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07 janeiro/fevereiro/março - 2009 informativo sbm • ano 2 • www.sbmicrobiologia.org.br A revista do Microbiologista. Lições aprendidas com a bactéria fastidiosa Lições aprendidas com a bactéria fastidiosa Legionella sp e Legionelose: Legionella sp e Legionelose: IS S N 1 9 8 2 -1 3 0 1 Obtenção de pigmentos naturais a partir do cultivo de Monascus sp Ciência in Foco Editorial 03 Índice Ciência in Foco LEGIONELLA SPP E LEGIONELOSE: LIÇÕES APRENDIDAS COM A BACTÉRIA FASTIDIOSA . . . . . . . . . . . . . . 04 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL BIOSURFACTANTE DE FUNGOS FILAMENTOSOS ASSOCIADOS A CNIDÁRIOS MARINHOS COM ATIVIDADE DE DEGRADAÇÃO DE HPAs . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 OBTENÇÃO DE PIGMENTOS NATURAIS A PARTIR DO CULTIVO DE MONASCUS SP. . . . . . . . . 19 NOVOS PADRÕES DE RESISTÊNCIA: COMO INCORPORAR A DETECÇÃO NO LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . 27 Prezado Microbiologista, Editorial Prezado colega Desde o primeiro número da Revista, em julho de 2007, temos enfatizado a necessidade de sua colaboração, enviando notícias, sugerindo temas, pes- quisadores, ofertas de emprego, enfim qualquer assunto que envolva a micro- biologia e que achar interessante para publicação e divulgação. Infelizmente, não temos recebido sugestões por parte dos leitores e da comunidade científi- ca microbiológica e isso tem limitado em muito a abrangência que idealizamos para a Revista e que deveria se refletir em cada número. Dessa maneira, voltamos a enfatizar que esperamos e contamos com sua colaboração ativa para que essa iniciativa da SBM atinja o objetivo de divul- gar a Microbiologia nos mais diversos setores da comunidade brasileira. Lembramos ao colega que a revista é de informação e divulgação e é com- posta de várias seções: Seção 1: Ciência in foco: artigos de informação sobre temas relevantes Seção 2: Resenhas: comentários sobre livros Seção 3: Resumos comentados de trabalhos científicos relevantes Seção 4: Homenagens a profissionais com destaque na fundação da SBM e no desenvolvimento da Microbiologia Seção 5: Ensino em Microbiologia Seção 6: Departamento in Foco- Departamentos em destaque: Notíci- as de interesse da Microbiologia Seção 7: Leitor in Foco- Espaço aberto ao leitor. Seção 8: Empresas in Foco- Informes publicitários: Espaço destinado a Empresas Contamos com sua colaboração. Escrevam para vgambale@usp.br ou taborda@usp.br Marina B. Martinez Presidente Walderez Gambale Carlos Taborda Editores Expediente Editores: - Aumento 1000x Carlos Taborda e Walderez Gambale Editoração e Impressão: Marketing e Publicidade: Dolika Afa Artes Gráfica: (51) 3343.5533 Prix Eventos: Silvia Neglia - Diretora Diagramação: Geanine Viviane Backes Fone/fax: 51.32496164 microbiologia@prixeventos.com.br Tiragem: 2000 exemplares - Circulação Nacional Capa: Distribuição gratuita para sócios SBM Foto de Dr. Fábio Ramos de Souza Carvalho. Imu- nofluorescência direta com anticorpos monoclo- Responsabilidade editorial: nais: Forma extracelular de L. pneumophila soro- Todos os artigos assinados são de responsabilida- grupo 1 e interação com Acanthamoeba castellanii de dos respectivos autores. SBM in Foco Revista da Sociedade Brasileira de Microbiologia Ano 2, nº 7 (Janeiro, Fevereiro, Março) São Paulo: SBM, 2008 Periodicidade Trimestral 04 O gênero Legionella foi descrito no ano de 1979, após um surto de pneumo- nia ocorrido entre os membros da Legião Americana, cuja convenção aconteceu na cidade Filadélfia, Estados Unidos, em julho de 1976. Naquela ocasião, 180 pes- soas contraíram a doença e 29 pacientes foram a óbito. Em janeiro de 1977, McDa- de e colaboradores (1977) isolaram uma bactéria gram-negativa de tecidos pulmo- nares daqueles pacientes e denomina- ram-na Legionella pneumophila, enquan- to a respectiva infecção foi denominada de Doença dos Legionários. Investiga- ções posteriores efetuadas pelo Centro de Controle de Infecções e Doenças nor- te-americano (CDC) identificaram o siste- ma de ar-condicionado do hotel, onde aconteceu a convenção, como a fonte am- biental de dispersão da bactéria. A partir deste fato, bactérias do gênero Legionel- la têm sido isoladas de ambientes aquáti- cos e terrestres, e estudos ecológicos da LEGIONELLA SPP E LEGIONELOSE: LIÇÕES APRENDIDAS COM A BACTÉRIA FASTIDIOSA Ciência in Foco família Legionellaceae têm demonstrado a habilidade desta bactéria em habitar lo- cais sob condições ambientais adversas de pH, temperatura e salinidade (Carva- lho et al., 2006; Sheehan et al., 2005). Fontes naturais de água, sistemas de distribuição municipais e tanques de ar- mazenamento de grandes volumes de água podem ser ambientes aquáticos pro- pícios para o desenvolvimento de Legio- nella spp. Estes locais podem fornecer condições naturais para a proliferação da bactéria, como temperaturas uniformes, oferta de nutrientes dissolvidos presen- tes em sedimentos e biofilmes e presença de microrganismos comensais. A presen- ça de Legionella pneumophila em siste- mas de distribuição, por exemplo, está associada com constituintes físico-quí- micos presentes na água e nos materiais constituintes dos sistemas de encana- mento, como altas concentrações de Cál- cio e Magnésio, principais componentes dos sedimentos e biofilmes (Vickers et al., 1987). Apesar da uniformidade de tempe- ratura encontrada geralmente nos reser- vatórios de água, estudo in situ utilizando um modelo de sistema de encanamento demonstrou a capacidade de L. pneu- mophila de sobreviver e/ou crescer em temperaturas de 20 , 40 e 50 C, não apre- sentando, porém, viabilidade em tempe- ratura igual ou acima de 60 C (Rogers et al., 1994). Outro ambiente aquático propí- cio para a ocorrência de microrganismos do gênero Legionella são os sistemas de climatização de ambientes interiores, co- mo torres de refrigeração, bandejas de condensação, chuveiros e caldeiras (Car- valho et al., 2007). Estes sistemas artifici- ais de climatização estão presentes prin- cipalmente em prédios públicos, hospi- tais e indústrias, e alguns fatores podem ocasionar o desenvolvimento de Legio- nella spp nestes ambientes aquáticos. Dentre estes fatores podemos citar os ma- Fábio Ramos de Souza Carvalho Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina Doutor em Ciências, Microbiologia (ICB/ USP) 05 teriais metálicos utilizados, principalmen- te ferro, e a complexidade na manuten- ção que podem submeter as partes cons- tituintes do sistema de climatização aos processos de oxidação e acumulação ao longo do tempo. Assim, a oferta de metais oxidados, na forma de íons dissolvidos, e a formação de biofilmes microbianos po- deriam ser fatores importantes na perpe- tuação e proliferação da bactéria nos sis- temas de climatização, uma vez que re- presentam uma fonte de nutrientes es- senciais para o metabolismo de Legionel- la spp e atuam como barreira natural à ação de agentes antimicrobianos, res- pectivamente. Outro aspecto importante quanto ao desenvolvimento de Legionella spp em ambientes aquáticos está relacionado às interações ecológicas de simbiose esta- belecidas entre a bactéria e protozoários de vida livre. A multiplicação no interior de amebas de vida livre, por exemplo, tem de- monstrado uma associação com o poten- cial patogênico da bactéria, além de se- rem observadas algumas similaridades entre o processo de infecção de L. pneu- mophila em Acanthamoeba castellanii e a sua infecção em células humanas de defe- sa, incluindo os macrófagos e monócitos (Steinert et al., 1997). Algumas evidên- cias indicam