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III. GLUCAGON O glucagon é um hormônio polipeptídico secretado pelas células a das ilho- tas de Langerhans pancreáticas. O glucagon, juntamente com a adrenalina, o cortisol e o hormônio do crescimento (os "hormônios contra-reguladores"), se opõe a muitas das ações da insulina. Em especial, o glucagon age na manuten- ção dos níveis de glicose sangüínea, pela ativação da glicogenólise e da glico- neogênese hepáticas. O glucagon é composto por 29 aminoácidos arranjados em uma única cadeia polipeptídica. (Nota: Ao contrário da insulina, a seqüência de aminoácidos no glucagon é a mesma em todas as espécies de mamífe- ros examinadas até o momento.) O glucagon é sintetizado como uma grande molécula precursora, que é convertida no glucagon através de uma série de clivagens proteolíticas seletivas, similares àquelas descritas na biossíntese da insulina (veja a Figura 23.3). A. Estimulo da secreção de glucagon A célula a é responsiva a uma variedade de estímulos que sinalizam uma hipoglicemia real ou potencial (Figura 23.1 0). Especificamente, a secreção do glucagon é aumentada por: 1. Gl icemia baixa. Uma diminuição na concentração plasmática de gli- cose é o principal estímulo para a liberação de glucagon. Durante um jejum noturno ou prolongado, os níveis elevados de glucagon previnem a hipogl icemia (veja a seguir a discussão sobre hipogl icemia). 2. Aminoácidos. Os aminoácidos derivados de uma refeição que contém proteínas estimulam a liberação de glucagon e de insulina. O gluca- gon impede efetivamente a hipoglicemia, que de outra forma ocorreria como resultado da secreção aumentada de insulina após uma refeição protéica. 3. Adrenalina. Níveis elevados de adrenalina circulante produzida pela medula adrenal ou de noradrenalina produzida pela inervação simpá- tica do pâncreas, ou de ambas, estimulam a liberação de glucagon. Assim, durante períodos de estresse, trauma ou exercício intenso, os níveis elevados de adrenal ina podem impedir o efeito dos substratos circulantes sobre as células a. Nessas situações - independentemente da concentração de glicose no sangue - os níveis de glucagon se elevam em antecipação ao aumento na utilização de glicose. Em con- traste, os níveis de insulina são reduzidos. B. Inibição da secreção de glucagon A secreção de glucagon diminui significativamente com o aumento de gli- cose e de insulina no sangue. Essas substâncias estão aumentadas após a ingestão de glicose ou de uma refeição rica em carboidratos (veja a Figura 23.5) . A regulação da secreção do glucagon está resumida na Figura 23.11. C. Efeitos metabólicos do glucagon 1. Efeitos sobre o metabolismo de carboidratos. A administração intravenosa de glucagon leva a um aumento imediato na glicemia. Isso resulta de um aumento na degradação do glicogênio hepático (não- muscular) e de um aumento na gliconeogênese. 2. Efeitos sobre o metabolismo de lipídeos. O glucagon favorece a oxi- dação hepática de ácidos graxos e a subseqüente formação de corpos Bioquímica Ilustrada 311 Glicogenólise Gliconeogênese Cetogênese Figura 23.1 O Glicogenólise Gliconeogênese Cetogênese Adrenalina Ações da insulina, em oposição às do glucagon e da adrenalina. Figura 23.11 Precursores t t SANGUE Regulação da liberação de glucagon pelas células a pancreáticas. 312 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier • /Giucagon / Receptor de glucagon AMPc (•) ) 5'-AMP í\~~ Proteína-cinase dependente deAMPc (inativa) Proteína-cinase ,_:;> dependente 1 R deAMPc + • R (ativa) • @] p Enzima (desfosforilada) Enzima ' (fosforilada) Efeitos biológicos: Glicogenólise Gliconeogênese Cetogênese Captação de aminoácidos Glicogênese Figura 23.12 Mecanismo de ação do glucagon. (Nota: Para simplificar, a ativação da adenilato-cic/ase pela proteína G foi omitida.) R = Subunidade reguladora; C = subunidade catalítica. cetônicos a partir de acetii-CoA. O efeito lipolítico do glucagon no tecido adiposo é mínimo em humanos . 