras. São, basicamente, três níveis: 1. Leitura superficial: neste nível, o leitor fica preso na superficialidade das palavras, decodifica- as, relaciona cada uma delas ao seu significado; se não conhece o significado de alguma, simplesmente a ignora, em vez de consultar um dicionário. O leitor não consegue depreender o assunto geral do texto, muito menoscompreendê-lo em sua totalidade. 2. Leitura adequada: já neste nível, o leitor extrapola a mera decodificação e não fica preso na superfície das linhas textuais. Ele consegue compreender o assunto geral e atribuir, ao menos, um significado ao texto, fazendo uso de seus conhecimentos prévios (de mundo, textuais e linguísticos, abordados mais adiante). 8 3. Leitura complexa: neste nível, além de ler e compreender o que está escrito nas linhas do texto, o leitor lê nas entrelinhas e por trás delas. Ele produz vários sentidos para o texto e estabelece intertextualidades nesse processo. É um leitor crítico. Tão importante quanto conhecer e refletir sobre as etapas e níveis de leitura, importa retomar, aqui, a tese – ler é um processo que pode ser aprendido. Por isso, o avanço de uma etapa para outra e de um nível para outro é perfeitamente possível, para qualquer pessoa, de qualquer idade, desde que haja vontade e empenho! Estratégias No eixo anterior da Formação Sociocultural e Ética, vimos que “antes de iniciar qualquer leitura, é fundamental que tenhamos muito bem definido, ao menos, um objetivo para realizá-la”. Observe, prezado(a) aluno(a), que DEFINIR OBJETIVOS IMPLICA NA ESCOLHA DE ESTRATÉGIAS. E isso, é claro, não vale apenas para a leitura. Se você pretende alcançar o objetivo X, precisará das estratégias W, Y e Z. Escolhidas as estratégias, faça delas seu norte. Se perceber que alguma delas não foi uma escolha adequada, faça mudanças! Empenhe-se nas estratégias que o ajudem a atingir seu objetivo da melhor forma possível. Vamos conhecer algumas das principais estratégias de leitura? Façamos isso a partir da citação a seguir: “Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas.” (Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp. 69-70) Em suma, um leitor competente coloca em prática as estratégias supracitadas: SELECIONAR – é uma das estratégias primordiais na vida de qualquer leitor. Qualquer indivíduo já é seletivo por natureza. Você, provavelmente, não abre todas as mensagens que chegam ao seu e-mail, não é mesmo? Você não tem tempo para isso, sem contar as ameaças de spam... Um leitor competente aperfeiçoa, cada vez mais, suas habilidades seletivas, de modo consciente. Em algumas situações, mais que em outras, é impossível ler tudo o que queremos ou todos os títulos que nos mandam ler em tão pouco tempo para cumprir certa tarefa. Precisamos, por exemplo, nos manter informados, mas para isso não precisamos ler todos os jornais ou assistir a todos os telejornais; basta selecionar os de boa qualidade. O mesmo ocorre nas pesquisas acadêmicas. Para atingir certo objetivo em determinada pesquisa, importa selecionar títulos, capítulos, parágrafos e fragmentos de texto. Selecionar as palavras-chave, por exemplo, também contribui para a compreensão das leituras que realizamos, na medida em que essa prática nos orienta a focar a nossa atenção no assunto do texto ou do parágrafo. Se esse tipo de estratégia ainda não faz parte de sua prática, experimente-a. Se o texto é virtual e você não pretende providenciar uma cópia impressa do material, use as ferramentas do Word para realçar as palavras-chave. Palavras-chave são aquelas em torno das quais estão vinculadas ou relacionadas as demais palavras, em torno das quais se desenvolvem as ideias. As palavras-chave deste e do parágrafo 9 anterior, por exemplo, são estratégia e selecionar. As demais palavras e as ideias apresentadas procuram explicar e exemplificar o ato seletivo como estratégia de leitura. Não existem receitas ou fórmulas matemáticas para identificar as palavras-chave de um texto. Existe, sim, a necessidade da prática constante. ANTECIPAR – essa estratégia implica em fazer previsões ou levantar hipóteses sobre o que será lido antes mesmo de realizarmos a leitura propriamente dita. Por exemplo, a partir de nossos conhecimentos prévios, podemos levantar hipóteses sobre os fatos noticiados no jornal impresso já a partir do que lemos em sua manchete. A partir de nosso conhecimento sobre determinado autor, também podemos fazer previsões sobre os assuntos tratados em certo livro com base no seu título e nos subtítulos. Antecipar é uma estratégia que contribui para colocar nossos neurônios em atividade constante. Não é algo mecânico, mas espontâneo. Quantas vezes, por exemplo, você já fez previsões sobre o enredo de um filme a partir do seu título? Quantas vezes levantou hipóteses sobre como seria o final de um filme? Algumas vezes acertou, porque as cenas do filme caminharam para um final altamente comum e previsível, outras vezes não acertou, pois as cenas não revelaram abertamente o final que, na verdade, foi bastante incomum, pouco ou nada previsível. Cena a cena, ou página a página, você levanta hipóteses e, concomitantemente, as confirma ou não. Para confirmá-las ou refutá-las, você lança mão (não de modo mecânico, mas espontâneo) de outra estratégia: a verificação. Entretanto, antes de tratarmos desta, há ainda uma outra cuja prática é fundamental: a inferência. INFERIR – esta estratégia implica em ler o que não está escrito no texto. Como assim?! Nem tudo o que o autor intenciona nos dizer está explícito em suas palavras. O texto também pode trazer informações implícitas. Inferir, portanto, é ler as informações que estão nas entrelinhas ou por trás das linhas do texto, a partir de seu raciocínio lógico, das pistas textuais e das advindas de outras leituras, bem como da relação que se pode estabelecer entre os textos (intertextualidade). Inferir também consiste em deduzir, por exemplo, o significado de uma palavra a partir do contexto em que está inserida. Em situações de leitura em que o contexto não traz pistas linguísticas suficientes para que possamos inferir significados de determinados vocábulos, é sempre importante recorrer ao dicionário, pois o desconhecimento de uma palavra pode comprometer a compreensão de um texto. Vamos colocar em prática a estratégia da inferência e aproveitar este exercício, também, para rever dois conceitos importantes: a informação implícita subentendida e a informação implícita pressuposta. Salvador Dali 10 Leia a tirinha a seguir: (http://toda-mafalda.blogspot.com.br/2013/05/la-democracia.html) Qual a informação implícita que se pode inferir da tirinha da Mafalda? Quais as pistas ou elementos textuais da tirinha a partir dos quais você fez essa inferência? E que tipos de conhecimentos você utilizou para chegar a essa conclusão? Com base nessa tira, exemplificamos um tipo de texto que requer um nível de leitura, ao menos, adequada, realizada por leitores que leem nas entrelinhas. O primeiro quadrinho é o único que traz um texto verbal. Mafalda lê o significado da palavra democracia no dicionário e, na sequência, cai na gargalhada. Logo, inferimos que a personagem ri porque a democracia que se vê na realidade não está de acordo com a definição apresentada no dicionário. Essa informação não está explícita na tira. Em nenhum momento a Mafalda, ou qualquer outro personagem ali apresentado, disse isso. Porém, o texto apresenta a gargalhada como a principal pista que nos permite chegar a essa inferência. A atitude da menina apósler a explicação desse termo no dicionário, e por passar o dia todo nessa condição do riso, causando espanto ou estranhamento