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DISLIPIDEMIAS e suas classificações

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 465
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
INTRODUÇÃO
Há cerca de 40 anos, a comunidade científica reco-
nheceu a necessidade de se introduzir uma classificação
das dislipidemias, no intuito de ordenar os defeitos meta-
bólicos então conhecidos. Essa classificação permitiu que
se criasse uma linguagem científica universal, facilitando
o diagnóstico, o tratamento, bem como a evolução e o
prognóstico das dislipidemias. Nesse sentido, com base
nos métodos laboratoriais validados na época, a Organi-
zação Mundial da Saúde referendou a classificação feno-
típica de Fredrickson e colaboradores(1), em 1970, que
ainda hoje constitui um método prático de se identificar
eventual defeito lipídico metabólico.
Além da classificação fenotípica, as dislipidemias são
classificadas de acordo com as determinações bioquími-
cas e sua etiologia. A Tabela 1 apresenta os valores nor-
mais do perfil lipídico em indivíduos com mais de 20 anos
de idade.
CLASSIFICAÇÃO BIOQUÍMICA
A classificação bioquímica(2) considera a determina-
ção do colesterol total, dos triglicérides e do colesterol de
lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) por meio
de métodos diretos de determinação. Não discrimina os
padrões das diferentes lipoproteínas. Compreende qua-
tro tipos principais bem definidos:
CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS
ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI
Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –
2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP
Os autores ressaltam a importância de uma classificação das dislipidemias acei-
ta pela comunidade científica, o que facilita o estabelecimento do diagnóstico e a
melhor terapêutica, bem como o prognóstico das mesmas. Além da propedêutica
dos distúrbios lipoprotéicos, são abordados aspectos genéticos das principais disli-
pidemias.
Palavras-chave: lipoproteínas séricas, dislipidemias, classificação, etiologia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:465-72)
RSCESP (72594)-1569
a) Hipercolesterolemia isolada: elevação isolada do co-
lesterol total, que corresponde ao aumento do colesterol
de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol).
b) Hipertrigliceridemia isolada: elevação isolada dos tri-
glicérides, que reflete o aumento das partículas de lipo-
proteína de densidade muito baixa (VLDL) ou dos quilo-
mícrons ou de ambos.
c) Hiperlipidemia mista: valores aumentados de coleste-
rol total e triglicérides, em proporções variáveis.
d) HDL-colesterol baixo: isolado ou em associação com
aumento de LDL-colesterol ou de triglicérides.
CLASSIFICAÇÃO FENOTÍPICA
A classificação proposta por Fredrickson e colabora-
dores(1) (Tab. 2) foi baseada nos métodos de eletroforese
e ultracentrifugação, além da aparência do plasma obtido
de amostra no jejum, após 24 horas de repouso a 4oC
(geladeira comum). Essa classificação considera as ca-
tegorias das lipoproteínas(1, 3, 4) e admite os seguintes fe-
nótipos:
a) Tipo I: colesterol total normal ou pouco elevado e hi-
pertrigliceridemia às custas do excesso de quilomícrons.
A aparência do plasma de jejum, após 24 horas, apre-
senta camada cremosa acima de uma coluna líquida de
plasma transparente. Pela eletroforese, observa-se den-
sa faixa de quilomícrons, e as demais faixas podem não
ser visíveis.
466 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
b) Tipo IIa: aumento de colesterol total às custas da ele-
vação das betalipoproteínas. O plasma de jejum, após 24
horas, mostra-se límpido. O colesterol está elevado e os
triglicérides estão dentro dos valores normais. Na eletro-
forese há uma faixa de betalipoproteínas intensamente
coradas e na ultracentrifugação observa-se aumento dos
níveis plasmáticos de LDL-colesterol, com VLDL-coleste-
rol normal e HDL-colesterol variável.
c) Tipo IIb: elevação plasmática concomitante do coleste-
rol total e dos triglicérides às custas de aumento de pré-
beta e betalipoproteínas. O plasma de jejum é geralmen-
te turvo. A eletroforese mostra faixas de beta e pré-beta-
lipoproteínas, intensamente coradas e separadas, e a ul-
tracentrifugação exibe aumento da LDL e da VLDL.
d) Tipo III: relativamente incomum, caracteriza-se por uma
fração de VLDL com mobilidade eletroforética anormal;
esse fenótipo é conhecido como doença da beta larga. O
plasma de jejum, após 24 horas, é turvo, com leve cama-
da cremosa na parte superior, que corresponde aos qui-
lomícrons. A banda beta da eletroforese está alargada,
correspondendo à elevação das lipoproteínas de densi-
dade intermediária (IDL). As concentrações de colesterol
total e triglicérides estão elevadas e a relação colesterol
total/triglicérides é de aproximadamente 1.
e) Tipo IV: aumento dos triglicérides em decorrência do
acúmulo das pré-betalipoproteínas, correspondente à ele-
vação das VLDL. O colesterol total é normal ou pouco
aumentado, às custas do colesterol contido nas VLDL. O
plasma tem aspecto turvo.
f) Tipo V: colesterol total pouco aumentado e aumento
Tabela 1. Valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos >
20 anos.
