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63 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO Unidade II Convencionou-se chamar de microevolução o conjunto de processos evolutivos que ocorrem no interior de uma população e a fazem sofrer mudanças com o passar do tempo. Em outras palavras, é a evolução que acontece abaixo do nível taxonômico de espécie. Para compreender o fenômeno, é essencial conhecer os procedimentos que levam uma população a mudar, o que requer uma análise da constituição genética da população. Em termos microevolutivos, dizemos que evolução é a mudança das frequências genéticas no indivíduo. Quando nos referimos a frequências genéticas, estamos falando de um parâmetro estatístico populacional. A frequência, no contexto da estatística, é uma medida da quantidade de indivíduos, em termos absolutos (frequência absoluta) ou relativos (frequência relativa). O estudo delas nas populações é realizado por uma área específica da genética, conhecida como genética de populações. A origem de novas espécies, também conhecida como especiação, é uma consequência direta de fenômenos microevolutivos. 5 GENÉTICA DE POPULAÇÕES Na disciplina de genética, são estudados mecanismos hereditários que podem ser deduzidos a partir de cruzamentos específicos. A análise genética, nesse contexto, é limitada a genitores e sua prole. Porém, quando se trata de caracterizar uma população inteira de indivíduos, é necessário empregar métodos matemáticos diferenciados de análise genética. Lembrete População é o nome dado ao conjunto de indivíduos da mesma espécie que habitam uma determinada área geográfica. Os indivíduos podem ser pessoas, animais, plantas, fungos ou microrganismos. A caracterização genética de populações é de grande relevância para a compreensão das várias forças que resultam em mudanças evolutivas nas espécies ao longo do tempo. Além dessa importância para a biologia evolutiva, a genética de populações pode ter também aplicações práticas em áreas diversas como medicina, agricultura e conservação biológica. 5.1 Frequências genéticas As estimativas das frequências genéticas em uma população podem ser realizadas basicamente em dois níveis: de genótipos e de alelos. Os termos específicos utilizados para identificá-las são frequência genotípica e frequência alélica. 64 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Lembrete Alelo é o nome dado a uma variante genética de certo gene, situada em um loco cromossômico. Genótipo é a combinação de alelos no par de cromossomos homólogos. 5.1.1 Frequências genotípicas O cálculo da frequência de cada genótipo em uma população não difere de estimativas realizadas em outros contextos, por exemplo, as marcas que mais vendem veículos em uma cidade, as intenções de voto nos diferentes candidatos em uma eleição ou a distribuição de estudantes nos diversos cursos de uma universidade. Essas estimativas são realizadas por contagem direta de quantos indivíduos se enquadram em cada categoria. Portanto, a frequência genotípica nada mais é do que a contagem de quantos indivíduos apresentam cada um dos genótipos estudados. Para facilitar a compreensão, iremos exemplificar a realização dessa estimativa em uma situação simples que envolve apenas um gene (loco) e dois alelos. Assim, considere um gene A, cujos alelos são A e a. Nesse caso, os genótipos possíveis entre os indivíduos da população são AA, Aa e aa. Ao contar a quantidade de seres que apresentam cada um deles, obteremos os números D, H e R (frequências genotípicas absolutas). A soma desses três valores resultará em um número N, que é o número total de indivíduos existentes naquela população, ou tamanho populacional. Essas informações estão sumarizadas no quadro a seguir: Quadro 1 – Modelo para o cálculo de frequências genotípicas absolutas e relativas de uma população Genótipos AA Aa aa Total Frequências genotípicas absolutas D H R N Frequências genotípicas relativas d = D/N h = H/N r = R/N d + h + r = 1 Observe, ainda, que a partir das frequências genotípicas absolutas obtêm-se os valores das frequências relativas d, h e r. Estas últimas podem ser expressas em números decimais (com valores de 0 a 1) ou em porcentagem. Se em uma população houver 300 indivíduos com genótipo AA, 500 Aa e 200 aa, teremos as seguintes frequências genotípicas absolutas: D = 300; H = 500; e R = 200. A soma de todos esses valores irá resultar em um tamanho populacional N = 1.000 indivíduos. As quantidades das frequências relativas, nesse caso, serão d = 0,3; h = 0,5; e r = 0,2. 65 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 5.1.2 Frequências alélicas As frequências alélicas, chamadas de frequências gênicas por alguns autores, são aquelas relativas aos alelos A e a. Para calcular a frequência relativa do alelo A [f(A) = p] na população, basta somar o valor de d à metade do de h. Do mesmo modo, a frequência do alelo a [f(a) = q] é obtida pela soma do valor de r com a metade do de h. Assim, temos: • p = d + (h/2) • q = r + (h/2) • p + q = 1 No exemplo mencionado, em que os valores de d, h e r eram 0,3, 0,5 e 0,2, respectivamente, os cálculos nos forneceriam valores de p = 0,55 e q = 0,45. Como interpretar esses valores? Considerando que a população está sendo analisada apenas quanto aos alelos A e a, esses valores calculados indicam que, nela, do total de alelos existentes, 55% são A e 45% são a. 5.1.3 Grupo sanguíneo MN: um exemplo clássico em genética de populações Dentre os diversos sistemas de classificação de grupos sanguíneos humanos, um deles, o grupo MN, é bastante estudado em genética de populações. Os fenótipos desse grupo são definidos pela presença de antígenos M, N ou ambos na superfície das hemácias. Logo, quanto a esse grupo sanguíneo, as pessoas podem ser de três tipos: M, N ou MN. A produção dos antígenos M e N é resultante da expressão dos alelos codominantes M e N. Indivíduos homozigotos MM ou NN apresentam apenas um dos dois antígenos em suas hemácias, enquanto os heterozigotos MN apresentam os dois tipos. Essa é uma das poucas características humanas em que os heterozigotos e homozigotos são facilmente identificáveis, em razão da ausência de dominância entre os dois únicos alelos. Assim, uma pessoa de sangue M tem genótipo MM, outra de sangue N possui NN e uma terceira pessoa de MN apresenta genótipo MN. Estudos que realizaram comparações entre diferentes populações humanas quanto ao grupo sanguíneo MN nos dão uma excelente ideia de como distintos grupos populacionais de uma mesma espécie podem ser díspares geneticamente. Os resultados obtidos a partir de uma análise realizada em 1950 são apresentados, a título de exemplo, no quadro a seguir. Nele é possível observar as frequências de genótipos e alelos do loco MN em várias populações humanas. 66 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Quadro 2 – Frequências genotípicas e alélicas para o grupo sanguíneo MN de diversas populações humanas População Genótipos Frequências alélicas MM MN NN p (alelo M) q (alelo N) Esquimós 0,835 0,156 0,009 0,913 0,087 Aborígenes australianos 0,024 0,304 0,672 0,176 0,824 Egípcios 0,278 0,489 0,233 0,523 0,477 Alemães 0,297 0,507 0,196 0,550 0,450 Chineses 0,332 0,486 0,182 0,575 0,425 Nigerianos 0,301 0,495 0,204 0,548 0,452 Fonte: Griffiths et al. (2009, p. 519). O estado de variabilidade genética da população quanto a um certo gene pode ser deduzido simplificadamente de duas formas: por meio das frequências alélicas e pela heterozigose. Estacorresponde à frequência de heterozigotos na população. Para exemplificar, observe, em primeiro lugar, as frequências do alelo M e do N na população de esquimós, no quadro anterior. A frequência do alelo M (p = 0,913) é muito superior à frequência do N (q = 0,087). Em segundo lugar, observe que a frequência de heterozigotos nessa população é mais baixa dentre todas as comparadas (MN = 0,156). Esses valores numéricos nos dizem que a variabilidade genética em relação ao loco MN na população de esquimós é muito baixa. O mesmo ocorre na população de aborígenes australianos. Nas demais populações, as frequências dos alelos M e N são relativamente semelhantes entre si, e as de heterozigotos são mais elevadas, o que indica maior variabilidade genética. 5.2 Modelos de estudo em genética de populações O estudo genético das populações conta com alguns modelos matemáticos que auxiliam a compreender aspectos importantes do grupo populacional. Um deles é aquele do cruzamento aleatório, o qual considera que os acasalamentos ocorridos na população se realizam totalmente ao acaso. Segundo tal modelo, a chance de um macho se acasalar com qualquer fêmea do grupo é exatamente a mesma. Em outras palavras, é uma situação em que não há preferências nos encontros sexuais. Nas populações, a aleatoriedade nos cruzamentos pode ou não ocorrer, e isso vai depender da característica examinada. Considere, por exemplo, uma população humana. Com relação ao tipo sanguíneo do sistema ABO, é bem possível que os cruzamentos ocorram totalmente ao acaso, a não ser que as mulheres queiram escolher seus parceiros com base no tipo sanguíneo, o que é bem improvável. Em contrapartida, quando se considera a estatura das pessoas, essa aleatoriedade deixa de existir, pois, como você deve saber, existem preferências na formação de casais com relação à estatura. Outro modelo importante a ser considerado no contexto da genética de populações é o de gerações discretas. Aqui se considera que não há sobreposição entre as gerações, ou seja, uma nova geração somente se estabelece após a morte de todos os indivíduos da anterior. 