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FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Carlos Alberto Aparecido de Andrade A HOMOFOBIA NO BRASIL: violência e discriminação Pará de minas 2015 Carlos Alberto Aparecido de Andrade A HOMOFOBIA NO BRASIL: violência e discriminação Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Pará de Minas – FAPAM, como requisito parcial para conclusão do curso Direito. Orientador: Prof. Márcio Eduardo Pedrosa Morais Pará de Minas 2015 Carlos Alberto Aparecido de Andrade A HOMOFOBIA NO BRASIL: violência e discriminação Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para conclusão do Curso de Direito. Aprovada em ____/____/____ __________________________________________________________ Orientador: Prof. Márcio Eduardo Pedrosa Morais Examinador: Francisco José Vilas Boas Neto RESUMO O presente estudo tem por escopo analisar o contexto da Homofobia no Brasil. Essa prática tem impulsionado condutas discriminatórias e violentas, ferindo os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal vigente (BRASIL, 1988) e aos Direito Humanos. De modo, que todo e qualquer indivíduo possui o direito de liberdade de escolha, seja relativo a sua orientação sexual, crenças entre outros, devendo receber tratamento igualitário em todo local que esteja e por todos os demais. Assim sendo, essa concepção discriminatória exige a aplicação de uma punição severa por parte do Estado Democrático de Direito àqueles infratores. Para atingir esse fim existe um Projeto de Lei em tramitação sob o nº 122/06. Nota- se que já se passaram oito anos de sua propositura e até a presente data não chegou-se a nenhuma conclusão, acarretando mais danos morais e materiais àquele indivíduo que escolheu por ser homossexual. Assim, diante do ordenamento jurídico como um todo, essa prática é reprovável e necessita urgentemente de alguma resposta do Estado para inibi-la. Com o fim de garantir os preceitos constitucionais vigentes proporcionando uma sociedade mais livre, igualitária e sem discriminação. Para tanto, foi realizado ampla pesquisa bibliográfica, no sentido de expor sobre as garantias fundamentais, sua violação e a necessidade de tipificação para garantir uma punição para esses infratores e assim garantir a segurança jurídica e a pacificação social. Palavras-chave: Garantias fundamentais; Violação; Homofobia; Tipificação; PL 122/06. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................05 2 A HOMOFOBIA NO BRASIL FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL .................06 2.1 Direito à liberdade ...........................................................................................................07 2.2 Direito à igualdade ...........................................................................................................10 2.3 Direito a não discriminação ............................................................................................14 3 CONTRAPOSIÇÃO ENTRE HOMOFOBIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS ........17 3.1 Homofobia: prática de violência .....................................................................................17 4 DA PROTEÇÃO E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS POR VIA DA TIPIFICAÇÃO DE CONDUTAS CRIMINOSAS .......................................................22 4.1 Motivos para tipificar a homofobia ................................................................................23 4.2 Projeto de lei 122/06 .........................................................................................................28 5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................35 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................36 5 1 INTRODUÇÃO Trata-se a homofobia de toda e qualquer expressão ou prática contrária a orientação sexual aceita pela sociedade, ou melhor, discriminado conforme a realidade atual, seria aversão ou repugnância aqueles que escolhem por adotar as relações homoafetivas. O fato de terem escolhido por serem homossexuais não dá direito as demais pessoas que não aceitam ou não concordam com essa tendência, vez que conforme previsto constitucionalmente, todos sem exceção tem direito a liberdade de expressão, opinião e orientação sexual. Deste modo, a homofobia no Brasil está completamente as avessas ao ordenamento jurídico como um todo, pois conforme será bem apresentado no presente estudo, todos possuem direito a liberdade, igualdade e a não discriminação. Assim, as práticas violentas e discriminatórias ocorridas corriqueiramente ferem os direitos fundamentais e assim não podem permanecer na realidade da sociedade, exigindo pois legislações específicas capazes de impedir tal prática. Para garantir e assegurar aos homossexuais sua livre opção sexual, o Estado deve intervir e promover não só políticas públicas, mas leis específicas capazes de punir e inibir tais práticas. Nesse sentido, já tramita o Projeto de Lei nº 122/06, no qual atende em partes o direito dos homossexuais. Até porque essa realidade ainda depende e muito de reconhecimento e aos poucos que vão conseguindo a proteção legal e o acolhimento da população. Nesse espeque, o presente estudo, buscará apresentar o tema dividido em três capítulos, ou seja, no primeiro mostrando os direitos garantidos pela Carga Magna vigente a todos sem exceção, como a liberdade, igualdade e a não discriminação, já que são mais específicos daqueles, vítima de homofobia. No segundo mostrará o contrassenso entre os direitos fundamentais e a homofobia e no terceiro e ultimo defenderá os motivos para tipificar as condutas criminosas que envolvem a homofobia. 6 2 A HOMOFOBIA NO BRASIL FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL O termo homofobia conforme Junqueira (2007) expõe originou-se durante os anos 70 nos Estados Unidos gravado por George Weinberg, psicólogo que dizia que essa palavra era a junção de dois radicais homo como semelhante e fobia tido como medo. Nesse sentido, entende-se que essa palavra traduz um sentimento de repulsa, aversão, repugnância às pessoas que escolhem por manter relações homossexuais ou qualquer outra forma de orientação sexual diferente daquela aceita pela sociedade. Assim, o homossexual seria visto como um estranho, um ser anormal ou inferior aos heterossexuais. A homofobia está intimamente ligada a necessidade que os indivíduos têm de conservar preceitos religiosos, políticos, culturais, morais, entre outros de seus antepassados, como meio de reafirmar posicionamentos conservadores e tradicionais do gênero. Os homossexuais sofrem esse sentimento de aversão muitas vezes a partir de manifestações de toda espécie, como piadas, insultos, agressões físicas ou até mesmo sofrem com a vida esse ódio de indivíduos conservadores. Essas pessoas que são vítimas dessa discriminação por motivo de orientação sexual ficam à mercê de condutas desabonadoras, pejorativas denominadas homofóbicasutilizadas por aqueles que acreditam que devem impor a sua sexualidade como meio superior e correto às das demais pessoas. Como se pretende tratar mais à frente a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) assim como todo ordenamento jurídico atual prevê de forma expressa direitos e garantias fundamentais que permitem a escolha pela opção sexual, não estando ora nenhuma contra nenhum direito básico. A Carta Magna inovou ao apontar os direitos fundamentais antes mesmo de mencionar sobre a organização do Estado no texto constitucional, priorizando a proteção desses direitos. Assim, vislumbra-se a previsão expressa no art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988) à inviolabilidade à liberdade, à igualdade, de forma que traduz que todo indivíduo tem liberdade de escolha referente a qualquer manifestação de crença, pensamento, consciência, o que dirá da liberdade de escolher sua orientação sexual, bem como todos são iguais perante a lei, sem 7 distinção de qualquer natureza o que engloba a todos os brasileiros e estrangeiros residentese domiciliados no Brasil ou exterior respeitando os limites extraterritoriais de soberania. Muito embora o direito a não discriminação por motivo de orientação sexual não esteja expressamente previsto, o texto constitucional enumera exaustivamente direitos fundamentais que a partir de uma simples interpretação do texto constitucional é possível abrir tal prerrogativa, em razão dos direitos fundamentais correspondentes ao regime político adotado, ou seja, uma democracia, em que regem a liberdade, igualdade, dignidade e o tratamento não desumano ou degradante. 