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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 TEORIA DO APEGO: ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E PERSPECTIVAS Hartmut August Doutorando em Teologia PUC-PR Bolsista da CAPES hart@ausland.com.br Mary Rute Gomes Esperandio Doutora em Teologia Professora no Programa de Mestrado em Teologia da PUC-PR mresperandio@gmail.com ST 11 – Psicologia da Religião Resumo: Em meados do século XX, o zoólogo austríaco Konrad Lorenz, identificou que as aves apresentam um vínculo especial com seus cuidadores, denominando esse vínculo como sendo uma estampagem. Essas pesquisas estimularam pesquisadores a se perguntar se algo semelhante também ocorre no comportamento humano. O pioneiro nos estudos com pessoas foi John Bowlby, psicólogo, psiquiatra e psicanalista britânico. Pesquisando os vínculos existentes entre crianças pequenas e seus cuidadores, Bowlby estruturou o que veio a ser denominada Teoria do Apego, proporcionando assim uma base conceitual sólida sobre a formação, manutenção e modificação dos vínculos afetivos. Outros estudiosos prosseguiram as pesquisas, identificando diferentes estilos de apego e as implicações destes estilos nas relações humanas. Outros estudos buscaram verificar como os vínculos afetivos se manifestam ao longo das diversas fases do desenvolvimento do ser humano. Recentemente, tem surgido estudos propondo aproximar os campos de pesquisa da ciência da religião com a psicologia cognitiva, utilizando a perspectiva da Teoria do Apego. O pesquisador de referência nesses estudos é Lee A. Kirkpatrick, que propõe caracterizar a relação com Deus como sendo uma relação de apego. No Brasil, um estudo pioneiro na perspectiva da Psicologia da Religião é o artigo recém-publicado pelos autores sob o título ‘Teoria do Apego e Comportamento Religioso’ (2015). Considerando o impacto da teoria bowlbyana do apego em diversas áreas das relações humanas, o propósito deste artigo é descrever a origem e desenvolvimento da Teoria do Apego nas diferentes frentes de pesquisa. Na conclusão, serão indicadas as perspectivas de aplicação da Teoria do Apego na área das relações humanas, da teologia e da ciência da religião, proporcionando assim um vasto campo de pesquisa a ser explorado por teólogos, psicólogos e sociólogos. Palavras-chave: Teoria do Apego, Apego a Deus, Psicologia da Religião. Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade” ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 1. Origem da Teoria do Apego Há um provérbio conhecido que diz: “De pequenino que se torce o pepino.” Os que esse dito popular quer transmitir é a ideia de que a maneira como as pessoas se comportarão quando adultas será determinada em sua infância. Esse mesmo conceito encontra eco nos textos bíblicos, pois o escritor de Provérbios já dizia: “Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles” (Provérbios 22.6). Em meados do século XX, o zoólogo austríaco Konrad Lorenz (1903-1989), identificou que as aves apresentam um vínculo especial com seus cuidadores, denominando esse vínculo como sendo uma estampagem (BOWLBY, 2002, p. 206). Considerando a relevância de suas pesquisas, Lorenz recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1973. Essas pesquisas estimularam pesquisadores a se perguntar se algo semelhante também ocorre no comportamento humano (BOWLBY, 2002, p. 273). O pioneiro nos estudos com pessoas foi John Bowlby (1907-1990), psicólogo, psiquiatra e psicanalista britânico. Pesquisando os vínculos existentes entre crianças pequenas e seus cuidadores, Bowlby estruturou o que veio a ser denominada Teoria do Apego, proporcionando assim uma base conceitual sólida sobre a formação, manutenção e modificação dos vínculos afetivos. Para Bowlby, Os elementos primordiais são observações relativas ao comportamento de crianças de tenra idade, em situações bem definidas. À luz de tais dados, procura-se descrever certas fases iniciais da atuação da personalidade; com base nessas descrições, tenta-se, em seguida, realizar extrapolações com respeito ao futuro (BOWLBY, 2004b, p. 32). Assim, Bowlby afirma que o “sistema de apego é um constructo organizacional que descreve a complexa gama de emoções, comportamentos, cognições e modelos de funcionamento interno envolvidos no esforço infantil de manter em um nível confortável o sentimento de segurança” (KIRKPATRICK e SHAVER, 1990, p. 317, tradução nossa). Essas experiências são integradas na estrutura de personalidade da criança “na forma de modelos internos e gerais de funcionamento que determinarão as Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 características de nosso self frente às situações de vida” (ABREU, 2005, p. 15). Tendo em vista a relevância do vínculo afetivo no desenvolvimento do ser humano, para Bowlby, “nenhuma forma de comportamento é acompanhada por sentimento mais forte do que o comportamento de