Lípides Valores Nível
Colesterol total < 200 Ótimo
200-239 Limítrofe
≥ 240 Alto
LDL-colesterol < 100 Ótimo
100-129 Desejável
130-159 Limítrofe
160-189 Alto
≥ 190 Muito alto
HDL-colesterol < 40 Baixo
> 60 Alto
Triglicérides < 150 Ótimo
150-200 Limítrofe
201-499 Alto
≥ 500 Muito alto
LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol =
colesterol de lipoproteína de alta densidade.
importante dos triglicérides por elevação concomitante de
quilomícrons e pré-betalipoproteínas. O plasma de jejum
apresenta uma camada cremosa, superior, que corres-
ponde aos quilomícrons, e outra turva, inferior, que cor-
responde aos triglicérides endógenos.
A classificação fenotípica não define a etiologia das
dislipidemias, não diferencia as primárias das secundári-
as, mas tem sido útil na caracterização dessas anormali-
dades.
A eletroforese de lipoproteínas é usada eventualmen-
te a fim de diferenciar quando a elevação de triglicérides
é procedente de fontes alimentares (triglicérides contidos
nos quilomícrons) ou de partículas ricas em triglicérides
de origem endógena (VLDL produzida pelo fígado, como,
por exemplo, em indivíduos com alta ingestão de carboi-
dratos)(5, 6).
Entretanto, estabelecer o fenótipo das lipoproteínas
plasmáticas não substitui o diagnóstico da etiologia da
dislipidemia.
Por serem métodos mais caros, tanto a eletroforese
como a ultra-centrifugação não são feitas de rotina; a ele-
troforese, como mencionado, tem utilidade na presença
de hipertrigliceridemias graves e é também indicada na
suspeita diagnóstica da dislipidemia tipo III(6).
CLASSIFICAÇÃO
ETIOLÓGICA
Diante de concentrações anormais de lípides no plas-
ma, é necessária a identificação das causas da dislipide-
mia. De acordo com sua etiologia, as dislipidemias são
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 467
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
classificadas como primári-
as ou secundárias.
Dislipidemias primárias
As dislipidemias primá-
rias caracterizam-se por au-
mento ou diminuição dos lí-
pides plasmáticos, resultan-
tes de alterações genéticas
que interferem com os me-
canismos de síntese ou re-
Tabela 2. Classificação fenotípica das hiperlipidemias (Fredrickson).
Lipoproteínas Lípides Aparência
(principal alteração) (valores mais comuns) do plasma
Fenótipo QM VLDL IDL LDL CT (mg/dl) TG (mg/dl) ou soro
Tipo I ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Sobrenadante
cremoso
Tipo IIa ↑ a ↑↑↑ > 240 < 200Transparente
Tipo IIb ↑ a ↑↑ ↑ a ↑↑↑ 240-500 200-500 Turvo
Tipo III ↑↑ a ↑↑↑ 300-600 300-600 Turvo
Tipo IV ↑ a ↑↑↑ < 240 300-1.000 Turvo
Tipo V ↑ a ↑↑↑ ↑ a ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Camada superior
cremosa
Camada inferior
turva
QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa; IDL = lipoproteína de densidade intermediária;
CT = colesterol total; TG = triglicérides.
moção das lipoproteínas circulantes. Algumas dessas
dislipidemias manifestam-se em função da influência
ambiental, incluindo dieta inadequada e/ou sedentaris-
mo. As dislipidemias primárias englobam as hiperlipide-
mias e as hipolipidemias. Serão abordadas, a seguir, as
principais hiperlipidemias genéticas.
Hipercolesterolemia familiar
A hipercolesterolemia familiar é uma doença genéti-
ca, com transmissão autossômica dominante, o que con-
fere dois genótipos: os homozigóticos, que praticamente
não expressam receptores para remoção do LDL-coles-
terol, com níveis muito elevados de colesterol plasmático,
e os heterozigóticos, com expressão parcial dos recepto-
res e níveis de colesterol não tão elevados como na for-
ma heterozigótica. A heterozigótica é mais freqüente e
acomete cerca de 1:500 pessoas da população; a forma
homozigótica, muito rara, tem prevalência de
1:1.000.000(7). A concentração plasmática de LDL-coles-
terol, nos heterozigóticos, oscila entre 250 mg/dl e 450
mg/dl. Nos homozigóticos, esses valores são mais pro-
nunciados, podendo-se observar níveis entre 550 mg/dl
e 950 mg/dl. Xantomas tuberosos na face dorsal das mãos,
nos joelhos, nos cotovelos e no tendão de Aquiles, além
de xantelasma e arco córneo lipídico, são sinais do exa-
me físico considerados patognomônicos dessa doença.
