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MARIANNA MELO DE OLIVA VII SEMINÁRIO Observatório jurídico - UNIFACS SALVADOR 2017 MARIANNA MELO DE OLIVA VII SEMINÁRIO Relatório da palestra do Observatório Jurídico realizado na Universidade Salvador. Palestrantes: Daniel Keller, Celso Jr. e Mateus Pinheiro. SALVADOR 2017 Daniel Joau Perez Keller, advogado criminalista e especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia debate sobre a relação entre a arte e o direito penal. Inicia a sua indagação quanto a necessidade de invocar o direito penal para discutir a pertinência do direito ser ou não uma arte, sendo assim, configura ele, o direito penal está sendo invocado de maneira completamente fora da sua finalidade. Ao iniciar a graduação, entende-se que o direito penal é regido pelo princípio da subsidiariedade, sendo assim, ele deve ser invocado apenas em ultima ratio (do Latim, último recurso), ou seja, só deve ser aplicado e invocado quando todos os demais ramos do direito e todas as demais ciências humanas, exatas e naturais não tenham condições de resolver a demanda. Quando outros ramos do direito (ou outras matérias) tem capacidade de resolver esse tipo de problemática proposta, o direito penal não pode ser invocado. Mas, no senso comum, quando começa-se a pensar que o direito penal vai ser um instrumento para resolver esse tipo de situação, inverte-se completamente a noção do direito penal ser ultima ratio. Então, quando se convida um advogado criminalista para discutir direito penal como critério para determinar a conduta de alguém que pratica algo que é arte ou não é arte, já subverte aquilo que é a ciência penal. Ele deve ser invocado apenas para solucionar os conflitos que as demais ciências sociais são incapazes de resolver, ainda que esses outros ramos das ciências sociais tenham capacidade suficiente para resolver esse tipo de questão. Atualmente, vive-se em uma sociedade que conclui que o direito penal é um instrumento para resolver todos os problemas. O palestrante deixa claro, durante a sua fala que o direito penal é, sem sombra de dúvidas, a mais midiática das matérias jurídicas, a que mais chama a atenção, a que mais encanta. Todos discutem o direito penal a todo o tempo e são sempre as mesmas discussões, acerca da pena de morte e da prisão perpetua que não estão presentes no brasil. As pessoas, por mais que não tenham feito direito sempre acham que entendem o que é este ramo jurídico e não importa o que acontece, eles sempre acharão. Os motivos acerca deste pensamento são os mesmos, em primeiro lugar, todos são mercês do crime, a todo tempo são vítimas potenciais do crime, sendo que, como ele assusta, faz necessário falar sobre. Em segundo lugar, todos são potenciais criminosos, podendo praticar crimes a todo momento. Provavelmente a quantidade absoluta da plateia presente na palestra já cometeu alguns crimes na vida (exemplo: violação de correspondência, injúria etc.). O direito penal está em todo lugar e isso gera uma sensação de que todo indivíduo tem conhecimento para falar sobre, começando a gerar uma falsa realidade daquilo que é o direito penal, difundindo falsas ideias sobre o assunto. Este ramo jurídico é uma ciência que pelas suas particularidades acaba sendo objeto de debate da sociedade, porém, como todas as pessoas falam sobre, ela começa a perder um pouco daquilo que é a sua verdadeira raiz, que é uma matéria científica. Então, acaba perdendo a ciência dentro do seu debate, pois entra no senso comum. No início do Bacharelado em Direito, aprende-se que o direito penal é baseado essencialmente no princípio da legalidade. O princípio da legalidade define que não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem previa cominação legal. Esse conceito de legalidade foi tipificado no código penal brasileiro, com base na redação original do código de 1940, quando vivia-se sobre outro paradigma constitucional. Na verdade, entende-se o princípio da legalidade de modo que não há crime sem tipicidade anterior que o defina, até porque, sobre a moderna dogmática penal, a lei é o tipo penal, então, para se entender o que é um crime, precisa entender o que é tipicidade. A tipicidade é a adequação de uma conduta a um tipo penal, a uma norma jurídica positivada, uma norma que prevê uma conduta que é necessariamente, eventualmente criminosa. Já que