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Revista de Administração e Contabilidade Volume 7, número 1 Feira de Santana, maio/agosto 2015, p. 99 – 116 ISSN: 2177-8426 Uma abordagem da Teoria Positiva da Contabilidade aplicada no Setor Público An approach of the Positive Accounting Theory applied to the Public Sector Maurício Corrêa da Silva1 José Dionísio Gomes da Silva2 Fábia Jaiany Viana de Souza3 Erivan Ferreira Borges4 Aneide Oliveira Araujo5 RESUMO O artigo tem o objetivo de analisar se a perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade pode ser utilizada no setor público para analisar correlações de escolhas de práticas contábeis com as atitudes tomadas pelos Administradores Públicos. O estudo foi desenvolvido com base no método da análise de conteúdo. A amostra foi do tipo intencional, sendo constituída de 8 notícias sobre atos da administração pública brasileira, veiculadas em portais eletrônicos. Os resultados revelaram que os cortes de orçamento, o cancelamento de empenhos para reduzir as despesas de restos a pagar, as despesas com propaganda e os gastos em anos eleitorais pela perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade evidenciam práticas contábeis correlacionadas com os interesses dos administradores públicos. Desse modo, a Teoria Positiva da Contabilidade pode ser aplicada no setor público. O contingenciamento, os gastos com educação e os gastos sociais evidenciam mais falta de planejamento e vontade política dos governantes em realizarem o trabalho esperado. Palavras-chave: Teoria Positiva da Contabilidade. Perspectiva oportunística. Setor público. 1 Doutorando em Ciências Contábeis (UnB/UFPB/UFRN). Professor Assistente II da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 2 Doutor em Controladoria e Contabilidade (FEA-USP). Professor Associado do Departamento de Ciências Contábeis da UFRN e Professor do Programa Multi-institucional e Inter-regional de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da UnB/UFRN/UFPB 3 Mestra em Ciências Contábeis (UnB/UFRN/UFPB). Servidora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte 4 Doutor em Ciências Contábeis (UnB/UFPB/UFRN). Professor Adjunto I do Departamento de Ciências Contábeis da UFRN. 5 Doutora em Controladoria e Contabilidade (FEA-USP). Professora do Departamento de Ciências Contábeis da UFRN e do Programa Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da UnB/UFRN/UFPB 100 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 ABSTRACT The paper aims to analyze if the opportunistic perspective of the Positive Accounting Theory may be used in the public sector in order to analyze correlations of choices of accounting practices with the attitudes taken by the Public Administrators. The study was developed based on the content analysis method. The sample was of the intentional type, and was made up of 8 pieces of news about acts of the Brazilian public administration, advertised in electronic portals. The results revealed that the budget cuts, the cancellation of pawns to reduce the expenses of balance payable, the expenses with advertising and the expenditure in election years through the opportunistic perspective of the Positive Accounting Theory highlight accounting practices correlated with the interests of the public administrators. The Positive Accounting Theory may be applied to the public sector. The adequate allocation of resources, the expenditures with education and the social expenses highlight more lack of planning and political will from the administrators to conduct the expected work. Keywords: Positive Accounting Theory. Opportunistic Perspective. Public Sector. 1 INTRODUÇÃO Os dicionários do idioma português apresentam o significado de teoria como: conhecimento especulativo, ideal, independente das aplicações; conjunto de regras, de leis sistematicamente organizadas, que servem de base a uma ciência e dão explicação a um grande número de fatos. Matias-Pereira (2012) argumenta que teoria representa um conjunto de hipóteses coerentemente interligadas, tendo por finalidade explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado domínio do conhecimento. Cruz e Cornelli (2010) esclarecem que toda teoria é superada por uma teoria alternativa, de tal forma que a ciência pode ser comparada a um crescente mar de ideologias inconsistentes que forçam umas às outras a um maior grau de articulação. Carqueja (2007) considera o entendimento da teoria da contabilidade como uma explicação abrangente ou o conhecimento sistematizado da contabilidade. Ainda de acordo com o referido autor, a expressão “Teoria Geral da Contabilidade” não tem acolhimento generalizado como designação de disciplina acadêmica e, nas escolas em que existe “Teoria da Contabilidade”, esta pode corresponder a conteúdos diversos. As teorias científicas, enquanto versões em construção ao longo dos tempos, evidenciam as mudanças e a complexidade das relações entre os conceitos, assim como as próprias visões