O fenótipo da hipercolesterolemia familiar é IIa. A impor-
tância do diagnóstico precoce e da instituição do trata-
mento adequado decorre do conhecimento da história
natural da doença. Em sua forma heterozigótica, calcula-
se que homens com 50 anos de idade ou mais apresen-
tem risco elevado de doença coronariana (de 50%), en-
quanto em mulheres o risco estimado é de 30% antes
dos 60 anos de idade. Na forma homozigótica, mais gra-
ve, observa-se doença arterial coronariana e até óbito já
na primeira infância(7).
Defeito familiar da apo B
O defeito familiar da apo B é uma alteração genética
que se caracteriza por uma única mutação da apo B-100,
defeito que impede que essa apolipoproteína seja reco-
nhecida pelo receptor; assim, não se estabelece a liga-
ção entre a apo B100 e o receptor da LDL, o que resulta
em elevação dos níveis de colesterol total e de LDL-co-
lesterol. A freqüência dessa doença é de 1:500 e 1:750
em indivíduos brancos com hipercolesterolemia. Em po-
pulações não selecionadas e de etnia diversa, a preva-
lência é de 0,08%. O quadro clínico dos pacientes homo-
zigóticos e heterozigóticos com defeito familiar da apo B
é muito semelhante ao de hipercolesterolemia familiar,
com níveis elevados de LDL-colesterol, xantomas e do-
ença coronariana precoce. Apesar da semelhança, os
níveis de colesterol são menos elevados e as manifesta-
ções clínicas são menos intensas no defeito familiar da
apo B, quando comparados à hipercolesterolemia famili-
ar. Esse fenótipo menos grave deve-se ao fato de que a
ligação da apo B com o receptor da LDL é defeituosa,
mas não ausente. Clinicamente, o defeito familiar da apo B
é indistinguível da hipercolesterolemia familiar e o tratamen-
to é semelhante ao da hipercolesterolemia familiar(8).
Hiperlipidemia familiar combinada
A hiperlipidemia familiar combinada é uma das hiper-
468 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
lipidemias mais comuns,
com prevalência aproxima-
da de 2%, além de ser cau-
sa freqüente de doença co-
ronariana precoce (20%
dos pacientes jovens com
infarto do miocárdio apre-
sentam hiperlipidemia fami-
liar combinada). Foi reco-
nhecida em 1973 por Gol-
dstein e colaboradores(9) em
estudo de famílias com do-
ença coronariana precoce. A hiperlipidemia familiar com-
binada caracteriza-se por níveis elevados de triglicérides
ou colesterol ou ambos, com padrão aparente de heran-
ça autossômica dominante. Como peculiaridade, obser-
va-se fenótipo variável no grupamento familiar, ora tipo
IIa ora IIb ou IV(10).
Hipertrigliceridemia familiar
Sua herança é autossômica dominante, com penetra-
ção variável. É decorrente do acúmulo, no plasma, de
lipoproteínas ricas em triglicérides (VLDL e IDL), que re-
sulta tanto do aumento da produção hepática como da
diminuição da depuração plasmática. O mecanismo res-
ponsável pela doença ainda não é conhecido. O aumento
da produção hepática dos triglicérides estaria relaciona-
do à resistência à insulina, e é semelhante ao observado
após o consumo aumentado de hidratos de carbono e de
álcool. O fenótipo correspondente é o tipo IV(10).
Disbetalipoproteinemia
A hiperlipoproteinemia tipo III, também conhecida
como disbetalipoproteinemia, é caracterizada por aumento
das concentrações plasmáticas de colesterol total e trigli-
cérides, causado pelo acúmulo, no plasma, dos rema-
nescentes das lipoproteínas ricas em triglicérides. O acú-
mulo de remanescentes, na circulação, decorre da dimi-
nuição da afinidade entre a apo E, presente nas lipopro-
teínas remanescentes, e o receptor hepático B/E. Esses
pacientes apresentam o genótipo E2/E2 e a transmissão
desse alelo é autossômica recessiva(11, 12). O genótipo E2/
E2 ocorre com freqüência relativamente alta na popula-
ção (cerca de 1:100). No entanto, o fenótipo da hiperlipo-
proteinemia tipo III é relativamente raro, desenvolvendo-
se apenas entre 1:10 e 1:100 dos portadores do genótipo
homozigoto. A dislipidemia, para se manifestar, necessita
da presença de um fator secundário, como, por exemplo,
alguma alteração metabólica que aumente a produção
das VLDL, tal como obesidade, diabetes melito, hipoti-
reoidismo e consumo elevado de álcool(13). O quadro clí-
nico característico é a presença de xantomas palmares e
plantares, bem como o desenvolvimento precoce de do-
ença coronariana.