2.1 Direito à liberdade O direito à liberdade foi bastante revolucionado em todos os continentes do mundo, cada um em respeito à sua história, foi submetido a batalhas, lutas, guerras para alcançar sua consagração. Em respeito a todos esses acontecimentos não se pode dissociar o alcance dos direitos fundamentais, especialmente a liberdade, na condição de direito positivado vinculativo dos preceitos religiosos, como afirma Jorge de Miranda ao citar Jellinek (2002, p. 346). Jellinekchegou mesmo a escrever que a ideia de consagrar legislativamente os direitos naturais do indivíduo não era uma ideia de origem política, mas antes uma ideia de origem religiosa. O que se julgava ser obra da Revolução, não teria sido, na realidade, senão um produto da Reforma e das lutas por ela engendradas. A liberdade religiosa pode ser considerada um termômetro de medição da efetividade dos direitos fundamentais. Em muitos países, ela é ainda desconsiderada ou até mesmo negada. Como consequência disso, verifica-se nesses países uma inefetividade ou inexistência de direitos fundamentais básicos. No entanto, atualmente e por muitos anos a liberdade é confundida com a religião, como exemplo, tem-se os países islâmicos, que não permite a liberdade fora dos dogmas religiosos e políticos, o mesmo ocorre com relação ao direito à igualdade entre homens e mulheres. Em vários Estados o nível de liberdade permitido reflete o regime político adotado. Onde existe plena liberdade religiosa, portanto, tem-se regimes políticos liberais, pluralistas e democráticos. De forma que, sem a liberdade religiosa ampla, não se tem liberdade cultural, 8 nem tampouco liberdade política estando todas as manifestações comprometidas ou ameaçadas a censuras. Assim sendo, a liberdade religiosa como uma das vertentes do princípio da liberdade, em busca da felicidade seria capaz de traduzir o princípio da dignidade da pessoa humana. De acordo com Rui Barbosa, tem-se que ―De todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa‖.(Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=16>. Acesso em 26 de outubro de 2014). O direito fundamental da liberdade, refere-se a limitação do Estado em intervir no foro íntimo de cada indivíduo no que se traduz a liberdade de pensamento e consciência, de livre escolha de expressão, manifestação e culto, sem determinar qual seja aquela que o indivíduo deve adotar ou professar, de modo que ele tenha livre escolha para decidir o que seguir ou adotar. Diante disso todas as autoridades públicas se encontram impedidas de proibir o livre exercício de qualquer religião ou mesmo de impor limites ou regras para que os indivíduos sigam quanto a isso. (COOLEY, 2002) Frente a essa imposição de limites ao Estado no que tange a escolhe de crença, a liberdade religiosa implica em uma ação positiva do Estado de maneira que ele seja capaz de garantir e proporcionar a criação de normas que sejam capazes de impossibilitar permissões legais para atitudes discriminatórias. Encontra-se no direito comparado adotado pelos Estados Unidos da América as garantias constitucionais asseguradas pelo Estado: I – Estabelecem um sistema, não meramente de tolerância, mas de igualdade religiosa. Todas as religiões são respeitadas, igualmente, pela lei, não devendo favorecer-se uma em detrimento das outras, nem qualquer distinção entre elas, já nas leis, já na situação delas em face da lei, já na administração desta. II – isentam todas as pessoas de contribuições compulsórias para manutenção de qualquer culto religioso, e da assistência compulsória ao mesmo. III – Proíbem que sejam impostas restrições ao livre exercício da religião, segundo os ditames da consciência, e às livres manifestações das ideias religiosas. (COOLEY, 2002, p. 131) A liberdade deve ser plena, contudo, não pode ser invocada para opor ao cumprimento de lei, melhor dizendo, não pode ser chamada como meio de justificar a prática de um ilícito. O direito à liberdade como qualquer outro direito fundamental não é absoluto, cabendo analisar 9 onde se inicia o direito do outro para que não haja violação nem de um nem de outro. Como preconiza o Supremo Tribunal Federal, a moral, os bons costumes, a moral e principalmente os direitos fundamentais devem ser observados sempre. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‗direito à incitação ao racismo‘, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-03, DJ de 19-3-04) Do período em que o Brasil, era colônia de Portugal, a religião Católica foi adotada por bastante tempo como sendo a religião oficial do país. Somente com a Constituição da República de 1891 (BRASIL, 1891) que passou a ser permitido a liberdade de crença e de culto. O Brasil, até a presente data, é considerado um país laico, em que não determina nenhuma religião como sendo a oficial do país, é leigo ou não confessional, sendo que a Igreja e o país são independentes entre si e a liberdade e igualdade de todas religiões prevalece e busca-se uma convivência harmônica entre as diversas manifestações de crenças. Isso tudo portanto, não significaque o país seja ateu, como o próprio preâmbulo da Constituição Cidadã, Democrática apresenta: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Como mencionado, a Constituição Federal vigente (BRASIL, 1988) discrimina em seu art. 5º, VI de forma expressa proteção ao direito individual de crença religiosa, garantindo a inviolabilidade da consciência e de crença, protegendo o livre exercício de cultos religiosos e nas formas da lei, proteção aos locais de cultos e das liturgias. 10 Esse reconhecimento da liberdade religiosa demonstra que a adoção de alguma crença ou religião é um bem em si mesmo e por isso é um bem que deve ser fomentado e preservado, como valor social para uma coletividade, devendo ser não só conservado e protegido como também promovido e estimulado. O artigo 5º, inciso VI da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) representa uma cláusula pétrea de eficácia plena e imediata. É considerado pela doutrina um direito fundamental, que apesar da relevante importância, não possui previsão de reserva legal, o que não prevê possibilidade de intervenção legislativa para restringir ou disciplinar tal direito. Assim é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição. (ADI 869, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-8-99, DJ de 4-6-04) Existe quem entende que o conflito entre a garantia de liberdade religiosa com os demais direitos fundamentais ou demais valores jurídicos protegidos pela Carta Magna justifica excepcionalmente o estabelecimento de restrições a essa liberdade. 2.2 Direito à igualdade Outro princípio de grande importância no Estado Democrático de Direito que deve ser enfatizado nesse trabalho é a igualdade. Doutrinariamente, existe uma diferenciação adotada entre igualdade jurídica e outra formal. Frente a concepção jusracionalista, a igualdade jurídico-material corresponde a necessidade de transformação de uma realidade social econômica aparentemente injusta. Ao passo que a igualdade formal é aquela em que a lei atribui direitos de forma ampla e abstrata, conferindo tratamento sem distinções ou privilégios a todos. Contudo, prega a igualdade material que ao tratamento igualitário advindo do Estado e da sociedade deve atender a realidade das pessoas, considerando suas necessidades e diferenças no caso concreto. De acordo com Jorge Miranda (2002, p. 135), essas duas vertentes se contrapõem, ao passo que uma exclui a existência da outra: 11 a) A igualdade social como igualdade efectiva, real, material, concreta, situada (como quer que se designe) pode ou deve considerar-se imposta pela própria noção de igualdade jurídica, pela necessidade de lhe buscar um conteúdo pleno; b) Mesmo quando a igualdade social se traduz na concessão de certos direitos ou até de certas vantagens especificamente a determinadas pessoas – as que se encontram em situações de inferioridade, de carência, de menor proteção – a diferenciação ou a discriminação (positiva) tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins. Outra análise bastante discutida a respeito do princípio da igualdade seria a diferença entre igualdade na lei e igualdade perante a lei. O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é — enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-90, DJ de 19-4-91) Tem-se, portanto, que a igualdade na lei seria para o legislador, e a igualdade perante a lei, seria para aquele que executa a lei, aplicando igualmente a todos sem distinção de qualquer natureza. O legislador ficaria limitado a editar normas que não façam discriminações entre as pessoas que estão em situações idênticas. Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 146), não seria somente uma maneira de nivelar o tratamento igualitário no momento da edição das normas, mas o simples fato de editar uma lei significa o dever de dispensar tratamento equânime às pessoas. Nessa linha de raciocínio, expõe que: A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicidade pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. Em suma, é possível sistematizar o princípio da igualdade, na afirmação de Aristóteles em que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. As garantias são estabelecidas a todos de maneiras iguais, o que significa que a todos existe a 12 obrigação de respeitar as normas de forma idêntica, pois todos se encontram nas mesmas situações. Portanto, para que se estabeleça distinção entre os direitos é preciso seguir critérios plenamente justificáveis, ou seja, que tenham uma pertinência temática (MELLO, 2008). No mesmo sentido tem-se o entendimento jurisprudencial: A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. (ADI 2.716, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-11-07, DJE de 7-3-08) Em contexto semelhante, se faz imperioso destacaro sentido da igualdade. Jorge Miranda (2002, p. 148) aponta, com respaldo na doutrina e na jurisprudência três sentidos, os quais se vislumbra a seguir: a) Que igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou naturalística; b) Que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção de justiça; c) Que a igualdade não é uma "ilha", encontra-se conexa com outros princípios, tem de ser entendida- também ela - no plano global dos valores, critérios e opções da constituição material. O ponto negativo da igualdade em si seria o fato de proibir discriminação e privilégio de qualquer espécie, de modo que o constituinte esteja impedido de realizar tarefas dissociadas da análise do princípio da igualdade. Além do que, o Estado fica obrigado a amparar as pessoas contra discriminações, até mesmo nas situações penais, se necessário. Por outro lado, em sentido positivo a igualdade conforme elucida Jorge Miranda (2002, p. 150) retrata uma situação mais efetiva e exigente, rica em justiça, pois estabelece condições para o tratamento igualitário dispensado aos indivíduos: a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais - "impostas pela diversidade das circunstancias ou pela natureza das coisas" - e não criadas ou mantidas pelo legislador; c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação; d) Tratamento das situações não apenas como existem, mas também como devem existir, de harmonia com padrões da constituição material (acrescentando-se, assim, um componente activa ao princípio e fazendo igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei). 13 O princípio da igualdade ou isonomia abrange a todas as pessoas sejam estas em situação individualizada ou coletiva, de forma que alcança todas as formas de relações jurídicas, privadas ou públicas. Princípio consagrado no texto constitucional vigente em pontos diversos, é um importante representante do princípio da dignidade da pessoa humana. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. (BRASIL, 1988) Trata-se a igualdade de um direito indisponível, da qual ninguém pode dispor, uma vez que constitui condição indissociável do ser humano. O referido princípio previsto expressamente na Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) vincula toda atividade estatal, seja ela, executiva, legislativa ou judiciária. De modo que o Estado tem a obrigação de proteger e promover a igualdade através de todos os instrumentos a seu dispor, seja a lei, as decisões judiciais, políticas ou ações públicas. Frise-se que o art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988) faz menção a igualdade entre os gêneros, seja feminino ou masculino, deixando implícito que não se pode haver qualquer ato discriminatório em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, condição social, orientação sexual ou religiosa. Veda ainda, qualquer forma de discriminação ou privilégio capaz de privar o indivíduo de qualquer direito ou que o isente de qualquer dever comum em virtude do princípio da igualdade, sob pena de sanção pela lei brasileira. Desse modo, a Carga Magna atribui competência ao Poder Legislativo para editar lei capaz de punir toda forma de discriminação, em respeito ao princípio da igualdade, bem como o da não discriminação, o qual se faz menção a seguir, conjuntamente com atenção aos princípios e normas do ordenamento jurídico como um todo, principalmente os princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade. 14 2.3 Direito a não discriminação O Estado Democrático de direitos adotado pelo Brasil, ocorre em razão da diversidade reconhecida internacionalmente, vez que todos os brasileiros são resultado de uma mistura de diversas raças, culturas, ideologias e religiões e diante disso, a Constituição Federal Brasileira foi promulgada para assegurar e proteger todas essas diferenças, com intuito de tornar inaceitável toda e qualquer forma ou ato discriminatório que atente contra o princípio da igualdade. Assim como o princípio da igualdade previsto no art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988), com o fim de assegurar proteção contraaos atos atentatórios a isonomia, o texto constitucional tem o objetivo de promover o bem de todos, sem preconceitos, de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação previsto no art. 3º, IV da CF/88 (BRASIL, 1988). Desse modo, contextualizando o referido princípio ao tema abordado, tem-se que o homossexualismo é um comportamento que existe em diversas sociedades e culturas, em que constitui uma opção de orientação sexual escolhida pelo homem ou pela mulher. Traduzindo a atração sexual entre duas pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade vai de encontro com a história da humanidade. A origem se desconhece. Desde os povos selvagens, como nas antigas civilizações, ficou conhecida pelos romanos, gregos, assírios e egípcios, estes acreditavam que através do esperma do homem se transmitia nobreza e heroísmo, porém permeada de preconceitos sociais e assim se manifesta até os dias de hoje. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2010, p. 192) a homossexualidade: Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas tem de conviver com a homossexuais. É simplesmente outra forma de viver. De acordo com registros históricos sabe-se da existência da homossexualidade desde os primórdios dos tempos gregos, tomando espaço e maior feição, adquirindo características militares e religiosas, além do que os gregos atribuíam como características a intelectualidade, à ética comportamental e a estética corporal, estando intimamente ligado a essa prática grandes nomes das artes, da música, da ciência, e da literatura na Idade Média. 15 Na Grécia antiga, no período das olimpíadas gregas, os esportistas concorriam nus, exibindo beleza física, sendo proibida a presença das mulheres na arena, pois as mesmas não tinham aptidão para contemplar o belo. (DIAS, 2010) Em Roma, a homossexualidade era tratada de forma natural, sem distinção da relação de casais, ocorre que com o início do período Justiniano, alterou de maneira drástica a visão do povo romano quanto à homossexualidade, passando a rejeitá-la, o que influenciou de grande maneira o modo como passou a ser tratada na Idade Média e Moderna. (DIAS, 2010) Contudo, mesmo diante das limitações, pode-se afirmar que foi a Igreja Católica que condenou a prática do homossexualismo. Os dogmas religiosos pregavam que a homossexualidade fugia dos padrões éticos, considerando-se imoral e perversa essa prática, momento que a homossexualidade passou a ser enfrentada como uma anormalidade psicológica, um vício baixo e abominável condenado pelo livro sagrado. Sobre o tema, Maria Berenice Dias (2010, p. 30) elucida: Na Idade Média, houve a sacralização da união heterossexual. O matrimônio – sem nada perder do seu viés patrimonial – foi transformado em sacramento. Somente as uniões sexuais devidamente sacramentadas seriam válidas, firmes, indissolúveis. O ato sexual foi reduzido à fonte de pecado. Deveria ser evitado sempre, exceto no matrimônioabençoado pela Igreja, única hipótese em que poderia ser praticado – assim mesmo em condições de máximo recato – e estritamente para cumprir o ditame ―crescei-vos e multiplicai-vos‖. A virgindade é cultuada como um estado mais abençoado do que o próprio casamento, e o sexo ligado ao prazer é associado à noção de pecado, mesmo dentro do matrimônio. A conquista pelos direitos e reconhecimento dos pares homoafetivos vem se alastrando por todo o mundo há