nos membros de sua família, leva-nos, então, a inferir uma informação implícita. Temos aqui uma informação implícita subentendida. Não existem marcas linguísticas que comprovem esse tipo de informação. A informação subentendida pode, portanto, ser questionada e, também, negada ou contestada. Se vivenciássemos essa experiência ao vivo e a cores, poderíamos questionar se Mafalda quis dizer exatamente o que inferimos de sua fala e de sua atitude, mas ela poderia negar a nossa inferência, alegando, por exemplo, que no exato momento em que leu o significado da palavra democracia no dicionário, lembrou-se de um episódio engraçado que aconteceu na escola e que, de repente, veio à sua lembrança, sendo este o motivo do seu riso. Entretanto, conhecendo a natureza crítica da Mafalda e a partir do conhecimento de mundo que temos acerca da democracia em nosso país, estabelecemos a relação entre as pistas da tira e, por fim, atribuímos- lhe uma inferência coerente. A seguir, apresentamos uma frase que foi pronunciada há alguns anos por uma personalidade política, e com este exemplo demonstramos a importância de ler nas entrelinhas e, também, o quanto é preciso cuidar das palavras que usamos para expressar nossas ideias. DEMOCRACIA (do grego demos, provo, e cratos, autoridade) – Goversno em que o povo exerce a soberania. 11 Ela é inteligente, apesar de ser mulher. (Mário Amato, referindo-se à Dorothéa Verneck) Quais as informações explícitas nessa frase? Qual a informação implícita? Na época em que pronunciou essa frase, Mário Amato, autor de tantos outros dizeres polêmicos, conquistou a antipatia das mulheres. Ele disse, explicitamente, que Dorothéa é mulher e que é inteligente. Temos, então, duas informações escritas (portanto explícitas) na linha do texto. Por outro lado, pode-se inferir outra informação, a que está implícita: as mulheres não são inteligentes. Diferente do que ocorre na tira da Mafalda, esse tipo de informação não pode ser negada. Trata- se de uma informação pressuposta, implícita no conectivo “apesar de”. Em entrevista posterior ao evento em que essa frase foi registrada por jornalistas, Mário Amato explicou-se: “Aquilo foi brincadeira.” (http://veja.abril.com.br/210802/entrevista.html). Entretanto, mesmo que tenha sido uma brincadeira (aliás, extremamente lamentável), em seu dizer existe uma marca linguística que comprova a informação implícita nas entrelinhas. VERIFICAR – é a estratégia que permite a você monitorar a qualidade da sua leitura, de modo a tomar as providências necessárias para que, de fato, os textos lidos sejam compreendidos em sua totalidade. Trata-se de uma estratégia que permite ao leitor: - confirmar ou refutar as previsões feitas e, também, ter a certeza de que suas inferências estão coerentes e de acordo com o texto, considerando suas pistas textuais e outros fatores extra- textuais necessários à sua interpretação, como, por exemplo, o momento e o contexto histórico em que foi produzido; - avaliar se você está empregando as estratégias de leitura necessárias para a compreensão e interpretação adequada dos textos; - investigar se o significado que você inferiu de determinada palavra condiz com o sentido adequado ao texto; - tomar a iniciativa de recorrer a outras leituras prévias para compreender satisfatoriamente determinado texto; - rever a seleção que fez dos livros que constam em uma listagem bibliográfica para atingir os objetivos de determinada pesquisa; - interromper a leitura, porque não está assimilando ou processando o conteúdo do modo como gostaria, e percebe a necessidade de reler parágrafos para resgatar a linha de raciocínio; ou ainda, decidir se deve prosseguir a leitura, pois algumas vezes o parágrafo seguinte pode esclarecer o(s) anterior(es). Há uma infinidade de outros aspectos que requerem a sua verificação nos momentos de leitura. Enquanto leitor é importante que esteja atento para tomar as decisões necessárias frente aos textos, de modo que possa desenvolver habilidades leitoras fundamentais para o seu desempenho acadêmico, profissional e pessoal. 12 E lembre-se: todas as estratégias apresentadas são importantes, estão correlacionadas e ocorrem de modo concomitante. Ao praticá-las, de modo consciente e frequente, o leitor desenvolve características que demonstram sua competência leitora. SUGESTÃO DE LEITURA O livro “Estratégias de Leitura” de Isabel Solé foi um dos materiais utilizados na elaboração deste material e o indicamos para você, caro acadêmico, que tem interesse em ampliar e aprofundar seus conhecimentos sobre estratégias de leitura essenciais para o seu desempenho enquanto leitor. Por meio de exemplos simples, o propósito da autora é promover nos leitores a utilização de estratégias que permitam interpretar e compreender de forma autônoma os textos lidos. Título: Estratégias de Leitura. Autor: Isabel Sole. Páginas: 194. Edição: 6. Editora: Artmed Ano: 1998 13 Textos Selecionados Sabemos que a existência da ética não se faz de forma isolada do mundo e que, de forma geral, é preciso associar a ética ao conhecimento. A partir dessa perspectiva, o artigo a seguir trata da relação entre ética e relativismo cultural, esclarecendo, dentre muitos outros aspectos, que toda visão acerca da ética leva em consideração tanto a dimensão egocêntrica quanto a potencialidade do desenvolvimento do altruísmo, pois, mesmo que indiretamente, o sujeito vive para si e para o outro. Para ler, refletir e tirar suas próprias conclusões... Ética na modernidade: uma questão de reflexão Yanka Maria Rodrigues Carvalho Ética e relativismo cultural Práticas culturais são relações comportamentais aprendidas advindas de dois ou mais indivíduos com o passar das gerações, selecionadas devido ao seu impacto no grupo praticante ou em outras práticas. Portanto, são variáveis independentes que controlam o comportamento humano individual e são ao mesmo tempo dependentes por originarem- se do comportamento individual. O relativismo cultural é defensor de que os conceitos de bem e mal são variantes de cada cultura. Em uma determinada cultura o bem é considerado como o que é socialmente aceitável. Os princípios e regras morais são estabelecidos de acordo com as normas sociais das sociedades. Nesse relativismo não há um padrão objetivo, os pontos de vistas são relativos às culturas dos indivíduos pertencentes. Quando dito o contrário, faz-se uma imposição de uma cultura sobre outra, como verdades objetivas. O conceito de mal é também relativo, para o relativismo cultural o mal não é absoluto, o que se pode considerar mal em determinado grupo social pode ser bem noutra. Os adeptos ao relativismo cultural tornam-se mais propícios a aceitarem as diferenças entre sociedades, fazendo a percepção de que outras culturas não são ‘’erradas’’ e sim diferentes. O mundo para o relativismo cultural está dividido em diversas sociedades diferenciadas. São sociedades em que não existem desacordos, visto que o bem e o mal são estabelecidos pela maioria, assertiva nem sempre coerente. Se o relativismo cultural representasse uma verdade não seria possível discordância dos valores de nossa sociedade. Pois é possível a afirmativa de que algo é aprovado e aceito pela sociedade, contudo pode não representar um bem. Existem duas formas básicas de relativismo ético: subjetivo e cultural. Os dois pontos de vista negam a existência de verdades morais absolutas e objetivas. Levando em conta o relativismo éticosubjetivo, o correto é tudo aquilo que é moralmente válido, a ética é uma questão individualista, o que o sujeito acredita como certo não pode ser considerado como incorreto por 14 indivíduo