das comunidades científicas de determinada época (PRAIA; CACHAPUZ, GIL- PÉREZ, 2002). De acordo com Silveira (1996), as teorias científicas não são criadas, inventadas ou construídas, mas são descobertas de conjuntos de dados empíricos. O referido autor esclarece que a teoria tem como função a organização econômica e parcimoniosa dos dados, do observado e a previsão de novas observações. O termo "Teoria Positiva da Contabilidade” foi utilizado para enfatizar que o papel da teoria da contabilidade é fornecer explicações e previsões para a prática de contabilidade (WATTS; ZIMMERMAN, 1990). A expressão “positiva” tem o sentido correlato apresentado na economia. A economia positiva preocupa-se em estudar o funcionamento do sistema econômico, sem se preocupar com juízos de valor a respeito dos resultados. Sua preocupação é com as afirmativas capazes de serem verificadas pelos fatos. 101 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 A Teoria Positiva da Contabilidade apresenta hipóteses que orientam estudos destinados a explicar e predizer práticas contábeis adotadas nas organizações do setor privado sob a perspectiva oportunística e da eficiência. Neste sentido, as hipóteses apresentam correlações entre os métodos contábeis a serem utilizados e as decisões tomadas pelos administradores com base em seus interesses. Cabral e Cabral (2012) enfatizam que existem dicotomias entre o setor público e o setor privado. Os indivíduos, segundo os referidos autores, na esfera pública, são sempre vistos como cidadãos, seja como agentes públicos, sejam como usuários submetidos às leis e normas impostas pelo Estado. Já na lógica de mercado os indivíduos são concebidos como pessoas físicas à procura da satisfação de seus interesses e as associações são chamadas de organizações com missão e objetivos auto atribuídos pelos seus membros e com inteira autonomia. Diante do exposto, surge a seguinte questão: A perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade pode ser aplicada no setor público para analisar correlações de escolhas de práticas contábeis com as atitudes tomadas pelos Administradores Públicos? Desse modo, este artigo tem o objetivo de analisar se a perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade pode ser utilizada no setor público para analisar correlações de escolhas de práticas contábeis com as atitudestomadas pelos Administradores Públicos. A justificativa desta pesquisa encontra seu principal fundamento na necessidade de encontrar explicações teóricas factíveis de entendimento que possam subsidiar o cidadão de informações para exercer o controle social que lhe é de direito constitucional. Tais informações deverão ser capazes de fazer diferença nas decisões que possam ser tomadas pelos cidadãos, como por exemplo em que partido votar. Para alcançar o objetivo proposto, a pesquisa está estruturada da seguinte forma. Após esta introdução, a seção 2 trata da fundamentação teórica. Os procedimentos metodológicos são descritos na seção 3, os resultados e análises na seção seguinte. As considerações finais na seção 5. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Setor público Tradicionalmente, ao Poder Público cabe promover e assegurar à coletividade geral sob sua jurisdição bens e serviços indispensáveis à subsistência, à segurança, ao bem-estar e ao progresso material e espiritual (SOARES FILHO, 2002). Diferentemente do setor privado que busca os recursos com base na prestação de serviços e na venda de produtos valorizados pelo mercado, o setor público impõe (poder coercitivo) impostos, taxas e contribuições aos contribuintes para obterem os recursos necessários para promoverem o bem-estar da coletividade. Raros são os recursos arrecadados pelo setor público sem esta imposição (por exemplo, as receitas patrimoniais). Carmo (2010) esclarece que com relação às fontes de aplicação, merece relevo o fato que a esfera do público deve se pautar na esteira da legalidade, com vistas ao atendimento do artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988. Já com relação à esfera do privado, reserva-se espaço para a autonomia da vontade, isto é, deve imperar o arcabouço das normas fixadas contratualmente, as quais terão a finalidade de regular as relações consensualmente assumidas entre as partes. 