Buscar

Aportes teóricos rasurados: a crítica literária feminista no Brasil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,
UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e
Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. 
 
Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de
acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s)
documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. 
 
Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s)
título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do
respetivo autor ou editor da obra. 
 
Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito
de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste
documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por
este aviso. 
 
 
Aportes teóricos rasurados: a crítica literária feminista no Brasil
Autor(es): Zolin, Lúcia Osana
Publicado por: Associação Internacional de Lusitanistas
URL
persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/34506
Accessed : 20-Nov-2017 16:45:41
digitalis.uc.pt
impactum.uc.pt
VEREDAS 18 (Santiago de Compostela, 2012), pp. 99-112
Aportes teóricos rasurados: 
A crítica literária feminista no Brasil
LÚCIA OSANA ZOLIN
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
RESUMO:
Nosso objetivo, nesse artigo, é tecer algumas reflexões acerca da Crítica Literária Fe-
minista, um aporte teórico, frequentemente, rasurado nos discursos balizados pelos 
sistemas teóricos tradicionais, cujo objeto primordial é circunscrito pelas chamadas 
«Altas literaturas» e pela suposta literariedade aí imanente. As referidas rasuras –em-
preendidas em termos de Estudos da Mulher, consequentemente, estudos menores– 
decorrem do fato de o feminismo crítico consistir em um modo de ler a literatura, 
confessadamente empenhado, voltado, de um lado, para o desnudamento e/ou para a 
desconstrução dos discursos hegemônicos, responsáveis pela naturalização das dife-
renças hierarquizadas de gênero; e, de outro, para a exploração da literatura de autoria 
feminina, visando destacar-lhe os mecanismos estético-temáticos com que dialoga/
desconstrói as históricas hierarquias de gênero.
Palavras-chave: Crítica Feminista, Rasuras, Autoria Feminina, Gênero.
ABSTRACT:
Current analysis discourses on Feminist Literary Criticism, or rather, a theoretical 
contribution that is often erased in discourses foregrounded on traditional theoretical 
systems whose main aim lies within the milieu of “high literature” and their presumed 
literariness. Erasures within the context of Women Studies and, therefore, ‘minor 
ones,’ are derived from the stance that critical feminism consists of a way of reading 
100 LÚCIA OSANA ZOLIN
literature. This is characterized by a commitment to denounce or to deconstruct hege-
monic discourses that cause the hierarchized differences of gender. On the other hand, 
feminist reading involves a type of literature that highlights the aesthetic and thematic 
mechanisms with which it dialogues and deconstructs gender’s historical hierarchies. 
Keywords: Feminist Criticism; Erasures; Writing By Women; Gender.
A crítica literária feminista, surgida na década de 1970, pode ser 
conceituada como um modo acadêmico de ler a literatura, confessada-
mente, empenhado e de caráter político, voltado: 1) para o desnudamen-
to e para a desconstrução de discursos que circunscrevem a opressão e 
a discriminação da mulher, tomada como objeto de representação lite-
rária; 2) para o desnudamento dos mecanismos estético-temáticos de 
práticas literárias, prioritariamente, de autoria feminina, engajadas em 
representações femininas que não se reduzem a reduplicações ideoló-
gicas de papéis de gênero, sancionados pelo senso comum, mas que 
espelham a multiplicidade e a heterogeneidade que marcam o modo de 
estar da mulher na sociedade contemporânea. Sendo assim, nosso obje-
tivo, nesse artigo, é empreender reflexões acerca desse aporte teórico, 
frequentemente, rasurado ou, no mínimo, questionado no âmbito dos 
discursos críticos legitimados pela/na Academia. 
Com o propósito de delinear os contornos da epistemologia fe-
minista, campo de conhecimento surgido com vistas à emancipação do 
sujeito mulher, Margareth Rago (1998) parte da premissa de que se trata 
de um modo de pensar que rompe com os modelos hierárquicos de ciên-
cia e com vários pressupostos da pesquisa científica. Ao trazer a marca 
da especificidade feminina, tendencialmente libertária e emancipadora, 
o aporte teórico feminista, num certo sentido, opõe-se às concepções 
teórico-metodológicas da ciência contemporânea pautadas no ideal de 
conhecimento objetivo, neutro, visando atingir uma pressuposta verda-
de universal; ao invés disso, incorpora a dimensão subjetiva, emotiva e 
intuitiva no processo de conhecimento. Consequentemente, abandona a 
pretensão de ser a única possibilidade de interpretação do mundo, além 
de descartar a linha evolutiva inerente aos processos históricos, ao enfa-
tizar a historicidade dos conceitos.
101ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
O contexto em que emerge tal aporte teórico é o dos movimentos 
político-sociais surgidos nos frutíferos anos 1960 brasileiros, dentre eles 
o feminismo, definido pela pesquisadora do tema Constância Lima Du-
arte (2004: 2) como «todo gesto ou ação que resulte contra a opressão e a 
discriminação da mulher, ou que exija a ampliação de seus direitos civis 
e políticos». Seu estatuto acadêmico, todavia, só é desenvolvido a partir 
de meados da década de 70, na esteira do pensamento pós-estruturalista 
e desconstrutivista dos «filósofos da diferença»,1 cujas ideias remetem 
à desconfiança em relação aos discursos totalizantes, dando origem aos 
debates que circunscrevem à pós-modernidade.2
Como bem salienta Heloísa Buarque de Hollanda (2003: 15), o 
pensamento crítico feminista revela certa especificidade em relação ao 
quadro teórico no qual se insere, em que coexiste com o novo histori-
cismo, a história das mentalidades e os estudos pós-coloniais: «passado 
o momento inicial de crítica do desagravo e de denúncia da lógica pa-
triarcal nas relações de gênero, as teorias críticas feministas começam a 
mover-se em direção (...) à luta pelo poder interpretativo». Isso implica 
dizer que, no interior dos campos epistemológicos, a teoria crítica femi-
nista, mais que se embrenhar, ao lado das outras teorias antitotalizado-
ras, na crise da representação, lutando e problematizando as pretensas 
verdades discursivamente construídas, precisou (ou ainda precisa?) lutar 
pelo direito à significação.
Esse estado de coisas parece associado ao fato de o feminismo no 
Brasil ter sofrido, em função dos mitos que regem, por aqui, as relações 
de gênero/poder, uma espécie de interdição e/ou resistência por parte 
de setores conservadores, conforme tão claramente explicita Schmidt 
(2006) no ensaio «Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura 
letrada brasileira». Mesmo tendo surgido no contexto da Ditadura Mi-
1 Derrida, Foucault, Deleuze, Lyotard (no campo da filosofia), Lacan (no da psicanálise), 
Althusser (no da sociologia e política) e Barthes (no literário).
2 Terry Eagleton (2010: 27) define o pós-moderno como «o movimento de pensamento 
contemporâneo que rejeita totalidades, valores universais, grandes narrativas históricas, 
sólidos fundamentos para a existência humana e a possibilidade de conhecimento objetivo. 
O pós-modernismo é cético a respeito da verdade, unidade e progresso, opõe-se ao que vê 
como elitismo na cultura, tende ao relativismocultural o pluralismo, a descontinuidade e a 
heterogeneidade».
102 LÚCIA OSANA ZOLIN
litar e, paradoxalmente, assumido como agenda prioritária a defesa de 
direitos civis, políticos e de melhores condições de vida em detrimen-
to das questões ligadas às demandas propriamente feministas, como a 
liberdade sexual, por exemplo. As mulheres identificadas como sendo 
feministas, não raro, eram (ou são?) associadas à imagem da mulher mal 
amada, de feminilidade comprometida, em cujo entorno das práticas so-
ciais pairava (ou paira?) certo desconforto, responsável por lhes tolher o 
desejo de serem reconhecidas como tal.
No cenário acadêmico das décadas de 70 e 80, não foi diferente. 
A crítica literária feminista consistia e, num certo sentido ainda consiste, 
em um aporte teórico, frequentemente, rasurado nos discursos balizados 
pelos sistemas teóricos tradicionais, cujo objeto primordial é circunscrito 
pelas chamadas «Altas literaturas», a literatura canônica, e pela suposta 
literariedade aí imanente. As referidas rasuras ou, em outras palavras, 
as referências pejorativas à perspectiva feminista da crítica literária, são 
empreendidas em termos de «Estudos da Mulher» –eufemismo de «es-
tudos menores» ou «desprovidos de importância»– expressão que sub-
jacentemente remete a uma espécie de debate sociológico no lugar da 
preocupação com o estético, considerada legítima na seara dos Estudos 
Literários. É, nesse sentido, a crítica literária feminista tomada como 
um desvio das práticas críticas tradicionais, de inspiração estruturalista, 
em que valores como maestria técnica, concisão, originalidade, exati-
dão, intensidade, intransitividade, impessoalidade, universalidade, etc., 
reconhecidos por Perrone-Moisés (1998) na ficção de escritores-críticos 
modernos e canônicos, conferem o tom do que seria literariedade.