algum. Já segundo o relativismo cultural o que é correto para ti depende do que consiste em aceito ou considerado moralmente correto pelo grupo social ou cultura a que tu pertences. Uma questão falha do relativismo cultural é referente ao racismo. Os preceitos relativistas divergem com os preceitos éticos. Uma perspectiva ética satisfatória tem que demonstrar meios efetivos para combater atos racistas, entretanto, o relativismo prega que se o racismo for aceito por determinada sociedade ele é considerado bom. Uma das justificativas para atitudes relativistas culturais é que não existem padrões comuns entre sociedades diferentes e consequentemente entendimento entre valores considerados aceitáveis e não aceitáveis. A antropologia, pelo contrário, diz que o entendimento entre os homens é sempre possível e se faz através da comunicação. Notoriamente que o entendimento e consenso entre indivíduos da mesma sociedade se faz de forma mais fácil, mas o núcleo mínimo de valores e traços que não variam está em todos os indivíduos, ainda que não se faça de forma tão perceptiva. Apesar de no primeiro momento fazer sentido, a ideia de relativismo cultural deixa implícito a hipótese da falta de contato com sociedades mais desenvolvidas. Obviamente que não se pode cobrar de sociedades antigas padrões morais modernos. É de suma importância ressaltar que o relativismo cultural não se aplica a sociedades que possuem contatos, pois a partir do contato entre tais sociedades há troca de conjuntos de valores e fica a critério de cada sociedade qual padrão seguir. Outra questão que enfraquece o relativismo cultural é a globalização. Esse movimento se faz presente nos discursos acerca do respeito ás diferenças culturais, e está ligado ao ‘’multiculturalismo’’, que em primeira instância parece fazer referência à diversidade das culturas e sua importância em meio ao mundo. Mas esse é um conceito que está ligado ao inconstante processo social, sendo uma solução para as classes influentes e possuidoras do poder político, deixando assim a sociedade sem saber que valores culturais devem seguir em meio a tantas modificações e incertezas. O ato ético Todo ato ético é um ato de religação. Um ato moral é um ato individual de religação. Um ato moral é um ato individual de religação, seja um com o outro, entre uma comunidade, com uma sociedade, ou seja, a religação do ser humano com a sua espécie. A religação cósmica se consegue através da religação biológica, que ocorre por meio da religação antropológica, que é perceptível através da solidariedade, amizade, fraternidade e no amor, que é a religação antropológica soberana. O amor é a demonstração máxima da ética. Há uma necessidade vital, social e ética de amizade e companheirismo entre os seres, de afeição e amor para a realização plena da espécie humana. O sentimento do amor é a experiência essencial para a religação humana. Dependendo do nível de religação humana, se for muito complexa, só poderá ocorrer se for através do amor. O homem sem a religação se prende a si, se fecha em seu individualismo. Destarte, o fechamento o que é o princípio de abertura ao outro: o altruísmo, no lugar de fazer se abrir, pode nos levar a um fechamento maior ainda, é o caso do egoísmo extremo, o homem sendo seu próprio lobo, onde o individualismo suplanta a coletividade e o ideal de bem comum. Em que o problema central passa ser a barbárie gigantesca interior do homem. Por isso, é necessário que o homem realize uma análise de pensamento, compreenda-se e se corrija afim de ao menos amenizar sua barbárie interior e agir de acordo com a ética. A ética complexa precisa do que é mais individual do ser humano, a sua autonomia de consciência e sua noção de responsabilidade. Necessita do seu potencial reflexivo de espírito em 15 relação à análise do seu eu e de suas ações. O progresso da ética pode se realizar pelo seu profundo enraizar, pela interação das consciências intelectual e moral. O pensamento complexo é o pensamento que se religa. E a ética complexa é fruto desta religação. É de suma importância salientar que a religação inclui o processo de separação, pois só o separado pode ser religado, portanto, a ética humana, deve se realizar através da fraternidade, amor, união na separação. As últimas expressões da Ética são consagradas ao amor. Ele não pode ser irracional; por isso, cabe à Ética resguardar a racionalidade no íntimo do amor. Vivendo no amor, conseguimos lidar com a insegurança e a inquietude, porque ele é o remédio para a angústia, para os males. Revoluções éticas A modernidade é o nosso habitat peculiar. Não nos notamos como os velhos se viam, pois nenhum deles refletia em questionar a naturalidade das afinidades entre o homem e a sociedade. E a modernidade aprece precisamente quando o homem começa a se ajuizar desconexo da comunidade que ele integra. Os seres modernos não atribuem a origem mítica da coletividade a um vinculo orgânico. Para eles, é errônea a afirmação de que somos descendentes de Abraão, Rômulo, nem de Eva. Não somos unidos por tradições, não pertencemos à mesma família, nem religião e costumes. Para os modernistas, o que nos une é a nossa vontade individual, guiada pela razão. O racionalismo clássico é oposto a tradições mitológicas e religiosas com base em uma razão natural, que explica a ordem natural do mundo e os seus aspectos. A crença de que a razão poderia explicar todos os feitios do mundo, foi colocada em suspeita no pensamento medieval, de maneira especial, porque muitos dos elementos essenciais do cristianismo não eram franqueados pela razão, mas pela fé. Seria muita ambição do homem aspirar que a sua razão abrangesse o mundo criado por um deus onipotente, cuja grandeza não poderia ser nunca compreendida por nossa restringida racionalidade. Assim, mesmo que as compreensões cristãs tenham sustentado a ideia de que a razão pode nos transportar a muitas verdades, não se podia acreditar que ela nos desvendasse toda a verdade. Assim, o pensamento medieval é bastante cético diante aos limites de uma racionalidade individual. A razão é vista como algo que nos expõe a relações naturais, constituídas independente dos homens. Portanto, é o critério de racionalidade que nos permite separar os ditames da lei humana e lei natural. Foi contra esta tradição, que naturalizava os seus valores tradicionais para garantir a sua legitimidade, que elevou o pensamento moderno. Descartes foi pioneiro reconhecendo que, entre o que ele ponderava natural, existia muito de convencionalismos difundidos pela sua cultura. Mas ele já não mais podia converter em natural tudo o que lhe era familiar. Assim, a razão moderna não se distanciou da noção de naturalidade, mas a reafirmou, especialmente Porque a sua principal função era diferenciar o aparentemente natural do verdadeiramente natural. As teorias dos contratualistas não articularam de maneira muito inovadora o direito natural e o direito positivo, Porém, o campo da naturalidade foi redefinido, pois muita coisa passou do campo da naturalidade para o campo da artificialidade. E foi justamente com esse trânsito que a modernidade pôde criticar a tradição, da qual vários elementos passaram a ser vistos como construções artificiais ilegítimas. A saída encontrada para harmonizar essa fragmentação de moralidades coexistentes foi justamente remeter a moralidade para o campo do privado, em que nenhuma validade objetiva seria admissível. Mais do que isso, a privatização da moralidade era uma garantia da liberdade de crença, especialmente da liberdade de religião, que era um dos pilares das modernas sociedades16 europeias. Assim, a regulação