que o sinergismo entre Le- gionella spp e os protozoários, considera- dos reservatórios da bactéria na nature- za, exercem importantepapel na presen- ça de L. pneumophila no ambiente, assim como no processo de infecção da bacté- ria em humanos (Miyake et al., 2005). Bac- térias intracelulares, como Chlamydia pneumonia e Mycobacterium avium, tam- bém podem se reproduzir no interior de amebas, no entanto, Legionella sp é a úni- ca bactéria capaz de manter a multiplica- ção no meio intracelular (Abu-Kwaik et al., 1998). Além disso, esta bactéria apre- senta em sua forma extracelular, após o processo replicativo intracelular, resis- tência contra diversos fatores abióticos, por exemplo, antibióticos e variações bruscas de temperatura, pH e osmolari- dade, podendo sobreviver em águas tra- tada, destilada e salina por longos perío- dos de tempo (Abu-Kwaik et al., 1997; Bar- ker et al., 1995b). Amebas de vida livre das espécies Acanthamoeba castellanii, Acanthamoe- ba polyphaga e Hartmannella vermifor- mis têm sido comumente isoladas de sis- temas de distribuição, sendo, então, utili- zadas para isolamento e posterior identi- ficação de microrganismos do gênero Le- gionella em laboratório (Rohr et al., 1998; Steinert et al., 1997). Pesquisas in vitro de- monstraram que o potencial de virulência da bactéria, assim como a resistência aos agentes antimicrobianos, pode aumentar após o processo de fagocitose (ingestão) pelo protozoário (Cirillo et al., 1994). Por- tanto, a ocorrência de amebas em ambi- entes aquáticos pode induzir o cresci- mento e perpetuação da bactéria nos ecossistemas aquáticos e terrestres (Rohr et al., 1998). Apesar de não existir uma metodolo- gia universal padronizada para detecção de Legionella sp tanto em amostras clíni- cas quanto em ambientes naturais (água, solo e sedimento), o procedimento adota- do como padrão é o cultivo em meio sele- tivo de ágar-carvão tamponado acrescido de extrato de levedura e alfa-cetoglu- tarato ( BCYE), baseando-se principal- mente nas normas internacionais propos- tas pelos seguintes órgãos: International Standard Method ISO 11731 (Internatio- nal Standard ISO 11731, 1998), French Standard Method AFNOR NF T90-41 (Association Française de Normalisation, 2003) e Nederlands Normalisatie- Instituut (Nederlands Normalisatie- Instituut, 1991). O meio de cultura BCYE, geralmente, é suplementado com L-cis- teína e pirofosfato férrico, devido aos re- querimentos nutricionais essenciais da bactéria por estes compostos. Agentes antimicrobianos como glicina, vancomici- na e polimixina B, podem ser adicionados ao meio para evitar a proliferação de ou- tras bactérias oportunistas e propiciar o isolamento de Legionella spp. Assim, es- te meio de cultura é denominado ágar BCYE-GVP (Alpha-ketoglutarate Buffe- red Charcoal Yeast Extract Agar-Glicine, Vancomycin, Polymyxin B). Além disso, procedimentos sorológicos, como imuno- fluorescência direta e aglutinação em par- tículas de látex, têm sido utilizados para identificação presuntiva dos isolados de Legionella. Apesar do reconhecimento quanto à importância epidemiológica acerca da obtenção de isolados ambien- tais de Legionella spp, principalmente, pa- ra o estudo estrutural da população desta bactéria, diversas limitações quanto à sensibilidade e especificidade, têm sido associadas aos métodos descritos anteri- ormente de isolamento e identificação da bactéria em amostras naturais (Behets et al., 2007; Joly et al., 2006). Assim, consi- derando a baixa concentração celular da bactéria nos diferentes ambientes e a bai- xa sensibilidade e especificidade dos mé- todos de isolamento e identificação de Le- gionella spp, técnicas moleculares inde- pendentes de cultivo, a partir de produtos da reação em cadeia da polimerase (PCR), têm sido propostas como procedi- mento alternativo para aumentar a sensi- bilidade e especificidade na detecção e quantificação destas bactérias em amos- tras ambientais e clínicas. A família Legionellaceae é constituída apenas do gênero Legionella (Fields et al., 2002). Alguns pesquisadores propu- seram a inclusão de outros dois gêneros, Fluoribacter e Tatlockia (Fox, Brown, 1993; Garrity et al., 1980). Porém, estu- dos moleculares confirmaram a presença apenas de um gênero (Legionella), bem como a família Legionellaceae como sub- grupo monofilético da subdivisão gam- ma-2 de Proteobacteria (Benson, Fields, 1998; Fry et al., 1991). Assim, as denomi- nações de algumas espécies de Legio- nella, por exemplo, Legionella (Fluoribac- ter) dumoffi, Legionella bozemanii (Fluo- ribacter bozemanae), Legionella (Tatloc- kia) maceachernii e Legionella (Tatlockia) micdadei, permanecem atualmente sob discussão taxonômica de grupos de pes- quisa especializados. Atualmente, exis- tem 51 espécies de Legionella e 72 soro- grupos (Tabela 1), sendo Legionella jeonii a última espécie descrita em literatura (Park et al., 2004). Legionella spp são microrganismos CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA LE- GIONELLACEAE. * As espécies estão listadas segundo a ordem da data de isolamento ou identificação. **Sorogrupo 2 de L. erythra tem sido associado a doença em humanos. Espécies* N° de sorogrupos Capacidade de causar legionelose L. pneumophila 15 Sim L.bozemanii 2 Sim L. dumoffii 1 Sim L. micdadei 1 Sim L. longbeachae 2 Sim L. jordanis 1 Sim L. wadsworthii 1 Sim L. hackeliae 2 Sim L. feeleii 2 Sim L. maceachernii 1 Sim L. birminghamensis 1 Sim L. cincinnatiensis 1 Sim L. gormanii 1 Sim L. sainthelensi 2 Sim L. tucsonensis 1 Sim L. anisa 1 Sim L. lansingensis 1 Sim L. erythra 2 Sim** L. pariensis 1 Sim L. oakridgensis 1 Sim L. spiritensis 1 Não L. jamestowniensis 1 Não L. santicrucis 1 Não L. cherri 1 Não L. steigerwaltii 1 Não L. rubrilucens 1 Não L. israelensis 1 Não L. quinlivanii 2 Não L. brunensis 1 Não L. moravica 1 Não L. gratiana 1 Não L. adelaidensis 1 Não L. fairfieldensis 1 Não L. shakespearei 1 Não L. waltersii 1 Não L. genomospecies 1 Não L. quarteirensis 1 Não L. worsleiensis 1 Não L. geestiana 1 Não L. natarum 1 Não L. londoniensis 1 Não L. taurinensis 1 Não L. lytica 1 Não L. drozanskii 1 Não L. rowbothamii 1 Não L. fallonii 1 Não L. gresilensis 1 Não L. beliardensis 1 Não L. busanensis 1 Não L. drauncortii 1 Não L. jeonii 1 Não TABELA 1. ESPÉCIES DE DE CAUSAR DOENÇA (LEGIONELOSE). LEGIONELLA E PROSSIBILIDADE 06 sem a adição deste aminoácido (Fields, 1992). Tesh e Miller (1981), utilizando a espécie L. pneumophila, demonstraram a assimilação de nove aminoácidos como fonte de carbono e energia adicionais por esta bactéria. Estudos realizados por Wa- dowsky e Yee (1983; 1985) demonstra- ram o efeito de bactérias não-Legio- nellaceae na multiplicação de cepas de L. pneumophila em amostras de água potá- vel quando cultivadas em meio de cultura seletivo sob condição de ausência do ami- noácido L-cisteína. Além disso, foi de- monstrado que a presença de íons metá- licos em baixas concentrações no ambi- ente aquático, principalmente ferro, zinco e potássio, poderiam induzir a prolifera- ção de microrganismos do gênero Legio- nella (States et al., 1985). As características fenotípicas conhe- cidas das espécies de Legionella, com ex- ceção de L. pneumophila, são limitadas. Apresentam-se como bacilos gram- negativos, não-esporulados, de formas e tamanhos variáveis (0,3-0,9 m de diâme- tro x 2,0-20,0 m de comprimento), se- gundo a fonte nutricional e condições de desenvolvimento. Por exemplo, em teci- dos infectados ou secreções pulmonares de humanos, onde a temperatura corpo- ral interna varia entre 37 e 42 C, a bacté- ria pode ser encontrada na forma de