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Ricardo Reis O rio como imagem da vida que passa: (“fitemos o seu curso e aprendamos / Que a vida passa”); A vida vai para além dos deuses: (“para ao pé do Fado, / Mais longe que os Deuses”); A infância é a idade ideal: (“crianças adultas”, “Nem fomos mais do que crianças”); O ideal de uma vida passiva e silenciosa: (“Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantem vozes”); O amor ideal não realizado carnalmente: (“mais vale estarmos sentados ao pé um do outro / Ouvindo correr o rio e vendo-o”); A carência de ideias dogmáticas e filosóficas como meio de manter-se puro e sossegado: (“não cremos em nada, / Pagãos inocentes da decadência”); O próprio paganismo: (“pagãos”). In Estudos sobre Fernando Pessoa O assunto do poema (idílio amoroso do poeta com a mulher amada à beira do rio) desenvolve-se em três partes lógicas: 1.ª Parte (duas primeiras estrofes) O sujeito poético pede à sua amada, Lídia, que se sente com ele à beira do rio, enlaçando as mãos, porque a vida não volta (é fugaz) como a corrente do rio, e importa gozar o momento presente; esta é a lição de vida que pretende ensinar; 2.ª Parte (da terceira estrofe à sexta) O sujeito poético pede à amada para desenlaçarem as mãos, porque importa evitar a grandes paixões, sejam elas de amor ou ódio, ou simplesmente sentados “ao pé um do outro”, amando-se tranquilamente, “sem trocar beijos e abraços e carícias”, colhendo flores cujo perfume lhes suavize o momento presente, a eles, “pagãos inocentes da decadência” (só assim atingirá a ataraxia desejada). Deste modo, está bem evidente o carácter voluntário da renúncia ao prazer efémero (vv. 17-18). 3.ª Parte (as últimas duas estrofes) O sujeito poético justifica a renúncia aos fugazes prazeres da vida, afirmando que, não sendo “mais do que crianças”, os dois evitarão o sofrimento causado pela antevisão da morte, conservando a serenidade. O medo da morte é tão grande que a morte não é nomeada senão através dos eufemismos contidos nas expressões: “Se for sombra antes” e “se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio.” A frequência do imperativo (“vem”, “pega”) e da primeira pessoa do presente do conjuntivo (“fitemo-nos”, “aprendamos”,…) põem em evidência a função apelativa da linguagem que predomina ao longo do poema; O sujeito poético procura converter a mulher amada à sua filosofia de vida, julgando construir assim, a dois, a felicidade possível, a felicidade que o “Fado” consente a “duas crianças” irmanadas com a natureza. Nas duas primeiras partes do poema, predominam o presente do indicativo e o gerúndio, de aspecto durativo, dando a sugestão do fluir, da transitoriedade inevitável da vida (“a vida passa”, “Passa e não fica, não deixa e nunca regressa”,…); Na última parte do poema, como se tecem considerações sobre a antevisão da morte, sobre o futuro, já predominam outros modos e tempos verbais: futuro do indicativo (“ lembrar-te-ás”,…), futuro do conjuntivo com sentido de eventualidade, condição (“for”, “levares”) e o presente do conjuntivo com o sentido de dúvida, possibilidade (“arda”, “fira”, “mova”). O papel do Destino: é o destino que rege o curso do tempo que o rio simboliza e no termo do qual está a morte (O Fado é a entidade superior aos próprios deuses); Referência mitológicas: deuses (que não ocupam a posição mais alta na hierarquia do comando da vida humana), “barqueiro sombrio” que recebe o “óbolo” (Caronte); “Barqueiro sombrio”: transporta os mortos através do rio dos infernos (mitologia grega); “Sombra”: corresponde ao símbolo da morte. O rio: sugere o percurso da própria vida, na caminhada para a morte (“um mar muito longe”); As flores no colo e o seu perfume: sugere ao mesmo tempo o ideal da aurea mediania ou aurea mediocritas (apreço pela vida em contacto com a natureza) e a efemeridade da vida; Nota: Para os clássicos, a vida é que contava. Daí o seu apego a ela, a angústia do fluir do tempo, da antevisão da morte; contrariamente, o cristianismo defende a moderação da vida terrena, pois esta prepara para a felicidade, sobretudo da vida futura. Ode: tem origem na poesia clássica grega; é uma composição poética lírica de assunto elevado, própria para ser cantada; Lídia: este nome, tal como Neera e Cloe, foi utilizado por Horácio; Ambiente bucólico. É preciso viver o presente com serena e altiva aceitação do destino; Há a presença da autodisciplina e abdicação estóicas: “Desenlacemos as mãos”, como forma de aceitação voluntária de um destino involuntário; Ler os seguintes versos: 9 e 11-20. Se a vida passa e não se pode evitar a morte, é preciso, por um lado, aproveitar o presente; “Mais vale saber passar silenciosamente”, sem apego ao transitório (atitude epicurista) e sem qualquer sentimento extremado (“Sem ódios, nem paixões”) e do sofrimento que o subjaz; Está presente a importância de carpe diem epicurista: aproveitamento do momento que passa (“Colhamos flores”). Metáforas: “crianças adultas”, “Pagãos inocentes da decadência”, “Sem que a minha lembrança te arda e te fira”; Comparações: “Nem fomos mais do que crianças”, passamos como o rio”; Eufemismo: “Se for sombra antes” e “se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio.”(o último verso também é um exemplo de perífrase.); Enumerações por vezes gradativas e com síndeto: “Sem amores, nem ódios, nem paixões”, “trocar beijos e abraços e carícias”; Apóstrofe: “Vem sentar-te comigo, Lídia,…”; Anáfora: “Nem…” e “Nem…” (vv. 14-15). O recurso a advérbios de modo (“sossegadamente”, “silenciosamente”,…) e a versos longos conferem ao poema um ritmo lento e plangente que se coaduna, por um lado, com a tranquilidade preconizada pelo sujeito poético e, por outro, com a melancolia (“Pagã triste”).
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