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GRADUAÇÃO 2014.2 TEORIA GERAL DO PROCESSO AUTOR: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA COLABORADORA: BEATRIZ CASTILHO COSTA ATUALIZAÇÃO 2014.1: DIOGO REZENDE Sumário TEORIA GERAL DO PROCESSO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3 UNIDADE I: APRESENTAÇÃO DO CURSO. NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL. O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA. ................................................................................................ 7 Aula 1: Apresentação do curso. Teoria do Confl ito. ........................................................................ 7 Aula 2: Noções iniciais de direito processual. ................................................................................. 8 Aulas 3 e 4: Evolução histórica do direito processual. O direito processual na fase instrumentalista. ....................................................... 20 Aulas 5, 6 e 7: Fontes do direito processual. Os princípios mais relevantes do direito processual............................................................................................. 29 UNIDADE II: JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 42 Aulas 8, 9 e 10: Jurisdição. ........................................................................................................... 42 Aulas 11, 12 e 13: Competência. e organização judiciária. ........................................................... 52 UNIDADE III: AÇÃO E RESPECTIVAS CONDIÇÕES. ELEMENTOS DA DEMANDA. .................................................................... 68 Aulas 14, 15 e 16: Ação e respectivas condições............................................................................ 68 Aulas 17, 18 e 19: Elementos da demanda. Defesa do réu. ........................................................... 77 UNIDADE IV: PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PROCEDIMENTOS. ATOS E VÍCIOS PROCESSUAIS. ............................................................................................................................... 86 Aulas 20, 21 e 22: Processo, relação jurídica processual e pressupostos processuais. ...................... 87 Aulas 23 e 24: Procedimentos: visão panorâmica. ....................................................................... 102 Aulas 25 e 26: Atos e vícios processuais. ..................................................................................... 108 ANEXO I: QUESTÕES DE PROVA. GABARITOS E FUNDAMENTAÇÃO. ............................................................................... 119 TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 3 INTRODUÇÃO A. OBJETO GERAL DA DISCIPLINA O principal objetivo do curso é apresentar ao aluno os institutos funda- mentais da Teoria Geral do Processo, com o apoio constante de casos con- cretos julgados em nossos tribunais. No decorrer do curso serão abordadas, gradativamente, as novas tendências do direito processual brasileiro. B. FINALIDADES DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZADO No curso Teoria Geral do Processo, serão discutidos acórdãos ou senten- ças, a fi m de familiarizar o aluno com questões discutidas no dia a dia forense e despertar o seu senso crítico com relação às posições adotadas pelos tribu- nais. Além disso, haverá a necessidade de leitura doutrinária, a fi m de que as discussões sejam tecnicamente embasadas. A fi nalidade do processo de ensino-aprendizado deste curso é problemati- zar os temas enfrentados pelos processualistas e por todos aqueles que atuam no Poder Judiciário, com ênfase na pluralidade de correntes sobre os assuntos abordados e na análise da jurisprudência. C. MÉTODO PARTICIPATIVO O material apresenta aos alunos o roteiro das aulas, indicação bibliográ- fi ca básica e complementar, jurisprudência e questões de concursos sobre os temas estudados em cada aula. A utilização do presente material didático é obrigatória para que haja um aproveitamento satisfatório do curso. Assim, é imprescindível que seja feita a lei- tura do material antes de cada aula, bem como da bibliografi a básica. Em relação aos casos geradores, é importante observar que, sempre que possível, foram esco- lhidos problemas que comportam duas ou mais soluções. Portanto, nos debates feitos em sala de aula, será possível perceber que, na maioria das vezes, o caso analisado poderia ter tido outra solução que não a dada por determinada Corte. D. DESAFIOS E DIFICULDADES DO CURSO O Curso exigirá do aluno uma visão refl exiva da Teoria Geral do Proces- so e a capacidade de relacionar a teoria exposta na bibliografi a e na sala de TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 4 aula com outras disciplinas, especialmente o direito constitucional e o direito material lato sensu. O principal desafi o consiste em construir uma visão atu- alizada da Teoria Geral do Processo, buscando sempre cotejar o conteúdo da disciplina com a realidade dos Tribunais do País. E. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Os alunos serão avaliados com base em duas provas realizadas em sala de aula que abordarão conceitos doutrinários e problemas práticos, sendo facul- tada a consulta a textos legislativos não comentados ou anotados. A cargo do professor, poderá ser conferido ponto de participação nas aulas. O aluno que não obtiver uma média igual ou superior a 7,0 (sete) nessas duas avaliações deverá realizar uma terceira prova. F. ATIVIDADES PREVISTAS Além das aulas, a cargo do professor, o curso poderá contar com a realiza- ção de seminários, sendo a turma dividida em grupos, que farão apresentação oral nas datas previamente determinadas. G. CONTEÚDO DA DISCIPLINA A disciplina “Teoria Geral do Processo” discutirá as funções jurídicas de- sempenhadas pelo direito processual como instrumento de concretização do direito material. Analisar-se-ão seus institutos básicos, os princípios proces- suais e constitucionais relativos ao processo, bem como a forma pela qual o direito processual garante a autoridade do ordenamento jurídico. Em síntese, o curso será composto pelas seguintes unidades: Unidade I: Apresentação do curso. Noções iniciais de direito processual. O direito processual na fase instrumentalista. Os princípios mais relevantes. Unidade II: Jurisdição. Competência. Unidade III: Ação e respectivas condições. Elementos da demanda. Unidade IV: Processo, relação jurídica processual e pressupostos processu- ais. Procedimentos. Atos e vícios processuais. Anexo I: Questões de prova. Gabaritos e fundamentação. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 5 PLANO DE ENSINO Apresentamos abaixo quadro que sintetiza o Plano de Ensino da discipli- na, contendo a ementa do curso, sua divisão por unidades e os objetivos de aprendizado almejados com a matéria. Disciplina Teoria geral do processo Professor Diogo A. Rezende de Almeida Natureza da disciplina Obrigatória Código: GRDDIROBG029 Carga horária 60 horas Ementa Noções iniciais de direito processual. Teoria do Confl ito. Evolução his- tórica do direito processual. O direito processual na fase instrumentalista. Os princípios mais relevantes. Jurisdição. Competência. Organização Judici- ária. Ação e respectivas condições. Elementos da demanda. Processo, relação jurídica processual e pressupostos processuais. Procedimentos. Atos e vícios processuais. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 6 Objetivos O direito processual é fundamental para o ordenamento jurídico, sendo de extrema importância, porém, não apenas conhecer suas normas e técnicas, mas também suas implicações axiológicas, de modo a reconhecer o que está inserido em cada instituto processual. O processo deve ser visto como um todo: desde osseus princípios regentes e a questão da ética na relação jurídica até as normas processuais propriamen- te ditas. Trata-se, portanto, de um encadeamento lógico e sistemático. Por fi m, é preciso lembrar que o processo envolve pessoas, vidas e cargas humanas relevantes, devendo-se, por conseguinte, pensar o Direito de forma mais calorosa do ponto de vista humano. Metodologia A metodologia de ensino é participativa, com ênfase em estudos de casos. Para esse fi m, a leitura prévia obrigatória, por parte dos alunos, mostra-se fundamental. Critérios de avaliação A avaliação será composta por duas provas, sendo uma no meio e outra ao fi nal do semestre. Ao resultado das provas, os alunos poderão somar até um ponto extra, que será imputado na segunda avaliação, a cargo do professor. Um ponto (no máximo) virá da participação em sala, e levará em conta múltiplos aspectos, tais como: interesse, frequência, pontualidade, perfor- mance nas “sabatinas” realizadas permanentemente. BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: introdução ao direito pro- cessual civil. Volume I. 1ª edição. São Paulo: Forense, 2009. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINA- MARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 16ª edição. Salvador: Juspodium, 2014. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 7 UNIDADE I: APRESENTAÇÃO DO CURSO. NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL. O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA. AULA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO. TEORIA DO CONFLITO. I. TEMA Apresentação do curso. II. OBJETIVOS ESPECÍFICOS O objetivo desta primeira aula consiste em apresentar um breve panorama do que será ministrado ao longo do curso. III. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO “Quem só sabe o direito nem o direito sabe”. Esse pensamento, atribuído ao famoso “Justice” Oliver Holmes Jr., falecido em 1935, guia as aulas sobre processo. Saber as normas e as técnicas processuais é muito importante. Mais fundamental ainda, contudo, é saber contextualizar o direito processual e perceber as suas implicações axiológicas. Saber o que está por trás de cada instituto processual. Processo não é uma ilha. Nem bicho de sete cabeças. Assim, este curso tem o objetivo declarado de chamar a atenção para tal lado valorativo do processo, sem, evidentemente, descurar ou esquecer-se do estu- do mais convencional do direito processual. O aluno deve conseguir assimilar uma visão sistêmica do processo, tendo, consequentemente, muito mais facilidade para pensar sobre a ordem proces- sual, mesmo que ela seja reformada. O curso dará ênfase a casos práticos e à jurisprudência. Muitos capítu- los do direito processual carregam noções extremamente abstratas. Por conta disso, o estudo do processo pode, eventualmente, se tornar árduo, principal- mente para o aluno que nunca teve qualquer contato prático com essa área. O estudo focado em casos e jurisprudência (sem esquecer obviamente a dou- trina) possui o mérito de aproximar o aluno do direito processual. Por fi m, a questão da ética é fundamental, e não pode deixar de ser consi- derada na seara processual. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 8 1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pel- legrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Pro- cesso. 22ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 53. 2 Países como o Brasil, em que as causas entre particu- lares e as causas entre esses e o Estado estão submetidas aos mesmos órgãos jurisdi- cionais, sendo regidas pelas mesmas normas processu- ais, são chamados países de jurisdição una. E países em que as causas do Estado não estão submetidas a órgãos do Poder Judiciário, mas a órgãos de julgamento estru- turados dentro da própria Administração Pública, como a França e a Itália, numa con- cepção distinta da separação de poderes, são chamados países de dualidade de juris- dição. Importante destacar que, em países de dualidade de jurisdição, o contencioso administrativo, ainda que formalmente vinculado de algum modo à AP, tem evo- luído no sentido de adquirir independência em relação a ela e de oferecer aos adver- sários um processo revestido das garantias fundamentais universalmente reconheci- das, como vem ocorrendo na Itália e na França. AULA 2: NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL. I. TEMA Noções iniciais de direito processual. II. ASSUNTO Análise das noções iniciais do Direito Processual, a fi m de que os alunos possam estudar a matéria. III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS O objetivo desta primeira aula consiste em apresentar as noções iniciais do direito processual. Será apresentada, ainda, a clássica visão de que o direito processual disciplina a função jurisdicional, bem como a relativização de que a jurisdição é função puramente estatal. IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO 1. Aspectos iniciais Tradicionalmente, e para fi ns meramente didáticos, a doutrina classifi ca o Direito em dois grandes ramos: público e privado. Classicamente, se concei- tua o direito processual como o ramo do direito público interno que trata dos princípios e das regras relativas ao exercício da função jurisdicional. Neste sentido são os seguintes ensinamentos1: “Em face da clássica dicotomia que divide o direito em público e privado, o direito processual está claramente incluído no primeiro, uma vez que governa a atividade jurisdicional do Estado. Suas raízes principais prendem-se estreitamente ao tronco do direito constitucio- nal, envolvendo-se as suas normas com as de todos os demais campos do direito.” No entanto, tal conceituação, embora ainda prevaleça na doutrina proces- sual, não se revela absoluta, pois a função jurisdicional, embora siga sendo predominantemente exercida por magistrados e tribunais do Estado 2, tam- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 9 bém pode ser exercida por órgãos e sujeitos não estatais, por meio das formas alternativas de solução de confl itos, dentre os quais se destacam a arbitragem e a justiça interna das associações. Logo, a ideia de que o direito processual é um ramo do direito público interno, nos dias atuais, foi relativizada. Enquanto no ramo privado subsistiria uma relação de coordenação entre os sujeitos integrantes da relação jurídica — como no direito civil, no direito comercial e no direito do trabalho —, no público prevaleceria a supremacia estatal face aos demais sujeitos. Nessa linha de raciocínio, o direito processu- al — assim como o constitucional, o administrativo, o penal e o tributário — constituiria ramo do direito público, visto que suas normas, ditadas pelo Estado, são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos litigantes ao interesse público. Essa dicotomia entre público e privado é apenas utilizada para sistematiza- ção do estudo, pois, modernamente, entende-se que está superada a denomi- nada summa divisio, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da função social perseguida pelo Direito. Assim sendo, fala-se hoje em constitucionalização do Direito. Dessa forma, abandonada a visão dicotômica, podemos defi nir o direito processual como o ramo que trata do conjunto de regras e princípios que cuidam do exercício da função jurisdicional. Vale ainda dizer que o direito processual, quanto às normas de incidência, classifi ca-se como direito internacional ou direito interno; o direito interno, por sua vez, subdivide-se em espécies de acordo com o direito material ora veiculado, estando de um lado o direito processual penal (que compreende regras processuais que veicularão matérias sobre o direito penal militar e o direito penal eleitoral) e de outro,o direito processual civil, sendo que este último subdivide-se em comum e especial. São consideradas especialidades do direito processual civil o direito processual trabalhista, direito processual eleitoral, direito processual administrativo e, por fi m, o direito processual previdenciário, cada qual com regras próprias hábeis a viabilizar melhor a realização do direito material em questão. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 10 3 Conferir artigos 1º e 33 da Lei n. 11.340/06. 2. Quadro esquemático 3. Corrente unitarista e dualista da ciência processual Distinguem-se, na doutrina, duas correntes acerca da sistematização do direito processual: a que acredita na unidade de uma teoria geral do processo (unitarista) e a que sustenta a separação entre a ciência processual civil e a pe- nal, por constituírem ramos dissociados, com institutos peculiares (dualista). No entanto, a posição mais adequada, a nosso ver, é a que entende pela existência de uma teoria geral do processo, tendo em vista que a ciência pro- cessual, seja penal, civil, ou até mesmo trabalhista, obedece a uma estrutura básica, comum a todos os ramos, fundada nos institutos jurídicos da ação, da jurisdição e do processo. Longe de pretender afi rmar a unidade legislativa, a teoria geral do processo permite uma condensação científi ca de caráter meto- dológico, elaborando e coordenando os mais importantes conceitos, princí- pios e estruturas do direito processual. Importante destacar que novos e modernos diplomas, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que visa a prevenir e reprimir a violência do- méstica, adotam a sistemática de juízos híbridos, sugerindo a criação de varas especializadas, com competência civil e criminal, de modo a facilitar o acesso à justiça e conferir proteção mais efetiva à vítima de tais situações de violência 3. Dessa forma, o estudo da teoria geral do processo é fruto da autonomia científi ca alcançada pelo direito processual e tem como enfoque o complexo de regras e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição, pelo Estado-Juiz; da ação, pelo demandante (e da defesa, pelo demandado); bem como os ensinamentos acerca do processo, procedimento e pressupostos. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 11 4. Fontes do direito processual brasileiro As fontes de direito em geral podem ser conceituadas como os meios de produção, expressão ou interpretação da norma jurídica. Assim, as normas de direito processual emanam das fontes que inspiram este ramo do direito e podem ser classifi cadas em formais e materiais. Fontes formais são aquelas que detêm força vinculante e constituem o próprio direito positivo. A fonte formal do direito processual, por excelência, é a lei lato sensu. Em sentido estrito, apontamos, inicialmente, a Constituição da República, que consagra os chamados princípios constitucionais processuais, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, a duração razoável do processo, a isonomia e a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. Fontes materiais são as que não possuem força vinculante nem caráter obrigatório, mas se destinam a revelar e informar o sentido das normas pro- cessuais. São assim considerados os princípios gerais do direito, o costume, a jurisprudência (entendimento dos tribunais) e a doutrina (ensinamentos dos autores especializados). De se registrar que, hoje, a fi gura da súmula vinculante, prevista no artigo 103-A da CRFB e regulada pela Lei n. 11.417/06, torna o precedente judi- cial fonte material do direito nesta hipótese. Trata-se de uma fi gura híbrida, com características de norma abstrata, eis que aplicável a todos, porém