baci- los filamentosos multinucleados e não- septados, enquanto em ambientes natu- rais, como água e solos úmidos, onde a temperatura é geralmente 25 C, Legio- nella spp podem ser encontradas na for- ma bacilar curta e delgada (Piao et al.,2006). Características bioquímicas adici- onais, comuns do gênero são: mobilida- de devido à presença de um, dois ou mais flagelos situados nas regiões polares ou laterais da bactéria; variabilidade na rea- ção de oxidase; reações negativas para redução de nitrato, urease, catalase e uti- lização (fermentação e oxidação) de car- boidratos; não formam endósporos ou mi- crocistos; não-encapsulados e não apre- sentam álcool-ácido resistência (Ben- son, Fields, 1998). A maioria das espé- cies produz a enzima beta-lactamase e li- quefaz a gelatina (Fields et al., 2002), en- quanto algumas espécies, quando culti- vadas, demonstram autofluorescência sob luz ultravioleta (UV) com comprimen- to de onda de 365 nanômetros. Neste ca- so, L. anisa, L. bozemanii, L. parisiensis, L. tucsonensis, L. gormanii, L. cherrii, L. aeróbios estritos e quimiorganotróficos, utilizando aminoácidos, principalmente L-cisteína, como fontes de carbono e energia (Brenner et al., 1979), com exce- ção das espécies L. oakridgensis e L. spi- ritensis que crescem em meio seletivo 07 competem com Legionella spp pela mes- ma fonte nutricional (Fields et al., 2002). Estudos ecológicos de simbiose têm demonstrado a importância da presença de protozoários de vida livre na perpetua- ção e replicação de espécies de Legionel- la em corpos de água cujas condições não favorecem o crescimento da bactéria extracelularmente (Harb et al., 2000). A re- lação ecológica estabelecida geralmente é de parasitismo, e amebas de vida livre dos gêneros Acanthamoeba, Hartmanel- la e Naegleria, por exemplo, estão comu- mente relacionadas à presença de algu- mas espécies Legionella, principalmente L. pneumophila, no ambiente aquático (Fi- gura 1). Os gêneros Saccamoeba, Vexilli- fera e Platyamoeba também constituem um importante grupo de amebas de vida livre que podem estar associadas à pre- sença de Legionella spp no ambiente aquático (Steinert et al., 2002). Outros protozoários de vida livre, como os cilia- dos Tetrahymena pyriformis, Tetrahyme- na thermophila, e Tetrahymena vorax tam- bém podem favorecer a proliferação in- tracelular de algumas espécies desta bac- téria, como L. pneumophila e L. longbea- chae, em ambientes naturais (Kikuhara et al., 1994; Smith-Sommerville et al., 1991; Steele, Mclennan, 1996). Estudos adicio- nais de interação hospedeiro-parasita, uti- lizando L. pneumophila como modelo nos ensaios de co-cultivo, demonstraram que o crescimento intracelular prévio desta bactéria em protozoários de vida livre, po- de potencializar o processo de infecção deste patógeno em células humanas de defesa (Cirillo et al., 1994), induzir a modu- lação fenotípica (Abu-Kwaik et al., 1993; Barker et al., 1995a) e aumentar o fator de resistência a desinfetantes químicos, bio- Figura 1: Fotomicrografia fluorescente de L. pneumophila. A: forma intracelular viável da bactéria (pontos verdes demonstrados nas setas) obtidas pelo procedimento de co-cultivo das amostras ambientais em culturas axênicas de A. castellanii. Coloração fluorescente de Live-Dead (Molecular Probes, Inc.) com corantes SYTO9 e Iodeto de Propídio. B: aumento de 400x; A e C: aumento de 1000x. steigerwaltii e L. dumoffii apresentam au- tofluorescência branco-azulada; L. bir- minghamensis e L. wadsworthii autofluo- rescem verde-amareladas, enquanto L. erythra e L. rubrilucens apresentam fluo- rescência avermelhada sob luz UV (Winn, 1999). O ambiente aquático constitui o princi- pal reservatório para microrganismos do gênero Legionella e espécies desta bac- téria podem ser encontradas sob as mais adversas condições naturais, como águas doce (rios e lagos), salobra (ambi- ente estuarino) e salgada (mares e ocea- nos), águas subterrâneas (lençóis freáti- cos), águas residuárias, solos úmidos, além de gotículas de água dispersas na at- mosfera na forma de aerossóis (Bartie et al., 2003; Carvalho et al. 2007; Catalan et al., 1997; Fliermans et al., 1981; Ortiz- Roque, Hazen, 1987; Palmer et al., 1993; Pascual et al., 2001). A temperatura de crescimento ideal destas bactérias é 35 C, podendo variar entre 25 e 42 C (Katz, Hammel, 1987), considerando que ambi- entes aquáticos alterados termicamente podem gerar mudança na comunidade mi- crobiana local e, conseqüentemente, alte- ração no balanço entre as populações de protozoários e bactéria (Fields et al., 2002). Este fato pode resultar em rápida multiplicação de Legionella spp e, even- tualmente, se traduzir no aumento do ris- co de infecção em humanos imunodepri- midos se expostos a aerossóis contendo esta bactéria. Além da presença de Le- gionella spp no ambiente aquático e da temperatura aquecida da água na qual ge- ralmente se encontra, a composição de nutrientes pode atuar como terceiro fator relevante para a proliferação destas ba- ctérias na água. No entanto, microrganis- mos do gênero Legionella requerem uma combinação específica de certos nutrien- tes, semelhantes aos incorporados nos meios de cultura elaborados em laborató- rio, os quais são raramente encontrados dissolvidos na água, e quando ocorrem são assimilados principalmente por bac- térias cujo crescimento é mais rápido e ECOLOGIA DE LEGIONELLA SPP NO AMBIENTE 08 Após o processo de contágio, a bacté- ria se instala no trato respiratório, pulmões e alvéolos pulmonares, podendo entrar na corrente sangüínea sistêmica e infectar ou- tros órgãos humanos relacionados princi- palmente aos tratos gastro-intestinal e uri- nário. O processo de resposta imune do or- ganismo humano a presença de Legionel- la spp ocorre pelas células de defesa, co- mo macrófagos, monócitos e células epi- teliais pulmonares, cujos mecanismos de reconhecimento, englobamento e inativa- ção da bactéria, assemelham-se aos mes- mos processos de interação realizados na natureza pelos protozoários de vida livre (Abu-Kwaik et al., 1998; Shin, Roy, 2008). Os casos clínicos de legionelose come- çaram a surgir na segunda metade do sé- culo 20, devido principalmente às altera- ções ambientais decorrentes da ação hu- mana. A espécie L. pneumophila é o agen- te etiológico de 98% dos casos de Doen- ças dos Legionários descritos em literatu- ra, e o sorogrupo 1 desta espécie é res- ponsável por 95% destas infecções (Do- leans et al., 2004). Em termos mundiais, L. longbeachae é a segunda espécie mais isolada de pacientes portadores de legio- nelose, sendo responsável por 30% dos casos clínicos de Doença dos Legionários diagnosticados na Austrália (Yu et al., 2002). A transmissão de L. longbeachae, ao contrário das demais espécies cuja transmissão ocorre pela inalação de ae- rossóis contaminados com a bactéria, tem sido associada ao manejo de solos úmi- dos, principalmente em países como Ja- pão, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos (den Boer et al., 2007; Koide et al. 2001; Roig et al., 2003). Por outro lado, ou- tras espécies como, L. anisa, L. micdadei, L. dumoffii ou L. feeleii são raramente pato- gênicas para os humanos, embora sejam frequentemente isoladas de sistemas de distribuição de água (Muder, Yu, 2002). Levantamentos epidemiológicos reali- zados regularmente pelo Grupo de Pes- quisa Internacional de Infecções por Le- gionella spp (EWGLI - The European Wor- king Group of Legionnaires' Infections), in- dicam o número crescente de casos de le- gionelose que ocorrem principalmente na Europa e demonstram a preocupação dos órgãos