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Manifestações e Culturais Esportivas II Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Ivan Luis dos Santos Revisão Textual: Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares • O Reconhecimento do Patrimônio Cultural e Esportivo da Comunidade e a Articulação com o Projeto Político-Pedagógico da Escola • O Ensino dos Esportes sob uma Perspectiva Justa e Descolonizada • Ancoragem Social dos Conhecimentos Esportivos · Identificar e analisar os princípios fundantes de um currículo de Educação Física, capaz de promover uma educação crítica e demo- crática diante das diversas manifestações esportivas, bem de seus códigos e representantes. OBJETIVO DE APRENDIZADO O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Contextualização Quando chegam à escola, as crianças trazem consigo uma série de experiências acumuladas juntos aos esportes. Sejam aquelas que ingressam nas escolas de Educação Infantil, sejam as com mais idade, que transitam pelo Ensino Fundamental e Médio, todas, certamente, já tiveram contato com os textos esportivos difundidos pelos fami- liares, pela mídia, pelos jogos realizados nas ruas, pela própria instituição escolar. Mediante todo patrimônio cultural esportivo das crianças e adolescentes, de que maneira a escola e as aulas de Educação Física podem levar os estudantes a perceberem a construção de suas próprias identidades culturais? De que maneira o currículo tem se “esforçado” para garantir uma distribuição equilibrada das diversas manifestações esportivas, considerando os diferentes grupos culturais que coabi- tam a escola? Partindo de questões como as arroladas acimas, nessa unidade iremos nos deter a reconhecer os princípios fundantes de um currículo de Educação Física, capaz de promover uma educação crítica e democrática diante das diversas manifestações esportivas, bem de seus códigos e representantes. Para tal, debateremos sobre as possibilidades de tematização dos esportes nas aulas de Educação Física, mediante o reconhecimento do patrimônio cultural e esportivo da comunidade, bem como, a articulação com o projeto pedagógico institucional. Falaremos, ainda, sobre a necessidade de uma distribuição justa e descolonizada dos conhecimentos no âmbito do currículo da Educação Física, de maneira a se valorizar a diversidade de manifestações esportivas, seus sujeitos e toda produção social, histórica e política que os atravessam. Esperamos que, ao final desta unidade, tenhamos construído os “alicerces” curriculares necessários para se pensar o planejamento dos temas, conteúdos e atividades de ensino, no que se refere ao trabalho com as manifestações culturais e esportivas no âmbito escolar. 8 9 O Reconhecimento do Patrimônio Cultural e Esportivo da Comunidade e a Articulação com o Projeto Político-Pedagógico da Escola Pense numa escola instalada numa cidade litorânea. Agora imagine outra situada no campo. Ou ainda, uma escola localizada na periferia de uma grande cidade. Quais são as práticas esportivas que compõem o patrimônio cultural E corporal destas três realidades? Como os sujeitos partícipes de suas respectivas comunidades atribuem significados às diferentes práticas esportivas, seja em relação àquelas produzidas regionalmente, seja em relação àquelas massificadas e difundidas pela grande mídia? Estas indagações são imprescindíveis para a organização do currículo, se o objetivo for a valorização das raízes culturais da comunidade na qual a escola está inserida. Nos dizeres de Candau (2008), a escola deve promover o entendimento dos enraizamentos culturais, bem como dos processos de negação e silenciamento de determinados pertencimentos, a fim de reconhecê-los e trabalhá-los criticamente. Ou seja, é no interior de cada comunidade, que o futebol, os jogos com taco e raquete, a bocha, dentre outras manifestações esportivas historicamente produzidas, adquirem representatividade. Dessa forma, reconhecer o patrimônio esportivo dos alunos significa desenvolver uma prática pedagógica em profunda