Do mesmo modo, é ainda a crítica literária feminista, a priori, 
desvalorizada por se ligar a produções intelectuais também desvalo-
rizadas como o é a literatura de autoria feminina, ao lado de outras 
literaturas marginalizadas, populares, de minorias étnicas e sexuais. 
Literaturas essas que, normalmente, não figuram nos currículos dos 
cursos de Letras como leituras obrigatórias, tampouco figuram nos ca-
dernos dedicados à Cultura dos principais jornais e revistas do país, 
nem nas listas dos livros mais vendidos, menos ainda nos catálogos 
das grandes editoras.
103ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
Trata-se, num certo sentido, da dominação e da violência sim-
bólicas de que fala Bourdieu (2005), cujas raízes remontam à históri-
ca dominação masculina, uma estrutura social estabelecida ao longo da 
história da humanidade e naturalizada, de acordo com os interesses da 
ideologia dominante responsável por sua construção. Segundo o teórico, 
«a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa 
justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem ne-
cessidade de se enunciar em discursos que visem legitimá-la» (Bour-
dieu, 2005: 18). Os códigos sociais, portanto, ao se alicerçarem sobre a 
dominação masculina, ratificam-na, entre outros fatores, por meio da di-
visão social/sexual do trabalho, da divisão social/sexual do espaço (rua/
casa), da estruturação do tempo em constantes momentos de ruptura 
masculinos e longos períodos de gestação/amamentação/educação femi-
ninos. Tendo isso em vista, Bourdieu toma os conceitos de «dominação 
simbólica» e de «violência simbólica» para se referir a uma espécie de 
força simbólica de poder androcêntrico estruturada de tal forma que, 
mesmo nesses tempos modernos em que o pensamento feminista ecoa 
no mundo ocidental, é capaz de resistir a ele e às suas estratégias de 
desnaturalização do construído para se propagar no tempo. Para o soció-
logo francês, o efeito da dominação/violência simbólica «se exerce não 
na lógica pura das consciências cognocentes, mas através dos esquemas 
de percepção, de avaliação e de ação que são constitutivos do habitus 
e que fundamentam [...] uma relação de conhecimento profundamente 
obscura a ela mesma» . (Bourdieu, 2005: 49-50). 
Nesses termos, é que a crítica literária feminista e seu objeto 
primordial, a literatura de autoria feminina, são, num certo sentido, in-
terditadas em determinados ambientes acadêmicos brasileiros, consi-
derados mais conservadores, sobretudo ao replicarem os discursos de 
valorização dos cânones oficiais, ancorados na literariedade imanente à 
obra; literariedade essa que os segmentos críticos nascidos no seio do 
pensamento pós-estruturalista vem constantemente questionando.
O fragmento que abaixo recortamos, retirado do artigo «Femi-
nismo activo», do escritor e jornalista brasileiro João do Rio, publicado 
em 1911, funciona como amostragem das origens tradicionais da Crítica 
Literária Brasileira, em certa medida, propagadas no tempo de modo 
104 LÚCIA OSANA ZOLIN
que suas marcas são ainda vislumbradas no cenário crítico contemporâ-
neo (João do Rio, 1911, apud Xavier, 1999, p. 19):
Eu sempre tive pelas senhoras que fazem literatura –um atemorado 
respeito. 
As relações com uma poetisa são verdadeiros desastres impossíveis 
de remediar, mas que o galanteio social obriga a acoroçoar. Quando a 
femme de lettres deixa o verso e embarafusta por outras dependências 
da complicada arte de escrever, as relações passam à calamidade. [...] 
Por que escrevem essas senhoras? Ninguém o soube; ninguém o sabe-
rá. Com certeza porque não tinham mais o que fazer, como a Duqueza 
de Dino. Mas elas escrevem, escrevem, escrevem
São posicionamentos críticos como esse, moeda corrente na nos-
sa tradição literária, que têm impulsionado a crítica literária feminista 
contemporânea a trabalhar, no sentido de desnudar os princípios que têm 
fundamentado os cânones literários oficiais, seus pressupostos ideológi-
cos, seus códigos estéticos e retóricos, tão marcados por preconceitos de 
cor, de classe social e de sexo, para, então, desestabilizá-lo.