de saúde daquele continente em diagnosticar precocemente a infecção e identificar as fontes ambientais de disper- são da bactéria (Figura 2). Este grupo de pesquisa é composto pela maioria dos pa- íses membros do bloco europeu, como Andorra, Áustria, Bélgica, Bulgária, Croá- cia, República Tcheca, Dinamarca, Estô- nia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Irlanda e Irlandado Norte, Itália, Luxemburgo, Malta, Noruega, Polônia, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Holanda, Turquia, Inglaterra e Pa- ís de Gales e Escócia, além de países de outros continentes como Israel, Austrália e Estados Unidos. A preocupação con- centrada do bloco europeu quanto aos es- tudos epidemiológicos constantes acerca dos casos de legionelose se deve ao fato, principalmente, dos sistemas de distribui- ção de água de consumo entre os países serem interligados e compostos, em sua maioria, por tubulações metálicas de fer- ro, zinco e cobre cujos efeitos da oxida- ção ao longo do tempo, propiciam a colo- nização de bactérias do gênero Legionel- la e, consequentemente, a contaminação da água para consumo humano (Robey, Cianciotto, 2002). A crescente ocorrência de surtos de legionelose levou as autori- dades de vigilância pública daqueles paí- ses a desenvolverem um programa espe- cífico unificado de controle epidemiológi- co e a utilização de um protocolo de diag- nóstico clínico padronizado (European Working Group for Legionella Infections, 2005). A implantação destes processos, ao longo de duas décadas, geraram da- dos preocupantes acerca das infecções por Legionella spp no continente euro- peu, como demonstrado na figura 2, e tem despertado os órgãos responsáveis de vi- gilância pública quanto à importância do estudo das fontes ambientais de disper- são da bactéria como método preventivo da ocorrência de surtos de legionelose (Pereira et al., 2006; Velonakis et al., 2006). Outros resultados, disponibilizados pelo EWGLI para conhecimento da comu- nidade científica internacional, demons- tram a maior predisposição de indivíduos do sexo masculino, cuja idade pode variar quando Hartmanella vermiformis foi adi- cionada ao reator. Além disso, aqueles pesquisadores observaram que apesar da persistência extracelular da bactéria ter sido observado na ausência de H. ver- miformis, a multiplicação extracelular de L. pneumophila e o desenvolvimento planctônico da bactéria estariam direta- mente associados à presença de amebas de vida livre em biofilmes microbianos. Estudos complementares recentes con- duzidos por Piao e colaboradores (2006) demonstraram a capacidade de mem- bros da família Legionellaceae em formar biofilmes utilizando diferentes substra- tos, como vidro, poliestireno e polipropile- no. Neste estudo ele concluiu que L. pneu- mophila possui melhor capacidade de for- mação de biofilme em todos os materiais testados quando comparadas às outras espécies do gênero, além de relacionar as diferenças morfológicas de L. pneu- mophila e dinâmica de formação de cada biofilme, com a temperatura de incuba- ção e condição nutricional experimenta- das. A etiologia causada por microrganis- mos do gênero Legionella é denominada legionelose. Esta infecção se manifesta sob duas formas clínicas denominadas fe- bre de Pontiac e Doença dos Legionários. A febre de Pontiac é uma enfermidade le- ve e autolimitada de curta duração, carac- terizada principalmente por aumento da temperatura corporal, mialgia, mal-estar, cefaléia e ausência de pneumonia. Por ou- tro lado, a manifestação clínica da Doen- ça dos Legionários (DL) é semelhante à de outras doenças respiratórias de ori- gem bacteriana, como pneumonias por micobactérias e clamídia, podendo levar o indivíduo ao óbito. Os sintomas da DL, em geral, incluem pneumonia aguda, tos- se seca, febre alta (38.8 a 40 C), calafrios, diarréia, escassez de respiração, dores no peito, cefaléia, sudorese excessiva, náuseas e dores abdominais. Eventual- mente, se observa presença de sangue no escarro (Koneman et al. 2001). Letar- gia e confusão podem ocorrer em casos graves progressivos. PATOGENICIDADE E EPIDEMIOLOGIA 09 laboradores (1991) descreveram o isola- mento de Legionella pneumophila soro- grupo 1 em amostras provenientes de água de torres de ar - condicionado e Le- gionella anisa em amostras de água de torneiras hospitalares. Em 1995, Pellizari e Martins descreveram o isolamento de Legionella pneumophila, sorogrupos 1 e 6, e Legionella bozemanii, totalizando de- zenove isolados, provenientes de dois hospitais e um prédio público, situados na cidade de São Paulo, Brasil (Pellizari, Mar- tins, 1995). No aspecto clínico, em 1989, Pereira Gomes e Mazzieri descreveram o isolamento de Legionella pneumophila so- rogrupo 1 proveniente de amostra clínica, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (Pereira Gomes et al., 1989). Em estudo conduzido por Fer- reira, L. pneumophila foi detectada em amostras de água de sistemas de distri- buição hospitalar (Ferreira, 2004). Re- centemente, Chedid e colaboradores des- creveram a identificação de L. pneumop- hila em amostras clínicas provenientes de três pacientes internados no Hospital Universitário da região sul do Brasil (Che- did et al., 2005). Apesar da denominação de microrga- nismo fastidioso, a ocorrência de Legio- nella sp em infecções humanas e no ambiente natural tem sido acompanhada de forma crescente pela comunidade cien- tífica. Devido aos poucos estudos publi- cados, a incidência deste microrganismo no Brasil pode estar sendo subestimada, uma vez que a literatura tem demonstra- CONSIDERAÇÕES FINAIS entre 50 e 80 anos, em contrair legionelo- se. Hicks e colaboradores (2006) obser- varam o aumento súbito nos casos de le- gionelose reportados ao CDC durante a estação da primavera. Estudos ecológi- cos e epidemiológicos realizados por aqueles autores relacionaram o aumento do número de casos de legionelose diag- nosticados ao aumento do índice pluvio- métrico nos estados amostrados, suge- rindo uma maior transmissibilidade da bactéria ao homem durante as estações climáticas de períodos chuvosos nos Estados Unidos. Naquele país, o número estimado de pacientes portadores de Doença dos Legionários diagnosticados pode variar entre 8.000 e 18.000 casos anualmente, apesar da suspeita de alguns pesquisadores de que o número re- al possa variar entre 25.000 e 100.000 casos clínicos desta doença por ano (Brooks et al., 2004; Fields, 2002). Pouco se conhece sobre a ecologia da família Legionellaceae no Brasil, onde os estudos têm sido desenvolvidos em sua maioria para o diagnóstico clínico. No ca- so da região metropolitana de São Paulo, o interesse pelo estudo de Legionella spp tanto no aspecto clínico como no ambien- tal existe desde os primeiros descritos da ocorrência da bactéria na cidade de São Paulo (Veronesi et al., 1984). No entanto, após a e aprovação da Lei número 8080, de 19 de setembro de 1990, acerca da qualidade do ar de interiores de ambien- tes climatizados, houve um maior interes- se científico sobre a origem, persistência, resistência a agentes de desinfecção des- te microrganismo no ambiente. Levin e co- Figura 2: Levantamento epidemiológico anual de casos clínicos de Doença dos Legionários diagnosticados em países membros do Grupo de Pesquisa Internacional de Infecções por Legionella spp no período 1997 a 2006. Fonte: The European Working Group of Legionnaires' Infections (EWGLI) website. do que microrganismos do gênero Legio- nella ocorrem a nível global em diferentes 10 hila: a case study in Rio de Janeiro-Brazil. Int. J. Envi- ron. 