da vida pública deixa de ser um papel da moralidade de inspiração religiosa, e passa a ser monopólio de um direito pretensamente laico. Porém, nem toda a moralidade foi remetida ao campo do privado, pois restava a moralidade natural, cuja validade seria objetiva. Por isso mesmo, a ética moderna não se volta a uma catalogação das virtudes dominantes em uma tradição, pois isso é deixado aos moralistas de cada crença, aos missionários e catequistas de todos os gêneros. Esse gênero de educação moral não deixa de existir, mas ele migra da reflexão filosófica para a pregação teológica. Todavia, restava aos filósofos definir aquele núcleo da moralidade cuja validade universal poderia ser demonstrada. Nesse sentido, a busca da moralidade se aproxima imensamente da busca pelo direito natural, pois ambas se fundem na ideia de que existem valores justos por natureza, que podem ser identificados a partir de um uso adequado da razão. Portanto, os primeiros filósofos modernos da ética, da política e do direito continuavam a velha tradição platônica, em sua busca pela identificação do bem em si. A Crise ética na modernidade A ética moderna traz a tona o conceito de que os seres humanos sempre devem ser o fim de uma ação e nunca um meio parar alcançar determinado interesse, pois o homem é visto no centro e tudo está ao seu serviço. Essa é uma ideia defendida por Kant, um dos principais filósofos da modernidade, que acreditava na ideia de o que o homem é um ser egoísta, destrutivo, ambicioso, cruel e agressivo. As crises históricas determinam as mudanças históricas que acontecem e mudam a realidade da sociedade de forma radicalmente. É uma questão bastante relevante para filosofia, visto que o desenvolvimento da história e as suas crises cabem a filosofia, ela não pode ficar estática a situações vividas pelo homem moderno. A função da filosofia é elucidar o homem em seu ser total. A ética tornou-se uma problemática fundamental no ocidente do século XX. Durante os anos 50 e 60 chegou-se a utilizar o termo reabilitação ética. A mentalidade técnico-científica se tornou cada vez mais dominante na civilização ocidental, menosprezando a ética e a reduzindo apenas aos problemas individuais. A ética não faz parte do âmbito racional, pois racionalidade é ligada a ciência, e tudo que não é pertencente à ciência é resultado do livre arbítrio de cada um. A ética está no centro da vida humana, pois a tarefa fundamental e primordial do homem é a construção do seu eu. O problema se faz presente, sobretudo, no pensamento europeu, ainda por uma oposição que vem desde Kant, com um enorme empecilho a qualquer ontologia. Não se faz mais uma teoria do mundo. A filosofia virou apenas uma teoria do nosso conhecimento do mundo. Enquanto não suplantarmos a dicotomia entre ser humano e mundo, entre sujeito e objeto, entre teoria e realidade, que é a legado deixado pela modernidade, ainda majoritária no pensamento atual, nós não teremos saídas. Teremos saídas, no máximo que não são capazes de dizer o que devemos fazer frente às questões que cada um deve enfrentar. A questão fundamental da filosofia hoje é voltar a ser uma teoria da realidade, é voltar a falar do legítimo. A partir dos valores, em primeiro lugar, ontológicos, pode-se perguntar o que a realidade pode dizer enquanto exigência ética. Podemos pensar em uma ótica de entender a ética da vida coletiva. E uma ideia fundamental que se destaca como uma ética alternativa é aquela onde o homem não é em primeiro lugar só indivíduo, mas um ser fundamentalmente de relações e que só conquista o seu ser através do outro. 17 Somente uma sociedade que pudesse ser articulada de tal maneira, onde cada ser humano possa ser respeitado e respeitar os outros, seria uma sociedade capaz de criar condições para realização do ser humano. Esta é a ideia do reconhecimento mútuo, da dignidade igual de todos os seres humanos. É um princípio ético fundamental para organizar a vida coletiva. Isto é, não há seres humanos especiais e a eles não se destinam os bens da Terra. Mas todos os seres humanos são portadores da mesma igualdade. É por isso que a participação, naquilo que é comum, e nas decisões da vida coletiva, é um direito fundamental de cada um, uma vez que cada um é igual. Racionalidade instrumental A modernidade, desde suas origens, desenvolveu-se lutando pela busca da emancipação do sujeito em nome da ciência, rejeitando toda a herança judaico-cristã, o dualismo cristão e as teorias do direito natural que haviam provocado o nascimento das Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão. Da superação da fé e do sagrado para a certeza das ciências, de submissão ao dogma à razão. No propósito renascentista ressurgia imponente a razão como referência única do saber. Neste novo paradigma, o conhecimento somente tem sentido se provado, se aprovado pela ciência com seus métodos, ritos e instâncias de validação. Com a modernidade, a única resposta para o homem está condicionada ao discurso científico. A profundeza da crise que a modernidade causou ao propor novos referenciais e novos paradigmas de fundamento para a humanidade baseados na adoração da ciência. O desafio posto é de retirar o mais sagrado construto da humanidade que por séculos justificou práticas políticas e religiosas, arrebanhou multidões, suplantando-o por um conhecimento que é pura razão. As grandes promessas da modernidade, na ânsia de responder às necessidades humanas, concentram-se nas conquistas da ciência e da tecnologia, impondo um processo crescente de valoração de todas as coisas, num sentido materializado. Inicialmente na linguagem marxista, atribuindo valor econômico às coisas pelo tempo de trabalho humano necessário à produção do bem; posteriormente, esvaziando-se deste sentido, à medida que se fundamentava na tecnologia e na ciência, em substituição ao trabalho humano, passando a valorar exclusivamente pela produtividade. Depois de mais de três séculos de discussão sobre o triunfo da razão e o esboroamento das tradições, agora, o esgotamento da modernidade transforma-se em sentimento de angústia e desencantamento do mundo. O método da complexidade O método de complexidade é um meio de consolidar a reforma do pensamento, pois rearticula, contextualiza, permitindo um pensamento racional complexo, capaz de conduzir ações complexas. Esse método é proposto por Morin, ao mesmo tempo em que ultrapassa o método cartesiano, deverá se resguardar a inspiração primeira e suas conquistas. 18 O método da complexidade é o caminho, estratégia e perseguição ao conhecimento. Faz as sinapses entre os saberes, entre o ser e o objeto, entre o sujeito e o conhecimento. Leva-nos a compreender e a repreender, a organizar de forma mental e estruturar o raciocínio. Portanto, esse reaprender, na perspectiva da complexidade, é a reforma do pensamento, num pensar que possa articular e contextualizar o conhecimento. Objetivou-se no desafio de encontrar e elaborar operadores do conhecimento que permitissem abordar a complexidade do mundo. Esses instrumentos mentais são sistematizados, no método de complexidade, em princípios que subsidiam a construção do conhecimento complexo. São esses princípios que conduzem à reforma das estruturas de pensamento, levando a outra compreensão da realidade por operar com outras categorias de análise. Diferente dos princípios cartesianos, das ideias claras e distintas, da análise, da ordenação e da quantificação os princípios da complexidade, operam a contextualização, a ligação, a complementaridade, a incerteza e a recursividade. Em sua obra, Morin tece princípios para um pensamento complexo, colocando-os como