Trata-se de uma reação impulsionada pela constatação de que o 
valor estético da literatura canônica não reside apenas no próprio texto, 
mas em fatores como os acima arrolados, construídos em consonância 
com os valores da ideologia patriarcal. A intenção é promover a visibi-
lidade da mulher como produtora de um discurso outro, dissonante em 
relação àquele arraigado milenarmente na consciência e no inconsciente 
coletivos, inserindo-a na historiografia literária.
No Brasil, a literatura de autoria feminina, de até bem pouco 
tempo atrás, não existia efetivamente, isto é, não aparecia no cânone 
tradicional. Conforme observa Viana (1995: 168-9), as Histórias Literá-
rias de José Veríssimo e Sílvio Romero «nos deixam a impressão de que 
o mundo da literatura era povoado somente por homens». Até mesmo 
A história da literatura brasileira, de Lúcia Miguel Pereira, publicada 
em 1950, crítica que se fez reconhecer no «estreito círculo dos literatos 
105ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
masculinos», refere-se apenas a Júlia Lopes de Almeida, certamente por 
não considerar que as demais escritoras da época tenham participação 
na formação da identidade nacional ou, simplesmente, por considerar 
suas obras inferiores em relação àquelas modelares dos ditos «homens 
letrados». Do mesmo modo, as Histórias mais recentes referendam a 
exclusão da mulher como sujeito participativo da história, como é o caso 
do clássico História concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, 
publicado nos anos 1970, hoje na 46.ª edição, que, sendo presença obri-
gatória nos cursos de Letras da maior parte das universidades brasilei-
ras, considera não mais que cinco ou seis escritoras como integrantes do 
cenário das Letras brasileiras.
Em pesquisa realizada no início dos anos 90 sobre o estado da arte 
da crítica e da pesquisaliterária feminista no Brasil de então, Hollanda 
(1992) constata uma clara predominância dos estudos historiográficos, 
de modo especial, da tendência arqueológica, empenhada em resgatar 
a literatura produzida por mulheres no século XIX, perdida ou silen-
ciada pelas forças dominantes. Do mesmo modo que constata que os 
resultados desses estudos mostravam-se, em certa medida, insatisfató-
rios ao revelarem que os objetos resgatados não cabiam nas lacunas da 
historiografia literária oficial, em seus pressupostos inventados segundo 
os discursos das genealogias patriarcais, responsáveis pela legitimação 
de uma tradição tomada como única, ancestral e linear. Daí tais objetos 
terem sido excluídos, ignorados e/ou marginalizados.
Passados mais de vinte anos, há que se perguntar qual o estado 
da arte da crítica literária feminista brasileira hoje. Cabe, sobretudo, per-
guntar quais os parâmetros que vem utilizando para empreender juízos 
de valor acerca da literatura de autoria feminina, deslocada em relação 
ao eixo literário institucionalizado. Não apenas aquela resgatada do es-
quecimento oitocentista, mas, também, a que vem sendo produzida nos 
dias de hoje.
Se é bem verdade o fato de a área dos Estudos Literários no 
Brasil ser matizada pelo conservadorismo, como atestam certas postu-
ras assumidas por pesquisadores/as de algumas das principais institui-
ções de ensino superior do país, bem como de algumas das associações 
106 LÚCIA OSANA ZOLIN
mais prestigiadas da área, também é certo que o feminismo crítico vem 
buscando cada vez mais espaço nesses circuitos. Ainda que pareçam 
bizarros certos embates travados nessas instâncias em ocasiões em que, 
mediante a presença de pesquisadores menos ortodoxos, é trazida à tona 
a velha dicotomia entre a alta literatura, aquela essencialmente superior 
por seus valores estéticos inquestionáveis –normalmente de escritores 
mortos canonizados–, e aquela outra de minorias e de marginalizados/
as, considerada menor em função dos debates político-sociais que em-
preende.
Quando o tema das discussões acadêmicas gira em torno de tais 
embates, bem como das rasuras relacionadas ao pensamento crítico fe-
minista, não são raras as referências a Harold Bloom, um dos mais apai-
xonados defensores do cânone, consequentemente, ferrenho opositor do 
que chama «escola dos ressentidos» e/ou dos «leitores missionários». 