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Sette¹ ¹ Divisão de Recursos Microbianos DRM - CPQBA ² Faculdade de Engenharia de Alimentos - DCA Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Campinas - SP AVALIAÇÃO DO POTENCIAL BIOSURFACTANTE DE FUNGOS FILAMENTOSOS ASSOCIADOS A CNIDÁRIOS MARINHOS COM ATIVIDADE DE DEGRADAÇÃO DE HPAs Ciência in Foco INTRODUÇÃO As diversas atividades como explora- ção, produção, refino e principalmente o transporte do petróleo resultam em aci- dentes com vazamentos de óleo para o me- io ambiente, os quais têm ocorrido com fre- qüência devido ao fato da intensa utiliza- ção do petróleo e de seus derivados em nossas vidas (Fingas, 2001). Derrames ca- usados por navios são responsáveis por dois milhões de toneladas de óleo por ano no mar, sendo que 92% dos acidentes ocorrem próximos à costa e são resultan- tes de erros operacionais ou de falta de ma- nutenção (Ferrão, 2005). Bicca e colabo- radores (1999) relataram que a descarga anual de óleo no oceano é em torno de 1.7 a 1.8 toneladas por metro. O impacto des- 5 ta poluição resulta em um severo desequi- líbrio ambiental além de danos sociais e econômicos, principalmente no que diz res- peito às atividades costeiras e de explora- ção dos recursos do mar. De acordo com Ferrão (2005) os efei- tos sobre os organismos marinhos e sobre as comunidades ribeirinhas ao longo da costa afetada serão sentidos por pelo me- nos uma década. Quanto às atividades pesqueiras comerciais, sabe-se que um derrame de petróleo pode contaminar equi- pamentos de pesca e instalações de mari- cultura. O suprimento de água do mar para operações industriais também pode ser afetado por estes derrames, bem como po- dem ser interrompidas as rotinas das ativi- dades dos portos tais como balsas e servi- ços de comportas, principalmente se fo- rem derramados petróleo leve, gasolina ou outros materiais inflamáveis. Em adi- ção, os problemas gerados pelo derrama- mento acidental de petróleo no ambiente além de demandar elevados custos de lim- peza da maré negra, podem acarretar ris- cos intrínsecos à saúde pública, como as mortes causadas por explosões e incêndi- os, intoxicação causada pela ingestão de alimentos contaminados, ou problemas dermatológicos e irritações nos olhos, cau- sadas pelo contato direto com o óleo. Após o derramamento do óleo na água ocorre o intemperismo, ou seja, um con- junto de processos químicos, físicos e bio- lógicos que como conseqüência, resulta na degradação do óleo ao longo do tempo (Dias 2008). Dentre estes fatores, pode- mos destacar a biodegradação, um pro- cesso biológico relacionado com a meta- bolização dos hidrocarbonetos do petró- leo, promovido por microorganismos (bac- térias e fungos) que podem ser encontra- dos no ambiente aquático ou terrestre. Os hidrocarbonetos policíclicos aro- máticos (HPAs) derivados do petróleo são compostos de difícil degradação podendo permanecer no ambiente (ar, água, solo, sedimentos) durante longos períodos de tempo, pois possuem uma alta afinidade com solos ricos em matéria orgânica e se- dimentos marinhos (AbbondanzI et al., 2005). Os HPAs são uns dos principais po- luentes ambientais e podem causar riscos para a saúde e meio ambiente devido à for- mação de substâncias genotóxicas e car- cinogênicas (Baborová et al., 2006). Desta forma, a preocupação mundial relaciona- da à liberação de hidrocarbonetos no ambi- ente decorrente da atividade industrial e do derramamento acidental de óleo e de seus componentes vem crescendo inces- santemente nos últimos anos. Inúmeros trabalhos envolvendo a bior- remediação, ou seja, a busca por micror- ganismos capazes de degradar os HPAs têm sido conduzidos visando transforma- ção desses compostos em moléculas me- nos tóxicas, incluindo a mineralização com- pleta ou ao menos sua biotransformação, resultando em metabólitos altamente solú- veis em água e biologicamente menos rea- tivos (Cerniglia & Sutherland, 2001; da Sil- va et al., 2003; da Silva et al., 2004). A re-introdução de microrganismos autócto- nes isolados de áreas contaminadas após cultivo em laboratório tem demonstrado ser uma eficiente estratégia no processo de biorremediação (Korda et al., 1997). Baseado neste contexto, a degradação de HPAs por fungos filamentosos marinhos, pode ser considerada uma vantagem bio- lógica, visto que estes organismos estão adaptados às condições de salinidade des- te ecossistema. Uma das principais características dos HPAs é a baixa solubilidade em água, o que dificulta o processo de biodegrada- ção. Neste sentido, a aplicaçãode biosur- factantes, compostos de origem microbia- na que contenham propriedades surfac- tantes, ou seja, que possuem a capacida- de de diminuir a tensão superficial pode ser considerado uma interessante alterna- tiva para o aumento da solubilidade dos compostos hidrofóbicos, resultando em uma maior degradação destes poluentes no ambiente impactado. Os tipos e as pro- priedades dos biosurfactantes são deter- minados pelas fontes de carbono utiliza- das pelos microrganismos na sua produ- ção, e conseqüentemente uma grande va- riedade é conhecida (Banat, 1995). São compostos de extrema importância em vá- rios setores industriais como o alimentício e farmacêutico, entretanto, seu maior mer- cado é a indústria petrolífera (Desai & Ba- nat, 1997). Levando-se em consideração as con- siderações acima citadas, o presente tra- balho teve como objetivo principal a avali- ação da degradação de HPAs e da produ- ção de biosurfactantes por nove fungos fila- mentosos isolados de invertebrados mari- nhos previamente selecionados pela capa- cidade de tolerância/descoloração do co- rante RBBR (da Silva et al., 2008). Em adi- ção, os fungos filamentosos foram carac- terizados taxonomicamente e depositados na Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria (CBMAI). METODOLOGIA Fungos filamentosos derivados de cnidários marinhos (Mussismilia hispida, Palythoa caribaeorum, Palythoa variabilis) previamente selecionados pela descoloração/tolerância ao corante RBBR (da Silva et al, 2008) Avaliação da degradação dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, (da Silva et al., 2004): caldo sabouraud dextrose acrescidos de 2 mg de pireno e 1 mg de benzo[a]pireno. Avaliação por (GC-MS) da porcentagem dos HPAs consumida após 4 e 8 dias de cultivo Avaliação da produção de biosurfactantes (Willumsen e Karlson, 1997): meio salino (0,6g MgSO4, 3,6g Na2PO4, 1,2g Kh2PO4, 3% NaCl) acrescido de 1% de hexadecano como fonte de carbono (15 dias a 150 rpm) Teste de emulsificação (Johnson et al., 1992): meio salino (0,6g MgSO4, 3,6g Na2PO4, 1,2g Kh2PO4, 3% NaCl) acrescido de 2,0 mL de óleo diesel e tolueno Caracterização taxonômica dos fungos filamentosos derivados de ambiente marinho por meio de análises morfológicas, seqüenciamento da região ITS1-5,8S-ITS2 e análise filogenética (Sette et al., 2006) Depósito dos fungos filamentosos na Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria (CBMAI) 13 14 RESULTADOS E DISCUSSÕES Os nove fungos filamentosos isolados de cnidários marinhos avaliados no pre- sente estudo quanto à produção de biosur- factantes e degradação dos HPAs de alto peso molecular (pireno e benzo[a]pireno) foram previamente selecionados por apre- sentarem tolerância/descoloração ao co- rante RBBR (Remazol Brilliant Blues R), como reportado por da Silva et a.l (2008). O uso de corantes poliméricos tem sido proposto como um método eficiente para a seleção de fungos que apresentam capa- cidade para degradar poluentes recalci- trantes, incluindo compostos aromáticos tais como os HPAs (Sato et al., 2003; Vitali