só vai ser criminosa de fato se além de típica, for antijurídica e culpável. Então, para uma conduta ser crime, precisa estar adequada ao tipo penal, a uma norma positivada no código penal brasileiro. O tipo descreve uma conduta, logo, para entender o tipo, tem que entender a conduta. Mas o que é a conduta humana? É a chave do direito penal, no passar das décadas, várias teorias tentaram determinar o conceito de conduta. A primeira é a Causalista ou naturalista da conduta, que diz que conduta é a ação/omissão que gera um resultado, logo, o tipo descreve uma ação ou omissão que gera um resultado criminoso e o agente é o que vai responder por aquele resultado criminoso que está no tipo penal. Então significa dizer que de acordo com o artigo 121 (matar alguém) sobre o conceito causalistico de conduta, quem provoca a morte de alguém vai responder por homicídio (exemplos: matar tem por resultado a morte e quebrar tem por resultado o dano etc.). Há uma segunda teoria que tenta determinar o conceito de conduta. Essa teoria dos anos 30 diz que a conduta precisa de finalidade, é necessário que o agente que pratique a conduta almeje aquele resultado final. Sobre essa concepção finalística de Hans Welzel, chega-se à conclusão que o tipo penal não é apenas a descrição de uma conduta que gera resultado mas é a descrição de uma conduta que gera um resultado finalístico, ou seja, com uma finalidade. Homicídio então, é matar alguém com uma finalidade de matar. O Código Penal Brasileiro adota a teoria finalista da conduta, até porque no código brasileiro, o dolo (finalidade) é elemento do tipo penal, ou seja, a finalidade é elemento da conduta. Por isso que pode-se diferenciar o homicídio em concurso com o roubo e o latrocínio. Quando o princípio da legalidade diz que não há crime sem tipo, não há crime sem resultado e sem finalidade, não basta gerar o resultado, é necessário ter a finalidade de obter esse resultado, pois sem esse elemento, a conduta será atípica. A lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009 passou a prever que praticar ato libidinoso com menor de 14 anos configura estupro de vulnerável, considerando esse crime hediondo. No mês seguinte à entrada em vigor dessa lei, um pai estava com sua filha de 6 anos em uma praia de Recife (fato verídico). Nessa praia, a garotinha de 6 anos, filha dele, deu um beijo em seus lábios. Neste mesmo local estava o Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco, que deu voz de prisão ao homem, após afirmar que o pai da menina estava praticando um ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo assim, cometendo estupro de vulnerável. O Promotor de Justiça compreendeu, que o mero resultado, ter o ato libidinoso com menor de 14 anos, era o bastante para que alguém responda por estupro de vulnerável, esquecendo que o Código Penal Brasileiro adota a teoria finalista. Ou seja, não basta o resultado, é necessário a finalidade, o dolo. A finalidade do estupro de vulnerável é satisfazer a lascívia. A intenção do pai não foi satisfazer a lascívia, obviamente, a conduta é atípica por ausência de elemento subjetivo,não podendo ser punido, já que não há crime sem tipicidade. Utilizando outro exemplo, o advogado Daniel Keller citou a exposição no Santander, quando o artista tirou a roupa com a intenção de expor a sua arte e uma criança foi convidada para tocar em seu corpo. Não houve vontade de satisfazer a lascívia, não houve estupro de vulnerável. É uma conduta atípica, não houve dolo. A lei precisa prever a culpa. Não há crime sem tipicidade e ela é dolosa, salvo quando o tipo penal expressamente prevê a forma culposa. A sociedade deve parar de querer invocar o direito penal para resolver problemas que podem ser resolvidos nos outros ramos do direito ou nas outras ciências sociais. Celso Junior, ator e diretor, dá início ao seu debate levando ao público o exemplo de uma peça, de modo que antes da estreia desta, uma policial foi assistir um ensaio geral (último ensaio antes da apresentação), justificando que o texto na prática e na teoria são duas coisas completamente diferentes. O palestrante diz que na época que fez a peça, os seus colegas não estavam dando tudo de si, criando um protesto, por não estarem a favor de ter que apresentar a peça à policial dias antes da estreia para fins de validação. O produtor a recebeu com um copo