surgi- da a partir de um caso específi co, e, por isso, também norma concreta entre as partes envolvidas naquele litígio. São, portanto, fontes do Direito Processual brasileiro: 1) Constituição: Estabelece, em matéria de direito processual, impor- tantes diretrizes e garantias fundamentais: a) Art. 5º: isonomia / paridade de armas (caput); segurança jurí- dica e coisa julgada (inciso XXXVI); inviolabilidade da intimi- dade e sigilo das correspondências e comunicações, relacionadas à atividade probatória e cognitiva processual (incisos X e XII); direito à informação (inciso XXXIII); tutela jurisdicional efeti- va — inafastabilidade do Poder Judiciário (inciso XXXV); juiz natural (incisos LIII e XXXVII); devido processo legal (inciso LIV); contraditório e ampla defesa (inciso LV); ações constitu- cionais para a tutela de direitos fundamentais (habeas corpus — inciso LXVII; mandado de segurança — inciso LXIX; mandado de injunção — inciso LXXI; habeas data — inciso LXXII; ação popular — inciso LXXIII); assistência jurídica gratuita (inciso LXXIV); razoável duração do processo (inciso LXXVIII). TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 12 4 Art. 543-C, CPC. Art. 285-A, CPC. Art. 103-A, CRFB. 5 Equidade: art. 20, §4º, CPC, Lei n. 9.307/96 e art. 127, CPC. b) Em outros dispositivos da Constituição: obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX); ativi- dade jurisdicional é ininterrupta (art. 93, inciso XII); organiza- ção e funcionamento de instituições essenciais à administração da justiça (Ministério Público — artigos 127 a 130; advocacia — artigos 131 a 135). c) Art. 22, I, CRFB: competência privativa da União. Exceção: art. 24, X e XI — concorrente União, Estados e DF — juizados especiais e procedimentos em matéria processual. d) Art. 62, §1º, alínea “b” (introduzido pela EC 32/2001): proibi- ção de edição de medidas provisórias em matéria processual. 2) Tratados internacionais: podem ter força de emenda constitucional se versarem sobre direitos humanos e forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros (art. 5º, §3º). Mesmo assim, nenhum tratado poderá alterar qualquer direito ou garantia processual que constitu- am cláusula pétrea (art. 60, § 4º). 3) Lei complementar: as matérias tratadas por lei complementar não podem ser objeto de medida provisória (inserida pela EC 32/2001). Em matéria processual, existem 3 matérias que devem ser tratadas por lei complementar: Estatuto da Magistratura (art. 93, caput); organização e competência da Justiça Eleitoral (art. 121); normas sobre direito processual em matéria tributária (art. 146). 4) Lei ordinária: como regra geral, as normas processuais devem ser veiculadas por lei ordinária, ressalvados os casos em que a própria Constituição exige lei complementar (vide item anterior). Princi- pais leis processuais ordinárias vigentes em nosso ordenamento: CPC (Lei 5.869/73); Assistência judiciária gratuita (Lei 1.060/50); Mandado de segurança (Lei 12.016/2009); Ação Civil Pública (Lei 7.347/85); CDC (Lei 8.078/90). 5) Fontes complementares: art. 126, CPC (costumes, analogia, os princípios gerais de direito, jurisprudência 4 e equidade 5, art. 4º, Lei de Introdução ao Código Civil — Dec. Lei n. 4.657/42). TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 13 6 Art. 1º do CPC: “A jurisdição civil, contenciosa e voluntá- ria, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.” Art. 1.211: “Este Código regerá o processo civil em todo o ter- ritório brasileiro (...).” 5. Norma processual O Estado é o responsável pela determinação das normas jurídicas, que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais nor- mas podem: a) defi nir direitos e obrigações; b) defi nir o modo de exercício desses direitos. As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de normas jurídicas primárias ou materiais. Elas fornecem o critério a ser observado no julgamento de um confl ito de interesses. Aplicando-as, o juiz determina a prevalênciada pretensão do demandante ou da resistência do demandado, compondo, desse modo, a lide que envolve as partes. As segundas, de caráter instrumental, compõem as normas jurídicas se- cundárias ou processuais, provenientes do direito público, conforme já ressal- tado. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do confl ito de inte- resses, disciplinando a participação dos sujeitos do processo (principalmente as partes e o juiz) na construção do procedimento necessário à composição jurisdicional da lide. A efi cácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da territorialidade, conforme expressam os artigos 1º e 1.211, 1ª parte, do CPC6. O princípio, com fundamento na soberania nacional determina que a lei processual pátria é aplicada em todo o território brasileiro (não sendo proibida a aplicação da lei processual brasileira fora dos limites nacionais), fi cando excluída a possibilidade de aplicação de normas processuais estran- geiras diretamente pelo juiz nacional. Devido ao sistema federativo por nós adotado, compete privativamente à União legislar sobre matéria processual, conforme determina o art. 22, I, da CRFB. Não ocorre, pois, como nos EUA, em que as leis processuais di- vergem de um Estado para outro. Não obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar de Estado para Estado, uma vez que o art. 24, XI, da CRFB, outorgou competência concorrente à União, aos Estados- -membros e ao Distrito Federal para legislar sobre “procedimentos em maté- ria processual”. Além disso, ao lado das normas processuais (art. 22, I, da CRFB) e das procedimentais (art. 24, XI, da CRFB), existem as normas de organização ju- diciária, que também podem ser ditadas concorrentemente pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal (CRFB, artigos. 92 e seguintes, merecendo especial destaque os artigos. 96, I, “a”, e 125, §1.°). No tocante à efi cácia temporal das normas, aplica-se o art. 1.211, 2ª parte, CPC, segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos a serem realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo. No que tange ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei processual começa a vigorar quaren- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 14 7 Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuri- dade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as ha- vendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. ta e cinco dias após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na práti- ca, é comum que se estabeleça a vigência imediata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em conformidade com o art. 5º, XXXVI, da CRFB e art. 6°, LINB (antiga LICC). Por fi m, quanto à forma de interpretação da norma processual, ou seja, determinar seu conteúdo e alcance, há diversos métodos de interpretação da norma jurídica que também podem ser estendidos à norma processual. Assim, de maneira resumida, podemos classifi cá-los em: a) literal ou gra- matical, que, como o próprio nome já diz, leva em consideração o signifi cado literal das palavras que formam a norma; b) sistemático, segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com as demais regras do ordenamento jurídico, que devem compor um sistema lógico e coerente que se estabelece a partir da Constituição; c) histórico, em que a norma é interpretada em con- sonância com os seus antecedentes históricos, resgatando as causas que a de- terminaram; d) teleológico, que objetiva buscar o fi m social da norma, a mens legis, ou seja, diante de duas interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda às necessidades da sociedade (art. 5º, LICC); e e) comparativo, que se baseia na comparação com os ordenamentos estrangei- ros, buscando no direito comparado subsídios para a interpretação da norma. Conforme o resultado alcançado, a atividade interpretativa pode ser clas- sifi cada em: a) declarativa, atribuindo à norma o signifi cado de sua expressão literal; b) restritiva, limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o legislador disse mais do que pretendia; c) extensiva, conferindo-se uma interpretação mais ampla que a obtida pelo seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que pretendia; d) ab-rogante, quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de incompatibilidade abso- luta com outra regra ou princípio geral do ordenamento. Acerca dos meios de integração, destacamos que, com o advento do Có- digo Francês de Napoleão, em 1804, institui-se a importante regra de que o magistrado não mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei. Tal norma foi seguida pela maioria dos códigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento. Dessa forma, o art. 126, CPC 7, preceitua a vedação ao non liquet, isto é, proíbe que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação da decisão. Para tanto, há de se valer dos meios legais de colmatagem de lacunas, previstos no art. 4º, LINB, a saber: a analogia (utiliza-se de regra jurídica previs- ta para hipótese semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito (princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico). Ressalte-se, por fi m, que interpretação e integração têm funções comuni- cantes e complementares, voltadas à revelação do direito. Ambas possuem cará- ter criador e permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 15 8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve noticia sobre la conciliación en el proceso civil brasileño. In: Temas de direito processual: quinta série. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 95. Interessante transcrevermos aqui os arts. 161 e 162 da Constituição do Império, que estabeleciam, respectivamente, a tentativa prévia de conciliação como pressuposto de constituição válida do processo e a atribui- ção de competência ao juiz de paz para tentar promovê- -la. “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum. Art. 162. Para este fi m haverá juízes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”. 6. Evolução histórica do direito processual brasileiro Para fechar estas noções iniciais, vale abordar rapidamente a evolução his- tórica do direito processual brasileiro, com ênfase no processo civil. Fixamos nossa volta ao passado no período que se inicia com o descobrimento do Brasil. Nesse período, ganhava grande relevo a fi gura do município, conce- bido como núcleo administrativo implantado em território brasileiro. Nele, o exercício da jurisdição era desempenhado através dos juízes ordinários ou da terra, cuja nomeação se dava por escolha de “homens bons”, numa eleição desvinculada dos interesses da Coroa, que, buscando sua representação, no- meava os chamados “juízes de fora”. Quando da criação das capitanias hereditárias, impunha-se aos donatários a incumbência de reger as questões judiciais provenientes de suas terras, po- der este limitado tanto pelas leis advindas do Reino como pelas então deno- minadas cartas forais. A autoridade jurisdicional máxima fazia-se presente na fi gura do ouvidor-geral. Durante o período colonial, o Brasil era regido pelas leis processuais por- tuguesas, como não poderia deixar de ser, visto que Brasil e Portugal for- mavam um Estado único. Vigoravam, nesta época, as Ordenações Filipinas, que dispunham de forma quase completa sobre a administração pública. O processo civilfoi regulado em seu livro III, composto por 128 capítulos, abrangendo os procedimentos de cognição, execução, bem como os recursos. As Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo após a in- dependência brasileira, foram de grande importância para o direito brasilei- ro. Com uma estrutura bastante moderna, eram compostas por cinco livros, dentre os quais o terceiro tratava da parte processual civil. Apesar da vigência das Ordenações Filipinas, o Brasil também era regido, nesta época, pelas cartas dos donatários, dos governadores e ouvidores e, ain- da, pelo poder dos senhores de engenho, que faziam sua própria justiça ou infl uenciavam a justiça ofi cial, ora pelo prestígio que ostentavam, ora pelo parentesco com os magistrados. Com a proclamação da independência em 7 de setembro de 1822, tor- nou— se necessária uma reestruturação da ordem jurídica interna, o que foi alcançado através da Carta Constitucional de 1824, com a introdução em nosso ordenamento de inovações e princípios fundamentais, principalmente no campo criminal, em que a necessidade de mudanças se fazia mais eviden- te, tais como a abolição da tortura e de todas as penas cruéis. Por outro lado, verifi cou-se a consagração da divisão dos poderes e o esta- belecimento da harmonia destes com o Poder Moderador, buscando garantir os direitos ditados pela Carta Magna, assim como a composição e indepen- dência do Poder Judiciário. Estipulou-se ainda a necessidade e a obrigatorie- dade de um juízo conciliatório prévio8. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 16 Todavia, apesar da nova ordem constitucional que surgiu nesse momento, as Ordenações Filipinas e demais normas jurídicas de origem portuguesa não perderam vigência, pois o Decreto de 20 de outubro de 1823, adotando-as como lei brasileira, determinou que só seriam revogadas as disposições con- trárias à soberania nacional e ao regime brasileiro. Assim, atendendo às exigências da Carta Constitucional, no campo pro- cessual penal, tivemos a promulgação do Código de Processo Criminal em 1832, que, rompendo com a tradição portuguesa, inspirou-se nos modelos inglês (acusatório) e francês (inquisitório), fornecendo ao legislador brasileiro elementos para a elaboração de um sistema processual penal misto. Além disso, o novo Código também trazia, em um título único composto por vinte e sete artigos, a “disposição provisória acerca da administração da justiça civil”, simplifi cando o processo civil ainda regulado pelas Ordenações Filipinas. Em 1850, logo após a edição do Código Comercial, entraram em vigor os Regulamentos nº 737 (considerado o primeiro diploma processual brasileiro) e 738, que disciplinavam, respectivamente, o processo das causas comerciais e o funcionamento dos tribunais e juízes do comércio. O direito processual civil, contudo, permaneceu regulado pelas disposições das Orde- nações e suas posteriores modifi cações, levando o governo a promover, em 1876, uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com força de lei, que fi cou conhecida como Consolidação Ribas, em virtude de sua elaboração a cargo do Conselheiro Antônio Joaquim Ribas. Proclamada a República, o Regulamento 737 foi estendido às causas cí- veis, mantendo-se a aplicação das Ordenações e suas modifi cações aos casos de jurisdição voluntária e de processos especiais. Após o advento da Consti- tuição de 1891, no entanto, conferiu-se aos Estados a possibilidade de legislar sobre matéria processual, aumentando o espectro de competência antes pertencente somente à União Federal, após o que várias leis foram promulgadas, regulamentando as mais diversas questões processuais. Em 1º de janeiro de 1916, foi editado o Código Civil Brasileiro, tratando não só das questões de direito material, mas também de algumas processuais. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, veio à luz o Código Judiciário de 1919, promulgado pela Lei nº 1.580 de 20 de janeiro, seguido pelo Código de Processo Civil do Distrito Federal, de 31 de dezembro de 1924, e devida- mente promulgado pelo Decreto nº 16.751. Finalmente, a Carta de 1934 consagrou a unifi cação processual, atribuin- do novamente a competência para legislar em matéria processual exclusiva- mente à União, o que foi mantido pela Constituição de 1937, em seu artigo 16, inciso XVI, possibilitando assim a edição do Código Brasileiro de Proces- so Civil, através do Decreto nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 17 A unifi cação processual se justifi cava pela necessidade de uma normati- zação uniforme ante o grande número de leis existentes em cada Estado, as quais há muito se mostravam obsoletas e incapazes de satisfazer o objetivo primordial do processo civil, qual seja, o de tutelar efetivamente os direitos subjetivos. Não obstante, o artigo 1º do Código deixou à apreciação de lei especial a regulamentação de algumas matérias específi cas, tais como as desapropria- ções, as ações trabalhistas e os litígios entre empregados e empregadores. O Código de 1939 teve o mérito de se inspirar nas mais modernas doutrinas europeias da época, introduzindo importantes inovações em nosso ordena- mento processual, como o princípio da oralidade e a combinação do princí- pio dispositivo e do princípio do juiz ativo, permitindo uma maior agilidade nos procedimentos. Chegamos, assim, ao atual Código de Processo Civil, introduzido em nos- so ordenamento jurídico pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e baseado no anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid. O CPC de 1973 per- manece em vigor até hoje. Contudo, sofreu inúmeras alterações, sobretudo a partir do início da década de noventa do século XX. Teve início aí a chamada Reforma Processual, processo fragmentado em dezenas de pequenas leis que se destinam a fazer mudanças pontuais e ajustes “cirúrgicos”. 7. Jurisprudência PROCESSUAL CIVIL — ACÓRDÃO QUE NEGA PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO — DECISÃO POR MAIORIA — EM- BARGOS INFRINGENTES — LEI VIGENTE NA DATA DO JULGAMENTO — PRECEDENTE DA CORTE ES- PECIAL — DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO NO RECURSO ES- PECIAL DE VIOLAÇÃO EXPRESSA DE DISPOSITIVO LEGAL ESPE- CÍFICO — ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA ANÁLISE DO RESP. 1. Os argumentos apresentados pelo agravante são insufi cientes para fazer prosperar o presente recurso; pois, ao contrário do que alegado, o recurso foi analisado sob a ótica da aplicabilidade da Lei n. 10.352/2001, que alterou o teor do artigo 530 do CPC, nos termos do recurso especial. 2. Não há necessidade de se alegar violação expressa dos artigos 1º e 6º da LICC, quanto à questão de confl ito intertemporal de normas, no caso dos autos, uma vez que os elementos trazidos pelo recorrente, no recurso especial, foram sufi cientes para a sua análise. Com efeito, o juiz não fi ca obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos funda- mentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argu- mentos, quando já encontrou motivo sufi ciente para fundamentar a decisão. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 18 3. A Apelação foi julgada, por maioria de votos, pela Segunda Câmara Cí- vel do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em 19.2.2002, portan- to anterior 27.3.2002, data de vigência da Lei n.10.352/2001, que alterou o artigo em análise. 4. O cabimento do recurso regula-se, segundo entendimento desta Corte, pela lei vigente ao tempo em que proferida a publicidade da decisão (pro- nunciamento pelo Presidente da Turma julgadora), de modo que, à hipótese dos autos, não se aplica a nova redação dada pelo artigo 530 do Código de Processo Civil, em razão da Lei n. 10.352/2001, mas sim a redação anterior. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 772.666/MG, Relator Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgamento unânime em 22/04/08). V. RECURSOS/MATERIAISUTILIZADOS Leitura obrigatória: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012. Capítulos 1 a 3 (pp. 27-58); e capítulos 6 a 10 (pp. 97-151). GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, volume I. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Capítulo II (pp. 21-54). VI. AVALIAÇÃO Caso gerador: 1) Lei de determinado estado da Federação criou recurso não previsto no rol do art. 496 do CPC. Sendo assim, responda: a) O rol dos recursos pode ser ampliado? Poderia lei estadual ampliá-las, versando sobre direito processual civil? b) Há inconstitucionalidade em lei estadual que amplie o rol citado acima? Se sim, de que espécie? TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 19 VII. CONCLUSÃO DA AULA O direito processual é um ramo do Direito que visa regular/disciplinar o exercício da função jurisdicional. Houve tempo em que o direito processual não possuía autonomia, sendo mero apêndice do direito material. Assim, o direito de ação era o próprio direito material. A grande questão é a relação entre o direito material e o direito processual e as várias fases históricas deste último. Mesmo que o processo esteja versando sobre questão totalmente privada, será considerado um ramo do direito público. Para resolver os confl itos, é uti- lizada a jurisdição, que é poder estatal. Assim, o direito processual serve para regular o exercício da jurisdição. Ao Estado interessa resolver os confl itos. Ou seja, é algo que transcende o interesse particular das partes. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 20 9 No passado houve quem defendesse a utilização da nomenclatura direito judi- ciário, ao invés de direito processual, já que é a função jurisdicional, e não o proces- so, utilizado pelo Estado para o exercício da Jurisdição, o cerne principal desta ciência. É este, inclusive, o título da obra do grande processualis- ta João Mendes de Almeida Júnior: Direito Judiciário Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940. 10 GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R., CIN- TRA, Antônio Carlos de Araú- jo. Teoria Geral do Processo, 14ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 40. AULAS 3 E 4: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL. O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA. I. TEMA O direito processual na fase instrumentalista. II. ASSUNTO Análise da fase instrumentalista do direito processual. III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS O objetivo das aulas é analisar a autonomia relativa do processo, devendo este ser instrumento de materialização e de efetivação do direito material. Na fase instrumentalista, há reaproximação do direito processual com o direito material, mantida a premissa de autonomia do direito processual. A tendên- cia é de relativização das exigências de natureza formal do processo. O mo- mento decisivo para a troca de fase foi a Segunda Guerra Mundial, havendo grande preocupação, a partir daí, com a efetivação dos direitos fundamentais. IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO 1. Surge um novo Direito Processual O direito processual é o ramo do Direito que possui como objeto de estu- do a função jurisdicional9. Como se sabe, o Estado Democrático de Direito, no exercício de seu poder soberano, uno e indivisível, realiza três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional. É justamente esta última função que será estudada pela Teoria Geral do Processo. Desde já, é conveniente destacar que a expressão direito processual pode se referir à ciência ou à norma. Na primeira dessas acepções, temos o ramo da ciência jurídica que estuda o exercício da função jurisdicional e, no segundo sentido (norma, direito objetivo), o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado 10. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 21 11 DINAMARCO, Cândido Ran- gel, Fundamentos do Proces- so Civil Moderno, 3ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 727. 12 Simbolicamente, aponta- -se o ano de 1868, quando o jurista alemão Oskar von Bülow lançou sua obra Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Dilatórias (em alemão Die Lehre von den Processeinreden und die Pro- cessvorausserzungen) como marco de nascimento de uma Teoria Geral do Processo. 13 Com efeito, as ideias do festejado jurista reproduzidas no texto denominado “Pro- cesso e justiça” (Processo e giustizia), já demonstravam profunda preocupação com o objetivo maior do processo, que é chegar a uma decisão justa. CALAMANDREI, Piero (tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes Bar- bery). Processo e justiça. In: Direito processual civil. Vol. III. São Paulo: Bookseller, 1999. 14 Existe outro livro, Acesso à justiça, traduzido para o português por Ellen Gracie Northfl eet, que pode ser considerada uma versão mais condensada, escrita pelo pro- fessor Cappelletti em com- panhia do professor Bryant Garth, com base em dois vo- lumes da obra anteriormente citada: CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à jus- tiça. Porto Alegre: Sérgio An- tônio Fabris, 1988. Tradução Ellen Gracie Northfl eet. Título original: Access to justice: the worldwide movement to make rights eff ective. A ciência processual contemporânea é resultado de inúmeras transforma- ções que se procederam, ao longo da história, pela atuação dos aplicadores do Direito e pela incansável colaboração dos estudiosos do Direito. De fato, até o século XIX não se falava em uma Teoria Geral do Processo, haja vista que a ação era concebida como desdobramento do próprio direito material e o instituto jurídico do processo, como sinônimo de procedimento. Naquela época, como se pode perceber, o direito processual consistia em uma simples parte, mero apêndice, do direito privado, sem que fosse atribuída autonomia científi ca àquela matéria 11. No decorrer do século XIX, este quadro começa a se alterar e, gradati- vamente, são desenvolvidos conceitos e estruturas próprias que resultam na autonomia do processo 12. Dessa maneira, a Teoria Geral do Processo ganha conotação científi ca e é fortalecida por primorosos estudos sobre o processo, ação e jurisdição que, por fi m, conduzem à autonomia deste ramo do Direito. Na virada do século XIX para o XX, ocorreu uma profunda construção dog- mática do processo na Europa Ocidental, onde se destacaram os estudos de Giu- seppe Chiovenda e Francesco Carnelutti. Contudo, em meados do século XX, quando a ciência processual já estava estruturada e contava com seus próprios institutos, o processo passa por um período de crise. De fato, a comunidade jurídica começa a perceber que o sistema processual não pode ser destituído de conotações éticas e de objetivos a serem cumpridos nos planos social e político. Em 1950, durante o ato inaugural do Congresso Internacional de Direito Processual Civil de Florença, o consagrado professor italiano Piero Calaman- drei realiza profundas críticas a essa visão demasiadamente abstrata e dog- mática da ciência processual, visão esta que não atentava para as verdadeiras fi nalidades da atividade jurisdicional: O pecado mais grave da ciência processual destes últimos cinquenta anos tem sido, no meu entender, precisamente este: haver separado o processo de sua fi nalidade social; haver estudado o processo como um território fechado, como um mundo por si mesmo, haver pensado que se podia criar em torno do mesmo uma espécie de soberbo isolamento separando-o cada vez de maneira mais profunda de todos os vínculos com o direito substancial, de todos os contatos com os problemas de substância, da justiça, em soma13. Não obstante, somente alguns anos depois, na década de setenta do século passado, é que se pode identificar o verdadeiro turning point de nossa ciência. Naquela década, o notável jurista peninsular Mauro Cappelletti, baseado em profundo trabalho de pesquisa do Instituto de Pesquisas de Florença, e de di- versas escolas ao redor do mundo, escreveu a magistral obra de quatro volumes denominada Access to Justice 14, em que apresentava relatórios e conclusões TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 22 15 a) Assistência judiciária para os pobres; b) represen- tação dos interesses coleti- vos e difusos; e c) um novo enfoque de acesso à justiça amplo, efetivo, justo e ade- quado. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. 16 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. In: Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho. Espanha: Doxa 21-I, 1998, p. 209-220. de diversos anos de pesquisa, além de numerosas sugestões para melhorar o problema do acesso à justiça. Esta obra é considerada o marco de nascimento da atual fase instrumentalista ou teleológica da ciência processual. No trabalho de Cappelletti, estão retratados os diversos obstáculos encon- trados em vários países do mundo para que se tenha uma justiça efetiva. São também sugeridas possíveis soluções para o problema: Cappelletti se referiu a três momentos a serem superados, aos quais chamou de “ondas renovatórias” do acesso à justiça 15. Estavam, assim, lançadas as premissas de uma nova concepção do processo. Na atual fase de evolução do direito processual, busca-se um efetivo e am- plo acesso à justiça. O Judiciário idealizado por Cappelletti deve ser acessível a todos e a todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contem- plando o titular de um direito com tudo e exatamente aquilo que o ordena- mento jurídico lhe assegura. A atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados individuais e socialmente justos. Assim, o direito processual de nossos dias é caracterizado por uma menor preocupação com as formalidades processuais e maior com a justiça da de- cisão e os refl exos desta na sociedade. Deseja-se, assim, formar um processo apto a atingir os resultados políticos e sociais que legitimam sua existência. 