Síndrome da hiperquilomicronemia
É conseqüente a mutações nos genes que codificam
a lipase lipoprotéica, enzima que tem a função de hidroli-
sar os triglicérides das lipoproteínas ricas em triglicéri-
des, principalmente os quilomícrons. Essas mutações são
transmitidas de forma recessiva. A freqüência dos homo-
zigóticos ou heterozigóticos compostos para essas mu-
tações é de 1:1.000.000(14).
A deficiência parcial da lipase lipoprotéica (heterozi-
gotos) provoca hipertrigliceridemia, que se acentua na
presença de fatores ambientais como obesidade ou se-
dentarismo. Sua prevalência é de 1:500 indivíduos, na
população em geral, ou de 1:40, como observado em al-
gumas áreas do Canadá. São descritas mais de 60 muta-
ções que cursam com a deficiência da lipase lipoprotéica.
De forma mais rara, como causas potenciais da síndro-
me da hiperquilomicronemia, descrevem-se a deficiência
da apo C-II ou a existência de um inibidor circulante da
lipase lipoprotéica. Vale lembrar que a apo CII é uma co-
enzima que estimula a atividade da lipase lipoprotéica. A
deficiência da lipase lipoprotéica é reconhecida na infân-
cia ou adolescência na sua forma homozigótica, na qual
se observa grave hipertrigliceridemia, com níveis plas-
máticos acima de 1.000 mg/dl, no jejum, alcançando even-
tualmente valores acima de 10.000 mg/dl, principalmente
após refeições gordurosas, pelo excesso de quilomícrons
na circulação. O colesterol plasmático pode estar normal
ou pouco elevado e o HDL-colesterol, reduzido. Existe
acúmulo de quilomícrons tanto no jejum como no período
pós-prandial. A síndrome da hiperquilomicronemia cor-
responde, na classificação fenotípica, aos tipos I e V.
Acompanhando a acentuada hipertrigliceridemia, pode-
se observar dor abdominal recorrente,acompanhada
ou não de pancreatite aguda, xantomas eruptivos, li-
pemia retiniana, além de hepato e esplenomegalia. Os
xantomas eruptivos são lesões papulosas pequenas e
amareladas, que se localizam geralmente no dorso e
na face extensora de braços e pernas, os quais resul-
tam da fagocitose dos quilomícrons pelos macrófagos
localizados na pele. A regressão dos xantomas erupti-
vos ocorre após a diminuição das concentrações plas-
máticas de triglicérides.(14)
Dislipidemias secundárias
As dislipidemias secundárias resultam, por sua vez,
em alterações das concentrações plasmáticas das li-
poproteínas, secundárias a uma causa específica, seja
às custas de efeito colateral de medicamentos seja às
custas de outras doenças ou de hábitos de vida inade-
quados. A detecção de uma causa secundária de disli-
pidemia é de grande importância diagnóstica, pelas
suas implicações terapêuticas. As etiologias das disli-
pidemias secundárias podem ser agrupadas em disli-
pidemias secundárias a doenças, dislipidemias secun-
dárias a medicamentos, e dislipidemias secundárias a
hábitos de vida inadequados.
Dislipidemias secundárias a doenças
As dislipidemias secundárias a doenças estão apre-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 469
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
sentadas na Tabela 3.
a) Diabetes melito do tipo
II: as anormalidades lipídi-
cas em portadores de dia-
betes melito do tipo II re-
sultam da obesidade ab-
dominal e da resistência à
insulina. São caracteriza-
das por hipertrigliceride-
mia, baixos níveis de HDL-
colesterol e presença de
LDL pequenas e densas.
Os fenótipos são variáveis, dependendo da alteração
lipídica predominante (IIb, IV e V). Dois defeitos acar-
retam aumento de VLDL: 1) superprodução; e 2) lipóli-
se diminuída das partículas de VLDL. O primeiro me-
canismo é secundário à elevação dos ácidos graxos
livres e da glicemia, o que estimula a síntese de VLDL.
O segundo resulta da deficiência relativa de insulina,
uma vez que a insulina estimula a ação da lipase lipo-
protéica(15).
b) Hipotireoidismo: a dislipidemia do hipotireoidismo é
caracterizada pelo aumento das concentrações plas-
máticas do LDL-colesterol, conseqüente ao decrésci-
mo do número de receptores hepáticos para a remo-
ção dessas partículas. Nos indivíduos com hipotireoi-
dismo e obesos, observa-se hipertrigliceridemia em
decorrência da hiperprodução de VLDL, pelos seguin-
tes mecanismos: 1) aumento da produção hepática das
partículas de VLDL; 2) lipólise diminuída dos triglicéri-
des séricos; e c) alguns indivíduos com o genótipo E-
2/E-2 têm remoção lenta dos remanescentes de VLDL,
podendo expressar o fenótipo tipo III(16). As alterações
nos lípides plasmáticos ocorrem tanto no hipotireoidis-
mo manifesto clinicamente como na forma subclínica.
