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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Disciplina: Antropologia
Professor: Luiz Otávio Barreto Leite
 Carlos Augusto Pontes e Silva
 			 
A Chegada: A cultura tem uma lógica própria 
"A linguagem é o fundamento da civilização. É a cola que mantém um povo unido. É a primeira arma a ser apontada em um conflito." 
(Frases introdutórias do livro da linguista Louise Banks em A Chegada.)
“Um idioma não é apenas palavras. É uma cultura, uma tradição, a unificação de uma comunidade e toda a história que a compõe”
		(Noam Chomsky)
	Formulada pelos linguistas Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf no início da década de cinquenta, a teoria de Sapir-Whorf defende a relatividade da linguagem, ou seja, defende que o idioma falado por uma população não apenas a visão de mundo dessas pessoas, mas também restringe e dita a maneira como essas pessoas pensam. Ela também propõe a ideia de que, ao aprender uma nova língua, um estrangeiro pode reestruturar seu cérebro para ‘compartilhar’, por assim dizer, a consciência coletiva da sociedade a qual essa língua pertence. 
	Essa teoria de Sapir-Whorf é percebida no filme quando a linguista Louise Banks, ao aprender a linguagem dos heptópodes, assume sua perspectiva não linear do tempo. Entende-se por essa não linearidade que a linguista pode ver, lembrar e vivenciar cada momento, passado ou futuro, como se ocorresse no presente. Assim, a ideia de tempo é desconstruída e dá lugar a uma nova definição em que agora, passado e futuro interligam-se descoordenando, ou mesmo destruindo, as lógicas da linguista. Tudo isso origina-se na língua dos heptópodes que carrega em si a maneira com que os alienígenas pensam, conforme estabelecido pela hipótese de Sapir-Whorf. São mudanças como essas que, conforme Laraia, comprovam de uma maneira mais evidente o caráter dinâmico da cultura. 
	Neste sentido, o contato com alienígenas inteligentes seria, talvez, a experiência coletiva mais profundamente transformadora para a espécie humana, fato que, também, corrobora com a ideia de Laraia que afirma que existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um sistema cultural com um outro. Para Laraia, a cultura tem um caráter dinâmico, e este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais atuante na maior parte das sociedades humanas. Pois é praticamente impossível imaginar a existência de um sistema cultural que seja afetado apenas pela mudança interna. O filme “A Chegada” exemplifica o segundo caso, em que o ritmo da mudança, rápido e brusco, é alterado por uma dramática situação de contato – um gigantesco casulo metálico de 500 metros de altura como cápsula espacial, capaz de flutuar, imóvel, como se a gravidade não existisse, e de viajar a velocidades mais altas do que a da luz, algo que nossa medíocre física não tem a menor ideia de como fazer, a menos que algumas leis da Natureza sejam violadas. Se na própria superfície do planeta há povos e línguas tão diferentes entre si, capazes de, em algum grau, afetar os pensamentos do homem, é de se imaginar que uma língua alienígena, literalmente “de outro mundo”, tornaria a cognição dos seres que a falam muito diferente da humana.
	Nessa perspectiva, ainda sob a égide de Laraia, tal fato significa, sem dúvida, a ocorrência de mudanças nos padrões ideais da sociedade de forma a ajustá-la aos eventos reais. Em outras palavras, a mudança chegou a uma tal dimensão que modificou o próprio padrão ideal. No entanto, ainda na voz do autor, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo. Nesse sentido, a coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence. Consequentemente, as explicações encontradas pelos membros das diversas sociedades humanas, portanto, são lógicas e encontram a sua coerência dentro do próprio sistema.
Por conseguinte, aquilo que foge ao culturalmente estabelecido provoca desafios, como, por exemplo, traduzir e interpretar uma língua alienígena. Além disso, no meio-tempo, enquanto 12 casulos gigantescos (numa homenagem a "2001: Uma Odisseia no Espaço") flutuam em regiões espalhadas ao longo dos dois trópicos, o caos começa a reinar no mundo.
Na mesma perspectiva, o medo inspira a destruição, e a sociedade se deteriora. Inicialmente, os que detêm o poder cooperam entre si, trocando informações sobre seus esforços de tradução. Mas logo a competição entre as grandes potências transforma suas descobertas em segredos. Russos e chineses se recusam a dividir o que sabem sobre os casulos e seus misteriosos habitantes, cercando-os com seus tanques e navios. A tribo humana se divide em facções nacionais: o mundo está à beira do colapso, a guerra parece ser inevitável, mesmo sem qualquer provocação dos alienígenas.
As pessoas não toleram o não saber, a falta de controle. Quando tanto está em jogo, o silêncio dos ETs é uma forma de tortura, ou ao menos é visto dessa forma. Mas os ETS esperam, pacientemente, como se o tempo para eles fosse algo de muito diferente. E é.
Em um determinado momento, o físico pergunta a Banks se ela sonha com "eles". O cérebro tem uma plasticidade neurológica que o torna capaz de se transformar quando aprendemos uma língua nova. O cérebro da doutora Banks vai se transformando (não que seja visível o processo) à medida que ela decifra a estranha iconografia dos alienígenas, baseada em símbolos circulares criados com tinta negra como a dos polvos, com protuberâncias que se parecem com as imagens de um teste de Rorschach.
Portanto, como conclui Laraia, entender a lógica de um sistema cultural depende da compreensão das categorias constituídas pelo mesmo sistema, pois como categorias entende-se, como Mauss, "esses princípios de juízos e raciocínios constantemente presentes na linguagem, sem que estejam necessariamente explícitas, elas existem ordinariamente, sobretudo sob a forma de hábitos diretrizes da consciência, elas próprias inconscientes”. 
Acresce-se a isso, que os conflitos em A Chegada para entender que cada sistema cultural está sempre em mudança e que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes e as que existem dentro do mesmo sistema. 
Referência bibliográfica
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.14 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

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