67 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO Em populações reais, o modelo de gerações discretas é aplicável de fato somente para algumas espécies, como determinados insetos e plantas cujos ciclos de vida são curtos. Em certas plantas anuais, todos os indivíduos de uma geração germinam aproximadamente ao mesmo tempo, atingem juntos a maturidade sexual, se reproduzem concomitantemente e morrem assim que originam as sementes que irão conceber os indivíduos da próxima geração. Como você deve ter percebido, cruzamentos aleatórios e gerações discretas ocorrem de fato somente em algumas poucas situações. No entanto, em genética de populações, esses dois modelos são extrapolados para qualquer tipo de cruzamento. Essa forma de simplificação, embora irreal para a maioria dos indivíduos, fornece parâmetros úteis para muitos fins. 5.2.1 O Equilíbrio de Hardy-Weinberg Em 1908, o matemático inglês G. H. Hardy (1877-1947) e o médico alemão W. Weinberg (1862-1937), propuseram de modo independente um modelo que em genética de populações ficou conhecido como Princípio ou Equilíbrio de Hardy-Weinberg (em alemão, a pronúncia correta deste último nome é “vainberg”). Tal modelo leva em consideração a ocorrência de cruzamentos aleatórios e de gerações discretas na população. Segundo esse princípio, se os encontros entre os gametas na população ocorrem totalmente ao acaso, é possível prever as frequências genotípicas da próxima geração. Para facilitar a compreensão, imagine que os gametas produzidos por todos os indivíduos da população fossem colocados em uma grande piscina para que ocorressem as fecundações. Com relação ao gene A, os três genótipos possíveis na população seriam AA, Aa e aa, e, nesse caso, haveriam gametas portadores do alelo A e outros portadores do alelo a. Aa AA Aa aa Aa Aa AA aaPopulação Piscina de gametas Gametas Figura 45 – Situação hipotética em que os gametas obtidos dos indivíduos de uma população fossem colocados para fecundar em uma grande piscina de gametas Nessa piscina imaginária, os encontros entre os gametas seriam puramente casuais, ou seja, uma situação ideal de cruzamentos aleatórios. A frequência de gametas contendo o alelo A é igual à frequência desse alelo na população (frequência p). Do mesmo modo, a frequência de gametas contendo o alelo a é igual à desse alelo na população (frequência q). Assim, a chance de haver um encontro entre um gameta 68 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II masculino A e um feminino também A é igual ao resultado da multiplicação das frequências desses alelos na população, isto é, p x p = p². Isso significa que a chance de nascer um indivíduo com genótipo AA dentre as possíveis fecundações ocorridas na piscina é igual a p². Do mesmo modo, a chance de nascer um indivíduo de genótipo Aa é 2pq (resultado de pq + pq), e a de nascer aa é q². Elas podem ser visualizadas melhor a seguir: Quadro 3 – Possíveis encontros entre gametas masculinos e femininos de uma população e as frequências de combinações aleatórias entre eles Gametas masculinos A (frequência p) a (frequência q) Gametas femininos A (frequência p) AA (frequência p2) Aa (frequência pq) a (frequência q) Aa (frequência pq) aa (frequência q2) Fonte: Hartl; Clark (2010, p. 66). Adaptado. As chances de encontros entre os gametas (p2, 2pq e q2) em uma população cujos cruzamentos ocorrem de modo aleatório serão as frequências genotípicas da próxima geração, como representado a seguir. Quadro 4 – Frequências genotípicas de Hardy-Weinberg, obtidas após uma geração de cruzamentos aleatórios Genótipos AA Aa aa Total Frequências genotípicas relativas d = p 2 h = 2pq r = q2 p2 + 2pq + q2 = 1 Após essas explicações, podemos agora voltar ao Princípio de Hardy-Weinberg. Ele afirma que após a ocorrência de cruzamentos aleatórios na população, as frequências dos genótipos AA, Aa e aa entre os indivíduos da próxima geração serão, respectivamente, p2, 2pq e q2, considerando que essas duas gerações sejam discretas (não sobrepostas). Os valores de p e q são os mesmos nas duas gerações, o que significa que não há mudanças nas frequências alélicas de uma geração para outra. Porém, em virtude dos cruzamentos aleatórios, as frequências genotípicas podem se alterar de uma geração para outra. Para ilustrar essas observações a respeito do que ocorre com as frequências alélicas e genotípicas a partir de um cruzamento aleatório, veja o exemplo a seguir: uma certa população apresentava os seguintes valores das frequências dos genótipos AA, Aa e aa: d = 0,3, h = 0,6 e r = 0,1, respectivamente. 69 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO Nesse caso, os números das frequências alélicas seriam p = 0,6 e q = 0,4. Após a ocorrência de cruzamentos aleatórios, na próxima geração elas assumiriam os valores previstos pelo Princípio de Hardy-Weinberg: d = p2 = (0,6)2 = 0,36; h = 2pq = 2 x 0,6 x 0,4 = 0,48 e r = q2 = (0,4)2 = 0,16. Nessa segunda descendência, os valores de p e q são os mesmos da primeira, ou seja, 0,6 e 0,4, respectivamente. O quadro a seguir estabelece uma comparação entre as frequências envolvidas no exemplo. Quadro 5 – Exemplo de aplicação do Princípio de Hardy-Weinberg Gerações Frequências alélicas AA Aa aa Primeira geração p = 0,6q = 0,4 d = 0,3 h = 0,6 r = 0,1 Segunda geração p = 0,6q = 0,4 d = p 2 = 0,36 h = 2pq = 0,48 r = q2 = 0,16 Observe que as frequências genotípicasde Hardy-Weinberg são atingidas após uma única geração de cruzamentos aleatórios. Se elas, assim como as frequências alélicas, forem mantidas nas próximas gerações, diremos que essa população estará em Equilíbrio de Hardy-Weinberg. Para que as frequências sejam mantidas ao longo do tempo, algumas condições devem ser satisfeitas: • Os cruzamentos devem ser aleatórios (o termo pan-mixia representa essa situação). • O tamanho da população deve ser muito grande. • Os fenômenos migratórios, nessa população, são desprezíveis. • A ocorrência de mutações no gene em questão é ínfima. • A característica considerada não sofre seleção natural. Essa situação ideal é chamada de equilíbrio pelo fato de representar uma circunstância em que forças evolutivas não estão operando na população. Se ela não estiver evoluindo, sua composição genética será mantida inalterada ao longo das gerações. O Princípio de Hardy-Weinberg pode ser estendido para genes com três alelos. Como exemplo, podemos citar o loco do sistema ABO de grupo sanguíneo em humanos. Os três alelos envolvidos na determinação dos tipos sanguíneos nesse sistema são IA, IB e i. Suas frequências são identificadas como p, q e r. Em uma população na qual ocorrem cruzamentos aleatórios, a maneira de formar homozigotos IAIA, IBIB e ii é combinando gametas que possuam os mesmos alelos, e as chances de que isso ocorra, nesse caso, são p2, q2 e r2, respectivamente. Os heterozigotos, por sua vez, podem ser formados de dois modos diferentes cada um. Por exemplo, o tipo AB pode ser constituído por dois tipos de combinação: IAIB ou IBIA. Cada uma delas tem chance igual a pq (ou seja, p x q), portanto 2pq é a chance de formar esse tipo de heterozigoto, assim como 2pr é a chance de estabelecer o heterozigoto IAi e 2qr é a possibilidade 70 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II do heterozigoto IBi. Assim, as frequências de Hardy-Weinberg para essa situação de três alelos são representadas a seguir. Quadro 6 – Frequências genotípicas de Hardy-Weinberg para um gene de três alelos (sistema ABO humano) Genótipos IAIA IAIB IAi IBIB IBi ii Frequências p2 2pq 2pr q2 2pr r2 As condições necessárias para o estabelecimento do Equilíbrio de Hardy-Weinberg não são muito restritivas? Existe verdadeiramente alguma população real que atenda a todas essas premissas? De fato, o conjunto de premissas para o equilíbrio é mais condizente com uma população ideal do que com uma real. Em uma população natural, dificilmente não ocorrerá migração, mutação ou seleção natural, assim como cruzamentos aleatórios e tamanho populacional muito grande também não são aspectos predominantes em geral. Então, qual seria a importância desse modelo que trabalha com um grupo aparentemente ilusório de suposições? Na verdade, o modelo do Equilíbrio de Hardy-Weinberg fornece uma base para a comparação com situações mais realísticas, em que processos evolutivos atuam sobre a população promovendo mudanças nas frequências alélicas. Desse modo, ao se realizar a caracterização populacional quanto a suas frequências genotípicas, se os valores reais não forem compatíveis com os esperados, isso significará que a população não está em equilíbrio, portanto está evoluindo. Essa constatação é o ponto de partida para se iniciar um novo estudo que tenha como objetivo determinar quais processos estão influenciando a evolução do grupo. 