Em estudo com 1.210 pacientes com colesterol total aci-
ma de 200 mg/dl, a prevalência de hipotireoidismo mani-
festo clinicamente foi de 1,3% e de hipotireoidismo sub-
clínico, de 11,2%. Assim, a avaliação funcional da tireói-
de deve ser feita quando detectada a dislipidemia(17).
c) Síndrome nefrótica: tanto a hipercolesterolemia como
a hipertrigliceridemia são observadas na síndrome
nefrótica. Em estudo com 100 pacientes com síndro-
me nefrótica e hipercolesterolemia, foram observados
níveis plasmáticos de colesterol total > 200 mg/dl em
87%, dos quais o colesterol total era > 300 mg/dl em
53% e o colesterol total, > 400 mg/dl em 25%. Estudos
“in vitro” demonstraram que a pressão oncótica baixa
do plasma, própria da síndrome nefrótica, estimula di-
retamente a transcrição do gene da apo B, aumentan-
do a síntese das lipoproteínas que contêm apo B. A
redução do catabolismo tem papel importante na fisio-
patologia da dislipidemia observada na síndrome ne-
frótica. Muitos pacientes apresentam hiperlipidemia
mista, embora ocorra predomínio de hipertrigliceride-
mia. A regressão da síndrome nefrótica, espontânea
ou após tratamento medicamentoso, reverte a dislipi-
demia(18).
d) Insuficiência renal crônica: a hipertrigliceridemia, em
pacientes com insuficiência renal crônica, ocorre em
30% a 50% dos casos(19). As anormalidades no meta-
bolismo lipídico ocorrem também nos portadores de
insuficiência renal crônica em diálise e após transplan-
te renal. O achado mais comum na insuficiência renal
crônica, dialítica ou não-dialítica, é a hipertrigliceride-
mia, com o colesterol total próximo aos valores nor-
mais, talvez pelo estado de desnutrição em alguns pa-
cientes. A elevação dos níveis plasmáticos de triglicé-
Tabela 3. Dislipidemias secundárias a doenças.
Lipoproteínas (principal alteração)
Causa CT TG HDL-colesterol
1. Diabetes —— ↑ ↓
2. Hipotireoidismo ↑↑ ↑ ↑ ou ↓
3. Doenças renais
- Síndrome nefrótica ↑ ↑ —
- Insuficiência renal crônica ↑ ↑ —
4. Hepatopatias colestáticas
crônicas ↑ a ↑↑↑↑↑ Normal ↑↑ - > ↓
ou leve ↑
5. Obesidade ↑ ↑↑ ↓
6. Anorexia nervosa ↑ —— ——
7. Bulimia ↑ ↑ -—-
CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.
470 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
CHACRA APM e cols.
Classificação das
dislipidemias
rides é conseqüente à re-
dução da atividade da li-
pase lipoprotéica e da li-
pase hepática, que podem
contribuir para o decrésci-
mo da remoção das lipo-
proteínas ricas em triglicé-
rides(20).
e) Hepatopatias colestáti-
cas crônicas: cirrose biliar,
colangite esclerosante e
outras hepatopatias que
cursam com colestase podem ser acompanhadas de
hipercolesterolemia significativa. Entretanto, em um re-
lato de 284 pacientes, a faixa de valores do colesterol
total foi bem ampla, variando entre 120 mg/dl e 1.775
mg/dl. Não houve correlação entre o colesterol total e
os níveis de bilirrubina. O perfil lipídico demonstrou não
só elevação do LDL-colesterol mas também elevação
significativa do HDL-colesterol nos estágios iniciais da
doença; os níveis de triglicérides mantiveram-se nor-
mais ou pouco elevados(21).
f) Obesidade: as alterações lipídicas incluem elevação
dos triglicérides plasmáticos, redução do HDL-coleste-
rol e, principalmente na obesidade abdominal, presen-
ça de LDL-colesterol pequena e densa(22).
g) Síndrome de Cushing: o hipercortisolismo está as-
sociado a níveis elevados de LDL-colesterol e triglicé-
rides(23).
Dislipidemias secundárias a medicamentos
Alguns anti-hipertensivos podem causar efeitos ad-
versos nos níveis séricos lipídicos. Outras drogas, como
os corticosteróides, aumentam tanto os níveis de co-
lesterol como os de triglicérides. A isotretinoína utiliza-
da para a acne grave com freqüência causa dislipide-
mia mista, geralmente associada à redução do HDL-
colesterol. Os medicamentos que afetam desfavoravel-
mente os lípides séricos têm seu efeito mais acentua-
do nos pacientes com distúrbios lipídicos prévios. Os
inibidores de protease também se associam a dislipi-
demias (aumento dos triglicérides e diminuição do HDL-
colesterol). A Tabela 4 ilustra os principais grupos de
medicamentos que causam dislipidemias, bem como o
tipo de alteração lipídica encontrada(24).