complementares e interdependentes. Dentre esses, se destacam três, considerados fundamentais: o dialógico,o hologramático e o elo recursivo. Há, porém, outros princípios e categorias com origem em diferentes ciências e que colaboram com a construção do pensamento complexo que, no entendimento que são: o Princípio da Complementaridade, o Princípio da Incerteza e o Princípio da Autopoiése. Pode-se promover a reforma do pensamento, constituindo, como forma de pensamento, o pensar complexo. Essa reforma de pensamento tem desdobramentos para além do campo cognitivo, para o campo da ação do homem, ou seja, desdobramentos éticos e políticos. Sonhos éticos A ética da vida não se prende apenas ao caráter biológico, mas transcende para poder desejar a vida com graça e paixão. Ao referir-se a poder, fala da atitude de mudança de pensamento em relação à ética da vida. A ética é responsável por recriar o sentido da vida, para que tudo volte a fazer sentido, para que a razão se reconecte com a paixão e o pensamento com o sentimento. Dessa forma, a ética da vida é o caráter do ser, do eu, do indivíduo ao contrário do pensamento dominante de separação do conhecimento e da vida. Reafirmando que a mudança passa pelo retorno à essência da vida, pois toda ética tem como tema central a vida, mesmo havendo outras éticas, a ética deve ser uma ética criativa, capaz de reestruturar pensamentos e sentimentos para a boa vida. A ética da vida trata de sonhos, desejos, vontades, mundo de sentidos, vontades compartilhadas e diálogo de saberes. A ética da vida é contrária ao processo científico de validação e refutação, pois vai à busca de uma verdade comum. É a busca pela felicidade, o esforço para atingir a excelência e a virtude. A ciência tradicional separa a razão e o sentimento e busca produzir verdades para conduzir a vida humana. O conhecimento tornou-se instrumento de poder, esquecendo-se do ser, do sentido da vida, da ética da vida. Hoje, para pensar o mundo, para se estar inserido na vida de forma verdadeira, é necessário superar a ética que vem da ciência, como a que emana o mercado. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16656> Acesso em: 27 mar 2017. Adaptado. 19 Embora normalmente associada a atividades altamente estimadas, a concepção de cultura vai muito além disso. Nossa identidade cultural é construída a partir da nossa convivência social, é o que somos em nosso mundo social. Aspectos como nossa linguagem, nossa maneira de agir em uma situação, o que comemos, como nos vestimos e até mesmo como nos vemos estão diretamente ligadas à nossa formação cultural. O breve artigo a seguir propõe reflexões sobre a dinâmica que caracteriza a cultura. Concepção de cultura Lucas de Oliveira Rodrigues A palavra “cultura” é comumente relacionada a práticas geralmente consideradas de maior “refino” e profundidade intelectual, como a literatura, a arte e a música erudita. Entretanto, devemos entender que não são apenas as atividades que levamos em alta estima que devem ser consideradas como cultura. Para a Sociologia, a cultura é o conjunto de características que o indivíduo herda ou aprende em seu convívio social, com sua família e os demais indivíduos que fazem parte do seu dia a dia. Essas características servem para que possamos nos comunicar, de forma a compreender e sermos compreendidos por outros que fazem parte de nossa sociedade, e definem grande parte de nossos valores e normas, determinando o que é e o que não é desejável, em termos de comportamento, em nosso meio social. Nossa identidade cultural está diretamente ligada com o que somos e como vemos o mundo. Ela começa a ser moldada no momento em que nascemos e é construída até o momento em que morremos. Os valores e as normas que estão ligados a uma cultura dentro de uma sociedade ou comunidade comum podem variar e até mesmo serem contraditórios: alguns grupos de indivíduos podem basear suas experiências de vida em sua religiosidade, enquanto outros se baseiam em uma visão puramente científica do mundo. É importante entender que nossa cultura não é algo fixo ou imutável, ela está sempre se moldando de acordo com nossas experiências em sociedade. Autores como o polonês Zygmunt Bauman julgam que nossa cultura é tão maleável que chega a ser comparada a liquidez da água, que está sempre mudando de forma. A ideia de “liquidez social” de Bauman é formada a partir de observações de vários processos sociais. Entre eles está a chamada “aculturação”, que se dá em meio ao “choque cultural”, onde duas ou várias sociedades de culturas diferentes passam a ter contato e a conviver com suas diferenças. Dentro dessa convivência, características culturais, como a culinária, palavras, ideias ou formas de se vestir de uma são absorvidas pela outra e vice- versa. O processo de aculturação nos mostra que, em um mundo interligado como o nosso, a ideia de pureza cultural é completamente falsa. Sofremos influências e influenciamos mesmo sem perceber. Portanto, a noção de que existem culturas superiores ou inferiores é considerada um engano. Falamos apenas em culturas diferentes. Disponível em: <http://alunosonline.uol.com.br/sociologia/identidade-cultural.html> Acesso em: 20 mar 2017. A língua portuguesa é uma das heranças culturais que Portugal nos deixou. 20 A partir do texto, a seguir, é possível compreender que o Dia Mundial para Diversidade Cultural e para Diálogo e Desenvolvimento deve ser preservado pela sociedade mundial, porque busca celebrar as formas como as diferentes culturas podem dialogar pacificamente, para que assim exista cooperação global. Desse modo, o ser humano adquire a concepção de que não existe cultura superior às outras, todas interagem entre si, aceitando as diversidades existentes. Diversidade Cultural, Diálogo e Desenvolvimento Luan Pedro No dia 21 de maio de 2001, foi declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Mundial para Diversidade Cultural e para Diálogo e Desenvolvimento. A data tem como objetivo incentivar a compreensão da diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade, em aspectos como a linguagem, religião, costumes e raças. Além disso, impulsionar o governo e a sociedade para reconhecer a importância da cultura e das diferentes formas de expressão, bem como atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, por exemplo. A Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural afirma o respeito à diversidade das culturas, à tolerância, o diálogo e a cooperação entre os países, em um ambiente de confiança e de entendimentos mútuos, a fim de buscar a garantia da paz e segurança internacional. A Declaração expõe 12 artigos baseadas nas ideias de Identidade, Diversidade e Pluralismo, Diversidade Cultural, Direitos Humanos, Criatividade e Solidariedade Internacional, tendo como finalidade a maior compreensão das diferenças, sem ignorar os interesses de cada Estado. Com esta declaração, os países reconhecem a diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade. Em discurso da ONU, em 2008, Koichiro Matsuura, Diretor-Geral da UNESCO, disse que a diversidade cultural “não pode ser decretada, ela é observada e praticada”, logo, tem como principal meio de ação o diálogo e a curiosidade (considerando a cooperação entre os Estados e as relações da atual sociedade heterogênea), assim testando as possibilidades práticas de desenvolvimento. Segundo Matsuura, o desenvolvimento pode ser oferecido por empresas culturais, indústrias criativas, turismo e patrimônio cultural, destacando os planos de 21 desenvolvimento nacionais dos instrumentos de programação conjunta com países signatários das Nações Unidas. O