sintonia com a cultura de chegada, comumente vista como subordinada pela cultura dominante. Pensemos no caso específico do futebol, retomando os três contextos apresentados anteriormente: o litoral, o campo e a periferia da cidade. Parte-se do princípio que a produção cultural dessa manifestação esportiva adquire sentido próprio em cada um desses contextos. Além disso, os textos produzidos regionalmente aparecem marcados pelos diferentes discursos que atravessam as raízes culturais e a forma com a qual as práticas do futebol são mencionadas. Isso nos leva a pensar que, em cada escola, em cada comunidade, o processo de ressignificação do futebol precisa ser levado em consideração pelos agentes proponentes do currículo, como ponto de partida para as escolhas didático-pedagógicas que se sucederão. Sob essa perspectiva, o futebol de várzea, o futebol de tampinha, o futebol de rua, o futebol soçaite, o futebol de 5, o futebol de areia, o futebol no vídeo game dentre outros, podem transformar-se em temas a serem estudados em aulas de Educação Física, dadas as possíveis ocorrências sociais dessas manifestações culturais, no âmbito de cada comunidade. Somente assim, acredita-se ser possível a valorização das diferentes características das raízes culturais das famílias de cada um dos alunos, do próprio contexto de vida, do bairro, etc. De acordo com Kincheloe e Steinberg (1999), o que se quer fazer é prestigiar no currículo, também, a cultura dos grupos subordinados. Os autores não querem, com isso, marcar fronteiras a fim de garantir a pureza da cultura 9 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares de origem ou dos modos de identificação com os quais as manifestações interpelamseus sujeitos. O que se está a defender é que os temas relativos à cultura corporal subordinada componham a agenda dos debates escolares por terem sido historicamente desdenhados ou tergiversados. Neira (2011) ressalta que o absoluto predomínio dos produtos esportivos na sua formatação euroamericana, branca, cristã e heterossexual colabora na formação de identidades superiores para os alunos que percorrem esses currículos, com relativo sucesso e na perpetuação das condições de marginalizados para aqueles que reagem ao patrimônio imposto, nele fracassando, devido ao pouco ou nenhum traço identitário. Santos Junior (2009) ao justificar a escolha do tema que elegeu para desenvolver com os alunos nas aulas de Educação Física, numa escola localizada na periferia da zona sul da cidade de São Paulo, apontou em seu relato que: “Após a discussão com os estudantes e entre eles, selecionei o futebol de várzea como tema de estudo. A escolha dessa prática foi favorecida pelo conhecimento que os estudantes carregavam e o quanto estava enraizada na família de alguns. Além disso, a cerca de 2 km da escola há um campo onde se pratica a modalidade e muitos alunos transitam por lá.” (SANTOS JUNIOR, 2009, p. 3) Saiba mais sobre o relato de experiência, acessando: https://goo.gl/kjAEHC Ex pl or Enquanto um tema subordinado no currículo – o “futebol de várzea” – ao longo de toda a ação pedagógica, o professor buscou, dentre outras coisas, destacar como os sentidos atribuídos a prática corporal foram produzidos, questionando os códigos e os artifícios pelos quais se apresenta ou é representada. Daí emergiram discursos preconceituosos relacionados a gênero e a local de moradia; discussões sobre o papel das ONGs e das escolinhas de futebol na comunidade; etc. Conforme aponta Neira (2011), a multiplicidade de vozes no currículo não só permite descobrir novas dimensões de muitas experiências, como também revela outras formas de ver a manifestação esportiva que está sendo estudada. Para o autor, em decorrência do longo tempo de permanência num estado de opressão e esquecimento, a possibilidade de reconhecer as manifestações corporais dos grupos subordinados pode sinalizar um novo caminho para definições mais complexas da teoria social e da autoridade ética. Nessa direção, Souza (2013) ao tematizar o “futebol de rua” com