et al., 2006). Neste contexto, o RBBR é considerado como o corante mais apro- TABELA 2: IDENTIFICAÇÃO DOS FUNGOS DERIVADOS DE CNIDÁRIOS MARINHOS, DADOS DE AMOSTRAGEM, ISOLAMENTO E NÚMEROS DE ACESSO. CBMAI GenBank Invertebrado Identificação Molecular Identificação Marinho Similaridade - BLAST Morfológica 847 FJ790879 M. hispida 97% Mucor racemosus CBS 111228 M. racemosus 97% Mucor racemosus CBS 111229 97% Mucor fragilis IFO 6449 97% Mucor racemosus ATCC 1216B 849 FJ790880 P.variabilis 99% Aspergillus bridgeri NRRL 13000 A. sclerotiorum 99% Aspergillus sclerotiorum NRRL 35054 99% Aspergillus persii NRRL 35669 98% Aspergillus sulphureus NRRL 4077 850 P.variabilis NS Khuskia oryzae 852 FJ790881 P.variabilis 99% Trichoderma sp. CBMAI 58 Trichoderma sp. 99% Trichoderma harzianum IMI 304056 99%Trichoderma aureoviride IMI 112086 99% Trichoderma harzianum ATCC 20873 853 FJ790883 Z. solanderi 99% Penicillium citrinum NRRL 35459 P. citrinun 99% Penicillium westlingii NRRL 800 98% Penicillium sartoryi NRRL 783 854 FJ790882 M. hispida 100% Fusarium oxysporum CBS 129.24 F. oxysporum 99% Fusarium oxysporum ATCC MYA-3931 99% Fusarium oxysporum ATCC MYA-3926 856 FJ790884 P. caribaeorum 99% Microsphaeropsis arundinis AMMRL 159.00 Microsphaeropsis sp. 99%Paraconiothyrium cyclothyrioides CBS 972.95 99% Paraconiothyrium estuarinum CBS 109850 96% Paraconiothyrium variabile CBS 119633 857 FJ790885 P. caribaeorum 99% Cladosporium cladosporioides ATCC 6721 C. cladosporioides 99% Cladosporium cladosporioides MUCC217 99% Cladosporium cladosporioides ATCC 34668 NS = não seqüenciado TABELA 1: DEGRADAÇÃO DE HPAS E PRODUÇÃO DE BIOSURFACTANTES POR FUNGOS ISOLADOS DE INVERTEBRADOS MARINHOS * P = Pireno (após 4 dias de cultivo) ; ** Bp = Benzo[a]pireno (após 8 dias de cultivo) ***Tensão superficial expressa em mN/m, usando meio salino como controle (54.6mN/m). ¹ Média - ² Desvio padrão Linhagem CBMAI % degradação Tensão P* Bp** Superficial*** Aspergillus sclerotiorum 849 84,9 60,9 68.3¹±3.7² Microsphaeropsis sp. 856 43,2 29,3 51.5¹±2.6² Cladosporium cladosporioides 857 29,3 30,9 66.0¹±7.1² Mucor racemosus 847 26,2 44,3 57.1¹±1.6² Penicillium citrinum 853 21,5 12,9 58.1¹±3.7² Khuskia oryzae 850 20,4 14,5 72.7¹±0.1² Fusarium oxysporum 854 18,4 19,4 61.6¹±0.7² Trichoderma sp. 852 16,4 10,3 68.5¹±2.7² 15 Figura 1: Árvore filogenética baseada na análise ITS dos fungos derivados de cnidários marinhos (Kimura 2p e neighbor-joining e 1.000 bootstrap replicatas). Valores de boostrap 70 podem ser observados na árvore. Ordens: Eur (Eurotiales), Hyp (Hypocreales), Cap (Capnodiales), Ple (Pleosporales) e Muc (Mucoralles). priado para a seleção de fungos degrada- dores de HPAs, visto que o mesmo é deri- vado do antraceno, um HPA de baixo peso molecular. O fungo Aspergillus sclerotiorum CBMAI 849 apresentou o melhor resultado de degradação de pireno (84,9%) e benzo- [a]pireno (60,9%) após 4 e 8 dias de culti- vo, respectivamente (Tabela 1). Todos os outros fungos apresentaram menos de 50% de degradação dos HPAs nas condi- ções estudadas. Entretanto, resultados de degradação acima de 30% foram obtidos com o fungo Microsphaeropsis sp. CBMAI 856 para pireno; Mucor racemosus CBMAI 847 e Cladosporium cladosporioides CBMAI 857 para benzo[a]pireno (Tabela 1). De acordo com a literatura fungos do gê- nero Aspergillus (Capotorti et al. 2004); Cla- dosporium (Potin et al., 2004a; Potin et al., 2004b); Mucor (Ravelet et al. 2000; Potin et al., 2004a) e Microsphaeropsis (Ravelet et al. 2000; Potin et al. 2004a) apresentam ca- pacidade de degradação de HPAs de alto peso molecular, tais como pireno e benzo- [a]pireno. Entretanto, os fungos utilizados no presente estudo foram capazes de de- gradar os HPAs após o crescimento em me- io contendo 3% de salinidade (condição si- milar à encontrada no ambiente marinho), o que confere a estes microrganismos uma vantagem biológica na degradação destes compostos em ambiente salino. Em adição, não existem relatos na literatu- ra a respeito da degradação de pireno e benzo[a]pireno por fungos derivados de ambientes marinhos pertencentes aos gê- neros Aspergillus, Cladosporium, Mucor e Microsphaeropsis. São poucos os estudos reportados em literatura sobre a relação da produção de biosurfactantes e a degradação de HPAs CBMAI 849 (FJ790880) Aspergillus bridgeri NRRL 13000 (EF661404) Aspergillus persii NRRL 35669 (EF661399) Aspergillus sclerotiorum NRRL 35024 (EF661401) Aspergillus sulphureus NRRL 4077 (EF661409) CBMAI 853 (FJ790883) Penicillium sartoryi NRRL 783 (AF033421)Penicillium westlingii NRRL 800 (AF033423) Penicillium citrinum NRRL 35459 (EF634428) Trichoderma harzianum (AJ224016) Trichoderma aureoviride IMI 112086 (AF194020 ) CBMAI 852 (FJ790881) Trichoderma harzianum ATCC20873 (AF057575) CBMAI 854 (FJ790882) Fusarium oxysporum ATCC MYA-3931 (FJ196767) Fusarium oxysporum ATCC MYA-3926 (FJ196765) Fusarium oxysporum CBS 129.24 (DQ453704) Cladosporium cladosporioides MUCC217 (EU301110) Cladosporium cladosporioides ATCC 34668 (AY463365 ) Cladosporium cladosporioides ATCC 6721 (AY625059) CBMAI 857 (FJ790885) Paraconiothyrium variabile CBS 119633 (EU295649) Paraconiothyrium cyclothyrioides CBS 972.95 (AY642529) Paraconiothyrium estuarinum CBS 109850 (AY642530) Microsphaeropsis arundinis AMMRL 159.00 (EF094553) * CBMAI 856 (FJ790884) Mucor racemosus CBS 111228 (AY243945) Mucor fragilis IFO6449 (AF474242) CBMAI 847 (FJ790879) Mucor racemosus CBS 111 229 (AY243946) Mucor racemosus ATCC1216B (AJ271061) 100 100 89 100 100 99 100 100 7277 100 87 80 0.05 *Fungo mitospórico Eur Hyp Cap Ple M uc 16 por fungos filamentosos. Arun et al. (2008) verificaram que o melhor resultado de de- gradação de HPAs pelo basidiomiceto Co- riolus versicolor correspondeu ao maior re- sultado de atividade biosurfactante. Entre- tanto, no presente estudo o fungo degra- dador de HPAs A. sclerotiorum não apre- sentou resultados satisfatórios de redução da tensão superficial. Os melhores resul- tados foram observados para os fungos Mi- crosphaeropsis sp. CBMAI 856; M. race- mosus CBMAI 847 e P. citrinum CBMAI 853, os quais apresentaram redução da tensão superficial abaixo dos valores utili- zados como controle (Tabela 1), contudo para ser considerando como biosurfactan- te o composto além da redução da tensão superficial deve possuir alta capacidade emulsificante. Os fungos Microsphaerop- sis sp. CBMAI 856; M. racemosus CBMAI 847 e P. citrinum CBMAI 853 não apresen- taram atividade emulsificante. Resultados similares foram reportados por Vasconcel- los (2006), onde bactérias derivadas de pe- tróleo biodegradadoras de hidrocarbone- tos não mostraram bons rendimentos quanto à produção de biosurfactantes, su- gerindo que a produção de determinados biosurfactantes poderia ser um mecanis- mo de sobrevivência, ou seja, a bactéria que não consegue degradar os substratos disponíveis produziria exopolímeros no in- tuito de torná-los mais acessíveis ao con- sumo. De fato, no meio ambiente os mi- crorganismos atuam em interdenpendên- cia metabólica, assim, enquanto alguns produzem biosurfactantes para tornar os substratos hidrofóbicos disponíveis, ou- tros podem atuar especificamente na de- gradação do substrato. Os resultados derivados da caracteri- zação taxonômica e análise filogenética (Tabela 2, Figura 1) revelaram que os fun- gos derivados de cnidários marinhos, são em sua maioria, frequentemente encon- trados em ambiente terrestre e, portanto, foram classificados como marinhos facul- tativos. A identificação e caracterização ta- xonômica de microrganismos em estudos de compostos naturais bioativos é crítica, visto