102 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 No que diz respeito à liberdade e autonomia de ação, o Estado exerce o direito positivo que determina a esfera do seu poder sobre a sociedade, ou seja, é obrigado a fazer exatamente aquilo que a lei mandar e só poderá fazer o que a lei expressamente autorizar, ao contrário do setor privado que é regulado pela liberdade negativa que determina a esfera de liberdade dos indivíduos da sociedade civil, onde pode fazer o que a lei não proibir e deixar de fazer o que a lei não obrigar (CABRAL; CABRAL, 2012). O setor público para cumprir sua finalidade dispõe de uma administração que passou por diversas mudanças em sua organização, tais como: administração burocrática; gerencial; nova gestão pública dentre outras. Na Nova Gestão Pública (New Public Management), o papel dos Gestores Públicos é terem maior responsabilidade, sendo que os mesmos devem gerir os recursos públicos de forma eficiente e eficaz e este novo enquadramento requer por parte do Estado um controle especializado, que possa aferir a correta atuação dos responsáveis (MARQUES; ALMEIDA, 2004). Peci, Pieranti e Rodrigues (2008) ao analisarem as diferenças entre a Governança e a New Public Management (Nova Gestão Pública) concluíram que a accountability é uma questão pouco resolvida nas duas abordagens e que o foco deve ser a participação dos stakeholders, especialmente, no cliente-cidadão. Para Secchi (2009), ao analisar os modelos da administração pública brasileira: o burocrático; a administração pública gerencial; o governo empreendedor e a governança pública, concluiu que os referidos modelos compartilham características essenciais com o modelo tradicional burocrático e, portanto, não são modelos de ruptura. Observa-se nas argumentações de Secchi (2009), que a burocracia continua sendo um empecilho na administração pública brasileira: processos licitatórios e outorgas de alvarás morosos; concessão de licenças ambientais que são contestadas etc. Secchi (2009) esclarece também, que não são raros os esforços de reforma da administração pública que avançam mais em autopromoção e retórica do que em fatos concretos. Os decisores governamentais se preocupam mais em resolver os seus problemas do que em atenderem o interesse público: aumento de gastos direcionados para as campanhas eleitorais no último ano de mandato; construção de hospitais e escolas sem condições de manutenção (falta de pessoal e de recursos para a continuidade dos serviços) etc. Motta (2007) levanta outra questão: a permanência de fortes relações com grupos preferenciais faz a administração brasileira ser retratada ainda como de grande base patrimonialista. O referido autor esclarece que as relações patrimoniais contradizem não somente as possibilidades de uma administração modernizada no sentido mais amplo do interesse público como também as práticas liberais tão proclamadas como a opção política dos últimos anos. A prestação de serviços para atender o interesse público deveria ser realizada tendo como elementos norteadores a qualidade, a eficiência e a efetividade. Neste sentido, Guimarães (2000) fundamenta sua análise no sentido de que as organizações públicas devem passar por um processo de racionalização organizacional. A lógica dessa racionalização é uma mudança paradigmática no qual o modelo de gestão, baseado na hierarquia, cede lugar a um novo modelo fundamentado na flexibilidade, da qual a abordagem da competência é um dos componentes. 103 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 A contabilidade aplicada ao setor público tem um papel importante no controle especializado dos recursos públicos para verificar sua eficiência e efetividade. Dias et al. (2013) argumentam que a contabilidade neste setor não deve ser vista apenas como uma obrigatoriedade a ser cumprida ou como um instrumento responsável pelo registro de atos e fatos emanados da administração pública. Ela deve ser vista como uma ferramenta capaz de dar suporte à verificação dos atos realizados pelo gestor público, tornando-se um mecanismo de governança. Para tentar entender os atos dos gestores públicos, a Teoria da Escolha Pública, a Teoria da Burocracia, a Teoria Institucional e a Teoria da Contingência podem ajudar. Andrews e Kouzmin (1998) argumentam que de acordo com a Teoria da Escolha Pública o autointeresse é a principal (senão a única) explicação para o comportamento humano e que os indivíduos são motivados por incentivos e principalmente por sanções. No caso da Teoria da Burocracia, Helal e Neves (2010) esclarecem que a mesma foi concebida como um modelo analítico ideal típico por Max Weber e que serviu para identificar perigos no excesso de autonomia e profissionalização da burocracia estatal. A Teoria Institucional, segundo Carvalho, Vieira e Goulart (2005) continua sendo capaz de oferecer compreensões alternativas e úteis para fenômenos sociais em diferentes épocas e contextos. Neste contexto, a referida teoria explora diferentes vertentes: a política, a econômica e a sociológica para oferecer subsídios para o entendimento de fenômenos sociais em seus respectivos âmbitos do conhecimento. A administração pela Teoria da Contingência será tanto mais eficaz quanto maior a capacidade de seus membros em escolher a forma adequada a cada tipo de situação que seja apresentada, segundo Chiavenato (1979). O autor esclarece que a referida teoria salienta que não existe um melhor estilo ou uma melhor maneira em administração. Suas premissas principais são as seguintes: a) não háuma maneira melhor de organizar e de administrar as organizações; b) uma maneira de organizar ou de administrar não é sempre igualmente eficaz; c) diferentes maneiras de organizar ou de administrar geram diferentes resultados. 