Em entrevista recente concedida a Winston Manrique Sabogal (2011), 
jornalista de El País, o autor de O cânone ocidental reitera o que busca 
na literatura: «A beleza! A arte! O sublime!». Eis os parâmetros a partir 
dos quais o dito mais influente crítico literário do mundo, sugestivamen-
te chamado pelo jornal espanhol de «O canonizador», lê a literatura.
No entanto, se a «literatura sublime transporta e engrandece seus 
leitores», como nos ensina Bloom, o «sublime e o estético não pare-
cem viver seu melhor momento», como provoca o jornalista de El País. 
Noutras palavras, não parece serem esses os valores que os/as leitores/as 
contemporâneos buscam na literatura. Basta passar os olhos pelas listas 
das obras campeãs de venda, frequentemente divulgadas pelos jornais e 
revistas, seja no Brasil, seja no exterior.
No que se refere aos estudos afetos à área «Mulher e Literatu-
ra» no Brasil, é inegável a disseminação acadêmica de iniciativas que 
colocam sob suspeita a primazia do «sublime» e do «estético», seja por 
meio de grupos de pesquisa, de linhas de pesquisa que, de algum modo, 
abarcam o tema, de publicações e/ou dos trabalhos acadêmicos em nível 
de mestrado e de doutorado. Segundo dados apresentados3 na coletânea 
3 Esses dados são retirados do capítulo «Literatura e gênero em foco nos grupos de pesquisa 
do GT “A mulher na literatura»», de Eliane T. A. Campelo.
107ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
Mulher e Literatura –25 anos: raízes e rumos, organizada pela pesqui-
sadora feminista Cristina Stevens (2010), acerca do GT da ANPOLL 
(Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística) «A 
mulher na literatura», constituído de 63 pesquisadoras/es oriundas/os de 
diversas universidades brasileiras e estrangeiras, o Diretório de Grupos 
de Pesquisa do CNPq registra 62 grupos de pesquisa em que se observa 
a interface entre literatura e gênero, dos quais essas/es pesquisadoras/
es participam ou lideram; registra, também, 127 linhas de pesquisa (in-
cluindo as repetidas, uma vez que a pesquisadora considera que «cada 
integrante imprime uma direção personalizada ao seu estudo» (p. 47); 
além disso, num período de três anos (de 2007 a 2009), o grupo publicou 
552 títulos, sendo 68 livros, 219 capítulos, 154 artigos em periódicos 
especializados e 111 artigos em anais de eventos científicos. No que se 
refere ao número de dissertações e teses orientadas pelas/os integrantes 
do GT, de acordo com os dados levantados pela pesquisadora Cíntia 
Schwantes (2010), no período de 1985, ano de fundação do GT, a 2009, 
foram registradas 99 orientações de teses de doutorado e 330 orienta-
ções de dissertações de mestrado.
Há que se reconhecer, sem dúvida, o impacto da massa crítica 
que se pressupõe no campo acadêmico, no âmbito dos estudos literários, 
a partir desses números, ainda mais se somados a outros tantos resulta-
dos de pesquisas, publicações e/ou orientações realizadas em todo o país 
por pesquisadores/as que, embora não integrem o GT da ANPOLL «A 
mulher na literatura», se dedicam aos estudos da área «Mulher e Lite-
ratura» e muito produzem, contribuindo para com a institucionalização 
dos estudos feministas.
Esse quadro, todavia, não anula a ambiguidade estabelecida en-
tre a legitimidade acadêmica dos estudos feministas e a resistência da 
academia em sancionar como sendo de excelência as pesquisas em cujo 
bojo estão inevitáveis interesses políticos, como é o caso dos trabalhos 
desenvolvidos a partir dos aportes teóricos fornecidos pela crítica literá-
ria feminista. Segundo Rita Terezinha Schmidt (2010: 267):
108 LÚCIA OSANA ZOLIN
O termo «feminismo» nunca deixou de causar desconforto, senão oje-
riza, em parte da elite masculina letrada do país, para não dizer tam-
bém, de colegas –incluindo mulheres– da academia, e a relação mulher 
e literatura, do ponto de vista da crítica literária tradicional, é ainda 
considerada uma conjunção imprópria e não pertinente. A institucio-
nalização dos estudos sobre mulher e literatura é uma realidade con-
solidada, mas isso, paradoxalmente, não significa uma valorização da 
perspectiva feminista, nem aceitação ou credibilidade, apenas o acolhi-
mento de iniciativas em razão de um corpo docente qualificado, insis-
tente em seus pleitos e resistente à invisibilidade.