de bebida de modo a deixa-la mais tranquila, para poder analisar a peça de uma perspectiva mais positiva. Teve uma peça de teatro, abordada por Celso Junior que continha pequenas cenas, de modo que uma delas foi censurada (se tornando inédita, salvo a apresentação à policial) pelo Estado, pois teve uma repercussão negativa da policial, afirmando ser uma cena inadequada, de modo que nesta, eram servidos bebida alcoólica e um cigarro de maconha para um bebê (menor de 14 anos, obviamente). Essa peça foi uma experiência real vivida pelo palestrante em questão. Afim de atribuir mais exemplos à censura, ele aborda um espetáculo ocorrido em 01/1988, baseado em um autor espanhol, contendo cenas de violência, insinuação de/e sexo. A censura definiu que deveria ser feita uma cena de sexo coberto (com roupa) ou uma cena de nudez sem sexo, de modo que não poderia ter o sexo e a nudez. Não há documento comprovatório desta censura, de modo que a empresa que a censurou foi fechada e seus documentos não estão mais disponíveis. Com esses exemplos, Celso demonstra que as dramaturgias baianas perderam muitas cenas clássicas devido a censura, que na época era definida apenas por uma pessoa. Demonstrando sua insatisfação, ele indaga: “Quem define o que é arte? Quem pode dizer o que é arte ou não?”. Em uma obra, vivenciada por Celso, o público definiu que a arte (a obra exposta) era na verdade uma pornografia, algo imoral. Esta, Olympia de Èdouard Manet, foi defendida pelos vigilantes e funcionários do museu em Paris (1863) de modo que o público ansiava por sua destruição. Atualmente, em Paris, a frase “Tragam seus filhos para verem pessoas nuas no museu” ganha destaque por todos que a leem. Se não fosse pela proteção dos funcionários do museu na época, jamais teriam uma pintura de tamanho valor artístico no Museu d’Orsay na atualidade. Ele critica o pensamento de que apenas uma pessoa podia definir o que é ou não moral, já que comparando o passado com a atualidade, de modo a fazer uma análise entre uma pessoa e outra, há de notar que os pontos de vista mudam, bem como as referências de moralidade. Em conclusão, o palestrante demonstra sua insatisfação com os grupos que desejam determinar o limite da liberdade, na tentativa de determinar o que deve ou não ser assistido e isso é tentativa, por enquanto sem sucesso, de censura. Mateus Pinheiro, aborta o direito à liberdade de expressão em uma perspectiva constitucional. Afirma que o a primeira fase que deve ser posta para compreender a análise entre a arte e o direito é entender e definir o estado democrático de Direito. Essa definição é importante pois ele se perde por todo o texto da constituição. De modo que a compreensão e a definição deste auxilia a assimilação e interpretação das Normas Constitucionais. Dentro do Estado Democrático de Direito, há de pôr em destaque o princípio da igualdade, liberdade etc. Quanto mais presente se faz a liberdade na sociedade e no Estado, mais forte o Estado Democrático de Direito se funda. Deve-se analisar o Estado de não Direito, o qual é justamente o estado em que o Direito se faz presente. O direito detentor de leis bárbaras, impiedosas, abordando o exemplo da ditadura limitar, do racismo, do nazismo, etc. Após a compreensão de um Estado de não Direito, deve-se ir a busca pelo oposto. Pelo Estado Democrático de Direito. Este é definido por sua atuação limitada e determinada por um Direito paralelo à democracia (regime político que corresponde aos interesses e vontade do povo) e aos direitos fundamentais. Exemplifica quanto às profissões. A pessoa pode ser o que quer (médico, advogado, etc.), dispõe dessa possibilidade, mas para a efetivação dessa liberdade, deverá “contornar” os obstáculos existentes, como os obstáculos sociais, religiosos, econômicos, educacionais etc. Quando possível, o estado é o responsável pela remoção destes obstáculos. De acordo com o artigo 5º, inciso IX, é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. É necessário destacar justamente esse inciso, pois na prática, ninguém deveria, nem poderia, ser impedido de qualquer ato devido a censura ou licença. Os limites existem apenas para que outras vidas não sejam violadas. Finaliza sua fala com uma frase de Carlos Drummond de Andrade: “Tenho apenas duas mãos e um sentimento do mundo”.
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