2.2 Teoria Positiva da Contabilidade Watts e Zimmerman (1986) relatam que a Teoria Positiva da Contabilidade (PAT) é uma tentativa de entender o porquê, e prever quais políticas contábeis de uma empresa vão ser usadas. A empresa faz as escolhas políticas para minimizar os custos de contratação e as políticas contábeis fazem isto significativamente, mas a estrutura firme, o ambiente operacional e a governança corporativa também influenciam essas políticas. Segundo Silva (2008), a Teoria Positiva da Contabilidade pressupõe que a contabilidade é parte de um conjunto de contratos (formais ou informais) da firma e que as partes interessadas concordam voluntariamente com um amplo conjunto de escolhas contábeis passíveis de serem aplicadas. Assim, a contabilidade funciona como um mecanismo de redução de assimetria informacional. Dias Filho e Machado (2012) esclarecem as hipóteses básicas que têm orientado estudos destinados a explicar e predizer práticas contábeis segundo a Teoria Positiva da Contabilidade na perspectiva oportunística: 104 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 - Hipótese do plano de incentivo (bonus plan hypothesis): a hipótese é que os administradores das empresas que recebem bônus usarão frequentemente métodos contábeis que aumentem o resultado do período. Essa seleção aumentará o valor presente dos bônus se o comitê de remuneração da diretoria não for capaz de ajustar-se para a mudança referida. - Hipótese do grau de endividamento (debt/equity hipothesis): a hipótese prevê que as firmas que possuem graus de endividamento maiores estão mais sujeitas a usar métodos contábeis que aumentem o lucro. Quanto maior o grau de endividamento, mais sufocada a empresa estará pelas restrições e condições impostas pelos credores. Quanto mais rigorosas forem as restrições impostas pelos credores, maior a probabilidade de ocorrerem violações e de a empresa incorrer em custos advindos de insolvência técnica. Os administradores, quanto usam técnicas que aumentam os resultados, acabam por relaxar as restrições impostas pelos credores e reduzem os custos de insolvência. - Hipótese do tamanho ou dos custos políticos (political cost hipothesis): presumindo que as demais variáveis permaneçam inalteradas, se os administradores considerarem que a empresa está sob forte observação de natureza política e que isso poderá acarretar custos elevados, tenderão a optar por procedimentos contábeis que desloquem lucros do presente para períodos futuros. Portanto, essa hipótese introduz um componente político na escolha dos procedimentos contábeis de determinadas empresas. Observa-se que as hipóteses da Teoria Positiva da Contabilidade, desenvolvida para o setor privado podem ser resumidas da seguinte forma: - os administradores que possuem plano de remuneração vinculado ao lucro da empresa são mais propensos a utilizar métodos contábeis tendentes a maximizar os resultados; - os administradores de empresas que se encontram na iminência de descumprir cláusulas contratuais associadas à relação entre obrigações e patrimônio líquido adotam políticas contábeis menos conservadoras; - os administradores de empresas de grande porte são mais propensos a adotar políticas conservadoras do que administradores de empresas menores. A hipótese fundamental (norteadora) da Teoria Positiva da Contabilidade é que os administradores das empresas gerenciam os métodos contábeis em função dos resultados que esperam para atender os seus interesses. A Teoria Positiva da Contabilidade, apoiada em princípios da teoria econômica tem recebido elogios e críticas. Para Iudicíbus (2012), a qualidade do trabalho de Watts e Zimmerman - Positive Accounting Theory, de 1986 consiste em estabelecer uma linha evolutiva para explicar e dar consistência a várias pesquisas empíricas. Da mesma forma como havia feito Pacioli, embora o texto não seja, propriamente, original, no sentido de que os autores não inventaram a teoria positiva, sua análise e as conclusões parciais que conseguem inferir são de grande importância. Para Cardoso e Martins (2012), a Teoria Positiva da Contabilidade fornece o arcabouço teórico fundamental para o desenvolvimento de uma abordagem pragmática da Contabilidade, deixando de lado a abordagem normativista que dominava o cenário contábil desde fins da década de 30. A filosofia da Teoria Positiva da Contabilidade, consoante Godfrey et al. (2006), tem como um dos objetivos da pesquisa em contabilidade concentrar-se no desenvolvimento de 105 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 uma teoria que procura explicar os fenômenos observados de contabilidade, procurando as razões dos eventos ocorridos. Isso difere da teoria descritiva (normativa), que se concentra apenas na descrição de eventos. Carqueja (2007) argumenta que a Teoria Positiva da Contabilidade é algumas vezes considerada com paradigma em competição. Dado que é o