Dislipidemias secundárias a hábitos de vida
inadequados
a) Tabagismo: o fumo causa reduções em graus variá-
veis do HDL-colesterol e pode induzir resistência à in-
sulina. No estudo “Bezafibrate Infarction Prevention
Study Group”, o HDL-colesterol médio foi de 39,6 mg/
dl em não-fumantes e de 35 mg/dl em fumantes(25).
b) Etilismo: a ingestão alcoólica excessiva é freqüente-
mente acompanhada do aumento dos triglicérides e
do HDL-colesterol(23).
Tabela 4. Dislipidemias secundárias a medicamentos.
Lipoproteínas (principal alteração)
Medicamento CT TG HDL-colesterol
Diuréticos —— ↑ ↓
Betabloqueadores —— ↑ ↓
Anticoncepcionais ↑ ↑ —
Corticosteróides ↑ ↑ —
Anabolizantes ↑ —— ↓
Estrógenos** → ↑ → ↓
Progestágenos ** → ↑ → ↓
Isotretinoína ↑ ↑ ↑
Ciclosporinas ↑ ↑↑ ↑
Inibidores de protease ↑ ↑↑↑ ↓
** Efeitos dependem do tipo de estrógeno e progestágeno e da via de administração.
CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 471
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Classificação das
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The authors emphasize the importance of an internationally accepted language
for classification of different types of dyslipidemia. They also discuss about diagno-
sis, best therapy as well as prognosis of dyslipidemia.
Key words: lipoproteins, dyslipidaemia, classification, etiology.
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 473
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
INTRODUÇÃO
A aterosclerose, doença progressiva caracterizada
pelo acúmulo de lípides e componente fibroso em gran-
des artérias, é a causa primária de doença arterial co-
ronariana e acidente vascular cerebral, sendo respon-
sável por aproximadamente 50% das mortes em paí-
ses ocidentais(1). Por esse motivo, há grande interesse
na elucidação da etiopatogenia da aterosclerose.
Atualmente, a aterosclerose é compreendida como
uma doença inflamatória e não meramente como um
acúmulo passivo de lípides na parede arterial. O pro-
cesso inflamatório crônico envolvendo o endotélio ar-
terial e que culmina com as complicações da ateros-
clerose pode ser causado por uma resposta inflamató-
ria ou por fatores como o estresse oxidativo desenca-
deados por partículas de lipoproteína de baixa densi-
DISLIPIDEMIA, INFLAMAÇÃO E ATEROSCLEROSE
RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,
TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS
Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –
Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP
Atualmente, entende-se o processo aterosclerótico não apenas como decorrên-
cia do acúmulo de lípides nas paredes dos vasos, mas também como conseqüência
da disfunção endotelial e da ativação do sistema inflamatório. A descoberta de que
o endotélio sintetiza importantes vasodilatadores, tais como o fator relaxante deriva-
do do endotélio e a prostaciclina, despertou enorme interesse na função endotelial e
em seu papel sobre o controle vascular, tanto em situações fisiológicas como em
processos patológicos, como as síndromes coronarianas agudas. Atualmente, sabe-
se que o endotélio influencia não somente o tônus vascular, mas também o remode-
lamento vascular, por meio da produção de substâncias promotoras e inibidoras de
seu crescimento, e os processos de hemostasia e trombose, por meio de efeitos
antiplaquetários, anticoagulantes e fibrinolíticos. Além de sofrer influência e de estar
suscetível à ação de substâncias inflamatórias, sabe-se que a perda de continuida-
de da placa e a resultante trombose coronariana são a base fisiopatológica da mai-
oria dos casos de síndromes coronarianas agudas.
Palavras-chave: aterosclerose, dislipidemia, inflamação, doença arterial coronaria-
na.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)
RSCESP (72594)-1570
dade (LDL) oxidada, infecção crônica e formação de
radicais livres, entre outros.O envolvimento da infla-
mação na aterosclerose também torna o processo in-
flamatório um alvo potencial para o tratamento e a pre-
venção da doença arterial coronariana(2).
ATEROSCLEROSE E LESÃO ENDOTELIAL
A disfunção endotelial é implicada na fisiopatologia
das doenças cardiovasculares, incluindo: hipertensão,
doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca crô-
nica, doença arterial periférica, diabetes, e insuficiên-
cia renal crônica. A disfunção endotelial foi identificada
inicialmente como vasodilatação diminuída a estímu-
los específicos, tais como acetilcolina ou bradicinina.
