Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO EM CONTEXTO - GEDECON ISSN 1982-3266 http://www.unicruz.edu.br/gedecon/ UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA UNICRUZ – CRUZ ALTA Reitora: Elizabeth Fontoura Dorneles Vice-Reitora de Graduação: Profa. Sirlei de Lourdes Lauxen Vice-Reitor de Administração: Prof. Fábio Dal-Soto Vice-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão: Prof. Cléia Rosani Baiotto Coordenador do Curso de Administração: Carlos Eduardo Moreira Tavares Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo: Marco Antonio Ribeiro Edler Coordenador do Curso de Ciências Contábeis: Taciana Mareth Coordenador do Curso de Ciências Econômicas: Enedina Maria Teixeira da Silva Coordenador do Curso de Direito: Raquel Buzatti Souto Coordenador do Curso de Serviço Social: Isadora Wayhs Cadore Virgolin Comissão Editorial Prof. M. Sc. Adalberto Fernandes Falconi Prof. M. Sc. Everton Anger Cavalheiro Prof. M. Sc. Igor Norbert Soares Profa. M. Sc. Jaciara Treter Profa. M. Sc. Isadora Wayhs Cadore Virgolin Profa. M. Sc. Taciana Mareth (Coordenadora) R454 Revista Gedecon: gestão e desenvolvimento em contexto. Cursos de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas. v.4, n.1 (jan/jun) – Cruz Alta: UNICRUZ, 2009. Semestral. ISSN 1982-3266 1.Administração - Gestão. 2. Economia. 3. Desenvolvimento regional. 4. Gestão organizacional. 5. Gestão pública. 6. Gestão rural. 7. Gestão agroindustrial. Catalogação na Fonte: Angela Saadi Machado – CRB10/1857 Biblioteca Central - Unicruz A Revista Gestão e Desenvolvimento em Contexto – GEDECON é uma publicação semestral dos Cursos do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ) que visa a divulgação de trabalhos científicos produzidos por docentes, acadêmicos e pesquisadores adequados às suas linhas editoriais. Nota: O conteúdo dos trabalhos desta Revista é de responsabilidade de seus autores. Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ Rua Andrade Neves, 308 – Centro – 98025-810 – Cruz Alta/RS Fone/Fax: (0xx55) 3321-1500 – http://www.unicruz.edu.br 3 EDITORIAL Com a presente edição, a REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO EM CONTEXTO – GEDECON, vinculada ao Centro de Ciências Sociais aplicadas (CCSA) da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ, segue sua trajetória, fortalecendo o ideal para o qual foi projetada, de ser um espaço plural e interdisciplinar focada à complexidade e ao processo de construção dos saberes socais. Este número traz, como eixo central, temas referentes ao setor energético brasileiro e sua governança, inovações no meio rural brasileiro e sua historicidade bem como o meio ambiente no contexto rural. Os textos reúnem autores de renomado perfil, empenhados em analisar, de forma crítica e sob diferentes abordagens, as relevantes questões propostas. Desta feita, a presente edição da REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO EM CONTEXTO, apresenta contribuições significativas para a promoção e a divulgação do conhecimento nessa área do conhecimento. Assim sendo, agradecemos o empenho de todo o corpo editorial na sua realização e, especialmente, a colaboração dos autores dos trabalhos que ora publicamos. Prof. M. Sc. Adalberto Fernandes Falconi Prof ª M.Sc. Taciana Mareth Editores 4 SUMÁRIO ARTIGOS Governança no setor de energia elétrica brasileira pós-2004 Aulo Pércio Vicente Nardo e Amalia Maria Goldberg Godoy.....................................05 Qual a âncora de carreira predominante numa área interna de um grande banco comercial do Brasil? Renato Manga Jacob.....................................................................................................28 Governança corporativa em Sociedades De Economia Mista Luísa Cristina Carpovinski Pieniz................................................................................45 Panorama histórico da difusão de inovações no meio rural brasileiro Verônica Crestani Viero e Ada Cristina Machado da Silveira.....................................59 RESENHA Sociologia e meio ambiente rural Priscila Cembranel e Cecília Smaneoto .......................................................................73 5 GOVERNANÇA NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRA PÓS-2004 Aulo Pércio Vicente Nardo1 Amalia Maria Goldberg Godoy2 Resumo O setor energético brasileiro passou por grandes mudanças no ambiente institucional e em sua governança. Para os institucionalistas, como Coase (1937), North (1990) e Williamson (1986), as estruturas de governança (hierárquica, mercado ou híbrida) permitem as transações e o alcance de maior eficiência. A opção por uma estrutura depende dos custos de transação e das regras negociadas entre os diversos agentes. Nesse contexto, o objetivo do artigo é compreender as mudanças ocorridas, a partir de 2004, na estrutura de governança do setor elétrico brasileiro. A metodologia utilizada é a pesquisa exploratória, com análise descritiva dos fatores históricos. Discute-se que houve a passagem fundamental de monopólio estatal verticalizado para um ambiente com relações contratuais complexas e maiores custos de transação. Diante disso, a estrutura de governança descentralizada e híbrida, como a ANEEL, que se apresenta como a que permite melhor condição para o bom funcionamento ainda continua a apresentar problemas de eficiência (crise de oferta). Palavras-chave: Estrutura de Governança. Setor Elétrico. ANEEL. Abstract The Brazilian energy sector has undergone major changes in the institutional environment and its governance. For institutionalists, as Coase (1937), North (1990) and Williamson (1986), governance structures (hierarchical, market or hybrid) allows transactions and achieve greater efficiency. The choice of a structure depends on transaction costs and the rules negotiated between the various agents. In this context, the objective of the article is understand the changes from 2004 in the governance structure of the Brazilian electric sector. The methodology is exploratory research, descriptive analysis of historical factors. It is argued that there was a fundamental passage from state monopoly to a vertical environment with complex contractual relationships and higher transaction costs. Thus, the decentralized governance structure and hybrid, as ANEEL, which presents itself as the best condition that allows for the proper operation still presents problems of efficiency (supply crisis). Key words: Governance Structure. Electricity Sector. Economic Agents. 1 Introdução A disponibilidade de energia tem papel central no desenvolvimento econômico, dado que este insumo é fundamental em todas as atividades produtivas e para o alcance da melhoria da qualidade de vida das populações. Nesse contexto, as políticas públicas e as novas estruturas de decisão para o setor merecem destaque. 1 Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, grupo de pesquisa PEC – Planejamento Econômico e Crescimento. Endereço: Rua Maringá, 1200, Bloco I, sala 207, Francisco Beltrão – PR. CEP: 85605-010. E- mail: a_p_v_n@yahoo.com.br; 2 Universidade Estadual de Maringá – UEM. Endereço: Av. Colombo, 5790,Bloco C34, sala 5, Maringá – PR. CEP: 87020-900. E-mail: amggodoy@uem.br. 6 Até recentemente, no Brasil, a geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica, considerada um bem público, eram organizadas e planejadas de forma centralizada pelo Estado. Atualmente, o Estado delega, concede e autoriza também a participação do setor privado no fornecimento de energia, tratada atualmente como um serviço público3. A passagem da energia como bem público para um serviço público, das decisões centralizadas pelo governo para descentralizadas, e a separação de ativos da cadeia energética (geração, transmissão, distribuição e comercialização), com a inclusão da iniciativa privada são questões fundamentais e sua discussão é o objetivo do artigo. Para isso, utiliza-se a teoria institucional na medida em que possui instrumentos que permitem entender o ambiente institucional em que as regras do jogo são definidas e os fatores que norteiam as mudanças, em particular a de 2004, que resultaram em nova forma de governança. A metodologia utilizada é a pesquisa exploratória, com análise descritiva dos fatores históricos que resultam em novas formas de intervenção e regulação pelo Estado. A análise está fundamentada em revisão bibliográfica assim como no levantamento de dados secundários. Para cumprir o objetivo, o presente artigo, além desta introdução, apresenta, no tópico dois, a teoria sobre a estrutura de governança desenvolvida por Williamson (1986, 1993, 1996), que permite o entendimento das mudanças que ocorrem no setor de energia elétrica, o papel do setor público nas formas de decisão do setor, e a interação entre os diferentes agentes econômicos. O tópico três apresenta um panorama do setor elétrico brasileiro, suas especificidades e características. O tópico quatro trata das modificações ocorridas no setor elétrico brasileiro, em 2004, com a criação de espaço de participação para novos agentes econômicos, bem como a participação de cada agente econômico e a interação entre eles. Por fim, o tópico cinco trata da conclusão, na qual se destaca a importância da consolidação da estrutura hibrida de governança, com a descentralização das decisões, participação de diversos agentes encarregados da fiscalização e regulamentação, mas ainda sujeitas aos interesses propugnados pelo Estado. 