tempos, a tendência mundial está voltada para o respeito aos direitos humanos, em que cada vez mais, países vão editando leis que autoriza a união homoafetiva, conferindo os mesmos direitos dos heteroafetivos. Assim, se vê que sempre os homossexuais foram excluídos e até mesmo perseguidos, tendo sido tratado como doentes ou anormais, motivo pelo qual vários indivíduos foram se associando ao longo dos anos afim de conquistar direitos em defesa dessas pessoas. Pode-se referir o movimento LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis vez que este vem se destacando constantemente no cenário político-social mundial, fazendo com que os homossexuais conquistem cada vez mais direitos e espaços. Exemplificativamente, pode-se 16 mencionar que no Brasil, é desenvolvido o programa político de combate à discriminação dos homossexuais: ―Brasil sem homofobia‖. O movimento tem o objetivo de reconhecer e reparar a cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, sendo que estes são tratados como uma parcela significativa da sociedade que possui menos direitos em razão do preconceito e da discriminação por orientação sexual, raça, gênero, idade, deficiência física, credo religioso ou opinião política. Como resultado dessa constante luta a Constituição já veda toda e qualquer forma de discriminação de uma pessoa que optou por ser homossexual, vez que essa prática consiste em violação dos direitos fundamentais da pessoa humana. Principalmente aqueles atos atentatórios contra os direitos à liberdade e igualdade dos homossexuais. 17 3 CONTRAPOSIÇÃO ENTRE HOMOFOBIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS 3.1 Homofobia: prática de violência A palavra homofobia em si é utilizada para fazer referência ao sentimento de repulsa, aversão, medo, intolerância, ódio às relações homoafetivas. Todo esse sentimento que é capaz de gerar atos discriminatórios com alto nível de hostilidade, chegando a ponto de condutas agressivas, carregadas de constrangimentos, prejuízos e profunda dor emocional na vida dos indivíduos homossexuais de qualquer espécie. (OLIVEIRA, 2009). Considerando a dor, o sofrimento e o tratamento desigual que os homossexuais recebem em razão de sua orientação sexual, o movimento homossexual se prontificou a lutar em busca de seus direitos, bem como na luta pelo apoio do governo e dos diversos segmentos da sociedade. Assim, não somente o movimento desses grupos de indivíduos, mas a sociedade simpatizante a essa realidade tem estendido constantemente a bandeira em favor destes, com o fim de pôr fim às diversas manifestações de maus tratos, desprezo e de ataques de cunho psicológico, moral e físico ao longo dos anos sofridos. As práticas homofóbicas não tem lugar nem espaço definido, ocorrem em todas as áreas do convívio social, seja nas escolas, atingindo diretamente as crianças com trejeitos homossexuais por exclusão ou isolamento, ou ainda adultos e jovens nas universidades ou até mesmo nos locais de trabalho. Há também, em clubes ou locais abertos ao público a exposição das pessoas aos vários constrangimentos e tratamentos desunamos entre outros diferentes locais. É nítido que a opção sexual diferente da heterossexual é motivo suficiente para dar causa a violação aos direitos dos indivíduos, ferindo sua dignidade humana. Tudo isso em decorrência da mentalidade retrógrada ou conservadora das pessoas que insistem em manter o preconceito e discriminação como valores fortemente arraigados, não sendo capazes de admitir que uma parcela da sociedade seja adepta a outros segmentos, sejam eles referentes a religião, política, filosofia, independente da faixa etária, raça ou condição 18 social. Existem casos que esses fatores exercem certa influência nos comportamentos hostis e discriminatórios, usados como justificativas das condutas ou pensamentos anti-homossexuais, capazes de intensificar ou atenuar os conflitos sociais. Note-se que o preconceito está disseminado em toda sociedade brasileira, seja esta moral ou imoral, ultrapassando os limites da esfera religiosa ou o conservadorismo dos indivíduos de idade elevada na sociedade. Os agressores não possuem perfil especifico, são encontrados em diversos ambientes e costumes, e as condutas discriminatórias variam de acordo com as características individuais de cada um. A maior preocupação com a homofobia na atualidade se faz com os atos de violência entre si proferidos em desfavor do indivíduo de orientação homossexual, independente se relacionados a cultos religiosos, culturais ou para defender visões conservadoras. Vê-se, dessa maneira, que não cabe identificar o motivo da discriminação, mas sim tende-se a combatê-la seja qual for o motivo ou a origem. Frise-se que a homofobia pode se resumir a qualquer ato de violência que por via de consequência origine discriminação aos homossexuais. Nesse espeque, vale ressaltar, os aspectos relativos ao termo violência. Sabe-se que violência origina-se do latim violentiae significa ―força que se usa contra o direito e a lei‖. Sendo que a pessoa que pratica o ato violento, ou seja, o violentus, versa naquele que age com força desproporcional a reação esperada.Pode-se afirmar que a violência vai de encontro com à integridade moral, psicológica física ou sexual, sendo que diante de qualquer sentimento que impeça a experimentação de algo, de forma infundada representa um tipo de violência (OLIVEIRA, 2009). A violência, como se percebe, tomou contornos mais amplos, abrangendo toda conduta que afete a dignidade do indivíduo restringindo sua liberdade e impossibilitando que este manifeste sua vontade, tendo por consequência dano a sua integridade física, moral, psicológica ou sexual. Por fim, considera-se violência o ato de violar as garantias fundamentais do indivíduo enquanto ser de direito livre e membro da sociedade. 19 Os questionamentos que abrangem a homofobia atualmente não se restringem somente a violência física, mas também ou, principalmente, a violência psicológica, vez que as reivindicações feitas pelos historicamente desfavorecidos possivelmente oriundos, sobretudo, desta última podem gerar proporções incalculáveis. As condutas criminosas praticadas contra os homossexuais não podem ser interpretadas somente como aquelas com violência física caracterizadas pelo uso de facas, pedras, ou ações exageradas como asfixiamento ou enforcamento, por exemplo, mas todas aquelas condutas em que a violência é exteriorizada pelo gesto e comportamento de cunho moral e/ou psicológico que afete a seara da integridade e liberdade de ser do indivíduo, melhor dizendo, são considerados crimes de ódio. E nesse caso há quem peque pelo excesso e até mesmo pela falta, ou seja quando tendo a responsabilidade de fazer algo, não o faz. Assim entende-se que até mesmo a omissão é um ato violento, pois pode causar dano a integridade física ou psíquica do ofendido. O dano emocional é a chave para se identificar a violência psicológica, ou seja, a que nível o indivíduo foi atingido na sua integridade psicológica, contudo, deve-se ter como parâmetro asensibilidade normal de um homem médio, nem aquele extremamente sensível nem o demasiadamente rude. Atualmente, as autoridades públicas não estão permanecendo demasiadamente inertes para as ações homofóbicas vez que já vem tomando algumas medidas políticas de combate e prevenção. Na Educação, por exemplo, as autoridades competentes buscar capacitar os professores na tentativa de que eles eduquem os alunos a respeitar a orientação sexual de cada um. No setor da Saúde, já se empenham em ampliar ações de combate às doenças sexualmente transmissíveis – DST, bem como buscam preparar o Sistema Único de Saúde – SUS para receber os homossexuais. Já no Ministério da Justiça, a capacitação está mais voltada para os policias em como lidar com os travestis que trabalham nas ruas, para coibir os atos violentos e discriminatórios do dia-a-dia. Apesar de bem tímida, verifica-se hoje a intenção de remodelar a concepção social acerca das relações homoafetivas. Com o fim de gerar uma consciência não homofófica em toda sociedade permitindo a liberdade de expressão e a liberdade de direitos entre homossexuais, contudo, independe somente da atuação do Poder Público essa responsabilidade, vez que esse 20 sentimento de aversão advém de cada indivíduo e a sua inexistência somente findará quando cada um se conscientizar da dignidade enquanto ser humano que cada ser possui para viver. São por essas e outras razões que existem vários discursos sobre a tipificação da homofobia. Aqueles que se manifestam de forma favorável tendem a acreditar que a punição é indubitavelmente capaz de proteger bens jurídicos