3. Efeitos sobre o metabolismo protéico. O glucagon aumenta a cap- tação de aminoácidos pelo fígado, resultando em aumento na dispo- nibilidade de esqueletos carbonados para a gliconeogênese. Como conseqüência, os níveis plasmáticos de aminoácidos estão diminu ídos. D. Mecanismo de ação do g lucagon O glucagon liga-se a receptores de alta afinidade na membrana celular do hepatócito. Os receptores para glucagon são diferentes dos que ligam insulina ou adrenalina. A ligação do glucagon resulta na ativação da adeni- lato-ciclase na membrana plasmática (Figura 23.1 2, e veja a pág. 92). Isso causa um aumento no AMPc (o "segundo mensageiro"), o qual, por sua vez, ativa a protefna-cinase dependente de AMPc e aumenta a fosforilação de enzimas ou outras proteínas específicas. Essa cascata de atividades enzi- máticas crescentes resulta na ativação ou inibição mediadas por fosforilação de enzimas-chave reguladoras, envolvidas no metabolismo dos carboidratos e dos lipídeos. Um exemplo desse tipo de cascata é apresentado no caso da degradação do glicogênio na pág. 129 e na Figura 11.11 , pág. 131. IV. HIPOGLICEMIA A hipoglicemia é caracterizada por 1) sintomas do sistema nervoso central, incluindo confusão, comportamento atípico ou coma; 2) simultaneamente, nível de gl icose sangüínea igual ou inferior a 40 mg/dl; e 3) os sintomas são resolvidos em minutos após a administração de glicose. A hipoglicemia é uma emergência médica porque o sistema nervoso central (SNC) tem um requeri- mento absoluto de suprimento contínuo de glicose sangüínea para servir como combustível para o metabolismo energético. Uma hipoglicemia transitória pode causar disfunção cerebral, ao passo que uma hipoglicemia grave e prolongada causa morte cerebral. Assim, não surpreende que o corpo possua múltiplos mecanismos superpostos para prevenir ou corrigir a hipoglicemia. As alterações hormonais mais importantes no combate à hipoglicemia são a elevação de glu- cagon e adrenalina, juntamente com a diminuição na liberação de insulina. A. Sintomas de hipoglicemia Os sintomas de hipoglicemia podem ser divididos em duas categorias. Os sintomas adrenérgicos - ansiedade, palpitação, tremor e sudorese - são mediados pela liberação de adrenalina regulada pelo hipotálamo em resposta à hipoglicemia. Normalmente, os sintomas adrenérgicos (isto é, sintomas mediados por adrenalina elevada) ocorrem quando os níveis de gl icose sangüínea caem bruscamente. A segunda categoria de sintomas hipoglicêmicos é neuroglicopênica. A neuroglicopenia - diminuição na chegada de glicose no encéfalo - resulta em prejuízo da função cerebral, causando cefaléia, confusão, fala arrastada, convulsões, coma e morte. Os sintomas neuroglicopênicos resultam com freqüência de um declínio gra- dual de glicose sangüínea, geralmente para níveis inferiores a 40 mg/dl. O declínio lento na glicose priva o SNC de combustível, mas falha em disparar uma resposta adequada da adrenalina. B. Sistemas glicorregu ladores O ser humano possui dois sistemas sobrepostos de regulação da glicose, que são ativados por hipoglicemia: 1) as ilhotas de Langerhans, que liberam glucagon, e 2) os receptores no hipotálamo, que respondem a concentra- ções anormalmente baixas de glicose no sangue. Os glicorreceptores hipo- talâmicos podem disparar tanto a secreção de adrenalina (mediada pelo sistema neurovegetativo) quanto a liberação de ACTH e do hormônio do crescimento (GH, de growth hormone) pela hipófise anterior (Figura 23.13). O glucagon, a adrenal ina, o cortisol e o hormônio do crescimento são algu- mas vezes denominados hormônios "contra-reguladores", pois cada um deles se opõe à ação da insulina sobre a utilização da glicose. 1. Glucagon e adrenalina. A hipoglicemiaé combatida pela diminuição na liberação de insulina e pelo aumento na secreção de glucagon, adrenalina, cortisol e hormônio do crescimento (veja Figura 23. 