método a sua característica essencial e não parece que se possa falar em paradigma de uma teoria em competição. Milne (2002) conclui que os estudos contábeis positivos têm pouco a oferecer a nossa compreensão do comportamento social das empresas. Ao invés de rejeitar os seus argumentos sobre os seus pressupostos, mostra teorias que não conseguiram oferecer nenhuma prova substancial que seja para apoiar a visão de que a gestão das empresas usa divulgações sociais no relatório anual, em busca de seus próprios interesses de riqueza. Kabir (2010) argumenta que apesar da proposta dos defensores da Teoria Positiva da Contabilidade em estudar contabilidade nos moldes das ciências naturais, a mesma não poderia emular o sucesso da ciência natural. Primeiro, é difícil determinar de forma confiável a intenção de fazer escolhas contábeis de gestão. Em segundo lugar, embora o princípio básico de lucros (ou seja, os incentivos à gestão podem influenciar as escolhas contábeis) parece ser bastante geral e a generalização de hipóteses específicas que examina a teoria é limitada por ambientes e tempo institucionais. Chabrak e Burrowes (2006) criticam a Teoria Positiva da Contabilidade como sendo meramente ideológica. Os autores argumentam que Watts e Zimmerman realizaram um discurso normativo, através da manutenção de uma postura positiva e que a referida teoria está infectado por juízos de valor. Enquanto não se chega a uma única teoria geral que permita concretizar os objetivos da contabilidade (será que a contabilidade não poderia ter várias teorias?), a Teoria Positiva da Contabilidade, pelos menos como incentivo para a pesquisa contábil, apresenta-se como um paradigma, um modelo importante. Em relação às teorias gerais, segundo Pietrocola (1999), elas não dizem nada a respeito do mundo empírico (realidade), apesar de permitirem o estabelecimento de relações dedutivas. Apenas os modelos teóricos produzidos a partir delas podem ser submetidos ao crivo da experiência e por consequência serem refutados e gerarem problemas. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O estudo foi desenvolvido com base no método da análise de conteúdo para interpretar questões relacionadas com decisões de governantes que afetam os resultados contábeis do setor público na perspectiva oportunística da TeoriaPositiva da Contabilidade. De acordo com Rocha e Desudará (2005), a análise de conteúdo se define como um conjunto de técnicas de análises das comunicações que visa conferir objetividade a uma atitude que conta com exemplos dispersos, mas variados, de pesquisa com textos. A análise de conteúdo é uma metodologia que se vale da inferência e da interpretação para obter informações relevantes contidas em um conjunto de documentos (MEIRELES; CENDÓN, 2010). A amostra da pesquisa (coleta de dados) é do tipo intencional e foi constituída de 8 notícias sobre atos da administração pública brasileira, veiculadas em portais eletrônicos. As notícias foram escolhidas na Internet, no período de 15 de abril a 30 de março de 2014, com 106 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 a utilização das palavras-chave: “orçamento público”; “gastos públicos”, “restos a pagar” no sítio eletrônico: www.google.com. As notícias selecionadas foram resumidas de forma a minimizar os comentários dos autores das mesmas com o intuito de excluir um viés da pesquisa. Assim, as notícias têm a perspectiva de servirem para a análise da presente investigação. Convém ressalvar, que tais notícias têm impacto na economia e na vida dos cidadãos e a inclusão de outras notícias não modifica o resultado, apenas aumentaria o tamanho da amostra. Foram realizadas consultas em livros, artigos de periódicos, sítios eletrônicos, anais de congressos, documentos oficiais etc. para destacar uma abordagem teórica para dialogar com a questão da pesquisa (Seção 2). 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES A seguir são apresentadas as notícias selecionadas sobre atos da administração pública e as análises em relação à perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade: 4.1 Governo anuncia corte do Orçamento de R$ 44 bilhões em 2014 (VEJA.COM, 2014): Resumo da notícia: “O governo federal anunciou um corte de 44 bilhões de reais no Orçamento de 2014, maior do que o esperado pelo mercado, de pouco mais de 30 bilhões. Desse total, 13,5 bilhões dizem respeito a despesas obrigatórias, e 30,5 bilhões a gastos discricionários. O governo reduziu em 7 bilhões de reais o orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que originalmente era de 61,4 bilhões de reais”. Análises: O projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2014 do Governo Federal enviado para o Congresso Nacional previa uma despesa de R$ 2.467.589.444.955,00 (dois trilhões, quatrocentos e sessenta e sete bilhões, quinhentos e oitenta e nove milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil, novecentos e cinquenta e cinco reais). A aprovação com o corte (com as