evidentes, conforme é o entendimento majoritário da função do Direito Penal. E é nesse interim, que se acredita que a lei seja capaz de promover a esses bens, nada mais que garantias capazes de assegurar a todos a proteção legal. A intolerância viola o direito à existência simultânea das diversas identidades e expressões da sexualidade, que é um bem comum indivisível. Uma vez acionada, a intolerância ofende o pluralismo, que é requisito para a vida democrática. Daí a compreensão de que os chamados crimes de ódio, manifestação que merecem intensa reprovação jurídica, atentam contra a convivência democrática. Daí também a propriedade da utilização de ações coletivas para a proteção e promoção do direito ao reconhecimento das identidades forjadas e estigmatizadas num contexto heterossexista (RIOS, p.136). O mais importante diante da realidade que se apresenta, é garantir as prerrogativas de cada cidadão, pois não se pode coadunar as práticas ofensivas e violentas contrárias a liberdade, integridade, libre expressão, trabalho e a afetividade. Nesse molde, seria oportuno também fazer valer os direitos humanos já previstos. E não corroborar com a promoção de morte social, alcançada com a discriminação, por exemplo. Daí a obrigação de coibi-la, diante de sua inefável relevância em um sistema jurídico referenciado nos Direitos Humanos e nas liberdades públicas. Entende-se que o Estado, diante da garantir constitucional, possui o compromisso de promover educação e de condições básicas que eliminam a decorrência de delitos diretamente em suas raízes e assim, é de suma importância das ciências criminológicas passar a penalizar tais práticas violentas e discriminatórias com o fim de garantir à redução a impunidade. Não se pode permitir que tais práticas sejam permanentes, em face dos direitos de liberdade de opinião e de crença. Até mesmo pelo fato dos preceitos com relação a proibição da discriminação homofóbica. Assim, deve ser aprovar uma lei capaz de punir e vedar opiniões de pessoas que não concordam com a homossexualidade ou que, se embasando em acepções 21 religiosas, poderiam ser denunciadas e submetidas a uma punição por difundirem aquilo que crêem. [...] em oposição às tendências modernas do Direito Penal, que descriminaliza condutas, o abominável projeto quer impor, criminalizando e dispondo o aparato policial a serviço de um grupo restrito, valores que chocam com o que pensa a esmagadora maioria da sociedade brasileira que é, eminentemente, cristã e heterossexual. Portanto, o Congresso Nacional está para aprovar uma lei que impede – e mais que isso, criminaliza! – qualquer manifestação – seja ela intelectual, filosófica, ideológica, ética, artística, cientifica e religiosa – contrária ao homossexualismo e às suas práticas (JUNIOR, 2013, p.2). Em ato contínuo, tem-se o posicionamento doutrinário a seguir: Não temos dúvida da necessidade de recorrer aos mecanismos penais para coibir a discriminação no território nacional e para garantir a universalidade do direito à igualdade e à diversidade, pois a homofobia é um ato juridicamente condenável, merecedor da represália social e estatal [...] Desse modo, em consonância com a Constituição Federal, o texto que ora propomos almeja proteger a vida, não apenas em seu sentido biológico, mas nas relações sociais indispensáveis ao seu desenvolvimento. É certo que as condutas criminalizadas não tratarão da esfera da consciência, mas da esfera da convivência, definindo apenas comportamentos que impliquem lesão a direito alheio. (PAIM, 2013, p. 15). Legalizar medidas repressivas a discriminação em nada afronta a premissa da intervenção mínima do Direito Penal, pois é inteiramente constitucional, diante de um Estado que faz da tolerância uma das suas marcas definidoras, abolir o preconceito por vias da persecução. Afinal, não há preconceito ou discriminação que seja menor ou menos prejudicial à integridade e à dignidade humana, porque essas práticas são igualmente lesivas e desumanizantes. Isto posto, nota-se que quaisquer predisposições voltadas à desconstruir e erradicar a discriminação em razão da sexualidade será inevitavelmente objeto de intensa disputa ideológica e política. De fato, há um evidente conflito entre valores e garantias constitucionais que deve ser observado, mas sem que as conclusões tomadas restem em demérito para uns ou para outros. Entretanto, mesmo que sendo visíveis as possibilidades de se fazer efetivar uma solução adequada para essa divergência, é mais visível ainda que isso não aconteça porque está em jogo interesses dos que concebem a democracia como o governo da maioria. 22 4 DA PROTEÇÃO E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS POR VIA DA TIPIFICAÇÃO DE CONDUTAS CRIMINOSAS Com o fim de coibir a prática de condutas criminosas determinados ritos, não só formais devem ser seguidos com o escopo de limitar a atuação do poder punitivo do Estado, teoria esta preconizada pelo sistema Democrático em face dos demais sistemas autoritários e violentos. Assim uma sequência de atos que vão desde valores que compõem a tutela penal, do enquadramento da conduta delituosa típica na previsão legal de crime, da cominação de pena como consequência, do processamento, do julgamento, da aplicação desta pena e da forma como se executa em face de quem cometeu o delito, uma série de princípios e direitos devem ser observados em nome da segurança jurídica e da animosidade. Os mecanismos utilizados pelo poder público para controlar e inibir as ações violentas ou que infrinjam a lei, destaca-se, atualmente as vertentes dos Direitos Humanos defendem entre outros direitos mais essenciais a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana, esculpidos no texto constitucional o indivíduo da atuação do Estado frente a sua atuação excessiva: A Constituição exerce duplo papel. Se de um lado orienta o legislador, elegendo valores consideradosindispensáveis à manutenção da sociedade, por outro, segundo a concepção garantista do Direito Penal, impede que esse mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos, violando direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana (GRECO, 2012, p.4). Considerando a semelhança entre os conceitos do Direito Humano e aqueles considerados como direitos prioritários do Estado brasileiro, vislumbra uma tênue atividade de positivação do Direito Penal. Ao passo que os valores agregados às condições essenciais são a fonte para conferir a elas a seletividade e a qualidade de um bem que logra mérito pela proteção jurídica. Infringe-se que dessas análises seja possível definir o que vai ou não ser considerado como crime punido nos moldes da atividade penal tradicionalista. Apesar dessa perspectiva essa função é eminentemente complexa. É necessário, primeiramente, ter-se em mente que a tutela 23 de um bem não pode se exceder a outro e por isso cria-se um impasse doutrinariamente e pelo Poder Legislativo sobre a proteção dos bens jurídicos e o limite do poder punitivo. Embora o exercício crítico e valorativo em torno do que deve compor a pretensão punitiva e de como deve ser efetivada também é uma tarefa para instâncias científicas e discursivas que são anteriores e mais amplas que a atividade penal, a relação do Direito Penal com os Direitos Humanos tem conduzido argumentos tendenciosamente centrados na discussão de observar à figura de quem incorre na prática criminosa. Observa-se que, tendo como referencial os Direitos Humanos, neste momento, com intuito de revalorizar atenção à vítima, esta tem encontrado no sistema penal uma figura muito abstrata em relação a sua existência na sociedade. A atribuição do enfoque das garantias individuais no Direito Penal material e processual está voltada ao tratamento a ser dado ao réu e não à vítima [...] No que se refere à proteção das vítimas (de crimes ou de violência do Estado) ainda há uma grande deficiência na efetivação dos direitos estabelecidos na legislação (ARANDA, 2013, p. 23). Diversos questionamentos, argumentos, na intenção de produzir um posicionamento conciso e válido os diversos juristas, acadêmicos fazem corriqueiramente, contudo, todo o trabalho se mostra válido na tentativa de produzir embaraços que mobilizem as autoridades competentes a decisões vinculantes, bem como no exercício da prerrogativa punitiva. Nessa dinâmica, fica evidente que o Direito Penal é ramo de eminente promoção dos Direitos Humanos, capaz de promovê-los, além do caráter de proteção ao bem jurídico de maneira eficaz e suficiente, uma vez que as matérias jurídicas penais se propõem a contribuir para a efetivação do direito punitivo de forma integral. De fato, punir também é, por colateralidade, proteger e promover interesses relevantes, que representam bens jurídicos tanto sociais quanto individuais. 