teórico de Relações Internacionais, Emanuel Adler (1999) em sua obra “O construtivismo no estudo das relações internacionais”, define o construtivismo como uma ciência socialbaseada no coletivismo, logo, ideias construídas pela sociedade, cujo principal objetivo é fornecer explicações teóricas e empíricas às instituições sociais, e à mudança social. A teoria é considerada um meio termo entre as abordagens positivistas e pós-positivistas. De acordo com Adler (1999), pode-se inferir que os indivíduos têm entendimentos próprios de crenças e valores. No entanto, na formação do conhecimento coletivo, houve a construção de um ideal de cultura definido a partir de cada sociedade específica. Por esta razão, considera-se que a diversidade cultural faz parte da construção de sociedades, determinada pela ação dos agentes na estrutura, e pela ação da estrutura sob os agentes, sendo socialmente construída. Neste contexto de diversidade cultural, diálogo e desenvolvimento, é possível concordar com Morin (2000), quando o autor faz importantes reflexões acerca dos sete saberes necessários para educação do futuro, ao afirmar que o ser humano é Homo Ludens, Homo economicus e Homo mitologicus, logo, o homem é prosaico e poético. Sendo assim, o homem mantém relações complexas, e dinâmicas no ambiente terrestre, pois o mesmo adota posturas diferentes em relação à cultura, através das diferentes realidades sociais. * referências no site. Fonte: ADLER, Emanuel. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua Nova. 1999, n.47. ISSN 0102-6445. Disponível em: <http://www.internacionaldaamazonia.com/single-post/2016/05/22/Dia-Mundial-para-Diversidade- Cultural-e-para-Di%C3%A1logo-e-Desenvolvimento> Acesso em: 21 mar 2017. Adaptado. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural Clique: https://discutindoetica.wordpress.com/page/3/ 22 O que é identidade cultural? Seria um patrimônio a ser preservado? O que dizer sobre seus valores? Seriam eles fixos e imutáveis? Cristalizar as diferentes culturas nos permite conhecer melhor o comportamento humano? O texto a seguir traz respostas para essas e outras perguntas. Posteriormente, fique por dentro do conceito de aculturação. Identidade Cultural Rainer Gonçalves Sousa Segundo teorias recentes, a identidade cultural se constrói de forma múltipla e dinâmica. A identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos. Durante muito tempo, a ideia de uma identidade cultural não foi devidamente problematizada no campo das ciências humanas. Com o desenvolvimento das sociedades modernas, muitos teóricos tiveram grande preocupação em apontar o enorme “perigo” que o avanço das transformações tecnológicas, econômicas e políticas poderiam oferecer a determinados grupos sociais. Nesse âmbito, principalmente os folcloristas defendiam a preservação de certas práticas e tradições. Por outro lado, algumas recentes teorias culturais desenvolvidas no campo das ciências humanas desempenharam o papel inovador de questionar o próprio conceito de identidade cultural. De acordo com essa nova corrente, muito em voga com o desenvolvimento da globalização, a identidade cultural não pode ser vista como sendo um conjunto de valores fixos e imutáveis que definem o indivíduo e a coletividade da qual ele faz parte. Um dos mais conhecidos exemplos dessa nova tendência que pensa a questão das identidades pode ser encontrada na obra do pesquisador Nestor Garcia Canclini. Em vários de seus escritos, este pensador tem a recorrente preocupação de analisar diversas situações nas quais mostra que a cultura e as identidades não podem ser pensadas como um patrimônio a ser preservado. Longe disso, ele assinala que o intercâmbio e a modificação são caminhos que orientam a formulação e a construção das identidades. 23 Com esses referenciais, antigos problemas que organizavam os estudos culturais perdem a sua força para uma visão de natureza mais ampla e flexível. A antiga dicotomia que propunha a cisão entre “cultura popular” e “cultura erudita”, por exemplo, deixa de legitimar a ordenação das identidades por meio de pressupostos que atestavam a presença de esferas culturais intocáveis em uma mesma sociedade. Além disso, outras investigações cumpriram o papel de questionar profundamente o clássico conceito de aculturação. Partindo dessas novas noções de identidade, antigos temas relacionados à cultura que aparentavam completo esgotamento ganharam um novo fôlego interpretativo. As identidades passaram a ser trabalhadas com definições menos rígidas. Diversos estudos vão contra a ideia de que uma população deve abraçar a sua cultura e garantir todas as formas possíveis de cristalizá- la. Dessa forma, presenciamos a abertura de novas possibilidades de entender o comportamento do homem com seu mundo. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/identidade-cultural.htm> Acesso em: 20 mar 2017. O conceito de aculturação O conceito de aculturação nega o caráter dinâmico dos costumes e hábitos das sociedades O conceito de aculturação foi durante muito tempo utilizado para se avaliar o processo de contato entre duas diferentes culturas. Entretanto, a utilização desse tipo de categoria vem sendo cada vez mais criticada e combatida por antropólogos e outros especialistas das ciências humanas. Em geral, a crítica realizada a esse conceito combate a ideia de que uma cultura desaparece no momento em que entra em contato com os valores de outras culturas. No entanto, essa premissa se mostra completamente equivocada por compreender que a cultura consiste em um conjunto de valores, práticas e signos imutáveis no interior de uma sociedade. Estudos de natureza histórica e antropológica, principalmente a partir da segunda metade do século XX, demonstraram que as sociedades humanas estão constantemente reorganizando suas formas de compreender e lidar com o mundo. Dessa forma, a cultura não pode ser vista de uma forma estática. Um dos mais claros exemplos desse processo pode ser visto com relação às comunidades indígenas brasileiras. No começo do século XX, as autoridades oficiais acreditavam que a ampliação do contato entre brancos e índios poderia, em questão de décadas, extinguir as comunidades indígenas. Contudo, o crescimento das comunidades indígenas – a partir da década de 1950 – negou o prognóstico do início daquele século. Dessa forma, devemos compreender que a cultura é um processo dinâmico e aberto em que hábitos e valores são sistematicamente ressignificados. Por isso, a ideia de aculturação não pode ser vista como o fim de uma cultura, pois não há como pensar que um mesmo grupo social irá 24 preservar os mesmos costumes durante décadas, séculos ou milênios. A cultura de um povo, para manter-se viva, deve ser suficientemente livre para conduzir suas próprias escolhas, inovações e permanências. Fonte original: Mundo Educação Disponível em: <http://historiaufms2018.blogspot.com.br/2015/03/o-conceito-de-aculturacao-nega-o.html> Acesso em: 30 mar 2017. Em se tratando de cultura sob o viés da ética e, também, da ecologia, um assunto que, certamente, requer a nossa atenção diz respeito às “vaquejadas”. No artigo a seguir, o autor apresenta argumentos bem elaborados e suficientes para promover reflexões pertinentes acerca do modo como o homem trata os animais em nome de uma prática esportiva, demonstrando que seu comportamento éespelho da cultura na qual está inserido. Vaquejadas: um conflito entre ética e cultura Vinicius Littig As vaquejadas, recentemente proibidas pelo STF, são uma importante questão de conflito entre a ética e a cultura. E tais práticas deveriam ficar no passado. Estou aqui, hoje, para