alterações feitas pelo Congresso Nacional), a despesa autorizada ficou em R$ 2.488.853.320.708,00 (dois trilhões, quatrocentos e oitenta e oito bilhões, oitocentos e cinquenta e três milhões, trezentos e vinte mil, setecentos e oito reais), conforme a Lei nº 12.952 de 20 de janeiro de 2014 (BRASIL, 2014). Em termos contábeis (BRASIL, 1964), o orçamento público pode ser resumido na peça contábil denominada de balanço orçamentário (receitas previstas e despesas autorizadas). O orçamento público constitui um instrumento de controle dos recursos financeiros gerados pela sociedade, os quais retornam a essa mesma sociedade na forma de bens e serviços prestados (PIRES; MOTTA, 2006). Observa-se que na realidade houve falta de planejamento e o objetivo do corte em termos contábeis não existe (o orçamento de 2014 tinha apenas 20 dias que estava em execução). 107 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 A notícia pode ser entendida na realidade como um jogo em que os interesses dos administradores públicos são usados como marketing político, haja vista que contabilmente não teve efeito prático. Nos termos da Teoria Positiva da Contabilidade, a explicação para o ato é que os administradores públicos estão tentando maximizar resultados ao realizarem comparações de gastos nos dois orçamentos (enviado e votado pelo Congresso Nacional e o orçamento aprovado com vetos). 4.2 Governo faz contingenciamento de R$28 bi para 2013 (EXAME.COM, 2014): Resumo da notícia: “Brasília - O governo decidiu fazer um contingenciamento de 28 bilhões de reais no Orçamento, num montante bem inferior aos 55 bilhões de reais anunciados no ano passado, com objetivo de estimular o crescimento da economia”. Análises: Lima (2003) relata que a cada novo contingenciamento promovido pelo Poder Executivo, surgem discursos, debates e proposições para alterar o processo orçamentário brasileiro e ampliar a força do parlamento. Não se trata de autorização do parlamento para que o contingenciamento ocorra, mas de obrigação de prestar regularmente, em períodos estabelecidos previamente, explicações aos parlamentares. O contingenciamento durante a execução do orçamento, realizado como enunciado representa mais falta de planejamento do que incentivo para o crescimento da economia. Os gastos do governo têm efeito positivo na economia quando realizado de forma adequada: gastos a partir do recebimento de receitas da capacidade contributiva real do contribuinte. Como tem ocorrido o contingenciamento todo ano, em termos contábeis pode-se inferir que tal procedimento é mais uma forma dos administradores públicos alterarem resultados para se autopromoverem. 4.3 Governo cancela empenhos para reduzir restos a pagar (CONTAS ABERTAS, 2014): Resumo da notícia: “A execução orçamentária do governo federal nos primeiros dias do ano é uma verdadeira babel. Embora o ano de 2013 já tenha se encerrado há uma semana, diariamente o governo tem alterado retroativamente as informações lançadas no seu próprio sistema informatizado, o SIAFI. Em 31 de dezembro, a estimativa do total de restos a pagar para 2014 era de R$ 240,1 bilhões. Cinco dias depois, o montante já era de R$ 235,5 bilhões. Com dados atualizados, os compromissos rolados para este ano atingem R$ 219 bilhões. Assim sendo, do dia 31 de dezembro para dia 7 de janeiro, a variação foi de R$ 21,1 bilhões”. 108 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 Análises: De acordo com Oliveira e Carvalho (2009), consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas (compromissos que, ao terminar o exercício financeiro, já estavam em processo de pagamento) das não-processadas (os provenientes de despesa simplesmente empenhada, ou seja, compromissos, cujo processo de pagamento não tenha sido finalizado, inclusive pelo não-cumprimento do estágio de liquidação da despesa). Segundo Santos (2011), a inscrição de despesas em Restos a Pagar permite a ocorrência de situações que prejudicam a qualidade das informações contábeis: casos em que a despesa é reconhecida no exercício em que foi empenhada mesmo sem ter sido liquidada. As despesas de restos a pagar representam despesas figurativas no orçamento de sua inclusão, haja vista que podem ser canceladas no ano de sua execução. Isso significa que o valor divulgado como executado em determinado ano, não representa o seu valor real em face do cancelamento. Em termos contábeis, os cortes das despesas de restos a pagar como enunciado evidencia um ajuste de contas sem preocupação com planejamento, comgastos sociais etc. Na perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade, o gerenciamento das despesas de restos a pagar demonstra que os administradores públicos estão manipulando resultados para atender os seus interesses. 