3 Entende-se por bem público o que pode beneficiar todos os consumidores, mas cuja oferta no mercado e pelo setor privado é insuficiente ou inexistente (Pindyck e Rubinfeld, 2006, p. 525), enquanto que serviços públicos são aqueles instituídos e mantidos pelo Estado, podendo ser executados por este ou por empresas privadas mediante concessão, com o objetivo de atender aos interesses da sociedade (MELLO, 1998). 7 2 Contratos e estruturas de governança em Williamson Existe a defesa de que a descentralização e a passagem de empresas estatais altamente verticalizadas para a iniciativa privada garantem a superioridade da coordenação e o alcance de maior eficiência econômica. Essa discussão começa, praticamente, com Coase (1935) que enfatiza que empresas e mercados são modos alternativos de coordenação das transações inerentes ao sistema econômico. No mercado, a coordenação ocorre pelo sistema de preços enquanto que na firma esta ocorre pela autoridade (comando). Há um custo em usar o mecanismo de preços, que são os custos de negociação e de elaboração do contrato. Coase (1937) afirma que as firmas existem porque é necessário firmar contratos de longo prazo entre empresas/pessoas ligadas à atividade, especialmente, quando não se consegue prever com exatidão quais serviços serão necessários no futuro. Consequentemente, concebe que os custos de uma firma compreendem tanto os custos de produção quanto os custos de transação, que são os custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato. Quando os custos de transação são maiores no mercado, a firma realiza a operação, mas quando os custos de transação são menores no mercado, a empresa compra no mercado. Once the costs of carrying out market transactions are taken into account it is clear that such a rearrangement of rights will only be under taken when the increase in the value of production consequent upon the rearrangement is greater than the costs which would be involved in bringing it about. When it is less, the granting of an injunction (or the knowledge that it would be granted) or the liability to pay damages may result in an activity being discontinued (or may prevent its being started) which would be undertaken if market transactions were costless (COASE, 1960, p. 16). A firma existe devido a sua capacidade de reduzir custos de transação. Nela ocorre um esforço cooperativo para maior eficiência econômica da produção do que a obtida com a soma dos produtos de esforços individuais (mercado). As instituições emergem quando existem custos de transação (COASE, 1937). Nesse contexto, avançando a análise, Williamson (2005) conceitua governança como as instituições e as organizações que sustentam as transações, incentivam o cumprimento de contratos, protegem o direito de propriedade, e viabilizam a interação de diversos agentes para o provimento de regras, regulações e informações. Williamson (2000) descreve a existência de uma gama de fenômenos contratuais e organizacionais, que são compreendidos a partir dos custos de transação e da eleição da estrutura de governança. Para tanto, leva em consideração dois aspectos fundamentais: a) os agentes econômicos possuem racionalidade limitada e, por conseguinte, b) os contratos são complexos e incompletos. 8 Transaction cost economics agrees that our view of the human beings whose behavior we are studying has profound ramifications for the research agenda. It also concurs that human actors are subject to bounded rationality. Rather, however, than dwell on the analytical apparatus to be employed (that is, maximizing, satisficing, game theory, or whatnot), TCE [Transaction Cost Economics] asks instead what key conceptual moves in orthodoxy are disallowed upon admitting to limited cognitive competence. The TCE response to this query is this: the chief lesson of bounded rationality for the study of economic organization is that all complex contracts are unavoidably incomplete (WILLIAMSON, 2000, p. 6). A racionalidade limitada, afirma Williamson (1986), decorre do fato de os agentes econômicos, de posse de uma gama de informações para realização de quaisquer transações econômicas do dia-a-dia, formulam modelos subjetivos ou abstratos de forma incompleta, devido à capacidade limitada de cognição. Os agentes agem com racionalidade, que é limitada no acesso e/ou processamento de todas as informações disponíveis. De acordo com o autor (1985), os contratos sempre são imperfeitos, o que possibilita a presença do oportunismo por parte dos agentes econômicos, ou seja, em um ambiente de incerteza do contrato existe espaço para que os agentes econômicos tentem se beneficiar em detrimento da outra parte envolvida. O autor definiu oportunismo como “procurar seus interesses próprios com avidez”, o que compreende comportamentos de trapaça, mentira, assim como o não atendimento das cláusulas contratuais. Quanto maior a complexidade, os riscos envolvidos e a possibilidade de descumprimento dos contratos, maiores os custos de transação. The combination of incomplete contracts (by reason of bounded rationality) with unreliable reporting (by reason of opportunism) undermine the idea that common knowledge between the two parties to a contractsuffices to annihilate ex post contracting problems. Because it is implausible to ascribe common knowledge to ultimate arbiters of disputes (the courts), common knowledge between the principals does not preclude costly maladaptation and ex post bargaining (WILLIAMSON, 1975, p. 31-37 apud WILLIAMSON, 2000, p. 6). Outro fator que interfere nos custos de transação é a especificidade dos ativos ,entendida como ativos que não são reempregáveis em outra atividade, sem que ocorram altos custos de transação, devido ao reduzido número de produtores capazes de ofertar e de adquirir o bem. Quanto maior a especificidade do ativo, maiores os custos de transação envolvidos. No caso do setor de energia hidroelétrica, por exemplo, existe alta especificidade do ativo decorrente da sua localização, pois o seu deslocamento implica em altos custos de transação que poderão ser arcados por poucos ou pelo estado. Conforme Lee (2004 apud Correia et al., 2006), o setor elétrico se caracteriza pelas restrições significativas para transportes ou de 9 grandes distâncias, e pela necessidade de grandes investimentos e consideráveis intervalos de tempo para a instalação de novas unidades geradoras. Uma firma, ao ofertar um bem ou serviço, também opta por uma estrutura de governança. Williamson (1985 - 1996) enfatiza que as estruturas de governança são definidas como formas organizacionais em que as transações são decididas. A estrutura de governança é escolhida com base na diminuição dos custos de produção e de transação, ou seja, em ganhos de eficiência. Alves e Staduto (1999, p. 4) enfatizam que mesmo os contratos não convencionais são vistos como forma de se ganhar eficiência, reduzindo os custos de transação. Diante da diversidade de firmas, Williamson descreve três modelos de estrutura de governança. A primeira é market governance (mercado), em que as transações são realizadas pelos compradores e vendedores, define-se pela estrutura de preços, o que implica menor nível de controle e maior nível de incentivo, apresentando-se como a forma mais eficiente na ausência de custos de transação. No extremo oposto, no qual a especificidade dos ativos e os custos associados ao não-cumprimento dos contratos são elevados, ou seja, a incerteza e a probabilidade da presença de oportunismo são elevadas à forma. Trata-se da Unified governance (hierárquica), em que ocorre a propriedade total do ativo, ou a integração vertical como no caso da indústria elétrica brasileira até os anos de 19804. Os contratos que representam acordos realizados entre diversos agentes envolvidos na transação são característicos da forma híbrida e representam arranjos de propriedade parciais entre firmas que compõem os estágios sucessivos da cadeia produtiva (ALVES e STADUTO, 1999, p. 139; WILLIAMSON, 1985). A escolha da estrutura de governança adequada, portanto, visa à minimização tanto dos custos de produção, quanto dos custos de transação. Assim, quando uma indústria que era verticalmente integrada e regulada está em transição, aumentam os custos de transação na medida em que ela passa a realizar acordos (formais e informais) e a criar mecanismos de cumprimento dos mesmos devido à existência de incertezas e oportunismo. No caso do setor elétrico, a decisão de alcançar maior eficiência via mecanismo competitivo, significa alcançar o melhor resultado decorrente do trade off entre os potencias efeitos benéficos resultados das forças de mercado e os custos potenciais, que surgem a partir dos problemas contratuais que emergem da desintegração vertical (PINTO JR et al., 2007). 4 A verticalização ocorre, conforme Freitas (2003, p. 23) quando “a empresa assume o controle sobre diferentes estágios (ou etapas) associados à progressiva transformação de insumos em produtos finais”. Trata-se, portanto, na atuação da indústria em mais de um estágio do processo produtivo. 