que na ausência de uma correta iden- tificação e preservação dos isolados as in- vestigações químicas tornam-se difíceis de serem realizadas e impossíveis de se- rem reproduzidas (Bugni & Ireland, 2004). Em adição, o conhecimento da diversidade de fungos filamentosos derivados de ambi- ente marinho além de contribuir para com- preensão das relações destes microrganis- mos com seus hospedeiros é de extrema importância ambiental, pois pode evitar pro- blemas associados à utilização e liberação no ambiente de potenciais patógenos de plantas e animais (Sette et al., 2005). Os resultados apresentados no presen- te estudo demonstram o potencial de utili- zação dos fungos filamentosos isolados de cnidários marinhos em biorremediação de ambientes contaminados com HPAs, prin- cipalmente em áreas marinhas, devido ao fato dos mesmos estarem adaptados às condições de salinidade destes ambientes. Entretanto, estudos posteriores devem ser conduzidos visando caracterização dos compostos formados a partir do metabolis- mo dos isolados frente à degradação dos HPAs, bem como, o conhecimento dos me- canismos que podem estar envolvidos no processo de produção de biosurfactantes, visto que, em alguns dos trabalhos reporta- dos na literatura os biosurfactantes foram capazes de estimular a biodegradação e em outros funcionaram como substâncias de inibição. Os autores agradecem ao apoio finan- ceiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Ci- entífico e tecnológico (CNPq) pela bolsa de Doutorado concedida a Rafaella C. Bonu- gli-Santos. Abbondanzi, F., Campisi, T., Focanti, M., Guerra, R., Lacondini, A. Assessing degradation capability of aerobic indigenous microflora in PAH- contaminated brackish sediments. Marine Environ- mental Research. 59: 419-434, 2005. Arun, A., Praveen P. R., Arthi R., Ananthi M., Sat- hish K. K., Eyini M. Polycyclic Aromatic Hydrocar- bons (PAHs) Biodegradation by Basidiomycetes Fungi, Pseudomonas Isolate, and Their Cocultures: Comparative In Vivo and In Silico Approach. Appl Bi- ochem Biotechnol, 2008. Baborová, P., Möder, M., Baldrian, P., Cajthamlová, K., Cajthaml, T. 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Biodegradation. 7: 415-423, 1997. 17 18 OBTENÇÃO DE PIGMENTOS NATURAIS A PARTIR DO CULTIVO DE MONASCUS SP Ciência in Foco Débora Domenes Palmieri Rodriguez Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda., Departamento de Tecnologia de Insumos - Biotecnologia Rodovia Anhanguera, Km 30,5 Bloco A. 07750-000, Cajamar, São Paulo Brasil. RESUMO Os pigmentos naturais produzidos pelo fungo filamentoso Monascus sp são tradi- cionalmente utilizados nos países orienta- is asiáticos, principalmente no sul da Chi- na, Taiwan, Japão e Indonésia. Tem sido objeto de intensivas pesquisas nas últimas décadas devido ao seu potencial de apli- cação na coloração de vários alimentos. Atualmente esses pigmentos estão substi- tuindo os sais de nitrito, precursores da ni- trosamina. São tradicionalmente cultiva- dos em meio sólido, grãos de arroz ou pão (fermentação sólida). Porém, o controle de alguns parâmetros de cultivo, tais como transferência de oxigênio, concentração celular e umidade, é difícil neste tipo de cul- tivo. Por esse motivo, recentemente inicia- ram-se diversos estudos a respeito do cul- tivo de Monascus sp em meios de cultura líquidos (fermentação submersa). O gêne- ro Monascus é dividido em sete espécies denominadas M. ruber, M. pilosus, M. pur- pureus, M floridans, M. pallens, M. sangui- neus e M. mucoroides, sendo M. ruber, M. purpureus e M. pilosus as espécies de mai- or importância para indústria alimentícia. Produz seis principais pigmentos: verme- lhos: rubropunctamina e monascorubra- mina, amarelos: monascina e ankaflavina e laranjas: rubropunctatina e monascoru- bina. Através de estudos de purificação e identificação foi isolado um composto de- nominado monascidina A, também conhe- cido como citrinina. Trata-se de uma mico- toxina de ação nefrotóxica que também é um poderoso antibiótico. O principal objeti- vo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica a respeito da obtenção de pig- mentos naturais a partir do cultivo do fungo filamentoso Monascus sp abordando os aspectos legais e mercadológicos quanto ao uso de pigmentos naturais no Brasil e no mundo, as vantagens e desvantagens da produção desses pigmentos, as carac- terísticas microscópicas e macroscópicas do gênero Monascus, as principais cepas produtoras de pigmentos, os principais ti- pos de pigmentos produzidos, os métodos de fermentação, produção de citrinina, con- dições de cultivo e os processos de extra- ção e purificação desses pigmentos. Com base na pesquisa realizada, conclui-se que os estudos relacionados à produção de biopigmentos a partir do cultivo de Mo- nascus sp não retratam a viabilidade de produzi-los em escala industrial, já que são realizados em escala de bancada. Isso só será minimizado quando for possí- vel uma maior interação entre a universi- dade e o setor industrial. Ao final do século XIX, o desenvolvi- mento da indústria alimentícia levou à pro- dução de diversos corantes sintéticos, os quais chegaram a totalizar o número de 700. Seguiu-se, então, a elaboração de le- is para o uso destes corantes, com o obje- tivo de proteger a saúde do consumidor. Desse modo, no início do século XX, uma lista de corantes permitidos foi divulgada nos Estados Unidos e atualmente, apenas cinco corantes sintéticos são permitidos. Nos últimos anos, a preocupação dos con- sumidores com a qualidade dos alimentos vem aumentando, e por isso há uma ten- dência cada vez maior de preferência por 1. INTRODUÇÃO 19 produtos naturais (Ribeiro, et al., 2004). A utilização de substâncias sintéticas, derivadas de produtos petroquímicos, atin- ge diretamente a produção de corantes ali- mentares, fato este que preocupa quanto ao aspecto de alterações orgânicas que possam ser causadas pela ingestão des- tas substâncias ao longo do tempo (Hipler, et al., 2002). De vinte e nove corantes para alimentos aprovados pela União Européia, dezesseis são sintetizados quimicamente, e treze provêm de fontes naturais. É bem provável que o aumento das restrições quanto aos derivados petroquímicos ve- nha a eliminar alguns corantes que são atu- almente utilizados. Conseqüentemente, há necessidade de se encontrar fontes al- ternativas para corantes em alimentos, sendo a cultura microbiana uma ferramen- ta importante a ser explorada. Assim, os pigmentos microbianos, apresentam-se como uma alternativa viável aos outros pig- mentos naturais de origem animal ou vege- tal, porque, além de serem considerados naturais, não apresentam problemas de sazonalidade e possuem alta produtivida- de (Carvalho, 2004). Entre os pigmentos passíveis de pro- dução por fermentação, destacam-se os pigmentos de Monascus sp, um fungo fila- mentoso que produz uma série de pigmen- tos de estrutura policetídica, com cores que variam entre tons de amarelo, laranja e vermelho. Como ocorre com diversos ou- tros fungos, as linhagens de Monascus pro- duzem também micotoxinas, contaminan- tes, cuja quantidade deve ser a mínima possível em um produto. No caso de Mo- nascus sp, a micotoxina produzida é a citri- nina, uma substância nefrotóxica que tam- bém apresenta atividade antibiótica (Pisa- reva, et al., 2005). Os pigmentos de Monascus sp vêm sendo utilizados em alimentos tradiciona- is, em países orientais, há séculos. No en- tanto, apesquisa sobre a produção e apli- cação industrial desses pigmentos é bem mais recente e ganhou força especialmen- te na última década, em conjunção com a produção de outros