4.4 Dilma supera Lula nas despesas com propaganda; juntos, gastaram R$ 16 bilhões (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2014): Resumo da notícia: “Os gastos com propaganda do governo federal nos dois primeiros anos da gestão de Dilma Rousseff, incluindo estatais, é 23% maior, na média, do que nos oito anos de mandato de seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva. A presidente também vem gastando mais - cerca de 15% -, na média, na comparação com o segundo mandato de Lula”. Análises: A publicidade dos atos da administração constitui um dos princípios da administração pública, consoante o art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Entretanto, deve ser repensada a forma de fazê-la, haja vista a existência dos portais de transparência que devem publicar as execuções das receitas e despesas (projetos dos governos). Os gastos com propaganda da forma como são realizados, normalmente de forma mais pessoal do que impessoal representam atitudes tomadas pelos Administradores Públicos preocupados com reeleições. Em termos contábeis, a prática evidencia o autointeresse, que é a principal (senão a única) explicação da argumentação da Teoria da Escolha Pública (ANDREWS; KOUZMIN, 1998). No caso da Teoria Positiva da Contabilidade, as despesas com 109 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 propaganda evidenciam também, a gestão de resultados em favor dos próprios administradores públicos. 4.5 Gasto público aumenta em ano eleitoral, diz IPEA (REVISTA CONJUR, 2013). Resumo da notícia: “Os gastos das administrações públicas sobem bastante em anos eleitorais e despencam nos anos imediatamente posteriores. Essas oscilações são ainda maiores nos municípios, que, além das eleições presidenciais, para governador e para os cargos representativos, também passam pelas eleições para prefeito e vereadores. A conclusão é de pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O IPEA mostra as cifras. Em 1998, ano da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, o gasto público chegou a 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), e no ano seguinte caiu para 1,5%. Em 2002, ano que Lula ganhou as eleições presidenciais, a taxa anual foi de 2,2%. Em 2003, novamente, caiu para 1,5%”. Análises: As evidências empíricas da pesquisa realizada por Nakaguma e Bender (2006) indicam que a Emenda da Reeleição elevou o incentivo para a manipulação eleitoreira das políticas públicas, evidenciando que o oportunismo eleitoral tem prevalência sobre o controle do eleitorado. Os registros contábeis comprovam a assertiva da notícia. O autointeresse sobrepõe os interesses da sociedade. Considerando que pela Teoria Positiva da Contabilidade, os administradores de empresas utilizam métodos contábeis para maximizar resultados em seus benefícios, a aplicação da referida teoria nos registros contábeis públicos pode comprovar a notícia. A Teoria Positiva da Contabilidade pode complementar de forma empírica o que a Teoria da Escolha Pública anuncia de forma geral. 4.7 Gasto com educação no Brasil é semelhante ao de país desenvolvido; falhas por gestão (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013): Resumo da notícia: “As principais falhas na área educacional no Brasil, segundo pesquisadores, estão relacionadas à má distribuição e à gestão ineficiente dos recursos. Os gastos públicos com estudantes universitários ainda são, por exemplo, mais do que cinco vezes maiores do que com alunos da educação infantil, embora a diferença tenha caído nos últimos anos. Estudos indicam que o foco na pré-escola é primordial para reduzir a distância intelectual que tende a separar os alunos de diferentes níveis sociais (medidos de acordo com o grau de escolaridade das mães)”. Análises: 110 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 O título da notícia contraria as afirmações de Silva e Almeida (2012, p. 220): “... a Europa, o Oriente Médio, os Estados Unidos e outros países industrializados investem mais em educação pública que os países da América Latina, da África e da Ásia central...”. No Brasil, o interesse em resultados estatísticos com altos índices de aprovação escolar fez o Ministério da Educação (MEC), em 2011, sugerir que as escolas não reprovassem alunos nos três primeiros anos do ensino fundamental. Na realidade, mesmo antes disso, a prática já era adotada informalmente por alguns Estados (Minas Gerais, São Paulo etc.). Além das falhas de gestão, a notícia mostra o desinteresse dos governantes em investir em educação. Somente por intermédio da educação poderá haver uma mudança expressiva na sociedade. 