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Movimentos Sociais e Educação 2° encontro: Associativismo e mobilização: noções gerais I - Introdução Você se lembra das manifestações de junho de 2013 no Brasil, que reuniram milhões de cidadãos nas ruas das principais cidades brasileiras? O significado daquele grande movimento coletivo permanece sujeito a discussões, mas algumas características visíveis daquele período nos ajudam a introduzir o tema deste encontro. Você chegou a participar de algum ato público naquela ocasião? Se não, pelo menos lembra os registros do noticiário? Um traço marcante daqueles movimentos foi a rejeição a toda forma de organização coletiva, como partidos políticos, sindicatos ou centrais sindicais. Lembra aquelas cenas em que alguém levantava a bandeira de algum grupo organizado e os demais mandavam baixá-la? “Sem bandeiras, sem bandeiras!”, era o grito que mais se ouvia. O que isto sinaliza? Entre outras coisas, o extremo desgaste dos mecanismos clássicos de agregação e representação de interesses, como os partidos, o parlamento e os sindicatos. Outra frase típica destes tempos, que aponta na mesma direção, é “isto não me representa”. As multidões não tinham uma causa comum pela qual estivessem lutando: cada um protestava contra um aspecto particular da realidade. Se fosse possível identificar algum traço comum na participação de cada indivíduo, provavelmente esse traço seria o não reconhecimento das instituições habitualmente mediadoras dos conflitos sociais. Dito isto, podemos entrar especificamente no tema deste nosso encontro, que envolve o associativismo, a mobilização política e social e a relação entre eles. Vamos lá? II – Associativismo e mobilização Em uma concepção clássica, admite-se que uma sociedade marcada por mais altos graus de associativismo tende a apresentar índices relativamente altos de mobilização, ainda que a correlação entre uma coisa e outra não seja automática. Pensemos em um exemplo ilustrativo: onde há mais sindicatos (associativismo), é mais provável a ocorrência de greves de trabalhadores (mobilização). Você já deve ter ouvido, lido ou mesmo falado sobre a pouca propensão do brasileiro a se organizar e trabalhar em favor de interesses comuns. Será isto um fato? Uma forte vertente do pensamento social e político brasileiro tende a afirmar que sim, e as causas do fenômeno geralmente são associadas à história do Brasil: fomos uma colônia de exploração, onde o europeu veio para explorar os recursos naturais, e não de povoamento, onde o colonizador se estabelece no local; herdamos traços personalistas da colonização ibérica que nos induzem a enfatizar os laços pessoais e familiares em prejuízo dos laços impessoais baseados na defesa de causas ou interesses comuns (HOLANDA, 1995; DA MATTA, 1978). Este esquema de pensamento é tão forte que transbordou do âmbito acadêmico para a sociedade em geral, fazendo-se presente no discurso de políticos, de lideranças dos mais variados meios e mesmo do povo em geral. Quase sempre, esta matriz de pensamento situa o Brasil em uma condição de “atraso” cultural ou civilizatório em relação ao moderno Primeiro Mundo e responsabiliza o Estado, com sua ineficiência, pelo subdesenvolvimento da nação. Pode ser que você pense desta forma. Mas no nível que você está galgando — o ensino superior em uma boa universidade — é fundamental saber que existem outras formas de encarar qualquer tema. Contemporaneamente, por exemplo, temos uma corrente bastante diferente liderada pelo sociólogo Jessé Souza, para quem o que acontece no Brasil não é fruto de uma característica cultural que passe de geração em geração, mas sim a expressão de um padrão de modernização periférica. Não vamos aprofundar este tópico aqui, mas é relevante registrar que este outro ponto de vista também tem se difundido fora dos limites acadêmicos e ele tende a se expressar em teses que rejeitam a hipótese de o Brasil ser culturalmente atrasado ou “inferior” (por exemplo, mais corrupto) do que a Europa ou os Estados Unidos. Qualquer que seja o padrão de explicação para o fenômeno, o fato é que pesquisas relativamente recentes reforçam a percepção de que o associativismo e a mobilização social e política são baixos no Brasil. Em estudo publicado em 2009 (AZEVEDO et al, 2009), os autores trazem dados úteis à nossa discussão. O primeiro é a constatação de que quanto mais alta a escolaridade, maior a intensidade da mobilização sociopolítica. Note na tabela abaixo (AZEVEDO et al, 2009, p. 352) que o princípio se confirma em todos os tipos de ação político-social pesquisadas. Outro dado relevante para nós é a mensuração do nível de mobilização social e política do Brasil em comparação com outros países onde a pesquisa foi efetuada. No grupo de sete países envolvidos no levantamento (Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal e Suécia), o Brasil ficou com o menor índice (AZEVEDO et al, 2009, p.352). Dentro do Brasil, existem diferenças significativas nos índices de acordo com a cidade onde a pesquisa foi efetuada. Mas, de modo geral, a principal modalidade de associativismo é o de tipo religioso (pertença a igrejas ou organizações religiosas). Quanto à mobilização, mesmo entre o segmento que possui escolaridade superior e reside em áreas metropolitanas os índices brasileiros são “bastante inferiores aos percentuais de Portugal, que ocupa nesse campo um dos mais baixos rankings entre os países desenvolvidos” (AZEVEDO et al, 2009, p. 351). III – Considerações finais Você deve ter percebido que as concepções que brotam nas discussões acadêmicas não estão desligadas da luta política que se trava no cotidiano da sociedade. Temos sido uma nação com intensidade relativamente baixa de associativismo e de mobilização, mas como isto se explica? Diferentes estilos de resposta dão margem a desdobramentos políticos também diversos. Pense na sua realidade específica — digamos, a realidade de Itaperuna, Bom Jesus, São Fidélis ou São Francisco de Itabapoana, que são os polos fluminenses onde este material está sendo utilizado em primeira mão. Na sua percepção, as pessoas daí costumam se organizar coletivamente? Quando se organizam, elas se mobilizam em busca dos objetivos comuns? As entidades associativas (sindicatos, associações etc.) têm credibilidade frente aos seus associados? Se as respostas forem negativas, temos aí um bom material para estudos — quem sabe uma pesquisa de iniciação científica, que você, aluno da Uenf, tem o direito de pleitear. Se, ao contrário, as respostas forem positivas, o laboratório será ainda melhor, pois teremos, com toda a probabilidade, um contexto que contrasta com a média do nosso país. Referências bibliográficas: AZEVEDO, S.; SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves dos ; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. (2009). Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 11, p. 347-366 DA MATTA, Roberto. (1978). Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar. HOLANDA, Sergio Buarque de. (1995). Raízes do Brasil. 26.ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras SOUZA, Jessé. (2004). A gramática social da desigualdade brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo , v. 19, n. 54, p. 79-96
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