13). O glucagon e a adrenalina são os hormônios mais importantes na regulação aguda e a curto prazo da glicemia. O glucagon estimula a glicogenólise e a gliconeogênese hepáticas. A adrenalina promove a glicogenólise e a lipólise, inibe a secreção de insulina e inibe a capta- ção de glicose mediada por insulina nos tecidos periféricos. A adrena- lina normalmente não é essencial para combater a hipoglicemia, mas pode assumir um papel crítico quando a secreção do glucagon está deficiente, por exemplo, nos estágios tardios do diabetes melito tipo 1 (dependente de insulina) (veja a pág. 339). A prevenção ou correção da hipoglicemia falha quando as secreções de ambos, adrenalina e gluca- gon, estão deficientes. GLICEMIA BAIXA (Glicose sangüfnea menor do que 40 mg/dl) m 100 80 :.J" ~ .§. 60 :g Bioquímica Ilustrada 313 Sistema neurovegetativo ~ ·= ':I 1:1) c .. .. 1....,..,_ __ ,__ ·---• - Iniciam sintomas adrenérgicos: 1,....1-_""'"' Iniciam sintomas de I neuroglicopenia: • Ansiedade Glicoge- nóllse Gliconeo- gênese Figuras 23.1 3 ~ ~nsullna Noradrenalina 1 0 Cortisol Adrenalina Glucagon o +++ ++ ++ o ++ m o -~ a 4o 20 o • Cefaléia • Confusão • Fala arrastada e Convulsões e Coma • Morte • Palpitação • Tremor eSudorese A. Ações de alguns hormônios glicorreguladores em resposta à glicemia baixa. B. Limiares glicêmicos para as diversas respostas à hipoglicemia. + = Estímulo fraco;++ = estímulo moderado;+++= estímulo forte; O= sem efeito. 314 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier o ...1 240 Pacientes com diabetes dependente de insulina . (tipo I) receberam · injeção de insulina. fJ Após algumas horas, alguns pacientes também receberam administração subcu- tãnea de g lucagon. Glucagon (2 mg subcutâneo) ~ E Insulina i 160 c: ;:; "' c: .. "' 5l o .~ a Salina Alguns pacientes foram tratados com salina em vez de glucagon. O glucagon aumenta a glicemia por mobilizar " o glicogênio hepático e por estimular a gl iconeogênese hepática. Figura 23.14 Reversão da hipoglicemia induzida por insulina pela administração subcutânea de glucagon. 2. Cortisol e hormõnio do crescimento. Esses hormônios são menos importantes na manutenção das concentrações de glicose sangüínea a curto prazo. Em vez disto, eles desempenham um papel na coordena- ção do metabolismo da glicose a longo prazo. C. Tipos de hipoglicemia A hipoglicemia pode ser dividida em três grupos: 1) induzida por insulina; 2) pós-prandial (algumas vezes denominada hipoglicemia reativa); e 3) hipo- glicemia de jejum. (Nota: A intoxicação alcoólica em indivíduos em jejum também pode estar associada com hipoglicemia.) 1. Hipoglicemia induzida por insulina. A hipoglicemia freqüentemente ocorre em pacientes diabéticos que recebem tratamento com insulina, em especial naqueles em que há sério empenho na obtenção de um controle rigoroso dos níveis de gl icose sangü ínea. Uma hipoglicemia leve em pacientes totalmente conscientes é tratada com a administra- ção oral de carboidratos. Os pacientes com hipoglicemia, porém, fre- qüentemente estão inconscientes ou apresentam perda da capacidade para coordenar a deglutição. Nesses casos, o tratamento de escolha é a administração subcutânea ou intramuscular de glucagon (Figura 23.1 4). 2. Hipoglicemia pós-prandial. Essa é a segunda forma mais comum de hipoglicemia. É causada por uma liberação exagerada de insulina após uma refeição, produzindo uma hipoglicemia transitória com leves sintomas adrenérgicos. O nível de glicose plasmática retorna ao normal mesmo se o paciente não for alimentado. Em geral, o único tratamento requerido é que o paciente deve ingerir refeições pequenas e freqüen- tes, em vez das três principais refeições diárias. 