5.3 Processos evolutivos Fenômenos que atuam nas populações de modo que introduza mudanças progressivas ao longo das gerações. Lembre-se: do ponto de vista da genética populacional, evolução corresponde especificamente à alteração das frequências alélicas com o passar do tempo. É esse tipo de transformação, portanto, que é provocada pela atuação dos processos evolutivos. São considerados processos evolutivos a mutação, a seleção, a migração e a deriva genética. Talvez você tenha percebido que a inexistência deles faz parte do conjunto de premissas para o estabelecimento do Equilíbrio de Hardy-Weinberg em uma população. Nos itens a seguir, serão apresentadas mais informações sobre cada um desses processos. 5.3.1 Mutação Como já comentado, mutação é o nome dado a alterações ocorridas nas sequências de bases nitrogenadas do DNA. A existência de mutação é o suporte do surgimento de novos alelos, e isso está associado ao aumento da variabilidade genética. O termo também sofre de uma ambiguidade que foi mencionada em relação ao termo adaptação: pode ser empregado para se referir tanto ao processo de 71 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO alteração quanto ao resultado do processo. Assim, é correto dizer que o DNA sofreu mutação (processo) e que o DNA contém mutação (resultado). As mutações podem ser classificadas de acordo com vários critérios. Vejamos algumas dessas classificações. • Mutação direta e reversa: uma mutação é considerada direta quando origina uma forma alélica diferente da original ou selvagem. Quando uma forma mutante é alterada e acarreta outra que é considerada original ou selvagem, é classificada como reversa. O esquema a seguir ilustra esses tipos de mutação. A Alelo original Mutação direta Mutação reversa A Alelo original a Alelo mutante a Alelo mutante Figura 46 – Esquema representativo de mutação direta e reversa • Mutação somática e germinativa: mutações podem ocorrer em células de tecidos somáticos, que constituem a estrutura corporal. Do mesmo modo, podem acometer células do tecido germinativo. Somente as mutações que ocorrem em células germinativas têm potencial evolutivo, pois têm possibilidade de serem transferidas às próximas gerações. Prole normal Prole normal Prole mutante Setor mutante Setor mutante Tecido germinativo Tecido somático Figura 47 – Representação de mutações somáticas e germinativas. As mutações somáticas não são repassadas à prole, mas as mutações germinativas podem ser herdadas pelos descendentes • Mutação espontânea e induzida: se uma mutação ocorre naturalmente por um erro de processamento do DNA em alguma etapa do ciclo celular, é considerada espontânea. No entanto, quando esse erro ocorre pela influência de determinado fator externo, como radiação ou algum agente químico, é considerado mutação induzida. 72 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II • Mutação morfológica: quando o efeito da mutação se faz perceber na forma, na cor ou no tamanho do indivíduo, é denominada mutação morfológica. Na mosca-da-banana (Drosophila melanogaster) existem várias mutações morfológicas já descritas. Tipo selvagem Olhos “bar“ Asas vestigiais Asas cortadas Asas recurvadas Asas rudimentares “Bar“/bitórax Abdome recurvado Asas “dichaeta“ Figura 48 – Tipo selvagem (original) e mutações morfológicas de Drosophila melanogaster • Mutações bioquímicas: são mutações que provocam mudança de alguma função bioquímica das células. Algumas doenças hereditárias humanas resultam de mutações bioquímicas, como é o caso da fenilcetonúria, em que o indivíduo é incapaz de metabolizar adequadamente o aminoácido fenilalanina. • Mutações neutras: embora muitas mutações resultem em alterações diretas ou indiretas sobre o fenótipo, as mutações neutras são aquelas em que a mudança ocorrida no DNA não se reflete em nenhum tipo de alteração no fenótipo do indivíduo. No contexto da genética populacional, é comum referir-se à taxa de mutação (µ), que pode ser definida como a probabilidade de que uma cópia de um alelo mude para alguma outra forma alélica no período de apenas uma geração. A maiorparte dos genes sofre mutação a uma taxa muito baixa, em uma ordem de grandeza de 10-4 a 10-6 novas mutações por gene por geração. Imagine que uma população fosse inteiramente homozigota para o alelo A e que a taxa de mutação para o alelo a fosse igual a 1/100.000 ou 10-5. Essa taxa significa que a cada 100.000 gametas ocorre mutação de A para a em apenas um gameta. Nesse caso, na próxima geração se esperaria que a frequência do alelo A passasse de 1,0 para 0,99999, e a do alelo a passasse de 0,0 para 0,00001. Na geração seguinte, a frequência do alelo a passaria para 0,000019. É possível perceber que o ritmo de mudança das frequências alélicas de um determinado loco é muito lento, se depender somente da ocorrência de mutação. Para fazer a frequência do alelo A passar de 1,0 para 0,5 a essa taxa de mutação, seriam necessárias 60.000 gerações. 73 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 50,00 100,00 150,00 200,00 Número de gerações = 10 -5 p (A ) Figura 49 – Mudanças ao longo das gerações decorrentes da mutação do alelo A para a em uma taxa constante µ = 10-5 Se considerarmos que uma certa espécie apresenta inúmeros genes diferentes, em uma população numerosa dela podem ser criados muitos alelos novos mutantes, mesmo que a mutação por gene individual ocorra a taxas pequenas. Por exemplo, na população humana atual em nosso planeta, que conta com mais de 7 bilhões de indivíduos, estima-se que mais de 40 bilhões de mutações novas surjam de uma geração para outra. Genes diferentes de uma mesma espécie têm taxas diferentes de mutação. O quadro a seguir apresenta as taxas de mutação para alguns genes de espécies distintos, quantificadas como o número de mutações a cada 100 mil gametas. Quadro 7 – Taxas de mutação para genes de espécies diferentes Espécies e genes Mutações por 100 mil gametas Drosophila melanogaster Corpo amarelo 12 Olhos castanhos 3 Zea mays (milho) Grãos adocicados 0,24 Homo sapiens Retinoblastoma 1,2 a 2,3 Acondroplasia 4,2 a 14,3 Fonte: Futuyma (1992, p. 77). Adaptado. Quando se diz que as mutações ocorrem ao acaso, isso não significa que qualquer tipo de mutação tenha a mesma chance de acontecer, nem que todos os locos mudem a uma mesma taxa. Também não significa que a ocorrência deles seja independente de efeitos ambientais, pois já é fato bastante conhecido que certas substâncias presentes no ambiente são mutagênicas, ou seja, elevam a taxa de mutação. O que significa dizer, então, que as mutações são aleatórias? Simboliza que a chance de 74 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II ocorrência de certa mutação não é influenciada por uma possível utilidade que essa mutação venha a ter. Dobzhansky afirmava que seria muito otimismo imaginar que os genes sabem como e quando mudar; é bom para eles e para o organismo. Convém salientar que a diversidade de alelos gerada por mutação resulta em uma condição populacional denominada polimorfismo. Desse modo, uma população que apresenta apenas uma forma alélica de certo loco gênico é classificada como monomórfica. Quando há mais de um alelo desse mesmo loco na população, ela é dita polimórfica. 5.3.2 Seleção Seleção natural é a sobrevivência diferencial, ou seja, alguns indivíduos, mais que outros da população, têm maiores chances de sobrevivência. Esses indivíduos serão aqueles que irão se reproduzir com maior frequência, repassando a seus descendentes sua constituição genética. Assim, por meio da seleção natural, os alelos que elevam as chances de sobrevivência e reprodução irão ter suas frequências aumentadas ao longo das gerações, o que resultará em uma população cada vez mais apta. Essa melhoria genética progressiva populacional é o fundamento que guia o processo de adaptação. A seguir exibiremos um modelo útil para estudo da seleção natural. Nele se considera que em uma população os adultos de uma geração n se acasalam de modo aleatório. Como consequência dessa aleatoriedade, espera-se que os genótipos estejam nas frequências de Hardy-Weinberg entre os descendentes desses cruzamentos, ao nascimento, na geração n + 1. Esses descendentes, ao se desenvolverem até a fase adulta, irão passar por um processo de seleção natural, de modo que nem todos os indivíduos atingirão a maturidade sexual e se reproduzirão. Nesse método de sobrevivência diferencial, um ou mais genótipos podem apresentar maior fitness, o que irá resultar em uma população adulta na geração n + 1 com frequências genotípicas e alélicas distintas daquelas apresentadas pelos adultos da geração n. Frequências genotípicas entre adultos Frequências genotípicas entre adultos Frequências genotípicas ao nascimento Geração n Geração n + 1 Princípio de Hardy-Weinberg (cruzamentos aleatórios) Sobrevivência diferencial Figura 50 – Modelo de genética de populações concebido para análise do efeito da seleção natural (sobrevivência diferencial) sobre a composição genética populacional ao longo das gerações Em nosso estudo sobre seleção natural no contexto da genética de populações, o termo em inglês fitness será substituído por valor adaptativo, uma expressão equivalente em português bastante 75 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO utilizada, ao qual será atribuída um valor numérico w. O valor adaptativo de um certo genótipo corresponde à sua chance de sobrevivência. Outro termo que será utilizado nesse contexto é coeficiente de seleção, representado por