os alunos de sua escola fez os seguintes destaques: “O futebol de rua, objeto de estudo do meu trabalho é uma manifestação corporal que está ou esteve presente na infância e na juventude de 10 11 muitas pessoas. Embora não pareça, ao analisar o futebol de rua nesta comunidade, percebemos que ele aparece em diversos lugares e contextos (garagens, quintais, corredores, becos, vielas, calçadas, estacionamentos e principalmente nos pátios das instituições escolares, durante os recreios/ intervalos, entradas e saídas), além das ruas e nos seus variados tipos de jogos (timinho/golzinho, golzão, linha, melê, gol a gol, vinte e um/ bobinho, artilheiro e outros). De fato, o futebol de rua está presente dentro das instituições escolares e nas ruas da comunidade local, mas poucas vezes é tratado com seriedade no currículo da Educação Física Escolar. [...] O projeto contribuiu para que os educandos ampliassem e aprofundassem seus conhecimentos sobre os diferentes tipos de jogos de futebol de rua, partindo de seus próprios conhecimentos. O diálogo entre todos os envolvidos [...] possibilitou aos educandos momentos de analises, reflexões, discussões, debates e, sobretudo, de valorização de seus conhecimentos sobre os jogos estudados, bem como de exercício da criticidade.” (SOUZA, 2013, p. 29) Saiba mais sobre o relato de experiência, acessando: https://goo.gl/H8Z28F Ex pl or Percebe-se, então, que apenas reconhecer as práticas esportivas da comunidade e incorporá-las ao currículo não é suficiente, dado o risco desse reconhecimento se apoiar em categorias que são, em grande parte, elaboradas por quem está no poder e, por conseguinte, construídas à imagem dele. Para que se evite esse risco, é impres- cindível que o processo pedagógico inclua leituras críticas da manifestação estudada, a fim de fazer emergir as representações para serem problematizadas e desnaturalizadas. Por fim, recuperando os ensinamentos freireanos, é sempre importante recordar que não estamos sugerindo permanecer na cultura dos alunos, reproduzindo aquilo que eles já fazem fora da escola. Trata-se de reconhecer os saberes provenientes da cultura corporal local, favorecendo o entrecruzamento com o repertório corporal disponível em outras culturas. Daí a importância de se articular as ações curriculares da Educação Física que consideram o patrimônio cultural esportivo da comunidade com os objetivos institucionais mais amplos, explicitados, sobretudo, no projeto político-pedagógico da escola. Concebendo a Educação Física como componente curricular participante da formação dos sujeitos pretendidos pela unidade escolar, sobretudo quando os objetivos educacionais são frutos de debates e decisões coletivas, a tematização das práticas esportivas deve buscar, no reconhecimento do patrimônio cultural corporal da comunidade, o elo com o projeto político-pedagógico. que não estamos sugerindo permanecer na cultura dos alunos, reproduzindo aquilo que não estamos sugerindo permanecer na cultura dos alunos, reproduzindo aquilo Paulo Freire os explicita, sobretudo, no seu livro “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 2005). 11 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Importante! A partir de Gadotti (2000) e Padilha (2004) estamos entendendo projeto político- pedagógico como um instrumento capaz de articular os diferentes atores da comunidade educativa, possibilitando que todas as vozes sejam ouvidas e suas ideias consideradas no que se refere, principalmente, ao direito à aprendizagem de todos e à emancipação social. Importante! Por exemplo, Colombero (2010) relata que: “[...] percebi que parte dos alunos (as) frequentavam as aulas de educação física com a camisa do seu time de futebol preferido. A partir dessa observação realizei uma pesquisa com duas turmas de 3º ano (7ª série) e quatro turmas do 4º ano (8ª série) do Fundamental II perguntando para que time torciam. Surgindo como resposta: São Paulo Futebol Clube, Corinthians, Palmeiras, Santos. Flamengo, gerando grande interesse entre todos. A partir