apego.” (2002, p. 259). A americana Mary Salter Ainsworth (1913-1999) foi quem primeiramente descreveu o conceito da base segura, central na Teoria do Apego: Segurança familiar nos primeiros estágios é um tipo de dependência e forma a base a partir da qual o indivíduo se desenvolve gradativamente, desenvolvendo novas habilidades e interesses em outras áreas. Onde há falta de segurança familiar, o indivíduo é prejudicado pela ausência do que podemos denominar uma base segura a partir da qual trabalhar. (AINSWORTH, 1940, p. 45, apud MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 8, tradução nossa). Prosseguindo em suas pesquisas, Ainsworth propôs cinco características para diferenciar uma relação de apego de outras relações interpessoais: (1) a pessoa apegada procura proximidade com o cuidador, particularmente quando está assustada ou alarmada; (2) o cuidador proporciona cuidado e proteção, na função de porto seguro; (3) o cuidador proporciona uma sensação de segurança, na função de base segura; (4) a ameaça de separação causa ansiedade na pessoa apegada; (5) a perda da figura de apego causa luto na pessoa apegada (KIRKPATRICK, 2005, p. 56). Outra contribuição fundamental de Ainsworth foi descrever pela primeira vez os diferentes padrões de apego infantil. A partir da observação de crianças de até um ano de idade em situações controladas, ela propôs a existência dos apegos seguro, ansioso e evitante, para codificar as diferentes maneiras como as crianças reagem ao afastamento e posterior aproximação com sua mãe (MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 9). Pesquisas posteriores conduzidas por Mary Main e Judith Solomon acrescentaram uma quarta categoria de apego, denominada de desorganizada/desorientada (1986). Em grande parte devido às contribuições de Ainsworth, Bowlby tornou-se o mais importante psicanalista teórico depois de Freud (MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 9), lançando as bases para novos desdobramentos nas pesquisas nas áreas das relações humanas. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 2. Desenvolvimento da Teoria do Apego Para Bowlby, “No curso de um desenvolvimento sadio, o comportamento de apego leva ao desenvolvimento de laços afetivos ou apegos, inicialmente entre a criança e o progenitor e, mais tarde, entre adulto e adulto.” (BOWLBY, 2004a, p. 38-39). Seguindo essa proposição, outros estudiosos buscaram verificar como os vínculos afetivos se manifestam ao longo das diversas fases do desenvolvimento do ser humano. Uma interessante e prática obra nessa área foi publicada por Amir Levine e Rachel S. F. Heller, sob o título‘Apegados – Um guia prático e agradável para estabelecer relacionamentos românticos recompensadores’ (2013). Com relação ao tema do luto, Colin Murrey Parkes (1998) e J. William Worden (2013) são referências internacionais, na medida em que analisa em profundidade a perda de vínculos emocionais, sob a ótica da Teoria do Apego. Phillip Shaver publicou vários estudos sobre apego e abuso na infância. Esse autor participou também de diversos estudos sobre o apego nas relações românticas. Num de seus estudos, Phillip R. Shaver et al propõem que os vínculos românticos entre adultos são conceitualmente paralelos aos vínculos emocionais das crianças com seus cuidadores (SHAVER et al, 1988, apud MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 20). Karlen Lyons-Ruth é referência internacional em estudos sobre os laços entre mãe e filhos com problemas na interação (2014). A psicologia e outras ciências da saúde tem demostrado já há algumas décadas o interesse de mudar o foco do processo saúde-doença para o bem estar e medidas preventivas. Esse movimento, denominado psicologia positiva, visa fazer com que os psicólogos contemporâneos adotem uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades humanas enfatizando mais a busca pela felicidade humana que o estudo das doenças mentais. Dentro desse contexto, a maior meta do apego consistiria então em “proporcionar uma identificação e regulação apropriada dos estados emocionais, e uma reorganização dos modelos representacionais internos do self, do outro e do mundo como um lugar mais acolhedor e prazeroso de se viver.” (RAMIRES e SCHNEIDER, 2010, p. 31). Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 Nesse contexto, a Teoria do Apego oferece uma ampla base conceitual para essas pesquisas, proporcionando inúmeras hipóteses e percepções relacionadas a questões como autoestima, otimismo, compaixão e crescimento pessoal. (MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 70). Mikulincer e Shaver oferecem uma revisão abrangente das pesquisas realizadas nas seguintes áreas do apego adulto: processos de regulação interpessoal na perspectiva do apego, processos de apego e funcionamento de relações românticas, relação entre apego e cuidado, apego e sexualidade, apego e psicopatologia, aconselhamento e psicoterapia, apego e configurações coletivas, apego e luto (2010). Diversos estudos tem se dedicado a investigar a relação entre transtorno da personalidade e estilos de apego em casa. Nessa área, vale citar o manual produzido por Clarkin et al (2013). Pesquisas também tem demonstrado que a interação com figuras de apego seguro permite que a pessoa se mova em direção ao ideal defendido pela psicologia positiva, tornando-se uma pessoa calma, confiante, com um autêntico e sólido senso de valor próprio; uma pessoa disposta e capaz de estabelecer relacionamentos íntimos e de cuidado mútuo e que assume riscos para ajudar outras pessoas, bem como para ampliar suas habilidades e perspectivas (MIKULINCER e SHAVER, 2010, p. 70). Recentemente, têm surgido estudos propondo aproximar os campos de pesquisa da ciência da religião com a psicologia cognitiva, utilizando a perspectiva da Teoria do Apego. O pesquisador de referência nesses estudos é Lee A. Kirkpatrick, que propõem caracterizar a relação com Deus como sendo uma relação de apego. Na perspectiva de Kirkpatrick (2005), a Psicologia evolutiva, como o próprio nome sugere, é em última análise, uma abordagem psicológica para entender a experiência e o comportamento humano (KIRKPATRICK, 2005, p. 20). De acordo com Kirkpatrick, a pessoa religiosa age com fé de que Deus (ou outra figura) estará disponível para proteger e confortar a ele ou ela em situações de perigo; em outras situações, o simples conhecimento da presença de Deus e de sua acessibilidade possibilita a ele ou ela abordar os problemas e dificuldades da vida cotidiana com confiança (KIRKPATRICK, 2005, p. 52, tradução nossa). Para estudos referentes ao apego com Deus em pessoas adultas com idade Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 entre 70 e 97 anos, ver a obra de Cicirelli (2004). No Brasil, um estudo pioneiro na perspectiva da Psicologia da Religião é o artigo recém-publicado pelos autores desta comunicação sob o título ‘Teoria do Apego e Comportamento Religioso’ (2014). No citado artigo, os autores descrevem os principais conceitos da Teoria do Apego e sua aplicação aos estudos em Psicologia da Religião e apresentam as principais descobertas sobre a relação entre constituição subjetiva e o comportamento religioso à luz da teoria do apego. 3. Perspectivas da Teoria do Apego As perspectivas de aplicação da Teoria do Apego na área das relações humanas, da teologia e da ciência da religião são amplas, proporcionando assim um vasto campo de pesquisa a ser explorado por teólogos, psicólogos e sociólogos. Considerando que no Brasil, este tópico ainda não tem sido explorado em pesquisas relacionando o apego a Deus com outros temas, há um vasto campo de investigações. Por exemplo, serão muito úteis estudos que relacionem o estilo de apego com os processos de saúde emocional e espiritual da pessoa. Igualmente relevantes, serão os estudos que relacionem a experiência religiosa nas diferentes fases da vida e de que forma o estilo de apego a Deus interage nesse processo. Também o estudo sobre apego em diferentes grupos religiosos pode contribuir na construção teórica de práticas de cuidado e aconselhamento pastoral (BECK & MCDONALD, 2004). A exemplo de publicações recentes, também a investigação sobre oração, ansiedade, religiosidade e estilos de apego pode clarificar o quanto a oração revela estilos de apego e atua nos estados de saúde mental (ELLISON et al. 2014). O arcabouço teórico proposto pela Teoria do Apego permitirá analisar de que maneira as pessoas que perdem seu cônjuge estavam apegadas ao ex-cônjuge e de que modo o estilo de apego contribuiu ou dificultou o processo de elaboração da perda e da reconstrução da vida. Além disso, trabalhos que ajudem os conselheiros no apoio aos aconselhando utilizando o instrumental oferecido pela Teoria do Apego serão de grande valia. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1111 Referenciais ABREU, Cristiano Nabuco. Teoria do Apego. Fundamentos, Pesquisas e Implicações Clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. AINSWORTH, M.D.S. An evaluation of adjustment based on the concept of security. Tese de doutorado não publicada. P. 45. Universidade de Toronto, Canadá: 1940. BECK, Richard; MCDONALD, Angie. Attachment To God: The Attachment To God Inventory,Tests Of Working Model Correspondence, And An Exploration Of Faith Group Differences. Journal of Psychology and Theology, Vol. 32, No. 2, 2004.p. 92-103 Bíblia. Português. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2003. BOWLBY, John. Apego e Perda: Apego. V. 1 da trilogia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. BOWLBY, John. Apego e Perda: Perda: Tristeza e Depressão. V. 3 da trilogia. São Paulo: Martins Fontes, 2004a. BOWLBY, John. Apego e Perda: Separação: Angústia e Raiva. V. 2 da trilogia. São Paulo: Martins Fontes, 2004b. 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