um valor numérico s, que irá condizer à chance de um indivíduo portador de certo genótipo não sobreviver até a maturidade sexual. Os valores de w e s são geralmente expressos em escala decimal, que varia de 0 a 1. Um valor de w igual a 0,8 significa 80% de chance de sobrevivência, o que automaticamente implica uma quantia de s igual a 0,2 (20% de chance de não sobrevivência). Portanto, os valores de w e s são complementares, ou seja, w = 1 – s e s = 1 – w. O cálculo dos valores de w e s é relativamente simples. Para calcular w, basta dividir o número de indivíduos adultos portadores de um certo genótipo pelo de indivíduos daquela geração que nasceram com o referido genótipo. No caso de s, divide-se o número de indivíduos que morreram entre o nascimento e a fase adulta pelo de indivíduos que nasceram com o referido genótipo. O quadro a seguir demonstra um exemplo desses cálculos a partir de dados populacionais hipotéticos. Quadro 8 Gerações Parâmetros numéricos AA Aa aa Frequências alélicas Geração 1 Número de indivíduos na fase adulta 40 20 40 p = 0,5q = 0,5 Cruzamentos aleatórios Princípio de Hardy-Weinberg Geração 2 Número de indivíduos ao nascimento 60 120 60 p = 0,5q = 0,5 Número de indivíduos na fase adulta 60 120 45 p = 0,535q = 0,465 Valor adaptativo wAA = 60/60 = 1,0 wAa = 120/120 = 1,0 waa = 45/60 = 0,75 O valor de p aumentou e o de q diminuiu Coeficiente de seleção sAA = 0/60 = 0,0 sAa = 0/120 = 0,0 saa = 15/60 = 0,25 O exemplo apresentado anteriormente corresponde a um caso de seleção natural contra um genótipo recessivo. Observe, na Geração 2, que nasceram 60 indivíduos recessivos, dos quais apenas 45 chegaram à fase adulta. Isso significa que o valor adaptativo de aa é de 0,75 (75%), enquanto para os genótipos AA e Aa esse valor é igual a 1,0 (100%), pois todos os indivíduos que nasceram com esses genótipos chegaram à fase adulta. Em outras palavras, um indivíduo que nasce com genótipo recessivo nessa população tem chance de 25% de morrer ao longo de seu desenvolvimento,vítima de alguma adversidade. Outro aspecto importante a ser observado nesse exemplo é a frequência dos alelos. Entre os cem indivíduos adultos da Geração 1, as frequências dos alelos A e a eram p = 0,5 e q = 0,5. Ao se acasalarem aleatoriamente, eles geraram 240 indivíduos, os quais, ao nascimento (Geração 2), apresentariam as 76 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II frequências genotípicas distribuídas de acordo com o Princípio de Hardy-Weinberg (p2, 2pq e q2 para AA, Aa e aa, respectivamente). Ao nascimento, as frequências alélicas nesse conjunto de indivíduos seriam iguais aos de seus genitores (p e q iguais a 0,5). No entanto, ao longo do desenvolvimento houve seleção contra os recessivos, de modo que, dentre os 225 adultos que restaram da Geração 2, as frequências alélicas se tornaram 0,535 e 0,465 para os alelos A e a, respectivamente. Na Geração 2 houve aumento da frequência do alelo dominante e redução na do recessivo. Isso significa que a população sofreu evolução de uma geração para outra, em virtude da seleção natural ocorrida contra os recessivos. A redução da frequência do alelo recessivo nessa população resultou do menor valor adaptativo (e, portanto, maior coeficiente de seleção) do genótipo aa. Existe uma forma de prever de modo mais rápido qual será a frequência dos alelos após o processo de seleção, utilizando-se, para isso, o valor de s e as frequências alélicas da geração anterior na seguinte fórmula: ∆ = − p spq sq 2 21 Na qual: • ∆p = variação do valor da frequência do alelo A entre as duas gerações; • s = coeficiente de seleção contra o genótipo recessivo; • p = valor da frequência do alelo A na geração anterior; • q = valor da frequência do alelo a na geração anterior; No exemplo anterior, em que s = 0,25, p = 0,5 e q = 0,5, temos: ∆ = ( ) ( ) ( ) − ( ) ( ) = =p x x x 0 25 0 5 0 5 1 0 25 0 5 0 03125 0 9375 0 033 2 2 , , , , , , , , O valor de 0,033 é o quanto variou o de p de uma geração para outra. Como o valor de p na geração 1 era igual a 0,5, a frequência de p’ na 2 será p’ = 0,5 + 0,033 = 0,533, portanto compatível com o valor mencionado. O valor da frequência do alelo a na Geração 2 poderá ser calculado como q’ = 1 – p’ = 1 – 0,533 = 0,467. Vale novamente ressaltar que essa mudança de frequências alélicas de uma geração para outra é a base da microevolução. Se for mantido o mesmo coeficiente de seleção nas gerações seguintes, as alterações observadas nas frequências alélicas serão bastante alteradas depois de muito tempo. Como forma de ilustração do estudo genético populacional aplicado ao processo de seleção foi descrito, neste subtópico, o modelo de seleção contra genótipos recessivos. Há também exemplos de estudo mais complexos que levam em conta a seleção em outros contextos, por exemplo, contra 77 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO genótipos homozigotos dominantes e heterozigotos (que resultam em fenótipos dominantes) e a favor de genótipos heterozigotos (vantagem dos heterozigotos). Uma situação interessante de vantagem dos heterozigotos é encontrada na espécie humana e diz respeito à anemia falciforme. Dois alelos estão envolvidos nesse caso, o alelo A, responsável pela produção de hemoglobina A, e o alelo mutante S, que codifica a hemoglobina S. Pessoas homozigotas SS desenvolvem anemia falciforme severa e têm valor adaptativo reduzido por causa disso. Indivíduos heterozigotos AS desenvolvem o chamado traço falcêmico e levam uma vida praticamente normal. Porém, em regiões onde a malária é uma doença grave e letal, o heterozigoto leva vantagem em relação aos homozigotos AA, uma vez que o plasmódio, parasita da malária, não consegue se desenvolver no interior de suas hemácias, pois elas contêm hemoglobina S. Assim, nessas regiões, a frequência do alelo mutante S é relativamente elevada, em virtude dessa vantagem do heterozigoto. Figura 51 – Frequências do alelo da anemia falciforme (alelo S) e regiões onde ocorre a forma mais letal da malária, provocada pelo Plasmodium falciparum. Nas regiões onde acontece a malária, a frequência do alelo S na população é maior que em outras regiões, em virtude da vantagem do heterozigoto 5.3.3 Migração ou fluxo gênico Migração é o nome dado para a transferência de indivíduos entre duas ou mais populações. Do ponto de vista da genética de populações, a transferência de indivíduos implica cessão de alelos, motivo pelo qual a migração é também conhecida como fluxo gênico. Em algumas situações, não ocorre transferência de indivíduos, mas de seus gametas, como no caso da transmissão de pólen entre populações. Considere duas populações que apresentem frequências alélicas diferentes, e que a partir de certo momento, comece a haver migração de indivíduos de uma população para a outra. Se não houver outro 78 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II processo evolutivo em ação nessas populações, o fluxo gênico sozinho irá fazer as frequências alélicas convergirem rapidamente para um mesmo valor. População 1 População 2 Variante alélica 2 Variante alélica 1 Barreira geográfica Figura 52 – Migração de indivíduos entre duas populações de cervos, levando a um fluxo gênico Para verificarmos os efeitos da migração nas frequências alélicas, iremos utilizar um modelo simplificado que considera duas populações de tamanhos diferentes, uma delas contendo muito mais indivíduos que a outra, por exemplo, a população de um continente e a de uma pequena ilha próxima ao continente. Nessa situação, a proporção de indivíduos da população grande proveniente da pequena é irrisória e, portanto, será desconsiderada. Em outras palavras, o efeito genético populacional da migração será percebido apenas na população pequena, que receberá migrantes da outra população em uma maior proporção. Para aplicar o modelo, consideraremos os efeitos da migração sobre a frequência de apenas um dos dois alelos de certo gene, por exemplo, o alelo a. Sabendo o que ocorrerá com a frequência do alelo a, será possível deduzir o efeito na regularidade do alelo A. Assim, na população que irá começar a receber os migrantes (População 1), chamaremos a frequência do alelo a de q0, e naquela que irá enviar os migrantes (População 2), intitularemos a assiduidade desse mesmo alelo de qm, frequência essa que não sofrerá alterações ao longo do tempo. Também será considerada, nesse modelo, a taxa de migração m (também denominada de taxa de fluxo gênico), que corresponde à proporção de alelos a na População 1 que foram provenientes da 2. O valor de m indica quão intenso é o processo migratório. 