3. Hipoglicemia de jejum. A ocorrência de glicemia diminuída durante o jejum é rara, mas é mais provável que se apresente como um sério problema cl ínico. A hipoglicemia de jejum, que tende a produzir sinto- mas de neuroglicopenia, pode resultar de uma redução na velocidade de produção de glicose pelo fígado. Assim, baixos níveis de glicose no sangue são freqüentemente observados em pacientes com lesão hepatocelular ou com insuficiência adrenal, ou ainda em indivíduos em jejum que consumiram grandes quantidades de etanol (veja a seguir). Alternativamente, a hipoglicemia de jejum pode resultar da velocidade aumentada na utilização de glicose pelos tecidos periféricos, mais fre- qüentemente devida a níveis elevados de insulina resultantes de tumor nas células p pancreáticas. Se não tratado, um paciente com hipogli- cemia de jejum pode perder a consciência e apresentar convulsão e coma. 4. Hipoglicemia e intoxicação alcoólica. O álcool é metabolizado no fígado por duas reações de oxidação (Figura 23.1 5). O etanol é pri- meiramente convertido em acetalde ído pela álcool-desídrogenase. O acetaldeído é oxidado posteriormente a acetado pela aldeído-desí- drogenase. (Nota: Essa enzima é inibida por dissulfiram, uma droga que pode ser usada em pacientes que desejam parar de beber álcool. ' Isso causa o acúmulo de acetaldeído no sangue, resultando em rubor, taquicardia , hiperventi lação e náusea .) Em cada reação, elétrons são transferidos para o NAD+, resultando em um aumento maciço na concentração de NADH citosólico. A abundância de NADH favorece a redução de piruvato em lactato e de oxalacetato em maiato. Lembre-se, 1 Veja o Capítulo 9 de Farmacologia Ilustrada (2" e 3• edições) para uma abordagem sobre o uso de dissulfiram no tratamento do alcoolismo. da pág. 116, que o piruvato e o oxaloacetato são ambos intermediários na síntese de glicose via gliconeogênese. Assim, o aumento de NADH mediado por etanol faz com que os intermediários da gliconeogênese sejam desviados para vias alternativas de reação, resultando na sín- tese diminuída de glicose. Isso pode acelerar a hipoglicemia, especial- mente em indivíduos que tiveram uma depleção em seus estoques de glicogênio hepático. (Nota: Lembre-se, da pág. 123, que a mobilização do glicogênio hepático é a primeira defesa corporal contra a hipoglice- mia. Assim, indivíduos em jejum ou desnutridos apresentam depleção nos depósitos de glicogênio e dependem da gliconeogênese para man- ter os níveis de glicose sangüínea.) A hipoglicemia pode produzir mui- tos dos comportamentos associados à intoxicação alcoólica - agitação, prejuízo de julgamento e agressividade. Assim, o consumo do álcool por indivíduos vulneráveis - aqueles em jejum ou que se submeteram a exercício exaustivo e prolongado - pode produzir hipoglicemia, que pode contribuir para os efeitos comportamentais do álcool. O consumo de álcool pode também aumentar o risco de hipoglicemia em pacientes que fazem uso da insulina. Qualquer paciente que segue um tratamento rígido com insulina deveria ser advertido acerca do risco aumentado de hipoglicemia, que nem sempre ocorre durante o período de consumo do álcool mas, ao contrário, muitas horas depois. m Sem consumo de etanol m Com consumo de etanol Glicose-6-P ~ Glicose ++ Frutose-6-P <)~ Frutose-1 ,6-bis-P t Gliceraldeído-3-P ++ 1 ,3-Bisfosfoglicerato i+ 3-Fosfoglicerato ++ 2-Fosfoglicerato i+ 1-~ Diidroxia- cetona-P l Fosfoenolpiruvato / .. "7 Pirutato PRECURSORES ~ / GLICONEOGÊNICOS ' ···· ... Oxalacetato fJ O aumento no NADH mediado pelo etanol desvia os intermediários da gllconeogênese para vias alternativas de reação, resultando na diminuição da síntese de glicose. Figura 23.15 ·· ... Glicose-6-P ~ Glicose +tFrutose-6-P V? Frutose-1 ,6-bis-P t. ............................ , "' -<:·· 'I' Gliceraldefdo-3-P ··>- Diidroxia-it cetona-P 1 ,3-Bisfosfoglicerato -1-t 3-Fosfoglicerato .j..t 2-Fosfoglicerato H Fosfoenolpiruvato i Piruvato T ~ Lactato NADH NAD+ o Bioquímica Ilustrada 315 O metabolismo do etanol resulta em um aumento maciço na concentração de NADH citosólico no fígado. Etanol Álcool- desidrogenase NAD+ j NADH Acetaldeído NAD+ ""'I Aldeldo-1 desidrogenase l7r" O Dissulfiram NADH ~t Acetato A. Gliconeogênese normal na ausência de consumo de etanol. B. Inibição da gliconeogênese como resultado do metabolismo hepático do etanol.
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