A indisposição da academia, referida nessa reflexão de Schmidt, 
em acolher e incentivar as pesquisas assentadas no escopo teórico do 
feminismo acaba por se converter em práticas, bastante palpáveis de 
interdição. Tais práticas vão desde a desqualificação do pensamento fe-
minista, motivada pela epistemologia patriarcal nacional, alicerçada na 
equação poder = saber; passando pela dialética da identidade compulsó-
ria e da diferença desprestigiada; até chegar à desqualificação do próprio 
objeto, por meio da clássica dialética do universal e do particular –sendo 
universal e positiva a literatura canônica, isenta de marcas ideológicas, 
e particularista e, obviamente, negativa a literatura oriunda de grupos 
sociais marginalizados. A literatura de autoria feminina, nesses termos, 
é considerada, a priori, menor, marginal, desprovida de valores estéti-
cos na mesma proporção que é comprometida com valores ideológicos 
imbuídos de pensar a diferença. Na direção oposta, a referência para tal 
desclassificação é a literatura canônica, assentada em conceitos identi-
tários que gravitam em torno do homem branco, heterossexual, culto e, 
preferencialmente,oriundo dos grandes centros urbanos. São parâme-
tros para essas constatações as diversas publicações que se incumbem 
de registrar a história da literatura brasileira, conforme nos referimos em 
páginas anteriores.
Em termos mais abrangentes, no ensaio já referido «Refutações 
ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira», Schmidt 
(2006) considera uma série de práticas discursivas empreendidas pelos 
veículos de comunicação de massa que acabam por redundar em re-
109ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
futações e/ou interdições da legitimidade do pensamento feminista no 
meio acadêmico. Não são raras as reportagens veiculadas em grandes 
revistas, como a Veja, que, de um lado, silenciam sobre os avanços do 
feminismo, tomado como campo de pesquisa, de recorte teórico e cor-
pora de investigação definidos, com produção de saberes em todas as 
áreas do conhecimento; de outro, estampam reportagens com imagens 
caricatas do feminismo que chocam pelo reducionismo, como aquela da 
edição especial Mulher (2006) em que uma mulher branca de terno e 
maleta executiva em punho amamenta seu bebê, e em que se lê a man-
chete: O que sobrou do feminismo; quando não estampam reportagens 
que mais parecem paródias do feminismo, enaltecendo os «avanços fe-
mininos» que não desembocam em «patrulhas feministóides»; a pes-
quisadora também considera como prática antifeminista a associação 
do feminismo à cultura estrangeira, empreendida na academia em nome 
de um nacionalismo rançoso, como se as ideias feministas não tivessem 
nada a ver com a realidade nacional. Esta é, também, a razão de, entre 
nós, os livros que se propõem a tratar da teoria da literatura e da história 
da literatura nem sequer mencionarem «o feminismo e suas epistemo-
logias ou o pioneirismo da crítica feminista com relação aos modos tra-
dicionais de pensar o campo literário» (Schmidt, 2006: 783). Trata-se, 
na avaliação de Schmidt (2006), de uma decorrência da consolidação 
do pensamento patriarcal e senhorial brasileiro, responsável por um sis-
tema de relações de poder em que formas de misoginia e de racismo 
materializam os interesses da elite intelectual.
Outro indicador de interdição ao pensamento feminista é, na ava-
liação de Stevens (2010), a dificuldade de as/os pesquisadoras/es da área 
captarem recursos para desenvolver suas pesquisas e, consequentemen-
te, divulgá-las tendo em vista a pouca profissionalização da atividade 
editorial feminista, os problemas de distribuição dessas publicações, 
a necessidade exacerbada de avaliação da qualidade dos veículos nos 
quais essa produção é veiculada, bem como a necessidade de formas 
alternativas de sustentabilidade, as chamadas «estratégias criativas» de 
sobrevivência da área, no dizer de Minella (2008), outra pesquisadora 
do tema, as quais apontam para sua capacidade de reinvenção diante da 
falta de recursos, das carências de infraestrutura e de outras limitações.