79 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO qm q0 m População 1 População 2 Figura 53 – Esquema ilustrativo do modelo de migração unidirecional, em que alelos da População 2 são transferidos para a 1. Os valores q0 e qm indicam a frequência do alelo a em cada uma das populações, e m corresponde à taxa de migração Esse modelo de fluxo gênico considera que a taxa de migração permanece constante a cada geração. Após t gerações, a frequência do alelo a na População 1 irá passar do valor q0 para qt, que pode ser calculado de acordo com a seguinte equação: qt = qm + (q0 - qm) (1 - m) t Na qual: • qt = frequência do alelo a na População 1 após t gerações; • qm = frequência do alelo a na População 2; • q0 = frequência do alelo a na População 1 antes da migração; • m = taxa de migração; • t = número de gerações.Suponha que a frequência inicial do alelo a na População 1 seja igual a 0,2 e que essa frequência na 2 seja 0,7. Se considerarmos que ocorre migração da População 2 para a 1 a uma taxa constante de 10% (ou seja: 0,1) por geração, após duas gerações a frequência do alelo a na População 1 será calculada da seguinte forma: q2 = 0,7 + (0,2 - 0,7) (1 - 0,1) 2 q2 = 0,7 + (- 0,5) (0,9) 2 q2 = 0,7 + (-0,5) (0,81) q2 = 0,7 - 0,405 q2 = 0,295 80 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Nesse exemplo, a frequência do alelo a na População 1 antes da migração era 0,2, e, após duas gerações submetidas a uma migração com taxa de 10%, esse valor aumentou para 0,295. Por que houve um crescimento dessa frequência alélica? Houve aumento porque essa população começou a receber migrantes de outra, cuja frequência do mesmo alelo era mais elevada. Se considerarmos que a migração continue nesse mesmo ritmo por mais gerações adiante, será esperado que o valor da frequência desse alelo na População 1 aumente a ponto de se tornar igual à qm da 2, que, nesse exemplo, vale 0,7. Se o valor da frequência qm for menor que o da q0 na População 1, o que você imagina que irá acontecer com a frequência do alelo a na População 1 após algumas gerações? A resposta é: irá diminuir, até que atinja o mesmo valor mais baixo de qm, assumindo que o processo migratório continue por muito tempo. De qualquer modo, é importante perceber que a migração tem um efeito homogeneizante sobre a composição genética das populações envolvidas no processo. 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 5 10 15 20 25 30 q0 = 0,1 q0 = 0,9 Fr eq uê nc ia a lé lic a (q ) Geração Figura 54 – Convergência das frequências alélicas de duas populações cujas frequências iniciais eram q0 = 0,1 e q0 = 0,9, que passaram a receber, simultaneamente, migrantes cuja frequência do alelo a era qm = 0,4. Observe que, após 30 gerações recebendo migrantes a uma taxa de 10%, as frequências das duas populações convergiram para o mesmo valor da população que os forneceu Em termos evolutivos, o fluxo gênico tem a propriedade de promover mudanças nas frequências alélicas populacionais de uma forma rápida. Se não houver seleção, em pouco tempo a migração poderá tornar semelhantes as diferentes composições genéticas de populações distintas. Portanto, trata-se de uma força potente que atua contra a divergência genética entre subpopulações da mesma espécie, ou, em outras palavras, atua para manter a integridade genética das espécies. Saiba mais Leia sobre a importância do fluxo gênico na conservação de plantas em: MARTINS, P. S. Estrutura populacional, fluxo gênico e conservação in situ. Ipef, Piracicaba, n. 35, p. 71-8, abr.1987. Disponível em: <http://www. ipef.br/PUBLICACOES/scientia/nr35/cap05.pdf>. Acesso em: 20 set. 2016. 81 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 5.3.4 Deriva genética Também conhecida como oscilação genética, é um fenômeno caracterizado por mudanças genéticas populacionais ocorridas ao acaso ao longo das gerações, sem que haja o favorecimento de algum genótipo ou alelo específico. Observação A palavra deriva significa “rota sem planejamento, sem destino definido”. A expressão “barco à deriva” se refere a um barco que se move sem rumo, ao sabor do vento. Do ponto de vista estatístico, os efeitos do acaso são mais percebidos quando a amostra é constituída de poucos elementos. Suponha, por exemplo, o lançamento de duas moedas, realizado em apenas quatro tentativas. Pode ser que sejam obtidas duas caras e duas coroas, mas, por acaso, podem dar três caras e uma coroa, ou quatro coroas e nenhuma cara. Essas possibilidades são resultantes do acaso. Agora, imagine 1 milhão de lançamentos de moeda. Será que, por mero acaso, podem acontecer 1 milhão de coroas e nenhuma cara? Praticamente impossível, não é? Isso não significa que aleatoriedade não ocorra em 1 milhão de lançamentos, mas seus efeitos não são tão drásticos quanto na situação de apenas quatro. Do mesmo modo, os resultados das combinações alélicas estão mais sujeitos ao acaso em populações pequenas do que naquelas muito numerosas. Imagine uma população com apenas quatro indivíduos, em que dois são heterozigotos Aa, um é homozigoto aa e outro é homozigoto AA. Entre eles, as frequências alélicas p e q são iguais a 0,5. Considere que a próxima geração dessa população também seja composta de apenas quatro indivíduos. Quais serão as frequências alélicas dessa nova geração? Casualmente podem ter nascido dois indivíduos AA, um Aa e um aa, e, dessa forma, elas seriam p = 0,625 e q = 0,375. Comparando com as frequências alélicas da geração anterior, houve uma mudança significativa nos valores. Qual o motivo dessa alteração em apenas uma geração? Resposta: o acaso nas combinações alélicas. Considere que nas gerações futuras dessa população hipotética continuem existindo apenas quatro indivíduos. A figura a seguir ilustra essa sequência de gerações cujos genótipos dos indivíduos resultam de combinações alélicas casuais. A permanecer o número limitado de indivíduos na população, pode acontecer de um dos alelos ser eliminado por causa da amostragem aleatória. Nesse caso, diz-se que o alelo que restou na população está fixado. AA AA AA AA AA aa aa aa aa aa aaaa aaaa aa aa Aa Aa Aa Aa Aa Aa Aa Aa Geração 1 p = 0,5 q = 0,5 Geração 2 p = 0,625 q = 0,375 Geração 3 p = 0,375 q = 0,625 Geração 4 p = 0,5 q = 0,5 Geração 5 p = 0,25 q = 0,75 Geração 6 p = 0,0 q = 1,0 Figura 55 – Sequência de seis gerações constituídas de apenas quatro indivíduos cada. De uma geração para outra, os valores das frequências alélicas se alteram em virtude de combinações casuais. Ao final da sequência, na Geração 6, o alelo A foi eliminado, restando apenas genótipos com alelo a (fixado) 82 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II O sorteio de gametas durante o processo combinatório que irá conceber os indivíduos da próxima geração em uma população pequena é do mesmo tipo que acontece em uma população grande. Entretanto, na população grande, essa casualidade na combinação dos gametas irá resultar em um conjunto de descendentes cujas frequências genotípicas serão as de Hardy-Weinberg (p2, 2pq e q2), enquanto na pequena não é possível fazer previsão alguma sobre as frequências genotípicas da próxima geração. Os efeitos do acaso na constituição genética da próxima geração tornam-se muito pequenos e poderão ser ignorados se o tamanho populacional for de 500 indivíduos ou mais. No entanto, mesmo pequenos, os efeitos da deriva em uma grande população são cumulativos e, a longo prazo, podem levar a mudanças significativas na composição genética populacional. Em populações pequenas, a deriva genética pode levar a perdas irreversíveis da variabilidade genética em poucas gerações, em virtude da eliminação de alguns alelos e da fixação de outros. 1,0 0,75 0,5 0,25 0 10 20 30 40 50 Todos bb Todos BB N = 10 N = 1.000 Gerações Fr eq uê nc ia d o al el o B N = 10 Em uma população grande, muitas gerações são necessárias para eliminação ou fixação de um alelo. Figura 56 – Efeito da deriva genética na frequência do alelo B em diferentes populações. Nas pequenas (N = 10 indivíduos), a oscilação aleatória da frequência alélica ao longo das gerações pode levar à fixação do alelo B (nesse caso, todos os indivíduos serão BB) ou à sua eliminação (assim, todos serão bb), de modo imprevisível. Em uma população grande(N = 1.000 indivíduos), esse efeito aleatório é bem menos drástico, e a fixação ou a eliminação de alelos requer um número muito maior de gerações para ocorrer, se acontecer Quando uma grande população é subdividida em subpopulações menores, com o número de indivíduos muito pequeno, dentro de cada subpopulação à deriva levará à redução da variabilidade genética (redução da variabilidade intrapopulacional), mas, entre as subpopulações, a variabilidade genética pode aumentar (aumento da variabilidade interpopulacional). 