4.8 Gastos Sociais do governo têm estouro de R$ 20 bilhões (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013): Resumo da notícia: “Não são apenas receitas abaixo do esperado que derrubam as contas do Tesouro Nacional neste ano: a área econômica também cometeu erros de proporções inéditas nas projeções de despesas. Na área social em particular, os programas de Previdência e amparo aos trabalhadores tiveram seus gastos subestimados em mais de R$ 20 bilhões - quase um ano de Bolsa Família. Tais benefícios têm pagamento obrigatório e montantes estimados no Orçamento. As estimativas oficiais, atualizadas a cada bimestre, ainda estão longe dos resultados observados no ano. Contava-se, na lei orçamentária, com uma expressiva redução do déficit da Previdência. O buraco, que precisa ser coberto pelo Tesouro, cairia dos R$ 40,8 bilhões de 2012 para R$ 33,2 bilhões. A previsão alimentou a tese oficial de que as três principais despesas federais estariam em queda, repetida até o mês passado pela presidente Dilma Rousseff (as outras são os juros da dívida e a folha de pessoal)”. Análises: A notícia comprova a falta de planejamento da área pública. Uma forma que poderia minimizar tal situação, seria a contratação de administradores públicos capacitados e não indicados politicamente para assessorarem os políticos. A tentativa de estimar a evolução do gasto social nos níveis subnacionais, de acordo com Lavinas (2007), ressente-se da ausência de dados consolidados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Neste caso, as teorias da escolha pública e a teoria positiva da contabilidade não possuem hipóteses que poderiam justificar as falhas. Entretanto, as pesquisas empíricas poderão fornecer explicações e previsões com base na teoria positiva da contabilidade aplicada no setor público. 111 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo, realizado com base no método da análise de conteúdo, teve o objetivo de analisar se a perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade pode ser aplicada no setor público para analisar correlações de escolhas de práticas contábeis com as atitudes tomadas pelos Administradores Públicos. Para atingir o objetivo proposto, foram selecionadas 8 notícias sobre atos da administração pública veiculadas em portais eletrônicos que serviram ou não como análise da presente investigação. A Teoria Positiva da Contabilidade objetiva fornecer explicaçõese previsões para a prática de contabilidade com base nas políticas contábeis adotadas pelos administradores de empresas. Muito embora tenha recebido críticas, tem sua utilidade no setor privado. Basta observar o número crescente de publicações nos periódicos em que são divulgadas apenas investigações pautadas na economia positiva. Dentre as diversas dicotomias existentes entre o setor público e o setor privado, destacam: 1) obtenção de recursos imposta pelo setor público e valorizada pelo mercado no setor privado; 2) fontes de aplicação pautada na legalidade no setor público e contratualmente fixadas entre as partes no setor privado; 3) autonomia da ação no setor público consoante a exigência da lei e a liberdade negativa no setor privado. Os modelos de administração pública adotados no Brasil até agora não representam uma ruptura latente da burocracia. O autointeresse, as relações patrimoniais e a falta de prestação de contas (accountability) ainda continuam presentes no cenário público brasileiro. As organizações públicas deveriam passar por um processo de racionalização organizacional com base em um modelo flexível, voltado pela competência e pela participação dos clientes-cidadão. As teorias da escolha pública, da burocracia, a institucional e da contingência fornecem explicações para entender o setor público. Mas como forma de subsidiar o cidadão para exercer o controle social é necessário encontrar novas teorias, testar outras, bem como realizar pesquisas sociais neste sentido: a sociedade e o governo poderão obter resultados práticos destas discussões. Conclui-se que os cortes de orçamento, o cancelamento de empenhos para reduzir as despesas de restos a pagar, as despesas com propaganda e os gastos em anos eleitorais pela perspectiva oportunística da Teoria Positiva da Contabilidade evidenciam práticas contábeis correlacionadas com os interesses dos administradores públicos. Desse modo, a Teoria Positiva da Contabilidade pode ser aplicada no setor público. O contingenciamento, os gastos com educação e os gastos sociais evidenciam mais falta de planejamento e vontade política dos governantes em realizarem o trabalho esperado. As limitações da pesquisa se referem a utilização de pequena amostra selecionada (escopo da pesquisa). Assim, recomenda-se a realização de mais pesquisas com base na Teoria Positiva da Contabilidade aplicada no setor público. 112 ___________________________________________________________________ ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 7, n. 1, p. 99-116, janeiro/abril, 2015 REFERÊNCIAS ANDREWS, Christina W.; KOUZMIN, Alexander. O discurso da nova administração pública. Lua Nova n° 45, São Paulo,1998. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, nº 191-A, de 05 out. 1988. BRASIL. Lei nº 12.952 de 20 de janeiro de 2014. Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2014. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília-DF, de 21 de janeiro de 2014. BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 de março de 1964. CABRAL, Alessandra Lucas Nunes; CABRAL, Hugo Leonardo de Oliveira. 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