desta constatação, considerei a manifestação corporal futebol pertinente para o desenvolvimento do projeto, articulando-o ao tema do projeto da unidade escolar que naquele ano era: Respeito, Ética, Cidadania e Valorização do Conhecimento.” (Colombero, 2010, p. 1) Saiba mais sobre o relato de experiência, acessando: https://goo.gl/y1PnRn Ex pl or Neira (2011) adverte que não se trata de uma operação corriqueira. Para o au- tor, além de possuir clareza sobre as intenções educativas da escola em que atua, o professor necessita extrair, dentre o vasto repertório cultural corporal acessado pelos alunos, um tema cujo estudo se aproxime com os objetivos institucionais. Adotada essa precaução, quando do caso da tematização de uma manifestação es- portiva, assume-se que esta esteja considerando as decisões coletivas estabelecidas com a comunidade escolar. Nesse sentido, a experiência pedagógica com as manifestações esportivas em aulas de Educação Física deverá abrir espaços para a participação, reflexão, e discussões coletivas a respeito do patrimônio da cultura corporal da comunidade, atentar e acolher as decisões coletivas e assentar-se em ações voltadas para o desenvolvimento da capacidade de análise crítica da realidade. O Ensino dos Esportes sob uma Perspectiva Justa e Descolonizada Um trabalho com as manifestações esportivas na escola encaminhado de forma justamantém-se atento ao modo como se privilegiam certos conhecimentos em 12 13 detrimento de outros, certos discursos em detrimento de outros, certas identidades em detrimento de outras, atuando no sentido de promover uma distribuição equilibrada das diversas manifestações esportivas no decorrer do planejamento. De acordo com Neira (2011), essa medida visa romper com a exclusividade de valores que intensificam noções de superioridade/inferioridade e que, consequentemente, atribuem conotações discriminatórias aos setores sociais em desvantagem nas relações de poder. É o caso, por exemplo, de se problematizar a presença feminina em algumas manifestações esportivas. Para tal, convido-o a assistir ao vídeo “Invisible players”: https://youtu.be/XoZrZ7qPqio Ex pl or Após assistir ao vídeo, tente pensar sobre o que levou as pessoas (entrevistadas) a afirmarem a autoria “masculina” do “gol”, da “cesta”, da “onda surfada”. Segundo a afirmação de uma das mulheres entrevistadas, “quando se pensa em atleta, logo se pensa no homem, por primeiro”. O que leva as pessoas a construírem este tipo de representação sobre o futebol, o basquete, o surfe? De que maneira as aulas de Educação Física podem contribuir com a desconstrução desses discursos que estão naturalizados no imaginário social? A tematização dos esportes populares ou midiáticos na escola, por si só, já se constitui numa boa ilustração da justiça curricular. Torres Santomé (1998) enfatiza que pela atenta seleção dos conteúdos e das atividades de ensino já se pode conquistar um espaço de valorização dos diversos saberes culturais e, em função disso, permitir com que os alunos compreendam a heterogeneidade social e valorizem os diversos sujeitos que compõem o universo da cultura corporal. Neira (2011), com base nos trabalhos de dois estudiosos do currículo, Tomaz Tadeu da Silva e Marisa Cristina Vorraber Costa, aponta que as atividades de ensino atentas à justiça curricular promovem, entre outras situações, a desconstrução da maneira hegemônica de descrever o Outro cultural. Continua o autor: “Desconstruir não é destruir, desconstruir requer procedimentos de análise do discurso, ‘que pretendem mostrar as operações, os processos que estão implicados na formulação de narrativas tomadas como verdades, em geral, tidas como universais e inquestionáveis’. A desconstrução põe a nu as relações entre discurso e poder.” (NEIRA, 2011, p. 70) No caso da participação feminina nas manifestações esportivas, basta lembrar- mos que o esporte moderno surgiu, desenvolveu-se e se difundiu como uma prática masculina. O discurso preconceituoso culturalmente instituído aludiu a uma certa “inferioridade biológica” da mulher, bem como aos perigos da prática esportiva para a gestação. A influência desses discursos era tamanha que, até 1979, a legis- lação brasileira proibia as mulheres de jogarem futebol. 