83 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO p = 0,5 q = 0,5 p = 0,5 q = 0,5 p = 0,5 q = 0,5 p = 0,8 q = 0,2 p = 0,25 q = 0,75 p = 0,1 q = 0,9 Deriva genética Deriva genética Deriva genética Redução da variabilidade genética intrapopulacional Aumento da variabilidade genética intrapopulacional Geração 1 Subpopulações pequenas Geração n Subpopulações pequenas Figura 57 – Comparação dos efeitos da deriva genética, após algumas gerações, nas variabilidades intrapopulacional e interpopulacional, considerando três subpopulações pequenas e isoladas da mesma espécie Contudo, em que situações uma população natural originalmente grande pode tornar-se pequena e, com isso, ficar sujeita à variação genética aleatória promovida pela deriva genética? Uma dessas circunstâncias é conhecida pelo nome de gargalo populacional. Ele ocorre quando o tamanho de uma população se torna reduzido, mesmo por um tempo limitado. Essa redução pode acontecer por diversos motivos, por exemplo, o desmatamento intenso que restringe a população a poucos indivíduos em um fragmento de mata, ou a caça predatória que reduz brutalmente a quantidade de seres na população. População parental Afunilamento (redução populacional drástica) Indivíduos sobreviventes Próxima geração Figura 58 – Representação esquemática do efeito gargalo. As bolas de cores diferentes significam indivíduos geneticamente diferentes. Após o afunilamento, restam poucos deles, responsáveis por se reproduzir e gerar as próximas gerações. Observe que na última garrafa há mais bolas azuis que amarelas, em virtude da casualidade proporcionada pelo gargalo populacional 84 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Um exemplo da diminuição drástica do número de indivíduos em uma população é o que ocorreu com os elefantes-marinhos-do-norte (Mirounga angustirostris), na América do Norte. Esses animais foram tão intensamente caçados que, na década de 1890, o tamanho populacional se restringiu a meros vinte indivíduos. Após a suspensão da caça, subiu para mais de 30 mil indivíduos. No entanto, mesmo com números populacionais desse porte, estudos relativamente recentes realizados com esses animais registraram a ausência de variabilidade genética em diversos locos. Os mesmos estudos feitos com o elefante-marinho-do-sul (Mirounga leonina), que não foram tão intensamente caçados, demonstraram a existência de variabilidade genética significativa. Figura 59 – Elefante-marinho macho e as fêmeas de seu harém Outra situação que envolve a redução do número de indivíduos de uma grande população é aquela que caracteriza o efeito do fundador. Esse fenômeno populacional corresponde ao estabelecimento de uma nova população, de tamanho reduzido, a partir de alguns poucos indivíduos provenientes de uma população numerosa. Eles, que podem ser considerados como os pioneiros da nova população, apresentam, em conjunto, uma composição genética que muito possivelmente não seja representativa da população inteira de onde eles são provenientes. Um exemplo do efeito do fundador ocorreu na Ilha de Tristão da Cunha, no Oceano Pacífico. No início do século XIX, chegaram a essa ilha cerca de 20 a 25 imigrantes, que a colonizaram e originaram a população existente hoje na ilha. Uma curiosidade a respeito da população atual é a frequência relativamente elevada de pessoas que manifestam uma mutação específica que provoca asma. O número de asmáticos é elevado porque, dentre os colonizadores, existia uma pessoa que era portadora dessa mutação. Certamente esse grupo fundador, com relação à frequência da mutação, era bem diferente da população de onde ele é oriundo, que dificilmente apresentaria uma frequência desse erro genético tão elevada quanto a de um a cada 20 a 25 indivíduos. A deriva genética é o processo que melhor explica a evolução de características que são neutras do ponto de vista da seleção natural. Muitas mudanças na composição de certas proteínas e em algumas 85 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO sequências de nucleotídeos do DNA que não conferem aos seus portadores nenhuma vantagem ou desvantagem no meio em que vivem são atribuídas à deriva genética. Portanto, esse tipo de alteração, que é a base da evolução neutra (ideia desenvolvida pela Teoria do Neutralismo), depende diretamente da ocorrência da deriva genética nas populações. Ocorrência de deriva genética ao longo de várias gerações. Mutação nova Os segmentos de DNA representam um códon de um gene na população. Cada DNA é de um indivíduo diferente. Figura 60 – Evolução molecular neutra na população. Cada molécula de DNA provém de um indivíduo. A mutação que altera o códon GGG para GGC não irá modificar o aminoácido a ser inserido na proteína (glicina), portanto é uma mutação neutra. Com o passar das gerações, por deriva genética, essa mutação pode tornar-se predominante ou mesmo se fixar na população 5.4 Endogamia Entende-se por endogamia ou endocruzamento a ocorrência de acasalamentos consanguíneos nas populações. Dependendo de sua estrutura, uma população pode ser mais ou menos endogâmica que as outras. Isso também varia de espécie para espécie. Em humanos, por exemplo, são comuns os relatos de casamentos entre primos, e, em plantas, várias espécies realizam autofecundação. 86 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II A endogamia é uma situação que contraria os pressupostos do Princípio de Hardy-Weinberg. Ele presume que os indivíduos de uma grande população se acasalem aleatoriamente, uma situação conhecida como pan-mixia, o que não ocorre quando as chances de se acasalar com algum parente são aumentadas. Do ponto de vista genético, indivíduos aparentados podem herdar cópias de alelos que são idênticas por descendência, ou seja, são reproduções de um mesmo alelo que existiu em algum ancestral compartilhado por eles. Uma população é classificada como endogâmica quando a probabilidade de os descendentes dos acasalamentos populacionais herdarem duas cópias idênticas por origem comum for maior do que o esperado em cruzamentos aleatórios. Quando um descendente herda dois alelos que são idênticos por origem comum, dizemos que esse indivíduo é homozigoto por origem comum (autozigoto). Portanto a probabilidade de homozigose por origem comum é aumentada em populações endogâmicas. Essa possibilidade recebe o nome de coeficiente de endogamia (F). Quanto maior for o grau de parentesco entre os indivíduos que participam dos cruzamentos, maior será o coeficiente de endogamia. Quanto mais aleatórios forem os acasalamentos na população, menor será o valor de F. Os valores F variam de 0 (cruzamentos totalmente aleatórios) a 1 (população completamente endogâmica). Uma situação extrema de endogamia ocorre na autofecundação. Para que você perceba os efeitos da endogamia ao longo das gerações, vamos imaginar uma espécie de planta que só se reproduza por autofecundação.Na geração inicial (Geração 0), indivíduos de genótipo AA, ao se autofecundarem, só originam descendentes AA, e a autofecundação de indivíduos aa gera apenas descendentes aa. No entanto, a autofecundação dos heterozigotos Aa implica descendentes AA (1/4 de chance), Aa (1/2 de chance) e aa (1/4 de chance). Logo, na próxima geração (Geração 1), a proporção de heterozigotos se reduzirá à metade, enquanto as proporções de cada homozigoto aumentarão em ¼. Cc CC Cc cc cc Cc CC CC Cc Cc Cc Cc I - 1 I - 2 I - 3 II - 1 III - 1 II - 2 III - 2 II - 3 III - 3 Primos IV - 1 Indivíduo homozigoto por origem comum (autozigoto) Ancestral comum II - 4 III - 4 Figura 61 – Heredograma humano com um casamento consanguíneo (endogâmico). Os dois exemplares do alelo recessivo c presentes no indivíduo IV-1 são cópias do mesmo alelo presente no ancestral comum de seus genitores 87 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO Essas plantas da Geração 1 também serão autofecundadas, e, novamente, na próxima geração (Geração 2), haverá redução à metade na proporção de heterozigotos e aumento de ¼ nas proporções de cada homozigoto. Mantendo esse mesmo sistema de cruzamentos por várias gerações, o que você espera que aconteça? Se tiver pensado que os heterozigotos tenderão a sumir dessa população, acertou! Nessa situação extrema de endogamia, que é a autofecundação, em poucas gerações a frequência de heterozigotos se aproxima de zero, ao mesmo tempo que as regularidades dos genótipos homozigotos tornam-se aumentadas. Esse mesmo efeito ocorre, embora não tão rapidamente, em populações cujos indivíduos não se reproduzem por autofecundação, mas que se acasalam com seres aparentados em uma frequência aumentada. AA AA AA AA Aa Aa Aa Aa aa aa aa aa 1/2 1/2 1/2 1/4 1/4 1/4 1/4 1/4 1/4 Geração 0 Geração 1 Geração 2 Geração 4 Figura 62 – Efeito da endogamia em uma população cujos indivíduos se reproduzem por autofecundação, fenômeno representado no esquema pelas setas em formato de ciclo. Partindo de uma geração inicial (Geração 0), a cada geração a frequência de heterozigotos cai pela metade (½), enquanto as frequências dos genótipos homozigotos aumentam em ¼ Embora a endogamia em populações grandes provoque modificações nas frequências genotípicas ao longo das gerações (reduzindo a heterozigose e aumentando a homozigose), as frequências alélicas são mantidas de uma geração para outra. Já foi dito que os cruzamentos, quando ocorrem de maneira completamente aleatória, originam uma nova geração cujas frequências genotípicas serão aquelas do Equilíbrio de Hardy-Weinberg. No entanto, quando há endogamia na população, as frequências de Hardy-Weinberg sofrem um ajuste para incluir o coeficiente de endogamia. Esse ajuste foi proposto pelo geneticista Sewall Wright, motivo pelo qual recebeu a denominação de equilíbrio de Wright. As frequências do equilíbrio de Wright são mostradas no quadro a seguir. Quadro 9 – Frequências do equilíbrio de Wright Genótipos AA Aa aa Frequências genotípicas do Equilíbrio de Wright p 2 + Fpq 2pq (1-F) q2 + Fpq 88 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Considerando as frequências informadas, se o valor de F for igual a zero, elas passarão a ser p2, 2pq e q2, ou seja, as frequências de Hardy-Weinberg. Lembre-se de que F = 0 é o caso de uma população cujos cruzamentos ocorrem completamente ao acaso, o que é uma premissa do Equilíbrio de Hardy-Weinberg. Em contrapartida, se considerarmos F = 1, o que ocorre em uma população totalmente endogâmica, os valores das frequências genotípicas de AA, Aa e aa passarão a ser p, 0 e q, respectivamente. O fato