10 A Figura 1 mostra a base conceitual da teoria dos custos de transação para Williamson, cuja especificidade dos ativos e o ambiente de incerteza (pela presença de oportunismo por parte de outros agentes e da racionalidade limitada) incorrem em custos de transação, obrigando a firma e o governo a optarem pela estrutura de governança mais adequada ao grau de combinação desses atributos. Figura 1 - Estrutura Conceitual da Teoria dos Custos de Transação de Williamson Fonte: Guedes (2000 apud Leão 2004, p. 30). A estrutura de governança é entendida como espaço e forma de organização que os diferentes atores privados, públicos e não-governamentais possuem para a definição das regras que criarão um ambiente mais seguro de investimentos e ações. A análise dessas regras, por sua vez, necessariamente deve levar em conta as diferentes inserções dos setores econômicos e sociais, seus poderes e seus conflitos, o que permite entender que a governança não é um processo isolado do que ocorre em seu entorno e no mundo. Ela é dinâmica, pois, as regras são negociadas continuamente. A governança ultrapassa a dimensão técnico- institucional e se localiza nas relações de poder local, na cultura política, e nas políticas urbanas e sociais, conforme afirma Godoy (2009, p. 13). O aumento da complexidade social levou, além disso, à formalização das restrições. A criação do sistema legal/jurídico formal é fruto de disputas complexas. As regras formais 11 incluem as regras políticas (que definem a estrutura hierárquica da política, sua estrutura de decisão e explicita as características de sua agenda de controle) e as regras econômicas (definem os direitos de propriedade, que é a estipulação dos direitos sobre o uso e o lucro, assim como o de alienar um bem ou recurso). A função das regras é facilitar ou promover as trocas, políticas ou econômicas (NORTH, 1990, p.46 e 47). Nesse sentido, a autoridade para fazer cumprir as regras contratuais firmadas entre o Estado e o setor privado ligado à energia hidroelétrica está associado à passagem por diversas estruturas de governança e, portanto, ambientes institucionais diferenciados, que passarão a ser discutidos. 3 O Setor de energia elétrica A geração de energia elétrica pode ocorrer através de fontes renováveis de energia (força das águas, dos ventos, do Sol e da biomassa), bem como por fontes não renováveis (carvão, petróleo, gás natural e nuclear). A utilização de energia elétrica, a partir de fontes renováveis, tem participação muito pequena no mundo. Conforme informações do BEN (2008, p.14), as unidades movidas por fontes não renováveis (carvão mineral, petróleo e derivados e gás natural) correspondem a 81,7%, enquanto a geração de eletricidade por fontes renováveis corresponde apenas a 18,3% do total mundial, sendo que 16,0% corresponde à fonte hidroelétrica e 2,3% à energia solar e eólica. O Brasil, ao contrário, tem sua matriz de geração de energia elétrica predominantemente baseada em fontes renováveis. Segundo informações do BEN (2008, p.13), 74,3% da oferta é atendida por hidroeletricidade (1,7% proveniente de pequenas centrais hidrelétricas – PCH e 72,6% de hidrelétricas que fornecem energia acima de 30 MW). Somando-se as importações, que essencialmente também são de origem renovável (pela Usina Hidrelétrica de Itaipu), 82,8% da eletricidade, no Brasil, são originados de fontes renováveis – sem considerar que parte da geração térmica é originada de biomassa. A tabela 1 mostra as dez maiores usinas hidrelétricas em operação no Brasil por potência instalada (medida em KW), bem como a região onde se localizam. Pode-se observar que, somente, a região Sudeste gera 12.003,2 MW5, o que equivale a31,97% do total das dez maiores usinas, seguida das regiões Norte (25,91%), Sul (24,69%) e Nordeste (17,4%). 5 MW= 106 W; KW=103 W. 12 Tabela 1 - Potência Instalada das dez maiores Hidrelétricas no Brasil. Nome Potência (KW) Região Tucuri I e II 8370000 Norte Itaipu (parte brasileira) 6300000 Sul Ilha Solteira 3444000 Sudeste Xingó 3162000 Nordeste Paulo Afonso IV 2462400 Nordeste Itumbiara 2082000 Sudeste São Simão 1710000 Sudeste Governador Bento Munhoz da Rocha Neto (Foz do Areia) 1676000 Sul Jupiá (Engo Souza Dias) 1551200 Sudeste Porto Primavera ( Engo SérgioMotta) 1540000 Sudeste Total 32297,6 Total Fonte: Atlas de energia elétrica no Brasil (2008, p. 57). Conforme Possas et al. (1997), o processo de produção de energia elétrica pode ser subdividido em três etapas: geração, transmissão e distribuição. A primeira consiste na obtenção de energia elétrica, a qual pode ser feita a partir de diversas fontes (hidráulica, térmica, nuclear, etc.). Em seguida, a eletricidade gerada é transportada até os centros consumidores (transmissão), onde será distribuída aos demandantes (distribuição). O sistema elétrico brasileiro caracteriza-se pela existência de grandes usinas hidrelétricas, com reservatórios plurianuais, localizadas em diferentes bacias hidrográficas, em geral, interligadas por extensas linhas de transmissão devido à grande distância entre as fontes geradoras e os centros de carga. Além disso, frequentemente coexistem, em um mesmo rio, usinas de diferentes proprietários, o que ressalta importância da operação coordenada, conforme Santana e Oliveira (1999, p.380) A energia elétrica, conforme Sauer et al. (2003), juntamente com a educação ou saúde pública e defesa nacional, é um serviço público. O serviço de energia elétrica, segundo os mesmos autores ibid incluindo a geração, a transmissão e a distribuição, é considerado monopolista, ou seja, prestado diretamente pelo Estado ou por meio de concessões reguladas pelo Estado e outorgadas a agentes privados. Nesse contexto, entender a estrutura de governança adotada, bem como a passagem da estrutura hierárquica (monopólio do Estado) para a híbrida (estado e iniciativa privada), não é questão simples. O setor de energia elétrica possui certas características que tornam tal questão importante. A transição das estruturas de governança e a consolidação do novo modelo envolvem o estudo do ambiente institucional, apresentado a seguir. 13 4 As Novas regras institucionais Pode-se resumir que, de 1934 até 1995, o setor elétrico brasileiro tinha uma estrutura de governança hierárquica, ou seja, a presença de empresas estatais verticalizadas6, que atendiam as diretrizes e decisões tomadas centralizadamente pelo governo federal. A potência instalada de energia elétrica do Brasil, durante esse período, teve expansão de 6 355 MW, em 1963, para 42 860 MW, em 1984, e 52 741 MW, em 1993 (BAER e McDONALD, 1997). A energia era considerada como setor estratégico (segurança nacional) e um dos mais importantes monopólios naturais estatais7, cujas tarifas eram determinadas pelo estado. A presença do Estado era essencial na medida em que se caracterizava por investimentos consideráveis nas usinas geradoras e montagem das redes de transmissão e distribuição com retornos a longo prazo. Em termos de estrutura de governança, as políticas eram traçadas pelo Ministério de Minas e Energia e executadas pela Eletrobrás, atuando o DNAEE como órgão normativo e fiscalizador. A estatal Eletrobrás, responsável por 90% da geração no país, estava no topo da estrutura hierárquica adotada devido à especificidade do ativo envolvido de intensivo em capital. Exercia o controle e tinha como função planejar a operação e a expansão do sistema, pois o setor exigia a coordenação centralizada de várias centrais espalhadas pelo Brasil de modo a garantir a cooperação entre os diversos segmentos e agentes envolvidos (na geração e distribuição) e a otimização dos recursos (humanos, técnicos, financeiros e hídricos) envolvidos. Possuía poder semelhante ao do Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica- DNAEE. Essa estrutura de poder resultava em menores custos de transação, sobretudo os de negociação e, de certa forma, restringia o oportunismo, induzindo as partes à mútua cooperação (DOW, 1987 apud SANTANA e OLIVEIRA, 1999, p.282). A Eletrobrás tinha poder sobre as distribuidoras estaduais, inclusive, porque participava acionariamente das mesmas. 6 Nessa fase, houve a implantação das grandes usinas geradoras como a de Tucurui e a binacional Itaipu e na área de transmissão foram realizadas várias interconexões entre os sistemas regionais de eletricidade. 7 Segundo Banco Mundial (1997, p.26) monopólios naturais existem “[...] quando o custo unitário da provisão de um bem ou serviço para mais um usuário diminui numa ampla área de produção, reduzindo ou eliminando a margem de concorrência”. Nesse mesmo relatório, a geração de eletricidade (não a transmissão e distribuição), com o desenvolvimento tecnológico passa a ser um campo para a concorrência. 