Nos últimos anos, porém, comprovou-se que o termo
disfunção endotelial incluiria não somente a vasodila-
474 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
tação reduzida, mas um
estado também pró-infla-
matório e pró-trombótico(2).
O endotélio, maior ór-
gão do corpo, é posiciona-
do estrategicamente entre
a parede dos vasos san-
guíneos. Detecta estímu-
los mecânicos, tais como
o “shear stress”, e estímu-
los hormonais, tais como
substâncias vasoativas. As
substâncias vasodilatadoras produzidas pelo endoté-
lio são o óxido nítrico (NO), a prostaciclina, os fatores
hiperpolarizantes derivados do endotélio e o peptídeo
natriurético tipo-C(3). A endotelina-1 (ET-1), a angioten-
sina II, o tromboxano A2 e as espécies reativas de oxi-
gênio são as substâncias que, agindo sobre o endoté-
lio, promovem a vasoconstrição. Os moduladores infla-
matórios incluem o NO, a molécula de adesão interce-
lular-1 (ICAM-1), a molécula de adesão vascular-1
(VCAM-1), a E-selectina e o NFκ-B(3). A modulação da
homeostase é realizada pela liberação e pela ação, no
endotélio, de fatores tais como ativador plasminogê-
nio, fator de inibição tecidual e fator de von Willebrand,
assim como pela liberação de NO, prostaciclina, trom-
boxano A2, inibidor do ativador do plasminogênio e fi-
brinogênio. O endotélio contribui também na mitogê-
nese, na angiogênese e no controle da permeabilida-
de vascular(3).
Assim, as células endoteliais desempenham diver-
sas funções fisiológicas na manutenção da integrida-
de da parede vascular, constituindo barreira permeá-
vel através da qual ocorre difusão e trocas ou trans-
porte ativo de diversas substâncias, além de atuar como
superfície não-trombogênica e não-aderente para pla-
quetas e leucócitos, e no controle da vasomotricidade.
Esse mecanismo está comprometido em pacientes ate-
roscleróticos, muito provavelmente pelos efeitos dele-
térios diretos dos níveis plasmáticos elevados de LDL-
colesterol sobre o endotélio vascular; assim, nos paci-
entes portadores de doença arterial coronariana, há
predomínio das respostas vasoconstritoras influenci-
ando a patogênese da isquemia(4). Até alguns anos
atrás, o desnudamento do endotélio era considerado o
responsável por ocasionar a adesão plaquetária, a de-
granulação e a liberação de mediadores fibrinogêni-
cos, tais como o fator de crescimento derivado de pla-
quetas (PDGF)(5). Atualmente, sabe-se que a forma-
ção do ateroma pode ocorrer sem descamação endo-
telial, mas sim na presença de disfunção do endoté-
lio(6, 7).
O processo aterosclerótico inicia-se com a agres-
são do endotélio por fatores diversos, como estresse
mecânico e por oxidação do LDL-colesterol. O endoté-
lio encontra-se lesado, mas sem alteração morfológi-
ca. Essa disfunção endotelial propicia o aumento da
permeabilidade ao LDL-colesterol, ocorrendo, assim,
maior oxidação e aumento da concentração de LDL-
colesterol oxidado e retido nos proteoglicanos (a oxi-
dação decorre do aumento de espécies reativas de
oxigênio). A oxidação estimula a adesão de moléculas
de adesão leucocitária na superfície endotelial, sendo
essas moléculas responsáveis pela atração de monó-
citos e linfócitos para a parede arterial(8).
Além da alteração de permeabilidade, que provoca
aprisionamento da LDL no espaço subendotelial, sabe-
se que, nas lesões ateroscleróticas iniciais, células en-
doteliais ou leucócitos que infiltram o endotélio podem
ativar mediadores inflamatórios, como, por exemplo, o
PDGF, o fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e
os fatores de crescimento similares à insulina (IGF)(9).
Assim, a incessante discussão sobre a iniciação da
lesão aterosclerótica suscita o potencial papel das ci-
tocinas inflamatórias nesse processo. Essas proteínas
mediadoras também podem ter importante papel na re-
gulação da expressão de fatores de crescimento por
células endoteliais e leucócitos. Cita-se, como exem-
plo, uma dessas citocinas, a interleucina-1 (IL-1), que
pode estimular o aumento da produção de PDGF por
células musculares lisas vasculares humanas e a mai-
or expressão de FGF por células musculares lisas hu-
manas(10). Como as células endoteliais são suscetíveis
à regulação tanto positiva como negativa, alguns me-
diadores podem inibir funções pró-aterogênicas das
células musculares lisas. O fator de crescimento e trans-
formação beta (TGF-β), por exemplo, pode limitar a
proliferação da célula muscular lisa, enquanto promo-
ve aumento da produção de matriz extracelular. O in-
terferon gama (IFN-γ), uma citocina derivada de linfó-
citos T ativados, pode reduzir a proliferação de células
musculares lisas. Então, o acúmulo de células muscu-
lares lisas no local da placa aterosclerótica em forma-
ção depende do balanço entre estímulos promotores e
inibidores do crescimento(11).