110 LÚCIA OSANA ZOLIN
O fato é que, em qualquer que seja a seara, são muitas as formas 
de interdição que concorrem para com as dificuldades de a elite inte-
lectual brasileira reconhecer a legitimidade da epistemologia feminista, 
cujo campo conceitual, frequentemente, não atinge os níveis de priori-
dade delimitados pela academia e pelas agências de fomento. Daí a difi-
culdade em tomar o gênero como categoria analítica, com suas rupturas 
e desestabilizações teórico-práticas, conforme salienta Rago (1998); 
bem como a categoria mulher, com toda a gama de variantes que ela 
pressupõe, em termos de classe, cor, etnia, orientação sexual, etc.
A importância da crítica literária feminista, todavia, mais que 
contestar o modo dominante de produção do conhecimento na seara dos 
estudos literários, pretende-se fazer reconhecer a partir dos deslocamen-
tos teóricos que opera, articulando crítica textual, histórica, antropológi-
ca e cultural, de modo que seu objeto seja considerado –muito além de 
sua imanência– na teia de significações que o constitui.
111ApOrteS teórICOS rASurAdOS:A CrítICA LIterárIA femINIStA NO BrASIL 
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Küher. 4ª ed. Rio de Janeiro: 
Bertrand Brasil, 2005.
CAMPELO, Eliane T. A. «Literatura e gênero em foco nos Grupos de pesquisa do GT “A mulher 
na Literatura”». Cristina STEVENS (org). Mulher e literatura -25 anos: raízes e rumos. Ilha de 
Santa Catarina: Mulheres, 2010.
DUARTE, Constância Lima. «Literatura e feminismo no Brasil: primeiros apontamentos». N. 
MOREIRA, M. B. (org.). Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: 
Ideia Editora, 2004.
EAGLETON, Terry. Depois da Teoria. Um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernis-
mo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. «O estranho horizonte da crítica literária no Brasil». Flora 
SUSSEKIND, Tânia DIAS, Carlito AZEVEDO (Orgs.) Vozes femininas: gênero, mediações e 
práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7Letras/Fundação casa Rui Barbosa, 2003.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. «Os estudos sobre mulher e literatura no Brasil: uma pri-
meira avaliação». Albertina COSTA, Cristina BRUSCHINI. Uma questão de Gênero. Rio de 
Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1992.
MINELLA, Luzinete Simões. Fazer a REF é fazer política: memórias de uma metamorfose edi-
torial. Revista de estudos feministas, Florianópolis 16 (1), jan-abr/2008. pp. 105/116.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. Escolha e valor na obra crítica de escritores mo-
dernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 
RAGO, Margareth. «Espistemologia feminista: gênero e história». Joana PEDRO, Miriam 
GROSSI (orgs.). Masculino, feminino, plural. Florianópolis: Mulheres, 1998. 
SCHMIDT, Rita Terezinha. «Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasi-
leira». Estudos feministas, Florianópolis, 14 (3), set-dez/2006. pp. 765-799.
SCHMIDT, Rita Terezinha. «Revisitando a mulher na literatura: horizontes e desafios». Cristina 
STEVENS (org). Mulher e literatura -25 anos: raízes e rumos. Ilha de Santa Catarina: Mulhe-
res, 2010.
SCHWANTES, Cintía. «Genealogias de gênero: orientações de dissertações e teses no GT “A 
mulher na literatura”». Cristina STEVENS (org). Mulher e literatura-25 anos: raízes e rumos. 
Ilha de Santa Catarina: Mulheres, 2010.
STEVENS, Cristina (org). Mulher e literatura-25 anos: raízes e rumos. Ilha de Santa Catarina: 
Mulheres, 2010.
SABOGAL , Winston Manrique Sabogal. «O canonizador». El país, Madrid, 26 de Nov. 2011.
VIANA, L. H. Por uma tradição do feminino na literatura brasileira. Seminário Nacional Mulher 
e Literatura, 5, 1993, Natal. Anais... Natal: UFRN, Universitária, 1995, pp. 168-174.
XAVIER, E. Narrativa de autoria feminina na literatura brasileira: as marcas da trajetória. Rev. 
Mulher e Literatura, Rio de Janeiro, 1998. Disponível em: <http://www.openlink.com.br/nielm/
revista.htm> Acesso em: 17 jun. 1999.

Outros materiais