14 Essa estrutura de governança gerou ineficiência no sistema devido o não cumprimento dos contratos entre as geradoras e as distribuidoras8, as múltiplas funções exercidas pela Eletrobrás, altos custos e dificuldades em se autofinanciar. No período de 1996 a 2004, o setor passou por várias mudanças. Com a crise fiscal do Estado, o fortalecimento do setor privado internacional e nacional, e a adoção das diretrizes do Fundo Monetário Internacional, as empresas estatais foram divididas por atividades (geração, transmissão, distribuição e comercialização), com o objetivo de abrir espaço para as empresas privadas, tornando um setor competitivo nas áreas de geração e comercialização com forte regulação na área de transmissão. Segundo Fadul (1998), setores, antes explorados unicamente pelo setor público, passaram a ser considerados grandes negócios disputados por mega corporações mundiais, com as privatizações em andamento. A Lei N° 8.987, de 1995 (projeto do senador Fernando Henrique Cardoso), além da concessão9, instituiu a criação de autarquias reguladoras inclusive para proteger o consumidor quanto aos serviços. Criou também a figura do produtor independente com liberdade de comercializar energia diretamente com o consumidor. Estava dado o passo para que o Estado deixasse de ser o único investidor e gerenciador com o discurso de desonerar o contribuinte e permitir ao governo investir em áreas prioritárias como transporte, educação e saúde. No que tange à criação das agências reguladoras, Peci (1999, p. 4) comenta que estas antecederam a discussão do modelo de regulação em si, quer dizer, foram criadas as agências sem maiores discussões sobre o seu direcionamento e controle, o que gerou problemas em sua implementação e repercutiu em falhas no sistema e aumento dos custos de operação e transação. A Lei N° 9.246, de 26 de dezembro de 1996, regulamentada pelo Decreto N° 2.335, de 06.10.97, constituiu a primeira autarquia ,sob regime especial, instituída pelo governo federal, a Agência Nacional de Energia Elétrica10 (ANEEL), com a finalidade de regular e fiscalizar a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica. Posteriormente, com a lei n. 9.648, de 28/05/1998, implementou-se a nova estrutura de governança, composta por: Operador Nacional do Sistema (ONS), com a atribuição de operar 8Segundo Baer e McDonald (1997), apesar do planejamento da ELETROBRÁS,a maior parte dos investimentos na década de 70, concentraram-se em geração de energia e os recursos para a transmissão e distribuição foram limitados. Isso criou sérios desequilíbrios setoriais e regionais na década de 80. 9 A concessão pode ser entendida como uma relação contratual, por meio do qual o poder público transfere a determinada empresa (pública ou privada) a operação do serviço público. É uma delegação de poder, do poder concedente à concessionária, em que esta última fica responsável pela gestão da empresa e pela prestação do serviço público, durante um prazo determinado pelo contrato (prazo de concessão). Essa prestação é remunerada por uma tarifa e executada em decorrência do risco do concessionário (PIRES, 2000). 10 Foi extinto o DNAEE. 15 o Sistema Interligado Nacional (SIN), administrar o sistema de transmissão por delegação a empresas de geração, transmissão e distribuição de energia, as quais seguiam regras aprovadas pelos próprios agentes privados e homologadas pela ANEEL. Essa mesma lei institui o Mercado Atacadista de Energia (MAE). Com isso, criou-se um ambiente de livre comercialização de energia entre geradores/comercializadores e distribuidores/consumidores livres, além do surgimento das empresas de transmissão de energia — responsáveis pela disponibilização de equipamentos e instalações para o transporte de energia elétrica desde as usinas até os centros de consumo. O modelo, portanto, caracterizou-se por uma estrutura de governança híbrida. Conforme Losekan (2003), parte era hierárquica (planejamento centralizado da operação) e parte mercado entre geradores e distribuidores. O modelo seguramente diminuía os custos de transação decorrentes do planejamento centralizado e da verticalização, na medida em que parte dos custos eram repassados ao setor privado. No entanto, essas mudanças foram insuficientes para evitar crises de fornecimento e credibilidade no setor. Empresas como a Light e a Cerj (distribuidoras de energia no Rio de Janeiro, privatizadas em 1996) deterioraram a qualidade dos serviços com constantes faltas de luz, em 1999, o que expôs as falhas no sistema de regulação implantado. Soma-se que as privatizações foram fonte de polêmicas e conflitos sobre a sua necessidade, conforme Peci (1999, 2007). Soma-se ainda que as novas regras contratuais referentes às cláusulas de contratos de concessões e os contratos iniciais entre geradoras e distribuidoras continham potenciais fontes de conflitos de interesses entre os agentes (CORREIA et al., 2006). No período de 2001 e 2002, ocorreu a pior crise de racionamento de energia11 decorrente das indefinições resultantes do processo de privatização do setor elétrico brasileiro12, da diminuição de investimentos e do aumento da demanda. Destacam-se dois aspectos do relatório da Comissão de análise do sistema hidrotérmico de energia elétrica, instalada nesse período e apontadas por Ventura Filho (2007, p. 7): • Hubo fallas en el proceso de transición del modelo anterior – que identificó la necesidad de nuevas inversiones a través de los estudios de planificación de la expansión – para el nuevo modelo sectorial. En el nuevo ambiente, las Distribuidoras no tuvieron razones para promover la expansión porque los Contratos iniciales cubrían 100% del consumo previsto, sin que existiese respaldo 11 Houve violenta diminuição do consumo com o racionamento, que durou perto de nove meses, administrado pelo Estado. 12 O governo garantia a remuneração mínima ao setor, independentemente de terem cumprido as cláusulas estabelecidas no contrato. 16 físico adecuado. A su vez, las Generadoras, sin embargo expuestas a pérdidas financieras, tampoco invertirían; • El factor principal para el fracaso de las iniciativas gubernamentales para reducir la crisis, en particular el Programa Prioritario de Térmicas, fue la ineficacia de la gestión intra-gubernamental. Hubo fallas de percepción de la real gravedad del problema y de coordinación, comunicación y control; Consequentemente, houve falhas de transmissão de informações entre a ONS, a ANEEL e o MME, para a Presidência da Republica, sobre o risco da crise, o que resultou em grave crise de governança. A região Sul tinha energia excedente, portanto, não sofreu racionamento. No entanto, não havia linhas de transmissão desse excedente para o resto do país devido à falta de investimentos. O Governo Federal criou, através da Medida Provisória no 2.148-1, de 24 de maio de 2001, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE, com o objetivo de propor e implementar medidas emergenciais para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica. Com isso, houve a aprovação no Congresso da lei de Eficiência Energética (Lei 10.025, de 17/10/2001), que dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia, visando a diminuir 20% do consumo de energia e promover a sustentabilidade no fornecimento de energia. Para isso, delegou-se maior poder ao Executivo, que passou a estabelecer níveis máximos de consumo de energia, ou mínimos de eficiência energética, de máquinas e aparelhos fabricados ou comercializados no País. O novo governo, de Luís Inácio Lula da Silva, diante das crises ocorridas instituiu o Sistema Integrado Nacional (Leis 10.847 e 10.848, de 16 de março de 2004 e Decreto 5.163 de dezembro do mesmo ano) a afim de promover novo marco regulatório com o objetivo de assegurar o Abastecimento, promover a Modicidade Tarifária (lei 10.848, art. 1, parágrafos.7 e 8) e a inserção social através da universalização de atendimento (Câmara de comercialização de Energia Elétrica, 2009). Para isso, ocorrem mudanças fundamentais no marco regulatório13: Como medida de mudança do direcionamento governamental, ocorre a exclusão do Programa Nacional de Desestatização (PND) das empresas estatais Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul, Eletrobrás CGTEE (Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica),bem como maior presença do Estado, no planejamento do setor de maneira a viabilizar uma rede de transmissão de qualidade e confiável, além da implementação de um ambiente de mercado (mecanismo de leilão de energia) para cumprir os objetivos (CURSINO NETO, 2007). 13 Marco regulatório compreende o conjunto de regras formais (normas, leis e diretrizes) que norteiam as ações das empresas/agentes privados que prestam serviços públicos. 17 Em termos de estrutura de governança, ocorre nova centralização: o Governo Federal detém a fixação das políticas. A agência reguladora (ANEEL) mantém suas funções de implementar as diretrizes governamentais e de fiscalizar os agentes. Os agentes continuam participando das entidades responsáveis pela comercialização e operação do sistema, sem, contudo, exercer o mesmo controle previsto no antigo modelo. Permanece também o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). As modificações nas organizações participantes foram: a criação da Empresa de Pesquisa Energética-EPE (pela Lei 10.847) vinculada ao MME, com a finalidade de prestar serviços na área de estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do setor energético; a criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica-CCEE pela Lei 10.848 (que substitui o MAE), responsável pela viabilização dos mercados livre e regulado; e a criação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) pela Lei 5.175/2004, para acompanhar e avaliar a continuidade e a segurança do suprimento de energia em todo o território nacional (Agência Nacional de Energia Elétrica, 2008). A ANEEL (2010) tem como atribuições regulare fiscalizar a geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização da energia elétrica, atendendo reclamações de agentes e consumidores com equilíbrio entre as partes e em beneficio da sociedade; mediar os conflitos de interesses entre os agentes do setor elétrico e entre estes e os consumidores; conceder, permitir e autorizar instalações e serviços de energia; garantir tarifas justas; zelar pela qualidade do serviço; exigir investimentos; estimular a competição entre os operadores; e assegurar a universalização dos serviços. A Figura 2 mostra a estrutura de governança do setor elétrico. 