de a endogamia elevar as frequências de genótipos homozigotos tem implicações negativas. Mutações recessivas deletérias que estejam presentes no conjunto gênico de indivíduos aparentados, compartilhadas entre esses indivíduos justamente pelo fato de as terem herdado de um mesmo ancestral, podem reunir-se em virtude do endocruzamento. Em outras palavras, cópias de um alelo recessivo e deletério a, idênticas por descendência, têm maiores chances de unir-se em acasalamentos consanguíneos, compondo o genótipo recessivo aa, que irá expressar um fenótipo deletério que reduza as chances de sobrevivência do indivíduo. Observação A palavra deletério tem o significado de algo destrutivo, danoso, nocivo. No contexto clínico, é algo que tem efeito insalubre, ou seja, prejudicial à saúde. Uma população que é naturalmente exogâmica, isto é, em que os acasalamentos ocorrem em sua maioria entre indivíduos não aparentados, quando passa a apresentar índices elevados de endogamia por um motivo qualquer, fica exposta a um fenômeno de declínio populacional chamado depressão endogâmica. Nela, há um aumento do número de indivíduos com baixo desenvolvimento corporal, pouco férteis, deformados e que morrem precocemente. Tais seres com baixo valor adaptativo estarão mais sujeitos aos efeitos da seleção natural. A longo prazo, a seleção reduzirá substancialmente a frequência do alelo recessivo deletério, e o que restará será uma população com baixos índices de variabilidade genética. O quadro a seguir apresenta os efeitos da depressão endogâmica em uma população experimental de ratos, que foram submetidos a aproximadamente trinta gerações de acasalamentos entre pais e filhos e entre irmãos, entre os anos de 1887 e 1892. Observe que as porcentagens de acasalamentos não produtivos (sem descendentes) e de mortalidade precoce aumentam significativamente, enquanto a quantidade média de filhotes por ninhada sofre decréscimo ao longo dos anos. Quadro 10 – Efeitos da depressão endogâmica em uma população experimental de ratos Ano Acasalamentos não produtivos (porcentagem) Tamanho médio da ninhada (número de indivíduos) Mortalidade desde o nascimento até 4 semanas (porcentagem) 1887 0,0 7,50 3,9 1888 2,6 7,14 4,4 1889 5,6 7,71 5,0 1890 17,4 6,58 8,7 89 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 1891 50,0 4,58 36,4 1892 41,2 3,20 45,5 Fonte: Futuyma (1992, p. 135). Estudos realizados em populações naturais revelaram efeitos drásticos da endogamia. Por exemplo, no chapim-real (Parus major), uma espécie de ave comum na Europa e na Ásia, a mortalidade entre os descendentes de indivíduos aparentados pode ser até 70% maior que na prole de aves não aparentadas. Em espécies de plantas nas quais ocorre tanto autofecundação quanto fecundação cruzada, o valor adaptativo da progênie originada por autofecundação corresponde à metade do quantificado entre os descendentes de exocruzamentos. Exemplo de aplicação Criadores de cães e gatos eventualmente cruzam indivíduos aparentados que compartilham características desejáveis, visando transmiti-las à prole. Considerando as informações sobre endogamia, reflita sobre os riscos associados a essa prática. 5.4.1 Riscos populacionais associados à endogamia e à deriva genética Populações pequenas são mais sujeitas a sofrer perdas na diversidade genética que as grandes, tanto por causa da deriva genética quanto por endogamia. Em outras palavras, populações pequenas tendem a ser menos polimórficas que as grandes. Nos dias atuais, muitas populações de diversas espécies encontram-se nessa situação, particularmente por causa de gargalos populacionais promovidos por atividades humanas diretas e indiretas. 1 0 10 20 30 40 Tamanho populacional (log) Po lim or fis m o (% ) 2 3 4 56 Figura 63 – Variação na porcentagem de genes com polimorfismo em seus locos em razão do tamanho populacional na espécie arbórea Halocarpus bidwillii, na Nova Zelândia 90 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II A redução na heterozigose populacional é um dos sinais de que a diversidade genética populacional está declinando. Vários estudos confirmaram que a diminuição do tamanho populacional está intimamente ligada à perda de heterozigose. 1,0 0,5 0,0 0 50 100 N = 10 N = 25 N = 50 N = 100 N = 200 He te ro zi go se Gerações Figura 64 – Declínio previsto na heterozigose populacional ao longo das gerações em populações de diferentes tamanhos. Observe que nos menores tamanhos a redução da heterozigose ocorre mais rapidamente A perda de variabilidade genética torna a população vulnerável pelo fato de reduzir suas possibilidades de evoluir diante de uma nova condição ambiental que imponha dificuldade de sobrevivência. Quanto mais tempo persistir o tamanho populacional reduzido, maiores serão as chances de haver perda de variabilidade genética. Além disso, em populações pequenas, a endogamia que normalmente se estabelece nessas circunstâncias reduz o valor adaptativo populacional em virtude da depressão endogâmica, elevando assim o risco de a população – e, em alguns casos mais extremos, a espécie – se extinguir. 1,00 0,50 0,00 Va lo r a da pt at iv o 0 0,1 0,2 0,3 0,4 F Figura 65 – Redução do valor adaptativo médio populacional do hipopótamo-pigmeu na África, em razão do aumento do coeficiente de endogamia (F) 91 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO A fragmentação de hábitat é uma das principais causas de redução do tamanho populacional. A fragmentação da Mata Atlântica no Brasil, por exemplo, é um dos casos mais conhecidos internacionalmente. Algumas de suas espécies típicas, como o mico-leão-dourado, encontram-se ameaçadas de extinção em virtude desse impacto. Medidas que visam à conservação biológica devem levar em consideração esses fenômenos microevolutivos. Por exemplo, a construção de corredores florestais entre fragmentos do ecossistema é uma medida que promove o fluxo gênico entre populações, elevando, assim, a variabilidade genética. A reprodução em cativeiro também é uma dessas medidas conservacionistas que têm por objetivo aumentar a quantidade de indivíduos pertencentes a espécies ameaçadas. Nesses casos, toma-se o cuidado de evitar o cruzamento endogâmico entre os seres selecionados para acasalamento, reduzindo, com isso, os efeitos deletérios da depressão endogâmica. Figura 66 – Fragmentação da Mata Atlântica no estado de São Paulo. A cobertura florestal do estado variou de 82%, em 1500, para 3%, em 2000 92 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Fragmento isolado perde espécies mais rápido... ...que aqueles conectados à floresta original. Mesmo fragmentos maiores perdem espécies. Figura 67 – Em fragmentos florestais, há redução populacional e, com isso, a deriva genética e a endogamia reduzem a variabilidade genética. Nesses casos, a existência de corredores de vegetação, como na parte superior da imagem, garante o fluxo gênico 6 CONCEITOS DE ESPÉCIE E ESPECIAÇÃO Você sabe dizer quantas espécies diferentes existem em nosso planeta? Estimativas recentes afirmam que atualmente elas são cerca de 9 milhões de espécies diferentes, dentre animais, plantas, fungos, protozoários, bactérias e vírus. Ao se deparar com um número tão grandioso, surge aquela velha pergunta: como essa grande quantidade foi originada? Compreender como funciona o conjunto de processos que leva à origem de novas espécies a partir de ancestrais, conhecida como especiação, é uma questão central no estudo da biologia evolutiva. Porém, antes de iniciarmos o estudo da especiação, temos de responder a outra pergunta não menos importante: o que é espécie? Você possivelmente saiba identificar com facilidade espécies diferentes, mas encontrará certa dificuldade em elaborar uma definição precisa para o termo. Mas não se preocupe, pois essa não é uma dificuldade só sua, como veremos adiante. 6.1 Conceitos de espécie Ainda hoje pesquisadores do mundo todo não chegaram a um consenso quanto a uma definição de espécie que possa ser aceita sem restrições e que possa ser aplicado de modo universal a todos os seres vivos. Todos concordam que espécie é um grupo de organismos, mas há muita discordância quanto ao critério adotado para caracterizá-lo. Diante dessa dificuldade, foram concebidas várias definições diferentes, que levam em consideração critérios diversos. A seguir, serão apresentados alguns dos principais conceitos. 