13 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Conforme nos conta Neira (2014), as primeiras modalidades praticadas pelas mulheres foram justamente aquelas consideradas mais apropriadas à sua “natureza” (patinação, tênis, esqui, etc.). Posteriormente, continua o autor, o rol de possibilidades foi ampliado com a criação de esportes exclusivamente femininos, como o nado sincronizado. Reforçando aspectos característicos da chamada feminilidade (flexibilidade, graça, equilíbrio, coordenação motora), as questões estéticas despontavam como atributos principais enquanto as praticantes ficavam protegidas do confronto direto. Dessa forma, temos que, um aspecto primordial do processo de escolarização das manifestações esportivas com vistas à construção de identidades democráticas é, justamente, priorizar o questionamento da maneira com que são construídas as representações do Outro, do diferente. Neira (2011) aponta que a postura questionadora do professor busca evitar os riscos de perpetuação dos preconceitos, ou mesmo, da abordagem da diferença numa perspectiva da tolerância. Por exemplo: Em 2014, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), dados os inúmeros casos manifestos de racismo no esporte brasileiro, lançou a campanha “Somos todos iguais”. Campanha CBF “Somos Iguais”: https://youtu.be/blWU_ez7ux0 Ex pl or CBF lança nova campanha contra o preconceito no futebol do País: https://goo.gl/yMJV8x Ex pl or Em nota publicada em seu site oficial, a CBF declarou que “o objetivo da campanha é a conscientização e o repúdio sobre qualquer ato de preconceito, seja racial, econômico, religioso, social, sexual, dentre outros”. O teor louvável da campanha não nos exime de questionar o seu próprio slogan, afinal, somos todos iguais mediante as nossas diferenças históricas? Nossas diferentes lutas? Nossos diferentes sofrimentos? Para Neira (2011), quando os desacordos são camuflados em nome da coopera- ção ou do bom andamento das coisas, tem-se “o que Canen (2008) denomina de multiculturalismo folclórico. Nesse tipo de discurso ocultam-se as discriminações e relações desiguais entre sujeitos e universos culturais diversos” (p. 72-3), cujo resul- tado é a formação do dominante tolerante e do diferente submisso. “Este último, vê diante da imposição da aceitação da benevolência por parte daquele que já é valorizado pela sociedade” (p. 73). Como forma de justiça curricular e de combate à questão dos preconceitos, Canen (2007) propõe uma análise das formas como as diferenças são construídas para 14 15 que se possa identificar as marcas da linguagem impregnadas nas manifestações esportivas por uma perspectiva ocidental, colonial, branca e masculina. Afinal, o que explica a pouca presença dos negros nas competições de natação? Nos contentaríamos com as “rasas” explicações anátomo-fisiológicas? Recomendamos que leia a reportagem “O negro na natação mundial”. Para tal, acesse o link: https://goo.gl/7UCJwsEx pl or A reportagem em destaque pode se configurar como um material didático interessante para se problematizar a manifestação esportiva “natação”, de maneira a levar os alunos a perceberem que as identidades são culturalmente construídas, em meios aos discursos atuantes na validação dos significados. Além disso, é preciso que se garanta um espaço para que os alunos descrevam o modo como a natação é acessada em seus bairros, quais locais estão disponíveis para essa prática, quem são as pessoas que participam das aulas, dentre outros aspectos da cultura local. Quando o trabalho pedagógico se articula ao contexto local de ocorrência das manifestações esportivas, torna-se possível elaborar propostas que atentam não somente para o reconhecimento da existência histórica das respectivas manifesta- ções, mas também o entendimento de que as culturas são híbridas, se entrecruzam no contexto