18 Figura 2 - Estrutura de Governança Atual do Setor Elétrico. Fonte: ANEEL, 2008, p. 20. G = Geradoras; T = Transmissoras; D = Distribuidoras; C = Consumidores. Cabe à ANEEL a fiscalização e regulação do funcionamento do setor elétrico, bem como a mediação de conflitos. A ANEEL conta com a participação de órgãos de fiscalização colegiados, como as agências estaduais de fiscalização, às quais a ANEEL delega parte de suas atribuições desde que tais órgãos disponham da competência técnica e necessária para tanto. É, também, auxiliadora das funções da ANEEL, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A ANP é responsável pela execução da política nacional para o setor energético do petróleo, gás natural e biocombustíveis. Como essas energias primárias também podem ser utilizadas para produzir eletricidade, o que pode incorrer em conflitos regulatórios, a ANP mantém locos de cooperação com a ANEEL, embora tenha autonomia e não seja um agente institucional do setor elétrico especificamente. Os Conselhos de consumidores e entidades de defesa do consumidor acabam exercendo papel auxiliar na fiscalização e regulação da prestação de serviços do setor elétrico. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ), e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), conforme Abreu (1999), compõem o Sistema Brasileiro da Concorrência (SBDC). 19 Esses órgãos, segundo Abreu (1999), são responsáveis por analisar as fusões das empresas e verificar as denúncias de condutas anticompetitivas, objetivando garantir a concorrência, evitando a formação de cartéis, monopólios ou práticas restritivas à concorrência. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos (SNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA) têm como função, de acordo com Alfredo (2005), vincular a outorga da água a critérios socioambientais, bem como as renovações de licença, que dependem da efetiva operação dos equipamentos de controle da qualidade das afluentes. No que cabe ao funcionamento do mercado, a CCEE é responsável pela administração do mercado de energia, enquanto o ONS executa as atividades de coordenação e controle das operações de geração e transmissão de energia elétrica do SIN. Tanto o ONS quanto o CCEE estão sujeitos à fiscalização da ANEEL. A EPE é responsável pelos estudos que subsidiam o planejamento do setor energético, e a Eletrobrás exerce a função de holding das empresas Federais e Estaduais, bem como fica responsável pela comercialização da energia de Itaipu e das termonucleares. O que se observa, a partir de 2004, é a desvinculação do pensamento institucional de ênfase nas privatizações das empresas, que norteou toda a América Latina na década de 1990. Com a delegação de maiores poderes ao MME, o Estado brasileiro, além de centralizar aspectos políticos e econômicos relevantes sobre a oferta e demanda de energia, buscou manter a estrutura de governança híbrida, com a presença de empresas privadas e públicas, tentando garantir a eficiência das grandes geradoras federais e estatais, bem como honrar suas obrigações para com a Itaipu binacional. O Estado assume a responsabilidade de grande parte da geração de eletricidade. A comercialização de energia entre os agentes (concessionários, permissionários e autorizados dos serviços e instalações, bem como seus consumidores, no SIN) ocorre via contratação regulada ou livre (art.1 da Lei 10848/2004). As companhias distribuidoras, obrigatoriamente, adquirem a totalidade de suas necessidades de energia elétrica através de: (a) contratos regulados, firmados no ACR, e (b) contratos de compra e venda de energia proveniente de geração distribuída, de fontes alternativas (eólica, biomassa e PCH enquadradas na primeira etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas - “Proinfa”), ou da Itaipu Binacional-ACL. As companhias distribuidoras deverão informar ao Poder Concedente sobre a quantidade de energia 20 necessária para atendimento de seu mercado futuro e estarão sujeitas a penalidades por eventuais desvios (artigo 1). A nova lei também determina a desverticalização das companhias distribuidoras, que não mais poderão: (i) desenvolver atividades de geração e transmissão, (ii) vender energia para consumidores livres fora de sua área de concessão, (iii) participar em outras sociedades (exceto quando relacionadas a operações de financiamento em benefício da própria concessionária, sujeitas à autorização prévia da ANEEL), (iv) praticar atividades estranhas ao objeto da concessão. As companhias distribuidoras de pequeno porte (mercado inferior a 500 GWh/ano) e aquelas que atendem a sistemas isolados não estarão obrigadas a participar dos leilões do ACR, nem estarão sujeitas às exigências de desverticalização. As companhias geradoras de energia elétrica podem vender energia tanto no ACR quanto no ACL. A venda no ACR será feita por licitações. Haverá licitações distintas para contratação de energia proveniente de : (i) empreendimentos de geração existentes (a chamada “geração existente”), (ii) novos empreendimentos de geração (“geração nova”), e (iii) fontes alternativas ((LAFIS, 2004). São, portanto, definidos dois ambientes de contratação no mercado de energia com lógicas distintas: o ambiente de contratação regulada, ACR (também conhecido como pool), e o ambiente de contratação livre, ACL. No Ambiente de Contratação Regulada (ACR), participam concessionários de serviço público de distribuição e geração. A contratação se dá através de contratos bilaterais regulados (resultantes de leilões), denominados Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR), existentes entre os vendedores (comercializadores, geradores, produtores independentes ou autoprodutores) e compradores (distribuidores) que participam dos leilões de compra e venda de energia pelo critério de menor tarifa. Ainda no Ambiente de Contratação Livre (ACL), há a livre negociação entre os Produtores Independentes de Energia (PIEs), geradores, comercializadores livres e importadores e exportadores de energia. Os acordos de compra e venda são consolidados por contratos bilaterais (LAFIS, 2004). Todos os geradores, por se tratar de segmentos competitivos, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (2003), sejam concessionários de serviços públicos ou produtores independentes de energia, incluindo os autoprodutores com excedentes, poderão comercializar energia nos dois ambientes. 21 No Ambiente de Contratação Regulada, a entrega, por parte das geradoras foi prevista para ocorrer em um, três ou cinco anos (chamados respectivamente de A-1, A-3, A-5), após a data de realização dos leilões, estes determinados pelo MME e realizados pela ANEEL e pela CCEE. Por meio de portaria, o MME fixa o preço teto parao MWh a ser ofertado, considerando se a fonte de energia é térmica ou hidráulica. A prioridade é dada ao vendedor que pratica o menor preço (Agência nacional de energia elétrica, 2008). No ACL comercializa-se a energia elétrica para atender aos consumidores livres, por intermédio de contratos bilaterais livremente negociados quanto aos preços, prazos, volumes e cláusulas de hedge a critério dos interessados. No entanto, as concessionárias de geração estatais e concessionárias de distribuição, mesmo quando contratando no ACL, deverão publicar editais de leilão público, previamente aprovados pela ANEEL (Ministério de minas e energia, 2003). A figura 3 mostra o ambiente de contratação instituído. Figura 3 - Ambiente de Contratação do Setor Energético Brasileiro. Fonte: Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (2009). Em agosto de 2009, participaram das operações, na CCEE, 950 Agentes, sendo 26 Autoprodutores, 64 Comercializadores, 637 Consumidores Livres (66,7%), 43 Distribuidores, 27 Geradores, 156 Produtores Independentes e 1 Agente da Classe Importador/Exportador (Câmara de comercialização de energia elétrica, 2009). Segundo Correia et al. (2006), o desenho de leilão, adotado a partir de 2004, buscou simplificar ao máximo o problema de decisão dos proponentes vendedores. Além disso, a nova legislação causou impactos significativos para praticamente todos os agentes do setor. A 22 atividade de compra de energia das empresas de distribuição teve seus limites de contorno bastante definidos, o universo de possibilidades de contratação foi restringido e a previsão do mercado tornou-se fator de alto risco na atividade de distribuição. A inserção de penalidades para eventuais erros, conforme Correia et al. (2006), aumentou a previsão do mercado. Essa rigidez na contratação, bem como o fato de a maior parcela da energia ser comprada em conjunto (nos leilões), fizeram com que os riscos de preço de energia provenientes de exercício de poder de mercado e compras no curto prazo fossem praticamente eliminados. Com relação aos consumidores, a nova lei segue a tendência histórica de se repassar ao consumidor final os custos do setor. Embora na Lei 10.848 existam as diretrizes de modicidade