4.1 Motivos para tipificar a homofobia Destacada a inquestionável contribuição que a sistematização das normas penais com o escopo coercitivo tem para o fim de tutelar e efetivar bens jurídicos, aos quais os Direitos Humanos representam, vale introduzir na discussão acerca da necessidade de tipificar medidas punitivas específicas para problemáticas isoladas, como a discriminação. 24 É a partir dessas indagações que, tanto os lados que defendem a atuação específica do Direito Penal, quanto os que criticam a inflação legislativa político-incriminadora, elaboram suas argumentações e fazem configurar eminente entrave. Exemplo mais recente de como o exercício legal da previsão especial de condutas ofensivas foi legitimado mesmo quando já existiam tipificações amplas da lesividade do comportamento transgressor, é a aprovação da Lei nº 11.340 de 2006, ou Lei Maria da Penha, que não criou um novo tipo penal com terminologia e abstrações autônomas, mas tipificou, especificamente, condutas cometidas contra a mulher ao prevê, dentro de um arquétipo penal que já preceituava punições para o delito em seu caráter geral, agravantes para a violência intentada em razão da vulnerabilidade e do proveito destapara reprimir e inibir a liberdade das mulheres. Maria Berenice Dias (2006, p. 01), no ano em que esta lei foi publicada, observou: Acaba de entrar em vigor a Lei 11.340 – chamada Lei Maria da Penha – que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi recebida da mesma forma que são tratadas as vítimas que protege: com desdém e desconfiança. Como tudo o que é inovador, está sendo alvo de ácidas críticas. São apontados erros, imprecisões e até inconstitucionalidades. Nada mais do que injustificável resistência à sua entrada em vigor. Isto é, do momento de sua publicação, e mesmo na fase de proposição até os anos que segue sua vigência, a referida lei foi e é alvo de alegações reacionárias,cujos posicionamentos apontam supostas ineficácia e contrariedade à ordem pátria, sustentados em argumentos tais como a violação do princípio constitucional da igualdade sexual, da intervenção mínima do poder público na vida privada e da fragmentariedade penal: Somente quem tem enorme resistência de enxergar a realidade da vida pode alegar que afronta o princípio da igualdade tratar desigualmente os desiguais. Cada vez mais se reconhece a indispensabilidade da criação de leis que atendam a segmentos alvos da vulnerabilidade social. A construção de microssistemas é a moderna forma de assegurar direitos a quem merece proteção diferenciada. Não é outra a razão de existir, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e da Igualdade Racial. E nunca ninguém disse que estas leis seriam inconstitucionais (DIAS, 2006, p.1) No caso da mulher, o que tornou urgente a necessidade por instrumentalizar e fazer incidir uma norma específica que erradicasse concreto e simbolicamente a violência doméstica foi a ineficácia dos dispositivos genéricos processuais e materiais para com o combate da discriminação, que não conseguiam prever e alcançar os casos concretos, cuja incidência fechava-se no âmbito da moradia e para lá não se podia intervir, assim como, de lá não viria quaisquer tentativas de denúncia, pois, ameaçados, familiares e a própria mulher eram 25 repreendidos.Somando-se ainda ao óbice cultural de uma concepção moral, machista, antiquada e latente, de que a mulher é objeto do homem e que sobre ela podia-se violentar nas mais variadas maneiras, restando-lhe o silêncio. Vislumbra-se, portanto, que a necessidade pela criação de norma punitiva que ataque a celeuma da violência com especificidade para com uma das suas formas mais torpes é reflexo da urgência por se fazer impor respeito e intangibilidade aos direitos de quem estava desprotegido, uma vez que, previsões penais genéricas, medidas de cunho administrativo e recursos de conscientização ou educação não demonstravam-se suficientes para combater a ameaça e violação direta aos Direitos Humanos, cometidas por quem achava ter a permissão de praticar a violência e do qual não se podia esperar a consciência do dever de respeito com base em escrúpulos que nem sequer os tinha. Similar ao problema da violência doméstica, a homofobia é espécie do gênero da discriminação moderna cuja demasia da infringência aos Direitos Humanos por motivos de preconceito é uma das adversidades atuais que mais clamam por um posicionamento mordaz na erradicação e desconstrução do ódio, da aversão e hostilidade para com gays, bissexuais, lésbicas, transgêneros e transexuais.Perpetrada no âmago familiar, nos centros escolares, nas igrejas, no ambiente de trabalho e nas mais variadas localidades da vida urbana, a negatividade imposta contra sexualidades adversas da heteronormatividade é um problema que está atrelado a contexto cultural alastrado durante a decorrência de imemoriáveis períodos históricos, dos quais a sociedade de hoje herdou a concepção e a consciência coletiva de que é indesejável, errado, prejudicial, vergonhoso, repugnante e inadequado ser homossexual: O rol de violações aos direitos humanos que atinge as pessoas devido à orientação sexual ou identidade de gênero ainda constitui um padrão sistemático e global. A comunidade LGBT além de não ter seus direitos civis reconhecidos na maioria dos países, continua sendo vítima de discriminação, violência, abuso, perseguição e agressão constantes. Atualmente, relações homossexuais entre adultos continuam sendo criminalizadas em 80 países (11 deles na América central e no Caribe). Em sete países, a pena para esse ―crime‖ é a execução (RODRIGUES, 2011, p.28). Nesse contexto, as reações sociais, que se definiram como necessárias para fazer rechaçar essa ―ameaça gay‖, são as que variam desde condenações à fogueira na Idade Média, passando por execuções massivas em câmaras de gás no holocausto nazista, chegando a enforcamento em 26 praças públicas, apedrejamento, prisões e ao ostracismo nos persistentes modelos de Estado ditatorial. Visualizando-se aí a legalização de uma conduta violadora e discriminatória, em regimes políticos cuja punição é desvirtuada dos princípios idôneos e o poder extrapola os limites do abuso e da violência. No modelo democrático, a exemplo do Brasil, não são anuídos quaisquer tratamentos desumanos impostos a uma pessoa por motivos de ter uma orientação sexual diferenciada, pelo menos não em lei. Entretanto, da mesma maneira que não permite legalmente,a norma também não proíbe. E as regulamentações esparsas, as disposições genéricas e as interpretações extensivas de arranjos principiológicos não se demonstram suficientes e nem incisivas para se fazer coibir e desarraigar a discriminação. Sendo assim, comportamentos advindos de diferentes setores sociais, imbuídos do ―achismo‖ moral de que se a homossexualidade é errada, então a ela deve-se repudiar, cuja razão incutida é a de retaliar o que considera por desvirtuado, seja através do ataque direto, pela mitigação de outros direitos ou pela exclusão: A rejeição de toda conduta homossexual e sua inscrição no campo jurídico está fundada na negativa de conceder ao indivíduo sua autonomia para o exercício de sua sexualidade. Sexo é apenas uma função biológica a serviço do bem comum do casamento e seus significados de amizade e procriação. Dessa maneira, não é possível falar-se em liberdade sexual, e são admitidos tratamentos desiguais que coíbam a conduta sexual divergente de indivíduos (LEIVAS, 2011, p.74). Mais uma vez observa-se nessas circunstâncias a semelhança com a problemática da violência cometida contra a mulher, em que, assimilando-se ao contexto anterior da aprovação de lei específica, a violação de Direitos Humanos parte de justificativas fundadas em perspectivas cultuadas pelo tempo e pela extensão de acepções morais que acreditam ser permissivo destratar alguém. Mas por que a legislação ainda é omissa, tendo em vista a urgência que se configura por proteger minorias em face de condutas violentas que não condizem com o atual momento da promoção isonômica de direitos e valores éticos? Insurge-se desse questionamento a mais problemática das situações, em que, o Estado safa-se pelo viés da negligência, pois, não sofre represália por legitimar condutas opressivas, mas também não desprestigia os interesses de uma maioria mediante a imposição expressa de proibições às condutas discriminatórias: A omissão covarde do legislador infraconstitucional de assegurar direito aos homossexuais e reconhecer seus relacionamentos, ao invés de sinalizar