comentar sobre um recente caso no país — mais uma vez, um polêmico: a vaquejada. Como devem saber, o assunto entrou em voga recentemente por conta de uma proibição à prática, que é uma das tradições do nordeste brasileiro. Como sempre, pretendo fazer um ponto a ponto e explanar minha argumentação e dar motivos suficientes a você, leitor, para que também se posicione contra essa crueldade. Como podem conferir nos meus antigos artigos sobre a caça e obsolescência programada, possuo um viés muito ecológico do qual não abro mão, mas não em uma plenitude absoluta ao ponto de colocá-los acima de nossa própria espécie, e explicarei melhor essa visão ao decorrer das próximas linhas. Se estão confortáveis, então vamos começar. A vida humana e a natureza Terra. O planeta que constitui nosso lar em uma imensidão de espaço vazio entre as galáxias. Nela está tudo que um dia conhecemos e os diversos cenários em que tivemos nossas experiências. A vida como a concebemos só foi descoberta, até então, por aqui, ao menos até que alguém consiga explorar as galáxias de uma forma rápida como no mangá 2001 Nights. Também é nossa fonte primal de recursos e, para que possamos continuar a desses usufruir, precisamos de um certo zelo com as coisas que aqui existem, desde os microrganismos unicelulares até os animais. Se tratando de animais, uma coisa que precisamos entender é que o homem é um animal. Independente de sua crença religiosa, seja ela católica ou mórmon, o funcionamento do organismo humano possui N semelhanças com demais mamíferos, principalmente com os primatas. Por conta disso, Darwin publicou o fruto de sua pesquisa em “A Origem das Espécies” algumas centenas de anos atrás, que é a base para a compreensão da ecologia e do desenvolvimento da genética. Pois bem. 25 Sendo um homem tão animal quanto os demais animais da natureza, a não ser que discutamos sobre cadeia alimentar, massa encefálica, domínio da natureza, filosofia e afins, isso nos coloca em mesmo patamar que as outras espécies. Na verdade, podemos ver a cultura como um desenvolvimento natural de uma espécie que conquista o meio em que vivemos, então nem mesmo questões culturais podem ser vistas desligadas por completo do discurso ambiental. Fato é que convivemos com outras espécies de diversas formas tendo como alvo nossa sobrevivência. Da maioria deles retiramos alimento e matéria prima para produzir quase tudo que existe em nossa sociedade, desde roupas até o couro do banco do carro de luxo do playboy de esquerda. Durante muitos séculos passamos a ter a falsa crença que, por termos dominado a natureza, estamos acima de suas leis, o que resultou em uma dúzia de desastres naturais, extinção de espécies e a lista se estende por alguns quilômetros, se devidamente detalhada. Recentemente, após o descobrimento do aquecimento global antropológico (amplamente aceito pela comunidade acadêmica), passamos a discutir sobre a ética dessa relação uma vez que, como já foi colocado, não estamos acima da natureza, somos parte tão integrante quanto. Através dessas discussões, pudemos chegar a diversas leis e princípios que estabelecem um melhor equilíbrio nessa relação, principalmente com animais. Se for fã da psicologia evolucionista como eu, poderá achar dados interessantes que espelham comportamentos humanos a comportamentos de outros animais e mostra como os mesmos podem ter sentimentos e personalidade — até mesmo, vejam só, insetos como as baratas. Ao compreender essas paridades únicas entre homem e fera, entendemos que não podemos utilizar-nos deles como meras ferramentas e torturá-los, maltratá-los ou colocar em risco toda uma espécie. Já eliminamos os dodôs, afinal. Sendo eles capazes de dor e emoção, adotamos critérios no seu trato em pesquisas científicas, uso para alimentação, para extração de produtos necessários e afins. Os parágrafos acima são o norte de minha ética com os animais. Nada envolvendo crença, só resultados científicos de anos e anos de acúmulo de conhecimento acerca de nossas origens e de como funciona a relação homem x natureza. Compreendido isso, vamos ao assunto pertinente ao artigo. Animais como fonte Animais, hoje, são fonte de muitas coisas. As mais importantes são alimentação e pesquisas científicas que nos ajudam no desenvolvimento de medicamentos. Existe toda uma ética por trás de seu abate: precisa ser feito da maneira mais indolor e rápida possível, de forma que evite sofrimento. Em laboratório, por exemplo, ratinhos são guilhotinados. Vacas, em frigoríficos, recebem um tiro na testa — morte rápida e indolor. “Ain, mas você nunca tomou um tiro na testa!” Estudos mostram que, antes que os sensores de dor sejam ativados no cérebro através de neuroreceptores, a atividade cerebral já cessou, configurando morte. Na questão da alimentação, os veganos e vegetarianos argumentam sobre outros tipos de sofrimentos dos animais, e, nesse ponto, não pretendo entrar em detalhes, apesar de concordar parcialmente com eles. A questão é que há toda uma forma pragmática de lidar com as feras, hoje, por questões éticas incessantemente debatidas. Os direitos dos animais (que muito imbecil por aí diz que seu único direito é ficar gostoso na grelha) estão aí para limitar essas relações e são eles que estabelecem os parâmetros toleráveis de dor, sofrimento e afins. “E há a real necessidade de usarmos animais?”. Sim, há. Na alimentação, isso tem sido contornado através de dietas rigorosas e suplementos vitamínicos, coisa a qual nem todos têm acesso. Na pesquisa científica, apesar do avanço nos modelos computacionais e de simulação, os tecidos vivos ainda não conseguem ser emulados com exatidão, o que torna indispensável o uso de seres vivos. Necessidade, há. O que espero ter deixado claro é que esse debate vai muito 26 além do discurso de superioridade do homem para com o meio, na relação com os animais. Dado isso, continuemos. A questão da vaquejada Como no meu artigo sobre a caça, minha principal indagação é sobre o uso de animais como fonte de entretenimento. Das muitas necessidades que possuímos, o divertimento não está intrinsecamente ligado ao uso animal, apesar de muitos de nós possuirmos em casa bichinhos de estimação. Entretanto, nesse caso, eles são vistos muito mais como membros da família do que como meros objetos, ou assim deveriam. De qualquer modo, muito se questiona sobre a ética por trás desse convívio específico. A vaquejada é um esporte que tortura o animal e, em alguns casos, pode provocar graves feridas. Se duvidam, eis aqui uma matéria que explicita que os rabos dos bois chegam a ser arrancados. Sim, caro leitor, arrancados. Na mão, arrancados mesmo. Não sei quanto a vossas senhorias, mas isso não me parece um esporte. Não do ponto de vista do touro, com certeza. Assim como a vaquejada, outros “eventos culturais” envolvendo animais já foram proibidos em nosso país, como a famosa rinha de galos, de cães, e até o seu uso em circos — em alguns estados. O que todos esses “esportes” possuem em comum? Sofrimento animal desnecessário. Bem, nenhuma vida ali está sendo gasta de forma produtiva. Os que advogam pela vaquejada defendem dois posicionamentos comuns, que realmente são relevantes, e outro que é pseudo-argumento: a) É uma cultura do povo nordestino e, portanto, deve ser preservada; b) Gera emprego e renda para milhares de pessoas; c) A proibição só causaria a ilegalidade dos eventos, que continuariam acontecendo; Vamos destrinchar ponto a ponto, ok? a) Fator culturalEsse é, tão somente, pseudo-argumento. Muitas coisas são fatores culturais em sociedade, mas não significa que isso as isenta de questionamentos éticos que levem à sua