tarifária e a limites de repasse tarifário (art.2, item V), os consumidores arcarão com os custos das licitações promovidas no ambiente regulado, inclusive encargos e tributos incidentes. Serão também repassados os custos com a contratação de reserva de capacidade, com os contratos de disponibilidade de energia, pelos quais os geradores serão pagos independentemente de efetiva entrega de energia elétrica ao sistema (art.2, IV, parágrafo.4). Como foco conflituoso, a nova lei permite que as companhias distribuidoras fiquem impossibilitadas de revisar tarifas, bem como receber recursos públicos do CDE (art.10, Lei 10.848). Esse cenário mostra mudanças institucionais importantes, como o intento, por parte do Estado, de criar e aumentar o número de agências estaduais de regulação, delegando parte das atividades da ANEEL aos órgãos estaduais. Ao mesmo tempo, procurou estimular a geração, por parte de agentes privados, com regulamentações claras e agentes institucionais dotados de poderes, a fim de agilizar a tomada de decisões no ambiente de contratações. Isso pode ocorrer de um lado, com preços livremente negociados na geração e comercialização no Ambiente de Contratação Livre (ACL), de outro, com leilões e licitação pelo menor preço no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), bem como com a garantia do cumprimento dos contratos por meio de penalidades bem definidas. Ao aumentar o número de agentes institucionais na estrutura de governança do setor elétrico, o Estado almejava definir melhor os direitos de propriedade de cada agente econômico, em cada segmento, buscando simplificar a tomada de decisões dos diferentes agentes. As mudanças de 2004 indicam que ocorrem aumentos nos custos de transação devido ao surgimento de complexas relações contratuais entre os agentes e a presença de uma 23 governança híbrida, com a presença determinante do estado direcionador das regras e do mercado com empresas privadas e públicas. Ao mesmo tempo em que a diversificação dos agentes institucionais busca melhorar a qualidade dos serviços oferecidos e melhor delimitar os direitos e deveres dos agentes, buscando prover contratos mais transparentes e seguro, para facilitar as transações e estimular a iniciativa privada, pode-se apontar que existe a dificuldade de entender as complexas relações entre os agentes participantes somadas às incertezas com relação à garantia dos direitos de propriedade estabelecidos nos contratos (nos últimos 20 anos, as regras do jogo foram mudadas diversas vezes) e ao aumento dos custos de transação e potencial desestimulo ao investimento privado no setor. 5 Conclusão O ambiente de geração, distribuição e comercialização de energia mostra a importância que existe nos estudos sobre a governança e os custos de transação. A economia institucional argumenta que a eleição da estrutura de governança é fundamental na redução dos custos de transação decorrentes da racionalidade limitada dos agentes econômicos envolvidos na transação (expresso pela elaboração de contratos incompletos), bem como das especificidades dos ativos e da possibilidade de surgimento do oportunismo. Esses aspectos da teoria institucional permitem compreender e mapear a complexidade da atual formação do setor elétrico brasileiro, as modificações na estrutura de governança que visam, no fundo, o equilíbrio entre a oferta e demanda de energia e a eficiência do setor. Somam-se a isso, as dificuldades resultantes da própria alteração na estrutura de governança, no que se refere ao poder; de uma estrutura centralizada, onde o setor é um monopólio natural estatal, para uma estrutura híbrida, com a presença de múltiplos agentes e interesses coordenados e regulamentados pela ANEEL. Salienta-se que as modificações, ocorridas em 2004, tiveram como fator motivador a correção das falhas que geraram a crise energética de 2001. Quer dizer, na medida em que havia brechas nos contratos, que permitiram o desequilíbrio no setor e o racionamento, o Estado centralizou os direcionamentos políticos e procurou delimitar, de maneira mais clara, as regras de contrato e de relação entre os diferentes agentes envolvidos e entre os agentes e o Estado. Se, por um lado, tais iniciativas, em tese, diminuem as incertezas e, consequentemente, os custos de transação envolvidos, por outro lado, tais aspectos legais surgiram no momento da crise e, portanto, podem estabelecer condições adversas para o Estado, setor privado, e consumidor, as quais o tempo mostrará. Não há dúvidas que a 24 estrutura de governança é mais participativa e propicia maior transparência aos processos de negociação relativamente à estrutura anterior. Os contratos e a coordenação da ANEEL tem como objetivos garantir que ocorram investimentos no setor. No entanto, as regras vigentes foram estabelecidas em um ambiente de alta pressão social, de necessidade de resposta rápida, o que significa menor reflexão e negociação entre os agentes. Consequentemente, as reformas têm como foco o aumento da competição entre os diversos agentes (através dos leilões, em particular) e a implementação de relações institucionais e organizacionais, tanto vertical quanto horizontalmente, aumentando a complexidade do setor, e exigindo um forte papel direcionador e fiscalizador do Estado, de maneira a gerar confiança e, principalmente, credibilidade da agência e dos agentes envolvidos. Além disso,deixando de lado os problemas técnicos, existem aspectos sociopolíticos que interferem na estrutura de governança, portanto, nos resultados a serem alcançados, tais como a necessidade de administrar as grandes diferenças regionais, os interesses diversos e conflitantes dos agentes públicos e privados, a assimetria de informações, entre outras. A complexidade do setor, seguramente, não é contemplada pela missão da ANEEL, que é bem restrita: proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade. Referências ABREU, Yolanda Vieira de. Reestruturação e Privatização do Setor Elétrico Brasileiro (1999). 1. ed. Málaga: Grupo Eumed.net,v.1 2009. ALFREDO, J. Manguezal ameaçado: impactos sociais e ambientais da criação de camarões em cativeiro. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2005. ALVES, J. M.; STADUTO, J. A. R. Análise da estrutura de governança: o caso da Cédula do Produtor Rural (CPR). In: WORKSHOP BRASILEIRO DE GESTÃO DE SISTEMAS AGROALIMENTARES, 2.,1999, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial: FEA: USP, 1999. 1 CD-ROM. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Atlas de energia elétrica. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2008. ______. Relatório ANEEL 2007. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/>. Acesso em: 19 maio 2009. BAER, W.; MCDONALD, C. Um retorno ao passado? A privatização de empresas de serviços públicos no Brasil: o caso do setor de energia elétrica. In: Planejamento e políticas Públicas-PPP, n. 16, dezembro de 1997. 25 BANCO MUNDIAL. O Estado num mundo em transformação. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. Washington: Oxford University Press, 1997. BRANCO, C. Energia elétrica e capital estrangeiro no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Balanço energético nacional 2008. Brasília, DF: MME, 2008. ______. Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE. Nossa história. Brasília, DF: CCEE, 2009. Disponível em: <http://www.ccee.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2009. ______. Ministério de Minas e Energia. Modelo institucional do setor elétrico. Brasília, DF: 2003. CASTRO, M. A. L. Análise de risco de uma distribuidora associada a compra e venda de energia no novo modelo do setor elétrico. 2004. Dissertação (Mestrado)-Faculdade de Tecnologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2004. COASE, R. H. The Nature of the Firm. Economica n. 4, november, 1937. COASE, R. H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, Chicago, v. 3, Oct. 1960. CORREIA, T.; MELO, E.; COSTA, A.; SILVA, A. Trajetória das reformas institucionais da indústria elétrica brasileira e novas perspectivas de mercado. Revista Economia, Brasília (DF), v. 7, n. 3, p. 607-627, set./dez. 2006. CURSINO NETO, João. A estruturação e conformação do investimento na geração de energia elétrica por meio hidráulico uma contribuição ao estudo das variáveis influentes no retorno. Dissertação (Mestrado em Ciências contábeis). Fundação Alvares Penteado, 2007. ESCELSA. O que é energia elétrica. Disponível em: <http://www.escelsa.com.br>. Acesso em: 14 maio 2009. FADUL, Elvira M. Cavalcânti. Reforma do Estado e serviços públicos: transformação de um modelo ou adaptação à uma nova ordem social? In: Seminário Internacional “Reestruturação e Reforma do Estado: Brasil e América Latina no Processo de Globalização” São Paulo, FEA/FIA/USP, 18-21 de maio 1998. FREITAS, K. R. V. As estratégias empresariais de cooperação e integração vertical: o caso da indústria de petróleo do Brasil. 2003. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Economia)-Instituto de Economia, Universidade Federal Fluminense, 2003. GODOY, Amalia M.G. Governança pública local: uma reflexão. In: GODOY, Amalia M. G.; DIAS, Maria H. A. Teoria econômica contemporânea: debates e reflexões. São Paulo: Coluna do Saber,p. 76-116. 2009. 26 GOLDEMBERG, J. Energia no Brasil. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. GUADAGNINI, M. A. Fontes alternativas de energia: uma visão geral. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2006. LAFIS. Estudo setorial: energia elétrica - geração. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/16126199/Energia-Eletrica-Geracao>. Acesso em: 19 jun. 2008. LEÃO, C. J. S. Estrutura de Governança e Estratégia Empresarial no Setor Elétrico: o Caso da Atividade de Manutenção Elétrica da Coelba. 2004. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal da Bahia, 2004. LOSEKAN, L.D. Reestruturação do setor elétrico brasileiro: coordenação e concorrência. Tese de Doutorado, Instituto de Economia da UFRJ, Rio de Janeiro, dezembro de 2003. MARTINS, A. R. S.; AGUIAR, S. C.; HADDAD, J. et al. Eficiência energética: integrando usos e reduzindo desperdícios. Brasília, DF: Agência Nacional de Energia Elétrica: Agência Nacional de Petróleo, 1999. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Privatização e Serviços Públicos. In: Revista Trimestral de Direito Público. N° 22. São Paulo: Malheiros, 1998. NORTH, D. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: University Press, 1990. OLIVEIRA, Carlos, A. C. N. V. O surgimento da estruturas híbridas de governança na indústria de energia elétrica no Brasil: a abordagem institucional da Economia dos Custos de Transação. 1998. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. PECI, A. Novo marco regulatório para o Brasil da pós-privatização: o papel das agências reguladoras em questão. Revista de Administração Pública, v. 33 n. 4, p 121-135, Julho- Agosto, 1999. PECI, A. Reforma regulatória brasileira dos anos 90 à luz do modelo de Kleber Nascimento. RAC. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 11-30, 2007. PEREIRA, D.; CELENTANO, D.; PEREIRA, R. Fatos Florestais da Amazônia 2005. Belém: IMAZON, 2005. PINTO JR. (org.). Economia da Energia: fundamentos econômicos, evolução histórica e organização industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. PIRES, M. C. P. Regulação e concessão de serviços públicos de energia elétrica: uma análise contratual. 2000. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. POSSAS, M. L. ET AL. Regulação da Concorrência nos Setores de Infra- estrutura no Brasil: Elementos para um Quadro Conceitual. Relatório de Pesquisa IPE,1997. 27 SANTANA, E. A. de; OLIVIERA, C. A. C. N. V. de. Análise da indústria de energia elétrica do Brasil: abordagem através da economia dos custos de transação. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 29, n.2, p 372-294, ago, 1999. SAUER, I. L. et al. A reconstrução do setor elétrico brasileiro. São Paulo: Paz e Terra e UFMS, 2003. ______. Estratégia de geração ao mínimo custo e assimetria de informações: o caso da operação do mercado de energia elétrica do Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32., 2004. Salvador. Anais... Salvador: ANPEC, 2004. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro_2004.htm>. Acesso em: 18 abr. 2009. WILLIAMSON, O. E. Economic Organization: firms, markets and policy control. New York: Harvester Wheatsheaf, 1986. ______. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1985. ______. The economic of governance. American Economic Review, v. 95, Papers and Proceedings, p. 1-18, 2005. ______. The mechanism of governance. New York: Oxford University, 1996. ______. Transaction cost economics and organizational theory. Journal of Industrial and Corporate Change, v. 2, p. 107-156, 1993. ______.Transaction cost economics: the governance of contractual relations. Journal of law and economics, v. 22, n. 2, p. 233-261, Oct. 1979. Disponível em: <http://www.nek.lu.se/NEKAHA/hemsida/Williamson.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2009. ______.Why Law, economics and organization. UC Berkeley School of Law Public Law and Legal Theory Working Paper n. 37, 2000. Disponível em: <http://groups.haas.berkeley.edu/bpp/oew/wleaorg17b121800.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2009. VENTURA FILHO, A. Competencia de Mercados Energeticos: Estudio de Caso Brasil. Organización Latinoamericana de Energia – OLADE, 2007. Disponível em: http://www.olade.org.ec/documentos2/Estudio%20de%20Caso%20Brasil.pdf. 28 QUAL A ÂNCORA DE CARREIRA PREDOMINANTE NUMA ÁREA INTERNA DE UM GRANDE BANCO COMERCIAL DO BRASIL? Renato Manga Jacob14 Resumo Este artigo analisa a evolução da carreira e seus diversos significados, e em seguida, apresenta um estudo realizado com funcionários da área meio de um grande banco comercial, sobre as suas autopercepções e identificação da sua âncora de carreira. O objetivo da pesquisa foi identificar o tipo de âncora predominante e se haveria ligação com o tipo de serviço executado. Como metodologia, foi aplicado o Inventário de Âncoras de Carreira de Edgar Schein em 67 funcionários, lotados no setor de câmbio e superintendência comercial. O resultado deste estudo foi que nos dois grupos pesquisados, a principal âncora de carreira encontrada foi Estilo de Vida, contrastando com a hipótese deste artigo, de que haveria predominância do tipo "Técnico Funcional", em função do tipo de tarefa realizada. Isso demonstra que, independente da atividade executada, há uma aspiração e uma tendência no mercado de trabalho atual, por melhor qualidade de vida e equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Há outras análises abordadas neste estudo, como idade, sexo, experiência profissional, escolaridade, e outras características que possam refinar o resultado. A referência bibliográfica utilizada foi o próprio material do Edgar Schein, além de outros artigos e dissertações com aplicação do questionário em outros grupos de pessoas, como estudantes e profissionais de outros ramos de atividade. Palavras-Chave: Ancôra de Carreira. Estilo de Vida. Banco Comercial. Abstract This article analyses career evolution and its various meanings, additionally to a study carried out with employees of the internal area of a large commercial bank, about their self- perceptions on and identification of their career anchor. The aim of the research was to identify the type of prevailing anchor and whether there might be any connection with the type of job performed. As methodology, Edgar Shein's Inventory of Career Anchor was applied in 67 employees, from the exchange sector and the commercial superintendence. In both groups surveyed, the main anchor found was Life Style, contrasting with the hypothesis of this article, that the “Technical-Functional“ type would prevail, as a result of the type of task carried out. This shows that, regardless of the activity performed, there is an aspiration for better quality of life and balance between the professional and the personal life. Other aspects have been considered in this study, like age, gender, time at the bank, level of formal education, and other characteristics which might refine the result. The bibliographical reference used was that of Edgar Schein’s own material, in addition to other articles with application of the questionnaire in other groups of individuals, like students and professionals of other fields of activity. Key-word: Career Anchor. Life Style. and Commercial Bank. 1 Introdução O segmento bancário brasileiro se desenvolveu muito nos últimos anos, em grande parte, impulsionado, pela entrada de empresas estrangeiras no setor, que ocorreu em meados da década de 90, trazendo maior concorrência e novas técnicas de atuação dos bancos 14 Instituição Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP. 29 comerciais, além da estabilidade econômica alcançada pelo país, que incentivou a entrada destas empresas internacionais. Tal progresso trouxe uma nova dinâmica para o mercado e um forte impacto na cultura organizacional destas instituições, principalmente no que tange a carreira profissional de seus funcionários. Segundo Lopes (2008), as organizações têm vivenciado profundas mudanças para se ajustarem ao novo contexto competitivo e globalizado. Com estruturas mais horizontais, flexibilização do trabalho e adoção de novas tecnologias, a carreira profissional tem sido cada vez mais afetada, por isso torna-se imperativo que os trabalhadores e as organizações se preocupem e repensem constantemente as formas como lidam com as carreiras. Nesse campo de estudos, de mudanças e transformações nas empresas e das carreiras, há diversos autores que já realizaram pesquisas sobre o assunto, como Lisboa (2002), que discorre sobre os impactos das modificações ocorridas nos indivíduos como profissionais; e assim como no trabalho de Teixeira e Gomes (2005), o qual afirma que a decisão por uma carreira deve ser compreendida como a capacidade de identificar interesses, estabelecer objetivos profissionais e traçar um plano de ação para atingir seus objetivos. Já Dutra (1996) descreve que a administração da carreira é importante para adequar os projetos de vida das pessoas aos da organização e, com isso se obter suporte necessário para planejar uma trajetória profissional. Estudos sobre trajetória profissional e âncoras de carreira existem na literatura há décadas e em certa quantidade, como Super (1980), Chanlat (1995), Martins (2001) e Hall (2004), os quais estão sempre em pauta. Entretanto, segundo Lopes (2008), em relação ao setor bancário há poucos trabalhos que relacionam a trajetória profissional e âncora de carreiras, destacando-se a dissertação de mestrado de Keilla Petronilia Santos Lopes, sobre “Trajetória Profissional e Âncora de Carreira de Executivos do Setor Bancário”, de 2008, que descreve e relaciona estudo sobre este tema com profissionais da área financeira. Diante da afirmação de Lopes (2008), de que há pouca quantidade de estudos realizados sobre âncora de carreiras de profissionais do segmento bancário, principalmente em postos de baixa comissão, foi levantada a dúvida de qual âncora de carreira que predomina numa área interna de um grande banco comercial, como por exemplo, o setor de comércio exterior, e também qual o perfil desses profissionais. Além disso, com as mudanças que houve nos últimos anos no segmento bancário, é de se perguntar: será que o emprego num grande banco comercial ainda é visto como uma carreira tradicional, ou seja, marcado pela estabilidade e segurança de emprego? 