neutralidade, 27 encobre grande preconceito. O receio de ser rotulado de homossexual, o medo de desagradar seu eleitorado e comprometer sua reeleição inibe a aprovação de qualquer norma que assegure direitos à parcela minoritária da população alvo da discriminação (DIAS, 2011, p.168). As consequências desse descaso por conta de um indiscreto preconceito alcançam a esfera da instrumentalização processual, de maneira que somando-se a elas, reproduzindo também o descompromisso e desinteresse por se fazer reafirmar direitos evidentes, as autoridades tratam o problema da homofobia com indiferença no trabalho de investigação, indiciamento, persecução e processamento dessa conduta lesiva, ainda mais quando não têm um aporte legal em que se apoiar para considerar típico e verossímil o prejuízo causado em razão dessa discriminação. Restando apenas o enquadramento nas previsões genéricas já existentes, que se demonstram insuficientes. E essa ausência de interposição legal que obrigue o poder público a perseguir tal ofensa específica dá margem para que o preconceito, que parte dos próprios servidores, invalide até mesmo o compromisso por perseguir as transgressões já previstas (DIAS, 2011). Nota-se a cada fechamento dos aspectos que estão em torno desse problema, que progressivo é o reconhecimento da relevância da implementação de medidas legais e políticas que interponham posicionamento mais contundente na erradicação da discriminação. E no caso da homofobia, diante do descaso legal, da insuficiência dos recursos existentes e do crescimento vertiginoso da violência por motivos torpes contra um grupo, indubitável é a necessidade de combater este problema com mais rigidez e especificidade, com escopo de proteção e efetivação de bens jurídicos evidentemente relevantes: Neste quadro, as violações físicas diretas à vida e à integridade física de grupos contra os quais se dirige a discriminação homofóbica são realidades inadmissíveis, cuja superação é vital para promoção dos direitos humanos. Diante de episódios, cuja frequência horroriza, não se deve exigir menos que a atuação dos órgãos estatais de persecução penal, extraindo-se do direito penal e do direito civil toda a responsabilidade cabível (RIOS, 2007, p.136). Assim sendo, a invocação da pretensão punitiva pode não ser, por si só, a solução integral, mas com certeza representa a corroboração simbólica e coercitiva mais incisiva de que é inaceitável a violação de Direitos Humanos por motivos tão antilógicos. Nesse ponto, defende-se que tipificar a violência homofóbica é o mecanismo central no combate a essa espécie de discriminação, pois, a partir dela é que se tem base e suporte jurídico mais eficaz para implementar outras medidas e para simbolizar o quanto ela é indesejável em um Estado 28 cuja intenção é ser democrático (pelo menos em tese). É a sua incriminação que interporá à sociedade a obrigação mais mordaz de observar tolerância às diferenças: Ou seja, com a punição penal, reafirma-se que determinada conduta afronta valores fundamentais de uma sociedade, exteriorizando a desaprovação social da atitude. Serve, pois, como marca de que, em nosso sistema democrático, não são admitidas certas atitudes as quais afrontam direito, humilhando e inferiorizando populações que dentro do nosso contexto social, já são vítimas recorrente de toda sorte de discriminação (SOUZA, 2012, p. 37). Diante dessas disposições cabe ressaltar que, de fato, a maneira de apontar realidade em espectros estatísticos, tomando por base a denunciação e a noticiação, não é a forma mais eficiente de sefazer vislumbrar a problemática em sua concretude. Entretanto, ante a inoperância dos órgãos competentes em registrar e fichar as ofensas que são cometidas em razão desse tipo de discriminação, inclusive porque lhes faltam aporte legal que tipifique e encrave a homofobia como delito, as informações relatadas são suficientes para compreender que um posicionamento legal é necessário tanto para erradicar as condutas em si quanto para impulsionar o avanço de outras medidas e instrumentos que tenham esse mesmo fim. 4.2 Projeto de lei 122/06 Na esfera cível, as ações visam a uma condenação por danos morais, ou até mesmo materiais, em razão de ato discriminatório praticado em face de um homossexual, titular de direitos. Essa condenação consiste em uma indenização, normalmente em dinheiro. No âmbito das relações de trabalho, também há responsabilização do agressor em razão de discriminações que resultem, por exemplo, em demissões, situações degradantes ou vexatórias (Lei nº 9.029/95). Já na seara criminal, a discriminação pode ser punida como crime. Todavia, faz-se necessário, sob luz do princípio da legalidade e anterioridade penal, que haja uma lei que tipifique cada conduta que se deseja criminalizar. O Projeto de Lei nº 122/2006 (PL 122/06) visa criminalizar a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, alterando a Lei nº 7.716, de 5 de 29 janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dando nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto–Lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto–Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943, além de outras providências. Interessante destacar a justificação manifestada quando da apresentação do projeto original: A sociedade brasileira tem avançado bastante. O direito e a legislação não podem ficar estagnados. E como legisladores, temos o dever de encontrar mecanismos que assegurem os direitos humanos, a dignidade e a cidadania das pessoas, independente da raça, cor, religião, opinião política, sexo ou da orientação sexual. A orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável a pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania. Temos como responsabilidade a elaboração leis que levem em conta a diversidade população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos. O que estamos propondo é fim da discriminação de pessoas que pagam impostos como todos nós. É a da garantia de que não serão molestados em seus direitos de cidadania. E para que prevaleça o art. 5º da nossa Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade." A presente proposição caminha no sentido de colocar o Brasil num patamar contemporâneo de respeito aos direitos humanos e da cidadania. E é por esta razão que esperamos contar com o apoio das nobres e dos nobres colegas para a aprovação deste projeto de lei. Destaca-se nessa justificativa, além da fundamentação teórica do projeto de Lei no princípio da igualdade, o argumento de que o legislador precisa estar atualizado com as necessidades e anseios da sociedade, de modo que legitime a sua atuação. 30 Nesse sentido, além de levar em consideração os anseios de uns em aprovar tal projeto, também deve levar em conta as críticas de outros que surge no seio da mesma sociedade. Esse projeto de lei tem sido alvo de manifestações contrárias a sua aprovação, sob a alegação de que a garantia constitucional à liberdade de expressão, em especial o direito à liberdade religiosa, e a igualdade material seriam violadas. Religiosos temerosos em ter sua liberdade de expressão cerceada vêm fazendo protestos e manifestações contrárias a tal projeto, alegando que, em face de uma redação abstrata e inespecífica, estar-se-ia conferindo poderes irrestritos aos homossexuais. Além disso, alegam que diversas religiões, como o cristianismo, judaísmo e islamismo, teriam sua liberdade de manifestação, contrária ao homossexualismo, totalmente vetada pelo Projeto de Lei nº 122/06. Em contraofensiva, dada a abertura da discussão de forma midiática, o movimento pró- homossexualidade oportuniza uma posição afirmativa cada vez mais forte na sociedade em prol da igualdade de direitos. Sabe-se que os projetos de lei que ferem ou que não protegem os direitos fundamentais na sua unidade são projetos inconstitucionais, haja vista que também, e principalmente, o legislador é destinatário das normas constitucionais de direitos fundamentais. Dessarte, se essas alegações forem verdadeiras, o PL 122/06 não deveria ser aprovado em razão do vício da inconstitucionalidade material, pois nenhuma lei pode desobedecer aos preceitos supremos da Constituição Brasileira, sob a pretensa defesa de um segmento. Nesse contexto social de divergências, surge a necessidade de se discutir o assunto a fim de que novas ideias e possíveis soluções possam vir à tona. O Projeto de Lei nº 122, iniciado na Câmara dos Deputados em 2006 e atualmente tramitando no Senado Federal, pretende incriminar a descriminação aos homossexuais. Quanto a ele, aplica-se o mesmo raciocínio. Os valores constitucionalmente protegidos como a vida, a liberdade, a igualdade são bens que devem ser juridicamente tutelados na esfera penal, pois são considerados relevantes para a sociedade. 