93 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 6.1.1 Conceito fenético Baseia-se na comparação de caracteres fenéticos, que são todos aqueles observáveis e mensuráveis do organismo. As formas ou os tipos observáveis compõem a morfologia. No entanto, nem todo caráter fenético é morfológico, por exemplo, os traços comportamentais e os fisiológicos. Portanto, tudo o que é morfológico é fenético, mas nem tudo o que é fenético é morfológico. A versão clássica do conceito fenético é também conhecida como conceito tipológico ou morfológico de espécie. Esse é o conceito mais tradicional e corresponde àquele que foi originalmente adotado. Usa como critério descritivo a morfologia e chama de morfoespécie o grupo de organismos que compartilham similaridades morfológicas. Na taxonomia formal, o termo tipo corresponde a um modelo morfológico, que é representado por um espécime-tipo depositado em museu. O espécime-tipo é um indivíduo escolhido pelos pesquisadores como aquele que melhor representa morfologicamente a espécie. A identificação de espécies baseada exclusivamente na comparação morfológica com espécimes-tipo tem algumas limitações, particularmente notáveis em espécies politípicas e crípticas, como descrito a seguir: • Espécies politípicas: são aquelas que apresentam grande variabilidade morfológica, muitas vezes associada a diferentes localizações geográficas ou ao dimorfismo sexual. Em diversas situações, indivíduos morfologicamente distintos se reconhecem e acasalam, gerando prole viável. Portanto, comparações puramente morfológicas podem classificar indivíduos de uma mesma espécie como pertencentes a espécies diferentes. Figura 68 – Exemplares pertencentes a diferentes subespécies de Lampropeltis triangulum, a cobra-do-leite norte-americana. Os distintos padrões de cores estão associados à variação geográfica da espécie. Apesar das diferenças, essas variedades intercruzam normalmente, gerando descendentes plenamente férteis • Espécies crípticas: são as que apresentam elevada similaridade morfológica, mas se comportam como grupos diferentes dos pontos de vista reprodutivo e ecológico, além de demonstrarem diferenças genéticas significativas. Desse modo, comparações puramente morfológicas podem classificar indivíduos de espécies diferentes como pertencentes a uma mesma espécie. 94 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II A) B) Figura 69 – Duas espécies importantes de aves. Apesar de apresentarem coloração e formato do corpo semelhantes, essas aves das espécies Sturnella magna (a) e Sturnella neglecta (b) demonstram diferenças comportamentais e nas características do canto, o que promove o isolamento reprodutivo entreas duas espécies, e por isso são consideradas entidades biologicamente distintas Posteriormente, o critério fenético utilizado na definição de espécies passou a incluir caracteres não morfológicos e recursos matemáticos na tentativa de aumentar a precisão no processo de identificação. Quanto mais caracteres analisados, melhor. Essa modalidade de análise fenética ficou conhecida como taxonomia numérica. Nesse contexto, o conjunto de dados é submetido a análises multivariadas complexas, que apontam as principais diferenças entre conjuntos de medidas. Esse modelo de classificação recebeu críticas pelo fato de que índices numéricos que representam agregados de caracteres não correspondem a uma propriedade natural inequívoca das espécies. Além disso, métodos estatísticos diferentes aplicados ao mesmo conjunto de dados podem resultar em agrupamentos fenéticos diferentes, e a escolha do método estatístico mais adequado é um procedimento arbitrário. Apesar das dificuldades de generalização, o critério fenético, morfológico ou não, tem grande aplicação prática na identificação da maioria das espécies. A águia-careca e a águia-dourada, por exemplo, são distinguíveis com base no padrão de coloração das penas. Entretanto, se a identificação de todas as espécies existentes se baseasse apenas nos pressupostos do conceito fenético, resultados insatisfatórios poderiam ser fornecidos. (a) Águia-careca (b) Águia-dourada Figura 70 – Aspectos morfológicos, em vista ventral, da águia-careca (Haliaeetus leucocephalus) e da águia-dourada (Aquila chrysaetos). As duas espécies são distinguíveis pelos padrões de coloração das penas 95 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO 6.1.2 Conceito biológico A definição de espécie, segundo o conceito biológico, baseia-se no critério reprodutivo. Conceitua- se biologicamente uma espécie como um grupo de organismos que não se reproduzem com elementos de outros grupos. Essa ideia parte do princípio de que indivíduos de uma mesma espécie trocam genes entre si, mas não com indivíduos de outras espécies. Dito de outra forma: espécie é um grupo em que há fluxo gênico entre os elementos, o que mantém a sua integridade. Esse conceito de espécie é anterior a Darwin, mas efetivamente ganhou força somente no contexto do neodarwinismo. Se dois indivíduos de sexos opostos não se identificarem como parceiros sexuais ou, caso haja esse reconhecimento, se a prole resultante do cruzamento for inviável ou estéril, eles serão considerados como pertencentes a espécies diferentes. Essa incompatibilidade reprodutiva entre espécies é denominada isolamento reprodutivo. Ele pode ser classificado como pré-zigótico ou pós-zigótico. 6.1.2.1 Isolamento reprodutivo pré-zigótico Isolamento reprodutivo pré-zigótico é o nome dado a qualquer incompatibilidade reprodutiva existente entre indivíduos de espécies diferentes que impede a ocorrência de acasalamento. Não havendo a cópula, não haverá formação de zigoto, daí o nome pré-zigótico atribuído a esse isolamento. A seguir, serão descritas as barreiras de isolamento que impedem a formação de híbridos: • Isolamento ecológico ou de hábitat: populações de duas ou mais espécies vivem em hábitats diferentes em uma mesma região, portanto não se encontram. • Isolamento sazonal ou temporal: as épocas em que os indivíduos se reproduzem são diferentes para espécies distintas. Nesse caso, indivíduos de espécies diferentes podem coexistir em uma mesma área, mas não se acasalam. • Isolamento sexual ou etológico: seres pertencentes a espécies diferentes não se sentem atraídos para acasalamento. • Isolamento mecânico: os órgãos reprodutores, em espécies diferentes, apresentam configurações físicas incompatíveis, o que impede o intercruzamento. • Isolamento por polinizadores diferentes: plantas de duas ou mais espécies podem ser polinizadas por diferentes tipos de polinizadores. Desse modo, não ocorrerá a transferência de pólen entre as espécies. • Isolamento gamético: os gametas de espécies diferentes podem não se atrair para fecundação ou ser inviáveis quando transferidos para o sistema reprodutor da outra espécie. 96 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II 6.1.2.2 Isolamento reprodutivo pós-zigótico Isolamento pós-zigótico é o nome dado à falta de viabilidade ou de fecundidade do híbrido originado a partir do acasalamento entre indivíduos de espécies diferentes. Nesse caso, como há fecundação, forma-se um zigoto contendo o genoma de duas espécies distintas. Essa mistura de genomas resultará em alguma incompatibilidade que irá afetar, em algum momento, o desenvolvimento do híbrido. Como o conflito entre os genomas se manifesta após a formação de zigoto, esse isolamento recebe o nome de pós-zigótico. A seguir, serão descritas as barreiras de isolamento reprodutivo pós-zigótico que se aplicam aos híbridos de duas espécies: • Inviabilidade do híbrido: os zigotos ou embriões híbridos são inviáveis ou têm viabilidade reduzida, o que compromete a sobrevivência. Cruzamento Fecundação Equus caballus Equus asinus Mula (híbrido) Normalmente a mula é estéril. Se gerar um descendente, ele será estéril Figura 71 – Cruzamento interespecífico de cavalo e jumento. O híbrido resultante (mula ou burro) é estéril e, se eventualmente gerar descendência, ela não conseguirá se reproduzir. Esse é, portanto, um caso de isolamento reprodutivo pós-zigótico 97 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 EVOLUÇÃO • Esterilidade do híbrido: os híbridos obtidos diretamente do cruzamento entre duas espécies diferentes (híbridos F1) não conseguem produzir gametas funcionais, de um ou de ambos os sexos. Um caso clássico desse tipo de isolamento é observado nos híbridos gerados a partir do acasalamento entre jumento e égua. Se o híbrido for macho, será chamado de burro, e se for fêmea, será chamado de mula. Tanto o burro quanto a mula são estéreis, o que confirma o status de espécies diferentes atribuído a jumentos e cavalos. • Desmoronamento do híbrido: híbridos F1 que eventualmente sejam férteis e se cruzem entre si ou com uma das espécies parentais geram descendentes com viabilidade ou fertilidade reduzida. Em alguns casos, espécies estreitamente relacionadas desenvolvem isolamento reprodutivo pré-zigótico, mas não estão isoladas pós-zigoticamente. Um exemplo dessa situação é observado em duas espécies africanas de peixes ciclídeos que vivem no lago Vitória, Pundamilia nyererei e P. pundamilia. Essas espécies são diferentes no padrão de coloração corporal: Pundamilia nyererei tem cor avermelhada e P. pundamilia tem cor azulada. Em laboratório, pesquisadores realizaram experimentos cujos resultados são apresentados a seguir. • Situação 1: fêmeas de uma das espécies foram colocadas no mesmo tanque que machos das duas espécies. Elas sempre preferiam se acasalar com os machos de sua própria espécie. • Situação 2: os pesquisadores repetiram o experimento, porém, mudaram a iluminação dos tanques de água: colocaram uma lâmpada que emitia luz monocromática. Dessa forma, não era possível diferenciar as espécies pela cor. Nessa nova situação, as fêmeas de ambas as espécies não manifestavam preferência por machos de uma espécie ou de outra no acasalamento. Do intercruzamento das duas espécies, em laboratório, nasceram híbridos férteis, a partir dos quais os pesquisadores obtiveram, com sucesso, cinco gerações de híbridos. 98 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 5/ 10 /1 6 Unidade II Luz natural Pundamilia nyererei
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