escolar e não se reproduzem de forma estável e padronizada. Por exemplo, talvez você já esteja trabalhando (ou ainda vai trabalhar) numa escola cuja inserção das crianças em aulas de natação seja fomentada por um grande número de projetos sociais existentes na comunidade. Isso, certamente, produzirá repre- sentações distintas (daquelas problematizadas na reportagem) no que se refere à inserção dos negros nessa prática corporal. Ao mesmo tempo, talvez seja possível reconhecer que as academias particulares do bairro, abarcam um número maior de crianças brancas, quando comparado ao número de negros frequentadores. Observando-se a trajetória histórica da Educação Física, percebe-se a intenção de se legitimar durante as aulas deste componente curricular os valores da cultura esportiva eurocêntrica, sobretudo, no que se refere aos saberes que a constituíram. Quanto a isso, Neira (2011) faz os seguintes destaques: “Nos currículos convencionais do componente, identifica-se a preocupação com o ensino da bandeja do basquete,o desenvolvimento da lateralidade ou a memorização da fórmula para o cálculo do índice de massa corporal, sem que se estabeleçam quaisquer análises das motivações que fizerem eleger esses conhecimentos como merecedores de espaço no currículo ou da sua trajetória sócio-histórica, a subjetividade que transportam, seus contextos de origem, a quem beneficiam, etc.” (NEIRA, 2011, p. 79) 15 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Uma proposta de intervenção pedagógica descolonizada destaca os conheci- mentos e as práticas esportivas dos grupos dominados. Privilegia, também, as his- tórias de luta, valoriza e reconhece a diversidade identitária da população, pro- porciona o ambiente necessário para que as narrativas sejam efetuadas a partir da própria cultura, de forma a relatar suas condições de opressão, resistência e superação (APPLE, 2001, apud NEIRA, 2011). Isso possibilita aos alunos o questionamento do processo de construção identitária que experimentaram mediante as práticas esportivas que acessaram, como também daquelas experiências corporais divulgadas como as únicas válidas para a aprendi- zagem social. É nesse processo que os grupos subordinados adquirem um conheci- mento sobre aqueles que tentam dominá-los, ao mesmo tempo em que procuram informar-se dos mecanismos diários de opressão. “[...] fundamenta-se na ideia de que uma pessoa educada de forma multiculturalmente orientada sabe mais sobre a cultura dominante que o simples conhecimento validado” (NEIRA, 2011, p. 82). Assim, em vez de silenciar os conflitos, ao estudar as manifestações esportivas junto com os alunos, o professor necessita validar o dissenso, ou seja, as diferentes formas de representar o mundo, a cultura mais ampla, a cultura corporal, os esportes. Diante da heterogeneidade que caracteriza a sala de aula e a fim de reconhecer as leituras e interpretações dos alunos sobre a manifestação esportiva tomada como objeto de estudo, o professor poderá recorrer a uma variedade de atividades de ensino – assistência de vídeos, modos variados de participar das vivências corporais, construção de blogs, filmagens e fotografias, análises de textos e imagens presentes nas mídias, elaboração de vídeos clipes, demonstrações, construção de materiais, entrevistas, conversas com convidados, elaboração de apresentações, etc. – para estimular, ouvir e discutir todos os posicionamentos. “O resultado final é a elevação dos diferentes grupos à condição de sujeitos da transformação e construção da manifestação” (NEIRA, 2011, p. 91). Observe a imagem a seguir. Trata-se de um registro realizado pelo professor Pedro Xavier Russo Bonetto, durante a tematização da manifestação cultural esportiva “Atletismo”, numa escola da rede municipal de São Paulo. As anotações realizadas na lousa evidenciam os posicionamentos iniciais dos alunos encaminhados a partir da questão lançada pelo professor: Quem são as pessoas que praticam atletismo? (VIEIRA; BONETTO, 2015) Saiba mais sobre o relato de experiência, acessando: https://goo.gl/G3uV8e Ex pl or 16 17 Figura 1 Fonte: usp.br Dentre as anotações no quadro, foram destacadas pelo professor Pedro: “[...] Quenianos, negões, magros, altos, rápidos, ‘Wilson Bolt’, jamaicanos, angolanos, africanos, porque não têm muita comida, pernas longas, vida sofrida, bom condicionamento físico, coxa monstra, correr das bombas, raça evoluída, aqueles que representam seus países, os melhores são: China, EUA, Rússia, Canadá, Japão e República Tcheca, Olimpíadas, São Silvestre, maratona, César Cielo, Daiane dos Santos, Arthur Zanetti, corredores, os que fazem natação, ciclismo, atletismo, ginástica. Também retornaram com indagações: Ginástica é atletismo? É natação? É ciclismo?” (VIEIRA; BONETTO, 2015) Nesse momento o professor pode identificar as representações atribuídas ao atletismo e aos seus praticantes. A partir dessas representações culturais o professor encaminhou algumas atividades de ensino com o intuito de ampliar as leituras sobre essa manifestação esportiva, bem como, de problematizar os discursos que atuam (em meio às relações de poder) para a sua ocorrência social. 17 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Ancoragem Social dos Conhecimentos Esportivos Moreira e Candau (2003) denominam ancoragem social dos conhecimentos à estratégia pedagógica voltada ao estabelecimento de conexões entre discursos históricos, políticos, sociológicos, culturais e outros, com o objetivo de perceber as origens e os processos de transformações experimentados pela sociedade. Tomando de empréstimo as ideias das autoras e considerando que estamos adotando como ponto de partida para o trabalho pedagógico como os esportes e as suas respectivas formas de ocorrência na sociedade mais ampla, a ancoragem social dos conhecimentos possibilitará a compreensão e o posicionamento crítico dos alunos frente aos contextos de produção e reprodução das práticas esportivas. Mencionamos acima o exemplo do Atletismo. Diante dos sincretismos manifes- tados sobre essa prática esportiva e seus participantes, é a ancoragem social que ajudará na desconstrução das representações distorcidas ou fantasiosas, mas que adquirem sentido de verdade na cultura. Sendo assim, dada a necessidade de lastre- ar os conhecimentos trabalhados, Neira (2011) sugere que seja devolvida durante a ação didática uma genealogia arqueológica das manifestações esportivas, ou seja, que se forneça aos alunos “possibilidades de análise dos contextos de pensamento e conjunto de verdades que validam ou negam as manifestações culturais” (p. 96). Para esse mesmo autor, a ancoragem social dos conhecimentos requer profun- didade no tratamento dos temas, cuja possibilidade tem como condicionantes o en- gajamento do professor na proposta, a investigação do assunto, a seleção de ma- teriais adequados e a preparação de atividades específicas. “Uma eventual falta de sincronia entre esses elementos significará uma abordagem superficial das questões sócio-históricas e políticas alusivas às práticas corporais” (NEIRA, 2011, p. 97). Durante a tematização do Atletismo (VIEIRA; BONETTO, 2015), ao trabalhar com alguns vídeos sobre as provas de arremesso do peso e lançamentos, o professor Pedro deparou-se com o seguinte discurso: “a atleta negra, gorda e grande é nojenta”. O professor retomou essa afirmação dizendo que: “[...] não somos obrigados a achar ninguém bonito, apenas devíamos entender como esse processo ocorre. Disse também que, atribuir valor estético é algo que aprendemos desde cedo na sociedade e, por conta de tanta mídia e tanta propaganda, somos quase convencidos a adotar somente uma forma estética.” (VIEIRA; BONETTO, 2015, p. 13) Para problematizar os padrões de beleza dos corpos femininos, instituídos, sobretudo pela mídia, o professor Pedro, dentre outras atividades de ensino, selecionou uma reportagem, cujo título era: “Atleta plus size posa nua e é capa de revista nos EUA” 18 19 Atleta plus size posa nua e é capa de revista nos EUA: https://goo.gl/KXp6aQ Ex pl or Após alguns meses tematizando o atletismo, os