aditivos alimentares por fermentação. A produção tradicional desses pigmentos é feita por fermentação em arroz (fermentação sólida), sendo que a produção industrial normalmente utiliza a fermentação em meios de cultivo líquidos (fermentação submersa) (Moritz, 2005). Vale ressaltar que a maioria dos estu- dos apresentados atualmente, tanto no Bra- sil, quanto no Japão, Estados Unidos, Fran- ça e Alemanha são realizados com fermen- tação sólida, uma vez que neste tipo de fer- mentação a produção de pigmentos de Mo- nascus sp é ainda maior. Porém, alguns au- tores (Hajjaj, et al., 2000), afirmam que a produção de pigmentos de Monascus sp em cultivo submerso deve ser melhor ex- plorada, por acreditarem ser possível pro- duzir elevadas concentrações destes co- rantes neste tipo de processo, além de pos- sibilitar melhor controle dos parâmetros de cultivo quando comparado ao cultivo em substrato sólido. Estratégias para extrair o pigmento do interior das células fúngicas, descobertas de novos metabólitos bioati- vos e enzimas de interesse comercial, são atrativos que favorecem o investimento nes- ta área de conhecimento. Além disso, é sa- bido que moléculas tóxicas (citrinina) são produzidas concomitantemente com os pig- mentos de Monascus sp durante o cultivo em meio sólido ou líquido (submerso). Este fato é extremamente importante, uma vez que a utilização dos pigmentos de Monas- cus foi proibida em alguns países devido à presença de citrinina. Tal avaliação ainda é polêmica na atualidade, pois, segundo vá- rios autores, o potencial tóxico da citrinina é muito mais baixo que da nitrosamina utiliza- da em carnes curadas (Bakosova, 2001). Embora o consumo de um determinado alimento devesse depender principalmente do seu valor nutricional, a sua cor, aroma e textura são fatores que conduzem à prefe- rência do consumidor. Dentre estes fatores, a cor é o mais importante fator de preferên- cia, já que a qualidade que mais facilmente desperta a atenção do consumidor e é con- seqüentemente o principal critério para identificação e julgamento da qualidade do produto (Ribeiro, et al., 2004). Pigmentos sintéticos, tradicionalmente usados nos processamentos alimentícios, continuam sendo utilizados com sucesso, mas, por outro lado, está ocorrendo o au- mento da preferência do consumidor por aditivos alimentares naturais. Apesar da óti- 2. PIGMENTOS E CORANTES ma oportunidade na utilização de pigmen- tos de origem biotecnológica, como o -caroteno e a riboflavina, seu segmento é limitado. Isto se deve ao custo elevado de produção destes pigmentos extraídos de fontes naturais em relação aos pigmentos sintéticos (Bailly, et al., 2002). Uma grande variedade de vegetais, plantas, animais e microrganismos produ- zem pigmentos. Sua forma de produção é variada e a tecnologia utilizada para sua produção, depende principalmente, do agente empregado neste processo (Ribei- ro, et. al., 2004). Tanto os corantes naturais como os sin- téticos são, na maioria das vezes, isentos de qualquer valor nutricional. A maior des- vantagem dos corantes sintéticos se deve à crescente descoberta de efeitos desagra- dáveis como toxicidade, mutagênese e po- tencial carcinogênico (Bailly, et al., 2002). Quase todos os pigmentos naturais pre- sentes nos alimentos possuem estruturas complexas com diferentes grupos funcio- nais nas moléculas. Os principais tipos de pigmentos naturais estão agrupados pelo tipo de estrutura básica em: porfirinas, beta- laínas, flavonóides (antocianinas - cores azul e vermelho, antoxantinas - cores nos tons amarelos, leucoantocianidinas - inco- lores), carotenóides, taninos e outros pig- mentos como quinonas - ácido carmínico, polifenóis, Monascus - Monascin, etc.) (Du- ran, et.al., 2002). Inovações tecnológicas podem melho- rar a produção de pigmentos, melhorando microrganismos ou formando novas linha- gens que justifiquem a substituição dos pro- dutos sintéticos. Neste contexto, o desen- volvimento de novos sistemas fermentati- vos como cultura de células, de plantas ou microalgas, em níveis competitivos; ou ain- da técnicas de mutagênese que aumentem a produtividade destes metabólitos e/ou re- duzam sua toxicidade. Oportunidades adi- cionais para pigmentos derivados de fer- mentação existem em função da raridade do produto ou na dificuldade de síntese, co- mo por exemplo, o pigmento Monascus, as ficocianinas e as xantofilas, onde avanços tecnológicos sempre serão de grande con- tribuição (Duran, et al., 2002). Embora os corantes sejam considera- dos essenciais à indústria alimentícia, po- ß dendo ser obtidos através de fontes natu- rais, este campo ainda é pouco explorado, em particular os produzidos por microrga- nismos. Os corantes vermelhos produzi- dos por culturas em meios sólidos (arroz, por exemplo) são os mais estudados na Ásia, por diversas espécies do gênero Mo- nascus; utilizados principalmente para co- lorir alimentos fermentados. Isso demons- tra que os países em desenvolvimento tam- bém podem investir neste campo de co- nhecimento, buscando competir neste mercado, principalmente o Brasil devido a sua imensa biodiversidade (Moritz, 2005). Corantes são considerados essenciais na indústria de processamento de alimen- tos. A maioria dos corantes naturais é ex- traída de plantas ou de produtos de plan- tas ou são produzidos por microrganis- mos. Uma vez que o número de corantes sintéticos está diminuindo devido aos inde- sejáveis efeitos tóxicos incluindo mutage- nicidade e potencial carcinogênico, o foco no desenvolvimento de pigmentos para ali- mentos de fontes naturais está aumentan- do (Constant, et al., 2002). A literatura é farta em apontar cuidados com a ingestão de corantes sintéticos, ape- sar do grande uso deles pelos produtores de alimentos e bebidas processadas. Esses corantes são pigmentos ou tintas sintéticas do grupo azóico, sendo a maior parte delas sintetizadas a partir do alca- trão do carvão mineral. Aproximadamente 20% da população é alérgica a esses co- rantes artificiais. A quantidade dos coran- tes sintéticos em produtos não é muito grande (em frações médias de 0,01%), mas preocupam os especialistas a fre- qüência do expressivo consumo diário nos mais variados alimentos e bebidas, desde balas, laticínios, sobremesas até refrige- rantes e sucos (Constant, et al., 2002; Du- fossé, 2006). As pesquisas nessa área, além de aler- tar sobre os limites de tolerância dos co- rantes permitidos, já fizeram vários sintéti- cos serem proibidos pela maior parte dos países. A publicação de estudos do Codex Alimentarius, já fundamentou a eliminação de alguns corantes por ministérios da saú- 2.1 CORANTES NATURAIS X CORAN- TES SINTÉTICOS de de todo o mundo, inclusive o brasileiro. Os Estados Unidos, onde apenas cinco sin- téticos são permitidos, e o Japão já alerta- ram suas indústrias de que pretendem ba- ni-los na próxima década. A Austrália e os países escandinavos também possuem le- is restritivas aos corantes sintéticos e o mesmo deve ocorrer nos demais países europeus, que já dão preferência a produ- tos naturais (Constant, et al., 2002). A legislação brasileira, atualizada com boa parte das leis internacionais e seguin- do as recomendações multilaterais da FAO (Food and Agriculture Organization), permite apenas oito sintéticos e mais cinco sintéticos idênticos aos naturais (betaca- roteno, beta-apo 8' carotenal, éster etílico do ácido beta-apo 8 carotenóico, riboflavi- na e xantofila). A permissão é condiciona- da à indicação nos rótulos sobre a sua con- dição sintética e sobre a ingestão diária
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