extinção. A escravidão, um dia, já foi cultural. Será que antes da Princesa Isabel assinar a Lei Áurea os donos de escravos argumentavam que possuir outros seres humanos era algo bom pois era cultural? Óbvio, são questões díspares, mas só a usei para demonstrar que o argumento “é cultura, logo deve ser preservada” é imbecil. Uma falácia, das bravas. Em sociedade, culturas vêm e vão naturalmente. A maioria delas acaba sem sequer ser notada sua extinção, como é possível verificar no mundo da moda. Se não for um conspiracionista de esquerda que acredita nos poderes ocultos da mídia manipuladora, as roupas possuem características que vão sendo substituídas e as mais ultrapassadas tendem a ser abandonadas. Outro exemplo é o uso de VHS, hoje amplamente substituído pelo DVD, que foi substituído pelo Blu-Ray e as mídias digitais — e o Senhor fez o Torrent, e viu que era bom. Algumas culturas, infelizmente, precisam de uma “forcinha” estatal e fiscalização para acabarem. É a vida. b) Geração de emprego e renda Esse é um forte argumento para quem defende as vaquejadas. Realmente, são milhares de trabalhos diretos e indiretos associados à prática. Entretanto, gostaria de lembrá-los que o 27 mercado não é uma entidade estagnada. Nem todos os empregos e profissões acabam sendo mantidos com a mudança de cultura. No tópico anterior discursei sobre o VHS e a mudança tecnológica. Bem, os donos de locadoras com certeza devem ter sido contra a invenção do gravador de DVD, que expandiu a pirataria — e o Senhor fez o Nero, e viu que era bom. Os piratas devem ter detestado, por sua vez, o torrent e a Netflix. Isso significa que essas pessoas morreram sem empregos após sua perda? Não, caro leitor! Elas arrumaram outros empregos. Argumentar pelos empregos gerados é coerente, mas o que está em jogo, aqui, não é a fonte de renda das pessoas que, nem sempre, inclusive, é legal. A questão é o ato. Sendo a vaquejada uma tortura contra animais, independente de quantas pessoas empregue, continua sendo uma prática abominável de um ponto de vista ético e que deve ser banida. Simples assim. c) A proibição causará ilegalidade Bem, esse é um problema não da lei, mas de sua fiscalização. A ilegalidade do ato não o torna defensável, assim como assassinatos, que são proibidos e nem por isso os assassinos de aluguel protestam por precisar atuar na ilegalidade. Novamente, reitero que o foco da conversa é a ética por trás do ato, não os efeitos do mesmo. A escravidão (sim, novamente vou usar desse exemplo) ajudava a sustentar a economia brasileira nos séculos passados. Gerava emprego, renda — ao menos para os donos de engenhos — e até hoje existe, na ilegalidade. Por que, então, ninguém a defende? Quer dizer, os Ancaps a defendem como “voluntária” (hehe, piadistas), mas para qualquer ser humano com meio neurônio que absorveu o discurso da igualdade dos homens perante a lei, não existe mais a argumentação que compara negros a macacos, legitimando tal crueldade. Está na hora de acabarmos com essas falácias e entendermos que a morte animal continua sendo necessária. Até mesmo a morte humana, em casos específicos como a pena de morte, ainda é defendida. Mas cabe imbuir nessa prática de um propósito ético. Os animais que estão em laboratório por certo sofrem com uso de fármacos e químicos complexos, mas estão ali por uma nobre causa. O gado de abate sofre? Com certeza. Mas, apesar do confinamento (que é um dos focos de debate do vegetarianismo), eles viram nosso alimento e, em sua falta absoluta, crianças menores podem ficar desnutridas. Não estou dizendo que nessas duas questões em específico não caibam debates sobre a dor e sofrimento dos mesmos, claro que cabe. Ainda na questão das pesquisas, existem aqueles que se questionam da necessidade de continuarmos a usar animais em pesquisa para produtos cosméticos. Mas o trato com animais para entretenimento está longe, léguas distantes, de ser minimamente ético. Espera-se que essa proibição abra precedentes para banirmos os rodeios, assim como entidades de proteção animal tentam, há anos, banir as touradas para a história. Agora, como falei, se quiser se apregoar em seus crenças fundadas em pseudo-filosofia, pode continuar. Pode continuar com seu discurso de que o homem é único e especial, tem nada a ver com os animais, e que seu trato com a natureza pode ser totalmente guiado pelo prazer e sua própria sobrevivência. Sinceramente, não me surpreendo mais com essas visões de mundo antiquadas e egocêntricas. Nesse caso, pode defender a vaquejada como forma “cultural” de expressão do povo nordestino. Mas, por mais que você negue o lado animalesco do homem e sua relação com o meio, não conseguirá desfazer-se das evidências biológicas e genéticas. E, caso um dia vivamos para ver a sociedade dominada por outra espécie muito mais avançada que a nossa, pode ser que se lembre desses questionamentos. Disponível em: <http://minutoprodutivo.com/sociedade/vaquejadas-um-conflito-entre-etica-e-cultura> Acesso em: 16 mar 2017. Adaptado. 28 Seja na televisão, no jornal ou nas redes sociais, o humor é algo sempre presente no universo do entretenimento. Com o surgimento da internet, assim como outras áreas, o gênero se ressignificou, ganhando novos formatos e também uma maior amplitude do debate. Das charges às notícias cômicas, o humor se consolida como uma ferramenta de informação e um formador de opinião que já existe em vários formatos. Confira! Da comédia à crítica, o humor se consolida transformando riso em informação Heloisa Cavalcanti Das tradicionais charges e tirinhas às notícias cômicas, o humor está cada vez mais presente em nosso cotidiano tornando-se um meio de informação. Para Roberto Kaz, do The Piauí Herald , trazer humor para as notícias do cotidiano pode ser muito mais impactante: “isso consegue ser mais eficiente politicamente do que poderia ser uma coluna escrita sério”, afirmou em entrevista ao iG. Kaz, que trabalha no portal há um bom tempo, acredita que trazer a crítica com a ferramenta cômica tem um poder maior. “Eu acho que às vezes ele consegue ser mais eficiente que uma crítica sem humor. Esse é o poder do humor, ele tem um poder político porque ele penetra não só pela razão, geralmente como um texto, mas o humor entra pela emoção. Então eu acho dessa maneira ele consegue às vezes fixar de forma muito mais forte”, reflete. O chargista Junião traz para o humor questões que envolvem os direitos humanos Esse caráter intrínseco ao humor de fixar uma crítica ou uma informação na memória do leitor também se reflete nas charges e quadrinhos. Para o chargista Junião, o fato desse gênero do humor trazer uma situação do cotidiano de uma maneira surpresa com outro recorte é um dos motivos pelo qual geralmente as imagens acabam ficando gravadas na mente dos leitores. “Na 29 verdade a charge não é uma notícia, ela é um artigo. A charge leva a opinião do chargista, mas de uma maneira bem humorada”, comenta. “O humor nem sempre é para rir. Existe a crítica, existem camadas de entendimento no que se fala. A piada é uma coisa mais inocente, embora existam piadas que são preconceituosas. Então o humor tem que ser inteligente”, analisa o chargista. Para a professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Cintia Lima, o humor tem um potencial revolucionário. “A gente pensa nesse outro humor que visa criticar, que promove a reflexão e especialmente desestabilizar alguma estrutura. Quando pensamos nesse humor que desestabiliza, com certeza estamos pensando no humor como fonte de informação”, analisa. Cintia também é pesquisadora e estuda a
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