31 Segundo os princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima e da ofensividade do direito penal, a criminalização do ato de discriminação contra homossexuais seria justificada, já que se trata da proteção do bem jurídico fundamental: igualdade. Aliás, a punição de todas as formas de discriminações na esfera penal é legítima, pois se coaduna perfeitamente com os preceitos constitucionais de proteção à igualdade e repressão a todas as formas de discriminações. O próprio princípio da igualdade, como já visto, abrange o resguardo efetivo das pessoas por meio do Estado, através de leis penais quando necessário. É o que acontece com os atos definidos na Lei nº 7.716 de 1989 (com as modificações introduzidas pelas Leis nºs 8.081 de 1990, 8.882 de 1994 e 9.459 de 1997) e com suas modificações pretendidas pelo Projeto de Lei nº 122 de 2006, além das pretensões em dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto–Lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras providências. Pretende o PL reprimir de forma mais veemente as arbitrariedades cometidas historicamente por diversos segmentos da sociedade contra os homossexuais. Note-se que a referida Lei nº 7.716, mesmo alterada, continua a prever a punição de crimes resultantes de outros tipos de discriminação ou preconceito, que não apenas aquela contra homossexuais, como por exemplo, asdiscriminações em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência regional. Destaca-se, nesse momento, a proteção da mesma Lei contra discriminações em razão da religião, o que demonstra que o legislador não está alheio aos direitos e liberdades conferidas também a esse significativo seguimento da sociedade. O que se pode depreender do Projeto de Lei quanto ao confronto entre a liberdade religiosa, de um lado, e a não discriminação a homossexuais, de outro, é que não há preterição dos direitos relativos à religião, e nem poderia haver face à natureza constitucional deste direito fundamental. 32 Da mesma forma que não se admite qualquer discriminação por motivo religioso, também não se quer admitir qualquer discriminação por motivo de orientação sexual. Busca-se, portanto, exatamente promover a igualdade entre todos os segmentos da sociedade, respeitando todas as diferenças. Com a quantidade crescente de aportes bibliográficos publicados, intentados a discutir o reconhecimento de direitos sexuais, e com o surgimento de organizações que se preocuparam em mapear e demonstrar, ainda que limitadas, a realidade da prática da discriminação, cuja incidência é velada pela negligência das autoridades, tem-se a impressão de que estas questões só ganharam visibilidade agora. Em parte, esse entendimento não é equivocado. Entretanto, observa-se que essa notoriedade só insurge-se com tanta veemência porque é tido como urgente, tanto em nível nacional quanto global, que para o Estado seja obrigatório efetivar esses direitos humanos de maneira mais eficaz, inclusive pela implementação de medidas que assegurem a regalia de exercê-los e a proteção contra transgressões reacionárias também crescentes. Cinge-se nesse ponto a crítica que aponta o quanto a necessidade por regulamentar direitos só é enxergada quando a turbação deles já é concretamente evidente. E no Brasil não é diferente. É importante ressaltar que inserido num contexto de relativa ascensão econômica e de presença enfática no cenário das relações globalizadas, o Estado brasileiro é engrenado a apresentar eminente faceta de influenciável e de influenciado. Nessa dinâmica, os valores sociais constantemente mudam, buscam se adequar ou produzem novas concepções que são construídas por influências internas e externas. De abordagens anteriormente frisadas se auferiu a compreensão de que o valor estimado no almejo e interesse por Direitos Humanos, está inserido na avidez por exercer as liberdades individuais, os direitos de personalidade, a livre expressão, os direitos civis e a dignidade individual. Em âmbito nacional também são progressivos estes anseios, de modo que as novas gerações têm edificado concepções e ideologias que partem destes mesmos preceitos compartilhados hodiernamente em grande parte do mundo. 33 Desta feita, destaca-se a sexualidade como um dos fatores principais que tem apresentado modelações sobre valores. Recaindo no expoente de como vivê-la e com quem vivê-la. Assim também, tem sido apontada como principal vetor do discurso de respeito à liberdade pela qual pessoas estão dispostas a reivindicá-la e vivenciá-la em estilos, gostos, vertentes e comportamentos sem limitar sua vontade e nem ceder a pressões sociais, mesmo com a discriminação fortemente arraigada ao ambiente em que vivem. Diante disto, é que emerge o complexo desafio para o Estado de como fazer para lidar com o embate configurado entre novas concepções e o paradigma conservador e reacionário, que, na maioria das vezes, dá margem para a discriminação. No Brasil que intencionava estruturar o modelo mais democrático de sua história política no período próximo do constitucionalismo de 1988, o mais razoável seria ter ratificado disposições que objetivassem sanar integralmente todas essas celeumas que impedem promover a isonomia e a inclusão almejadas, de maneira que buscasse projetar a construção de uma sociedade adequada para o momento atual. No caso de qualquer aspecto relacionado ao direito de se definir sexualmente, pelo menos não foi por ausência de pretensões políticas que se olvidou legislar: Desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 que se pretende colocar proteção às minorias em razão de orientação sexual no texto constitucional. Os constituintes da subcomissão dos negros, populações indígenas, pessoas deficientes e minorias chegaram a receber, em sessões de meados de 1987, João A. de Souza Mascarenhas, então diretor de comunicação social da ONG Triângulo Rosa, que discursou sobre a importância de constar a expressão ―orientação sexual‖ na proteção contra a discriminação (BAHIA apudFolha de São Paulo, 2012, p.7). Entretanto, todas as intenções por incluir no bojo da Lei Maior as disposições que faziam menção ao combate da discriminação motivada por razões de sexualidade fracassaram. Nesse sentido, muitas outras tentativas de emendas ou propostas de leis infraconstitucionais foram apresentadas. Bahia (2012) destaca o PL 4.242, do Deputado Edson Duarte; o PL 3.770/2004, do Deputado Eduardo Valverde; e os PL. 5/2003 e 5.003/2001, da Deputada Lara Bernardi. Sempre trazendo à baila o mesmo entrave de discussões pautadas em demasiados fundamentos jurídicos e morais, a análise de propostas desta natureza são alastradas por anos na alternância entre as casas do Congresso. Na maioria das vezes o destino é o arquivamento,motivado pela pressão dos que conseguem compor contingente influente na ambiência do legislativo a ponto das aprovações e pautas lhes ser favorável. 34 O mais recente e famigerado entre estas proposições é o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que é uma variação do PL 5.003/2001 e ganhou essa nomenclatura após ser aprovado na Câmara dos Deputados em 2006 e aditado por diversas vezes desde o início de sua tramitação no Senado, permanecendo aí protelado por arquivamentos, projetos substitutos, pareceres, debates, análises nas comissões e controvérsias políticas. No ano de 2011 o PLC 122 foi desarquivado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), assumindo também sua relatoria. Desde então, referida proposta aguarda aprovação na comissão de Direitos Humanos, na de Constituição, Justiça e Cidadania e no Plenário. Em suma, o PLC 122, apelidado de ―lei da homofobia‖, objetiva alterar a Lei 7.716/1989 que criminaliza as ofensas resultantes de discriminação e preconceito, tipificando as discriminações cometidas em razão de orientação sexual, de idade, de deficiência, de sexo, de gênero e identidade de gênero ao enquadrá-las no rol das espécies previstas como possíveis de punição. No tocante a esse projeto cabe destacá-lo em suas seguintes disposições: Art. 3º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: Art.1º Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Art. 20 Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Pena: reclusão de um a três anos e multa Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs: Pena: reclusão de dois a cinco anos Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei de todos os instrumentos normativos de proteção dos
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