2. Pós-positivismo e Teoria Geral do Processo É comum nos dias de hoje em nossa comunidade jurídica a afi rmativa de que nosso Direito se encontra na fase “pós-positivista”. O signifi cado da expressão “pós-positivismo” é de difícil — senão impossível — defi nição. Em verdade, ela busca representar o atual momento em que, sem fugir do princí- pio da legalidade, se deseja superar alguns excessos do positivismo radical que imperou em nossos tribunais no século XX. Segundo o jusfi lósofo espanhol ALBERT CALSAMIGLIA 16, os adeptos do pós-positivismo não defendem um antipositivismo (ou direito alternati- vo). O que ocorre é um deslocamento do enfoque das questões abordadas e, em alguns casos, o distanciamento de certas teses sustentadas pela maior parte da doutrina positivista. De forma sintética, segundo o referido autor, são dois os pontos em que o pós-positivismo busca dar este novo enfoque: a) Os limites do Direito. No pós-positivismo, as normas jurídicas não possuem somente elementos descritivos para tratar de fatos passa- dos, mas também elementos prescritivos, com o objetivo de ofere- cer elementos adequados para resolver problemas práticos. Existe uma preocupação relacionada aos elementos de completude do or- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 23 17 MARINONI, Luis Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. denamento para solucionar hard cases. Uma das tendências mais importantes da teoria jurídica contemporânea é sua insistência nos problemas relativos à indeterminação do Direito, pois as tradicio- nais fontes normativas não podem resolver todas as questões. Ade- mais, o pós-positivista coloca o julgamento (a aplicação do direito), e não a legislação, como feito pelos positivistas, no centro da análise da ciência jurídica. b) A relação entre Direito e moral. Para o positivista, a moral só tem importância na medida em que ela é reconhecida pelo ordenamen- to jurídico (o Direito não perde sua coercitividade por ser injusto). Na realidade, ao contrário do que comumente se afi rma, a mo- ral possui curial importância para o Direito, ora na interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, de princípios jurídicos, ora em outros momentos em que o magistrado se encontra diante de lacunas do ordenamento. Assim, conclui CALSAMIGLIA, as fer- ramentas oferecidas pelo legislador são insufi cientes para construir uma forma de julgamento aplicável a todo e qualquer caso. Dentro dessa perspectiva, é natural que seja ultrapassada a antiga concep- ção de que a atividade jurisdicional seria uma atividade meramente declara- tória de direitos. Contudo, até hoje, muitos cursos de direito processual ado- tados no Brasil ainda partem daquela velha premissa, consagrada na lição de Montesquieu, de que o juiz seria a mera boca que pronuncia as palavras da lei. Recentemente, Luiz Guilherme Marinoni, Professor Titular de Direito Pro- cessual Civil da Universidade Federal do Paraná, publicou sua obra de Teoria Geral do Processo 17, em que busca superar a clássica visão apontada no parágra- fo anterior. Baseado nas lições de ilustres autores alienígenas — tais como Hans Kelsen, Owen Fiss e Mauro Cappelletti —, Marinoni defende a possibilidade da construção de novos direitos através da prestação da tutela jurisdicional. Como se sabe, o surgimento de normas jurídicas relacionadas à imple- mentação de direitos sociais, no decorrer do século XX, acarretou a gradual transformação do Welfare State em um imenso Estado administrativo, sobre- carregado de funções a desempenhar, bem diferente de seu antecessor, o Es- tado liberal. A implementação desses direitos sociais exige ações por parte do Estado. Nesse passo, importantíssimas implicações são impostas aos juízes. O Judiciário de nossos dias não realiza mais apenas a tutela de direitos civis e penais relativos ao cidadão, mas, também, o controle dos poderes polí- ticos do Estado. À guisa de exemplo, vale apontar as recentes discussões sobre a sindicabilidade ou não do ato administrativo pelo Estado-juiz e sobre a pos- sibilidade ou não do controle jurisdicional sobre as omissões administrativas. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 24 Ademais, com o reconhecimento da existência de uma terceira geração de direitos humanos — os interesses difusos — restou evidente o caráter de dis- cricionariedade existente na atividade jurisdicional, bem como a necessidade de repensar toda a Teoria Geral do Processo. 3. Tutela jurisdicional de interesses disponíveis e indisponíveis. Interesse de grupo Inexiste critério objetivo no direito positivo brasileiro para determinar se estamos diante de interesses disponíveis ou indisponíveis. Nossa doutrina também não chegou a um consenso sobre quais direitos são ou não indispo- níveis e quais os parâmetros para tal classifi cação. Há casos, como por exem- plo, no direito de família e nos direitos da personalidade, em que é difícil apontar se determinado interesse é ou não disponível. De qualquer modo, há hipóteses em que não encontramos dúvidas de que estamos diante de tutela de determinado interesse que não está na esfera de disponibilidade das partes que litigam em juízo. É o caso, por exemplo, da tutela do meio ambiente realizada por intermédio de uma ação civil pública. Nessa hipótese, os legitimados pelo art. 5º da Lei nº 7.347/84 atuam em nome de toda a sociedade e, por essa razão, não podem abrir mão de um interesse que não lhes pertence. A ação civil pública é hoje o principal instrumento de tutela de direitos coletivos em nosso país e possui previsão constitucional no artigo 129, in- ciso III e § 1º, da Constituição Federal, sendoregulamentada pelas Leis nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Sua criação e de- senvolvimento são atribuídos à constatação da insufi ciência dos mecanismos processuais existentes para proteger direitos que transcendem o indivíduo, seja em razão da difi culdade de identifi car sua titularidade, de dividir seu objeto ou, ainda, de tutelá-los de maneira individual. De fato, é na tutela do interesse de grupo que fi ca mais evidente a necessi- dade de repensar a Teoria Geral do Processo para que seus institutos se adap- tem à chamada jurisdição coletiva. A necessidade de adequar o processo às exigências de uma sociedade massifi cada, ditada pelos avanços tecnológicos e culturais e, bem assim, por suas implicações em diversos setores, tais como o meio ambiente, as relações trabalhistas e de consumo, as políticas públicas e os direitos das minorias, trouxe à tona o debate acerca da reformulação dos institutos e princípios tradicionais do direito processual, de conotação mera- mente individualista. Como se verá ao longo do curso, institutos tradicionais da Teoria Geral do Processo, tais como legitimidade e coisa julgada, tiveram que ser adaptados para que esse ramo do Direito pudesse tratar, também, de interesses de gru- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 25 po. De igual modo, os princípios constitucionais do processo adquirem uma nova dimensão na tutela de direitos indisponíveis. 4. Jurisprudência REsp 1.159.087, Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgamento unâni- me em 17/04/12 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DE CHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINIS- TRATIVO DO ENDEREÇO DO EMITENTE. DESCABIMENTO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO EM FACE DO BANCO PARA QUE A INSTI- TUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA O DOCUMENTO DE CADASTRO DO EMITENTE DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. MULTA COMINA- TÓRIA. INVIABILIDADE. 1. A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre in- tervenção direta e indireta do Estado, consoante manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595/64 e a normatização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central. 2. O acórdão recorrido consignou que a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado “motivo 11”, o que, nos termos do artigo 4º da Circular 2.989/2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, impunha à instituição fi nanceira que prestasse informação acerca do endereço do emitente. 3. Tendo em vista que os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil impõem a terceiros o dever de colaboração com o Judiciário, o fornecimento de informações de natureza cadastral aos credores da obrigação cambiária é feito em benefício do direito fundamental de ação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para o aperfeiçoamento do sistema fi nanceiro, da pro- teção do credor de boa-fé e da solução rápida dos confl itos, não podendo o Banco acobertar o devedor. 4. Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo a imposição de as- treintes, mas pode ser fi xado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão. É bem por isso que orienta a Súmula 372/STJ que, na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 26 5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a multa cominatória. Notícia especial do STJ sobre cheque, mencionando o acórdão acima (07/04/13): Outra decisão do STJ garantiu aos credores o acesso ao endereço de emi- tente de cheque sem fundos. Para os ministros da Quarta Turma, o banco tem dever geral de colaboração com o Judiciário e deve fornecer o endereço, se determinado pela Justiça (REsp 1.159.087). Para o colegiado, o sigilo bancário é norma infraconstitucional e não pode ser invocado de modo a tornar impunes condutas ilícitas ou violar outros direitos confl itantes. Além disso, os ministros afastaram a alegação de que a medida viola direitos do consumidor. “Apesar de o Código de Defesa do Consumidor alcançar os bancos de dados bancários e considerar abusiva a entrega desses dados a terceiros pelos fornecedores de serviços, o CDC impõe que se compatibilizem a proteção ao consumidor e as necessidades de desenvolvimento econômico”, destacou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso. V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS Leitura obrigatória: DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 16ª edição. Salvador: Juspodium, 2014, p. 23-44. Leitura complementare: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulo I – Paradigmas da justiça contemporânea e acesso à justiça (na 3. edição, de 2011, p. 1-20). VI. AVALIAÇÃO Casos geradores: 1) Maria propõe demanda de reparação por danos materiais e compensa- ção por danos morais em face de laboratório produtor do anticoncepcional X, por ela utilizado. Afi rma que, sendo consumidora do citado anticoncepcional, TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 27 engravidou, de maneira indesejada, durante a utilização do produto. Afi rma, ainda, que foram colocadas no mercado cartelas com apenas 20 comprimidos e não 21, o que seria o correto. O réu alega não haver provas de tais afi rmativas, bem como que o nascimento de um fi lho não pode ser causa que confi gure dano moral. Ressalte-se, por fi m, que restou comprovado a colocação no mer- cado de lote com defeito. Diante do caso apresentado, responda: a) Diante da impossibilidade probatória da autora, como deve ser julgada a demanda e quais seriam os fundamentos utilizados? b) Como devem ser interpretadas as normas processuais no caso apresen- tado, de forma restritiva ou ampliativa? Referência: STJ. REsp 918.257. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Tur- ma. J. 03/05/07. 2) Mário propôs demanda de investigação de paternidade em face de seu suposto pai. O réu alega a existência de coisa julgada, decorrente de demanda ajuizada há mais de trinta anos. Contudo, o autor reclama nesta nova deman- da a utilização do exame de DNA, inexistente à época da primeira demanda. Sendo assim, responda: a) Pode-se desconsiderar a coisa julgada no caso apresentado? b) O que deve prevalecer, o direito material ou o direito processual? c) É possível a proposta de nova demanda investigatória de paternidade, sob o argumento da existência de meios mais modernos que podem aferir com precisão a citada paternidade? Referência: STJ. EDcl na MC 18.265. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseve- rino. Terceira Turma. J. 12/6/2012. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 28 VII. CONCLUSÃO DAS AULAS Conforme ressaltado, são dois os principais motivos que levam à necessi- dade de reformulação da Teoria Geral do Processo: a) Superação da clássica concepção da jurisdição como atividade me- ramente declaratória de direitos; b) Necessidade de adaptar seus tradicionais institutos à tutela coletiva de direitos. Acrescente-se a isso o atual estágio de insatisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional. Assim, é necessário buscar novos meios para que se atinja um efetivo e amplo acesso à justiça. Com efeito, nosso sistema jurídico deve ser acessível a todos e a todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contemplando o titular de uma posição jurídica de vantagem, em tempo razoável, com exatamente aquilo que o ordenamento lhe assegura. Nesse passo, a atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados in- dividuais e socialmente justos. É dentro dessa perspectiva que deve ser com- preendido o nosso curso de TeoriaGeral do Processo. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 29 AULAS 5, 6 E 7: FONTES DO DIREITO PROCESSUAL. OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES DO DIREITO PROCESSUAL. I. TEMA: Os princípios mais relevantes do direito processual. II. ASSUNTO Análise dos princípios processuais mais relevantes, positivados na Consti- tuição da República. III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Na CRFB, há princípios processuais fundamentais, tais quais o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Nestas duas aulas, serão estu- dados estes e outros princípios processuais de grande relevância. Além disso, serão apresentados ao aluno a tutela cautelar e a tutela antecipada, imprescin- díveis à meta da efetividade do processo. IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO 1. Princípios Abaixo, seguem alguns dos princípios mais relevantes do direito processual, positivados constitucionalmente. Princípio da Inafastabilidade (Substancial) do Controle Jurisdicional — art. 5º, XXXV, CRFB O art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira traduz norma fundamental para o processo dos dias atuais. E não se trata “apenas” de garantir o acesso formal ao Judiciário. Muito além disso, tem-se interpretado o dispositivo como uma garantia substancial de tutela jurisdicional efetiva e adequada. Ou seja, estaria aí, em essência, a garantia de acesso à justiça, com implicações e desdobramentos os mais amplos. Também se enxerga no art. 5º, XXXV, da TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 30 18 Curso de Direito Processual Civil, vol, 1, 2008. p. 45. Constituição o próprio princípio da efetividade, central na atual fase instru- mentalista do direito processual. Princípios da Imparcialidade e do Juiz Natural — art. 5º, XXXVII e LIII, CRFB De acordo com a Constituição Federal, os agentes estatais têm o dever de agir com impessoalidade (art. 37, CRFB). Além do artigo 37, a CRFB traz, no seu artigo 93, incisos I a III, as garantias da vitaliciedade, inamovibilida- de e irredutibilidade de subsídios. Essas três garantias aos magistrados são indispensáveis para a sua independência e imparcialidade, e, de certa forma, servem para blindar os juízes de pressões externas. Os artigos 134 e 135 do CPC são aqueles que preveem as hipóteses de impedimento e suspeição do juiz e também possuem como escopo garantir a imparcialidade dos juízes. Quanto ao princípio do juiz natural, ele encontra previsão no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, CRFB, e consiste em dizer que o exercício da jurisdição deve se dar por juízes investidos e competentes na forma da Constituição e das leis. O signifi cado histórico para o princípio do juiz natural se resume em: a) julgamento por juiz investido na função juris- dicional; b) preexistência do órgão judiciário; c) juiz competente segundo a Constituição e as leis. Princípio do Devido Processo Legal — art. 5º, LIV, CRFB É a tradução de uma expressão inglesa “due process of law”, cunhada ori- ginariamente há cerca de 800 anos. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, em suas Instituições, essa garantia possui o signifi cado sistemático de fechar o círculo das garantias constitucionais do processo, ou seja, o princípio do devido processo legal ressalta a necessidade da indispensabilidade de todas as garantias processuais. Princípio do Contraditório — art. 5º, LV, CRFB Diz Fredie Didier Jr.: “O processo é um instrumento de composição de confl ito — pacifi cação social — que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser de- composto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de infl uência na decisão” 18. Dessa maneira, a doutrina atual entende o contraditório de maneira bem mais abrangente. Não bastam ciência e participação, como defi nia a doutrina clássica. Mais do que isso, é fundamental que as partes tenham a possibilida- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 31 de de infl uenciar no convencimento do juiz. Daí a importância de o contra- ditório ser prévio à decisão que será proferida, salvo quando houver risco de perecimento de direito. Princípio da Ampla Defesa — art. 5º, LV, CRFB É um princípio correlato ao princípio do contraditório, previsto também no artigo 5º, LV, CRFB, Vale assinalar que o princípio da ampla defesa é aplicado de maneira bem mais intensa no processo penal do que no processo civil, como não poderia ser diferente. Princípio da Duração Razoável do Processo ou Celeridade — art. 5º, LXXVIII, CRFB A Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 8º, I, prevê que “Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)”. Para alguns autores, tendo em vista o fato de que o art. 5º, §1º, CRFB, re- cepciona direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte, o direito a um processo sem dilações indevidas já fazia parte do ordenamento pátrio. Para outros, ele poderia ser deduzido do prin- cípio do devido processo legal, art. 5º, LIV, que, como já vimos, serve como um princípio geral no qual estão consagradas todas as garantias processuais. Esta discussão perdeu o objeto no momento em que a EC n. 45/2004 incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, tornando expresso o princípio da celeridade ou duração razoável do processo. Como saber se um processo teve uma duração razoável ou não? A Corte Europeia de Direitos do Homem fi xa três critérios: a) complexidade do as- sunto; b) comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusa- ção e da defesa no processo; c) atuação do órgão jurisdicional, tanto no que se refere a sua estrutura, quanto no que se refere à atuação do juiz e servidores da justiça. Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos — art. 5º, XII e LVI, CRFB Há impossibilidade de aproveitamento de provas conseguidas por meios ilícitos. A discussão fundamental, porém, é saber se as garantias previstas nos incisos XII e LVI, do art. 5º, da CRFB são princípios absolutos ou não. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 32 19 Il processo deve dare per quanto è possibile pratica- mente a chi há un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di consegui- re” (CHIOVENDA, Giuseppe. “Dell’azione nascente dal contrato preliminare” In: Sag- gi di diritto processuale civile. Milano: Giuff rè, 1993, v. 1, p. 110). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu- rança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XII — é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráfi cas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fi ns de investigação criminal ou instrução processual penal; (...) LVI — são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (grifo nosso) Na primeira versão do projeto do novo CPC se dizia expressamente que as provas conseguidas por meios ilícitos poderiam eventualmente ser aproveita- das dentro de um juízo de ponderação. Isso, contudo, não está mais no texto do novo CPC. Há autores que são visceralmente contrários a qualquer relativização do princípio. Invocam a veia autoritária do Estado brasileiro, que até hoje se manifesta e deve ser permanentemente combatida. Há casos, entretanto, em que a própria dignidade da pessoa humana, notadamente quando em jogo interesses de incapazes, pede alguma relativização do princípio. Desta forma, não se estaria descumprindo a Constituição da República, mas sim ponde- rando os princípios constitucionais. Tome-se como exemplo a fi lmagem deum caso de pedofi lia, sem autoriza- ção judicial, para fi ns de revogação de uma guarda. Em um caso assim, qual o valor que deve preponderar? A prova deve ser desconsiderada, propiciando-se a continuação dos abusos contra uma criança? 2. Efetividade como valor fundamental do processo contemporâneo Muito antes da evolução do processo para sua atual missão política e so- cial, voltada para a instrumentalidade e a efetividade, CHIOVENDA já pre- conizava que o ideal do processo deveria ser “dar a quem tem direito” 19 o quanto possível e, de forma prática, tudo e exatamente aquilo que tivesse direito. Com razão, é de se perceber que o processo, instrumento de reali- zação dos direitos, somente obtém êxito integral em seu mister quando for capaz de gerar, na realidade social, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 33 20 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. Faz importantes observações sobre as consequências da lentidão do processo para a sociedade. 21 DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em rela- ção à parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Daí se dizer que o processo ideal é aquele que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da exata prestação devida. Assim, se determinada pessoa é credora de uma obrigação de não fazer, o ordenamento deve dispor de mecanismos hábeis a impedir que o devedor descumpra essa obrigação. Eventual conversão em perdas e danos não satisfaz, por completo, os ideais perseguidos pelo processualista moderno. À guisa de exemplo, basta pensar em eventuais danos causados ao meio ambiente (direitos difusos), em que uma tutela preventiva (inibitória) é bem mais efi caz do que a tutela pelo equivalente monetário. Conforme já referido, o direito processual, através de suas normas e prin- cípios, atinge hoje a denominada fase instrumentalista, não podendo mais ser visto apenas como ramo meramente técnico para realização do direito material, mas sim como meio efetivo e célere para produzir justiça entre os membros da sociedade. Destarte, considera-se principalmente o modo como os seus resultados chegam ao jurisdicionado. Por outro lado, é importante observar que um fator negativo, em especial, tem sido considerado como obstáculo quase que insuperável para que tenha mos um processo efetivo: o fator tempo. A lentidão da Justiça traz consequ- ências danosas para toda a sociedade, em todos os seus setores 20. Não foi por acaso que nosso legislador constituinte derivado alçou o princípio da razoável duração do processo (Emenda Constitucional n. 45/05) à categoria de nor- ma constitucional, alterando, assim, o art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 e fazendo a inclusão, no seu inciso LXXVIII, da exigência de que todo processo judicial tenha um prazo de duração razoável. 3. Efetividade e tempo do processo “Enquanto a efetividade dos direitos exige uma atuação extremamente ágil e rápida por parte do Poder Judiciário, a busca da segurança jurídica demanda cautela, cuidado e, acima de tudo, tempo.” 21 Inúmeras reformas foram feitas em nossa legislação processual com a fi - nalidade de obter um processo mais efetivo. Dentre as diversas alterações feitas, destacamos a introdução dos institutos da “tutela antecipada” (art. 273, CPC) e da “tutela específi ca” das obrigações de fazer e não fazer (art. 461, CPC), realizadas pela Lei. 8.952/94 (Reforma Processual de 1994) e, posteriormente, alteradas pela Lei. 10.444/02 (a “reforma da reforma”, que ampliou a incidência da tutela específi ca também para as obrigações de dar coisa certa (art. 461-A, CPC). Como acima referido, o tempo é um dos maiores entraves existentes para que se tenha um processo justo. Normalmente, os ônus causados pela mo- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 34 22 Classifi cação atribuída a WATANABE, Kazuo. Da Cog- nição no Processo Civil. 2. ed., São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas Judiciais, 1999. rosidade da Justiça recaem sobre o autor do processo, que necessita aguardar longos anos — às vezes até décadas — para receber aquilo que lhe está as- segurado pelo ordenamento jurídico. “Justiça tardia é justiça pela metade” é frase constantemente ouvida nos corredores forenses. Malgrado a reclamação com a lentidão do processo seja quase que unâ- nime, não se pode deixar de observar que, em quase todo processo, existe pelo menos uma parte — muitas vezes o réu — interessada em procrastinar a prestação jurisdicional. Assim, a legislação processual possui mecanismos para, em determinadas situações, inverter os ônus causados pela morosidade da justiça, quando o direito do autor estiver evidenciado no processo. 4. Tutela antecipada A tutela antecipada é uma espécie de tutela sumária, ou seja, aquela que é feita sem um grau de cognição de certeza do direito e sim com base no juízo de probabilidade, conforme previsto no art. 273 do CPC. Diferencia-se essa espécie da cognição exauriente 22, realizada na sentença, onde se busca um grau maior de convicção acerca do direito disputado. A tutela antecipada é uma técnica processual que permite a antecipação dos efeitos da tutela defi nitiva. Dessa forma, ela vem dirimir o confl ito exis- tente entre a tutela do direito e o tempo do processo (direito x tempo). O legislador permite que o juiz antecipe os efeitos da decisão de mérito fi nal com o intuito de evitar que o decurso do tempo limite ou impossibilite o exercício do direito. Os requisitos da tutela antecipada se dividem em genéricos (sempre de- vem ser observados) e específi cos (incidem de acordo com o caso concreto). 5. Requisitos da tutela antecipada TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 35 6. Tutela antecipada versus tutela cautelar Não se pode confundir o instituto da tutela antecipada com a tutela cau- telar, que há muito já estava expressamente prevista na legislação processual (vide Livro III do CPC / 73). Contudo, é importante observar que as medi- das antecipatórias já existiam pontualmente em nosso ordenamento, mesmo antes da nova redação do art. 273 do CPC. Como exemplo, temos as limina- res concedidas na ação de despejo, ação possessória, mandado de segurança, ação de alimentos. Assim, por não existir expressa previsão de uma antecipação de tutela, a doutrina e a jurisprudência, para assegurar a efetividade do provimento juris- dicional e o acesso à justiça, passaram a admitir a concessão de “cautelares sa- tisfativas”, normalmente concedidas através de ações cautelares inominadas. Com a adoção da tutela antecipada na reforma de 1994, o provimento ante- cipatório passou a ser admitido em todos os demais procedimentos previstos na legislação processual. Embora relacionadas às situações em que o tempo aparece como grave obstáculo à efetividade do processo, tutela antecipada e tutela cautelar pos- suem fi nalidades diversas. De fato, o escopo da medida cautelar é a efetivi- dade do processo principal, que, sem a mesma, poderá ser inútil (exemplo: arresto dos bens de devedor que está dilapidando seu patrimônio). A tutela antecipatória, por sua vez, visa proteger o próprio direito, que corre o risco de perecer. A tutela antecipada é satisfativa; a cautelar, não. As tutelas satisfativas são aquelas que permitem a atuação prática do direito ma- terial, assegurando o bem comum da vida humana protegido pelo processo. Por sua vez, a tutela não satisfativa é aquela que não protege o direito material, mas sim se limita a assegurar a utilidade do instrumento processual (daí se dizer que as cautelares possuem “instrumentalidade ao quadrado”). É válido observar que nem sempre a tutela
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