299 pág.

Pré-visualização | Página 29 de 50
capaz de contrariar os interesses metropolitanos, o império português mandou extinguir toda a atividade fabril, deixando apenas as manufaturas de tecidos grosseiros de algodão destinados ao vestuário dos escravos ou à sacaria utilizada no acondicionamento saboaria rústica; de chapéus, fabricados com lã de carneiro em São Paulo e Minas Gerais e as indústrias locais, com um comércio de maior abrangência (PRADO JR., 2000) {PAGE } dos produtos exportáveis.50 O mesmo aconteceu com a indústria metalúrgica. Somente se permitiu a manufatura de ferro em fins dos anos 1700, mas a perseguição movida até então dificultava um surto de progresso no setor e atrofiou o seu desenvolvimento com sequelas que irão se estender pelos tempos que viriam. A transferência da corte portuguesa para a nova sede do Rio de Janeiro e a abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” contribuíram para reverter essas proibições.51 Entretanto, o país já se encontrava numa situação de relativo atraso econômico e tecnológico de difícil recuperação. Em 1808, as indústrias têxtil e metalúrgica de capital inglês, bem mais aparelhadas que as brasileiras e operando com menores custos relativos, já dominavam o mercado mundial, inclusive o nosso. E a indústria colonial, após tantas perseguições, sofreu uma atrofia que, mesmo com a nova lei, não conseguiu mais um crescimento em grande proporção. Além disso, as medidas de franqueamento do comércio exterior brasileiro facilitaram a importação de tecidos ingleses, prejudicando, ainda mais, a iniciativa empresarial local do setor. Assim é que, em princípios do século XIX, enquanto a indústria inglesa caminhava a passos largos para o aperfeiçoamento, a indústria brasileira apenas engatinhava lentamente. O atraso tecnológico da colônia em muito se deveu ao temor que a metrópole tinha da concorrência que esta poderia fazer ao comércio do Reino e do impacto político que o desenvolvimento industrial provocaria na colônia. À administração pública coube, então, a responsabilidade pela situação que manteve a colônia isolada pois, não tendo criado nenhum sistema eficiente de educação, impossibilitou aos colonos o acesso a um nível de conhecimento capaz de gerar a tecnologia necessária para satisfazer as demandas das indústrias locais. Além disso, o controle dos capitais aqui aplicados era exercido por empresas estrangeiras (estatais ou privadas) que por aqui já operavam em fins do nosso período colonial, estimuladas pelas idéias liberais sopradas pelos intelectuais europeus e 50 O Alvará de 5 de janeiro de 1785 proibia, especificamente, as manufaturas têxteis, excetuando-se as manufaturas grossas de algodão, destinadas ao vestuário dos escravos e ao empacotamento dos produtos, e visava preservar o mercado colonial para as manufaturas portuguesas. Foi o golpe de morte na indústria da colônia. Tal fato se justificava pelo dinamismo do setor primário-exportador brasileiro, ao qual interessava ter o máximo da mão-de-obra disponível ocupada naquela atividade, ficando a produção de outros bens restrita aos de primeira necessidade, como é o caso dos tecidos grosseiros. (NOVAIS e ARRUDA, in LISBOA, 1999) 51 O Alvará de 1 º de abril de 1808 revogou a proibição da industrialização imposta pelo Alvará de 5 de janeiro de 1785. {PAGE } absorvidas, sem muita resistência, pelos dirigentes da colônia,52 num tipo de assimilação que se torna uma constante em toda a sua evolução histórica. Libertado da dominação portuguesa, no início do século XIX, a situação industrial do país praticamente não se modificou. Sem promover mudanças significativas em sua estrutura, a industrialização brasileira continuava a marcar passo. Os pequenos progressos alcançados anulavam-se no momento em que o crescimento industrial do mundo se acelerava e o progresso técnico punha a seu serviço cada vez mais produtos com preços declinantes. Por conseguinte, a indústria colonial brasileira constituiu apenas um “simulacro” da atividade manufatureira mundial do século XIX (PRADO JR., 2000). 2.2.3 A educação na colônia O isolamento tecnológico era tamanho, que a colônia não contava, praticamente, com o mais simples sistema de educação. O sistema de ensino resumia-se basicamente em um pequeno grupo de cadeiras de alfabetização, latim e grego, existentes apenas em alguns dos maiores centros, mesmo assim criados somente após 1776. A divisão social do trabalho nos tempos coloniais tinha no escravo o tipo de mão-de-obra que convinha à classe dominante. Isto restringia o campo reservado ao trabalho “livre”, que era a ocupação do feitor, do mestre de ofício, das funções públicas, do exército e do comércio (PRADO JR., 2000). E, naturalmente, as profissões liberais – advogados, cirurgiões etc. –, profissões de acesso restrito que exigiam formação e estudos especiais. Nos fins do século XVIII e no início do século XIX, estes estudos eram complementados fora da colônia a custos bastante elevados, o que restringia a oferta desses profissionais, oriundos principalmente da classe média, mesmo em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. 52 Vindas em sua maioria da Grã-Bretanha da primeira revolução tecnológica do capitalismo, as idéias que compunham o pensamento liberal defendiam o lucro, a propriedade privada, o livre comércio entre as nações e a obediência a uma divisão internacional do trabalho baseada na “teoria das vantagens comparativas” de Davi Ricardo (1772-1823), um dos pensadores da escola clássica inglesa. De forma bastante sintética esta teoria preconiza que um país deveria se especializar na produção em larga escala daquele produto que para si representasse uma maior vantagem comparativa com outros países. O objetivo do capitalismo inglês era garantir para si o fornecimento de produtos agrícolas e insumos que necessitava, enquanto se encarregava de fornecer os produtos manufaturados incorporados com a mais alta tecnologia disponível. Tal situação garantia à coroa britânica o monopólio de certas tecnologias, ficando o mundo colonial como mero fornecedor de produtos primários. A relação que se estabeleceu àquela época entre Portugal e Inglaterra servem como uma boa ilustração de uma divisão internacional do trabalho que teve um impacto profundo na economia brasileira que se prolonga, ainda que de forma relativamente diferenciada, até os nossos dias. {PAGE } Toda essa precariedade fazia o nível cultural e educacional da colônia centrado na ignorância e explicava o grau primitivo das principais atividades econômicas e da baixa produtividade da agricultura. No apogeu da colônia, as deficiências técnicas eram resultado do modelo administrativo imposto pelo império que, além de criar obstáculos a qualquer iniciativa que visasse a formação técnica e profissional da mão-de-obra, não teve interesse em criar e desenvolver um sistema educacional capaz de permitir, no limite, o desenvolvimento da ciência e da capacitação tecnológica. O conjunto de disciplinas existente em alguns centros importantes da colônia, criados apenas depois de 1770, eram ministrados por professores mal preparados e mal remunerados em um sistema de aulas desorganizado (PRADO JR., 1977). Somente a elite colonial tinha a possibilidade, quando era de seu interesse, de enviar seus descendentes para obter formação superior na metrópole, geralmente de caráter eclesiástico ou filosófico, bem como a formação técnica e científica, onde se destacavam os cursos de Direito e de Medicina. Papel de destaque nesta história colonial é reservado à Igreja