alunos tiveram oportunidades para compreender as relações de poder que atuam na produção dos padrões de beleza hegemônico. Além disso, puderam entender que as pessoas que não apresentam as características que compõem os padrões de beleza – e que, portanto, são rotuladas como diferentes – devem ser reconhecidas e legitimadas enquanto pessoas de direitos. Que sentir nojo ou comentar pejorativamente suas características são ações bastante preconceituosas (VIEIRA; BONETTO, 2015). Neira (2011) aponta que qualquer didática insípida, marcada pela ausência da crítica e da contextualização requeridas pela ancoragem social dos conhecimentos, emnada contribuirá para a compreensão mais ampla do papel social das práticas esportivas. “Quando a natureza das ações pedagógicas é descontextualizada e desprovida de conflitos, a essência das experiências fica dissimulada” (p. 98). O que está sendo proposto é que o trabalho escolar com os conhecimentos referentes às manifestações culturais esportivas contribua para a análise das razões que impulsionam determinadas representações sobre os sujeitos participantes dessas manifestações. Neste sentido, os fatores relativos às questões de etnia, classe social, gênero, local de moradia, entre outros, precisam ser obrigatoriamente desocultados. Neira (2011) destaca que, quando isso não é feito, os alunos permanecem à mercê de perspectivas distorcidas que relacionam as práticas esportivas a finalidades mercadológicas de consumo ou estéticas, quase sempre embebidas de posições preconceituosas para com os grupos que recusam submeter-se. Mediante ao que foi exposto, a ancoragem social dos conhecimentos esportivos, somada aos princípios curriculares anteriormente vistos – reconhecimento do patrimônio cultural esportivo da comunidade, a articulação com o projeto político- pedagógico escolar, justiça e descolonização – agrega de forma contextualizada as histórias das manifestações esportivas, preferivelmente reconhecendo seu ponto de apego tanto na comunidade quanto na sociedade mais ampla. Sendo assim, convidamos você a refletir sobre as manifestações esportivas que estão presentes nos arredores do seu bairro, da sua escola ou mesmo na sua cidade. Quais práticas esportivas são essas? O que está sendo dito ou produzido sobre elas? De que maneira dialogam com o contexto nacional ou internacional? Como se dão as estratégias de poder que atuam para validar determinados posicionamentos? Como essas estratégias foram se estabelecendo (e se sustentando) ao longo do tempo? 19 UNIDADE O Ensino dos Esportes nas Aulas de Educação Física: Princípios Curriculares Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas https://goo.gl/dPBvYA Vídeos O Golfe na Aula de Educação Física https://youtu.be/4hrQoC0t290 O Basquete na Aula de Educação Física https://youtu.be/1tRxZHC22uo Leitura Educação Física Escolar versus Projeto Social Esportivo: “Quando os Donos da Casa Perdem o Jogo” SILVA, S. S. Educação Física Escolar versus projeto social esportivo: “Quando os donos da casa perdem o jogo”. Dissertação de Mestrado. FEUSP, São Paulo, 2010. https://goo.gl/Xmztuy 20 21 Referências CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. (Orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 13-37. CANEN, A. O multiculturalismo e seus dilemas: implicações na educação. Comunicação e política, v. 25, n. 2, p. 91-107, 2007. ________. A pesquisa multicultural como eixo na formação docente: potenciais para discussão da diversidade e das diferenças. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. Rio de Janeiro, v. 6, n. 59, p. 297-308, 2008. COLOMBERO, R. M. M. P. Futebol e representações sociais na escola. EMEF Ministro Synésio Rocha. São Paulo, SP. In: Relatos de Experiência. Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. Faculdade de Educação, USP/ SP, p. 1-8, 2010. Disponível em: <http://www.gpef.fe.usp.br/teses/rose_01.pdf>. Acesso em fev. 2017. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GADOTTI, M. 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