30 Vale salientar que com o segmento bancário mais globalizado e concorrido, o atendimento ao cliente virou um diferencial de mercado para conquistar e manter a clientela, exigindo das organizações diferenciação no atendimento. Neste contexto, a área de apoio, como setor de câmbio, passou de mero executor de rotinas para uma área que além de executar, também presta consultoria para os profissionais ligados ao atendimento direto ao cliente, exigindo, desta forma, uma maior especialização dos funcionários da área meio. Diante do exposto, este artigo concentra-se na seguinte questão: Qual a âncora de carreira predominante de um grupo de funcionários de um grande banco comercial brasileiro, os quais atuam em áreas internas e prestam serviços de apoio? Espera-se que com este estudo, possa responder outras questões secundárias, mas nãomenos importantes, como: Será que estas instituições, que contam com grande número de funcionários, sabem utilizar todo o potencial de seu corpo funcional nos lugares apropriados? Será que a carreira de bancário ainda é considerada como tradicional? Será que nas unidades de apoio, em que se exige uma maior especialização, há predominância de pessoas com âncora de carreira ligada a "Técnico Funcional”, visto que as áreas de apoio necessitam de cada vez mais especialização de seus funcionários? Qual o perfil dos funcionários que atuam nas áreas meios? O objetivo desse artigo será identificar a âncora de carreira predominante entre os funcionários das estruturas de apoio, cuja exigência técnica é primordial para o atendimento e execução do serviço. Como objetivos específicos, foram definidos: criar relação entre o perfil dos profissionais com a âncora de carreira predominante, observando se há correlações, e verificar se o banco está valorizando o funcionário com perfil “técnico funcional” na área interna, já que existe exigência de maior especialização. O foco da pesquisa foi especificamente nos setores de câmbio e da superintendência comercial, numa instituição financeira de grande porte, um dos maiores bancos comerciais do país, com grande representatividade no mercado cambial e com 200 anos de experiência. Foram entrevistados 67 funcionários, no período de agosto de 2008 a setembro de 2008, que atuam em áreas internas do banco. Para coletar os dados, foi utilizado o questionário de âncora de carreira elaborado por Edgar Schein. 2 Fundamentação teórica Segundo Lopes (2008), durante muitos anos, a trajetória profissional dos trabalhadores não pressupunha muita mobilidade e nem era alvo de inovações, ou muito menos pressionadas por mudanças como ocorre na atualidade. Evoluir dentro dessas trajetórias era 31 um privilégio concedido a poucos, haja vista serem reguladas pelas tradições e pelos sistemas sociais. Nesse contexto, a carreira tradicional, segundo Calvosa (2009), era tida como um modelo dentro das estruturas organizacionais das grandes companhias, principalmente em instituições financeiras. Nesse tipo de carreira, o caminho do indivíduo era linear dentro da organização, marcado, sobretudo, pela estabilidade, segurança e progressão hierárquica. Entretanto, com o passar do tempo, os indivíduos buscaram entender as razões para se trabalhar, construindo e buscando sentido para sua vida pessoal e profissional, e, para isso, procuraram traçar seus próprios planos de carreira. Na literatura podem ser identificados três tipos de carreiras, segundo Dutra (1996), a carreira em rede, carreira em linha e carreira em paralelo. A carreira em linha é identificada quando a empresa conduz seu funcionário para um caminho único, voltado para a especialização e para níveis escalonados, sequencias e estruturados de promoções, que o levam a posições gerenciais. Já uma carreira em rede, conforme Nelson (1984), permite que o profissional opte pela trajetória que mais lhe agrade, conforme critérios de acesso estabelecidos. A carreira em paralelo é uma sequencia de posições que uma pessoa pode assumir no interior de uma organização, orientada em duas direções, uma de natureza profissional e outra de natureza gerencial, sendo que o acesso aos maiores níveis de remuneração e de reconhecimento oferecidos pela empresa é garantido em qualquer uma das direções escolhidas. Apesar de vários estudos sobre a carreira, no presente artigo será explorado o trabalho de âncoras de carreiras desenvolvido por Schein (1978, 1993), por se apresentar como a mais completa entre as abordagens do gênero e também porque esta teoria possui maior identificação com os objetivos desta pesquisa. De acordo com Schein (1993), o conceito âncoras é uma combinação de áreas percebidas de talentos, competências, valores e motivos dos quais não se abre mão quando se confronta com a necessidade de fazer escolhas em sua profissão. Assim, âncora de carreira são inclinações pessoais que servem de guia para as decisões relativas à carreira individual e tem como ideal verificar o autoconhecimento da pessoa, baseado em suas motivações e habilidades ocupacionais, para orientar e integrar as experiências profissionais. Segundo Lopes (2008), o conceito de âncora de carreira é uma forma de explicar os padrões dos motivos que levam às tomadas de decisões da escolha profissional. Esses padrões consideram: autopercepção de talento, motivos e valores que servem para guiar, para mudar ou estabilizar as carreiras dos indivíduos. 32 “A âncora de carreira na vida profissional de uma pessoa pode ser utilizada como uma forma de organizar experiências, identificar áreas de contribuição ao longo de sua trajetória, gerar critérios para tipos de trabalho e identificar padrões de ambição e sucesso que a pessoa pode determinar para si mesma. Ela serve, portanto, para guiar, balizar, estabilizar e integrar a carreira de uma pessoa”, segundo Bouzada, Rodrigues E Kilimnik (2007). O conceito de SCHEIN (1978) teve sua origem a partir de seus estudos na Sloan School of Management, do Massachusetts Institute os Technology (MIT), com 44 alunos de MBA, todos do sexo masculino, durante doze anos, utilizando entrevistas para examinar a história de trabalho e as razões das decisões relativas à carreira no período de 1961 a 1973. Essas entrevistas relatavam a história da vida profissional desses alunos, e as razões de suas escolhas e decisões tomadas. Fazendo a análise das respostas atuais, o autor encontrou um padrão de respostas, o que lhe permitiu um enquadramento das similaridades. Constatou-se, também, que as razões tornavam-se mais claras, articuladas e consistentes com a acumulação de experiência no trabalho. Segundo Lopes (2008), com base nos depoimentos, Edgar Schein identificou inicialmente cinco categorias de razões e padrões de escolhas ao longo do desenvolvimento da carreira. Posteriormente, ao retornar à pesquisa com o mesmo Grupo, já exercendo suas atividades profissionais, identificou mais três âncoras. De acordo com Schein (1993), só após o contato com as exigências e o ambiente organizacional é que eles puderam ter consciência de certas necessidades, valores e talentos. Os motivos e valores que haviam manifestado antes da graduação não ajudariam a prever com exatidão as carreiras posteriores. As exigências do ambiente organizacional e as expectativas pessoais provocaram encontros e desencontros entre suas necessidades, valores e aptidões, que só foram vivenciados após alguns anos de experiência profissional. Para dar continuidade aos seus estudos e avaliar mais detalhadamente as âncoras de carreiras, Edgar Schein construiu um inventário. O inventário permite identificar a âncora de carreira predominante, que revela os valores pessoais, dos quais as pessoas não abrem mão. Dessa forma, o inventário tem como objetivo uma avaliação das inclinações profissionais (competências) de cada indivíduo, indicando o seu perfil. Schein (1993) classifica as âncoras de carreiras como: Aptidão técnico-funcional, Aptidão administrativa geral, Autonomia/independência, Segurança/Estabilidade, Criatividade empreendedora, Vontade de Servir/Dedicação a uma causa, Puro desafio e Estilo de Vida. 33 - Aptidão técnico-funcional: Esta âncora é organizada ao redor de um determinado conjunto de conhecimento técnicos e funcionais que permitem às pessoas desenvolverem e/ou trabalharem em projetos desafiadores em termos técnicos. As pessoas com esse tipo de âncora de carreira têm preferência pela especialização, ou seja, atuam buscando desenvolver ao máximo uma determinada
Compartilhar