O endotélio, como foi citado anteriormente, possui
ação controladora da mitogênese e da angiogênese.
Nos últimos anos, tem-se estudado a ação do endoté-
lio no estímulo à formação do “vasa vasorum”; diver-
sos estudos sugerem que a neovascularização contri-
bui para o crescimento de lesões ateroscleróticas, sen-
do um fator-chave na instabilização da placa, condu-
zindo à ruptura. Estudos relevantes focalizaram o pa-
pel do fator endotelial de crescimento vascular (VEGF)
na formação do “vasa vasorum”. Essa neovasculariza-
ção é derivada do “vasa vasorum” da adventícia e pode
também ser denominada microangiopatia intimal. A res-
posta angiogênica inicial pelo “vasa vasorum” da ad-
ventícia é estimulada pela hipoxia e pela isquemia que
ocorre no processo de remodelamento e espessamen-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 475
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
to das camadas íntima e
média, o que dificulta a di-
fusão de substâncias.
Essa hipoxia induz a for-
mação do “vasa vasorum”
ao estimular a Hif-1 e a
VEGF. O processo infla-
matório presente na placa
também induz a neovas-
cularização, pelo fato de
os macrófagos serem fon-
tes ricas de VEGF e outros
reguladores da angiogênese(12).
A importância desses microvasos na formação da
placa encontra sustentação no fato de esses microva-
sos expressarem as moléculas da adesão (ICAM-1,
VCAM-1, E-selectina, CD40), o que facilitaria a migra-
ção transendotelial de células inflamatórias(13). O CD40
é um receptor de superfície celular que pertence à fa-
mília dos receptores do fator de necrose tumoral (TNF)
e que, apesar de ter sido inicialmente identificada e
funcionalmente caracterizada em células linfocitárias
tipo B, é encontrada em outras células, entre as quais
se encontram as endoteliais, desenvolvendo importan-
te papel na regulação de respostas imunes e inflama-
tórias(14).
A associação entre a neovascularização e a ateros-
clerose foi confirmada em análise histopatológica em
amostras de placas ateroscleróticas de humanos e nas
artérias coronárias de primatas, demonstrando a cor-
relação entre a extensão da aterosclerose e a neovas-
cularização. Foi observado que, em primatas ateros-
cleróticos, o sangue que fluía pelo “vasa vasorum” era
mais hipercolesterolêmico quando comparado com o
sangue de outras regiões,e que a suspensão da dieta
hipercolesterolêmica foi associada à regressão da pla-
ca e à diminuição do “vasa vasorum”, assim como à
diminuição do volume de sangue que corria por essa
neovascularização.(15)
OXIDAÇÃO DA LDL
A disfunção endotelial, como abordado anteriormen-
te, foi comprovada como o evento inicial em modelos
de hipercolesterolemia, em estudos experimentais. A
lesão ao endotélio resulta em aumento de permeabili-
dade endotelial a lipoproteínas e outros constituintes
plasmáticos.
Essa disfunção endotelial causaria inicialmente au-
mento de permeabilidade ao LDL-colesterol no espa-
ço subendotelial e surgimento de moléculas de ade-
são leucocitária na superfície endotelial. Essas molé-
culas são responsáveis pela atração de monócitos e
linfócitos para a parede arterial. O recrutamento de leu-
cócitos mononucleares para a íntima é um evento pre-
coce demonstrado no início da formação do ateroma.
Essas moléculas de adesão são divididas em diversos
grupos, mas a molécula de adesão da célula vascular-
1 (VCAM-1) é de particular interesse nos estágios ini-
ciais da aterosclerose(16).
As alterações que se seguem no LDL-colesterol apri-
sionado foram propostas em vários estudos no início
da década de 1980, e baseiam a “hipótese oxidativa”
da aterogênese, segundo a qual a LDL oxidada é im-
portante, e possivelmente obrigatória, na patogênese
da lesão aterosclerótica(17). O transporte do LDL-coles-
terol da corrente sanguínea para o espaço subendote-
lial é um processo passivo e ocorre de maneira direta-
mente proporcional a sua concentração no sangue(18).
O processo de oxidação da lipoproteína inicia-se por
meio de produtos oxidativos das células da parede ar-
terial, como endotélio, células musculares lisas e ma-
crófagos. Nessa primeira fase da oxidação, apenas a
fração lipídica da lipoproteína é alterada, mantendo-se
íntegra a apolipoproteína B, fração protéica da molé-
cula(19, 20). Após esse processo inicial de oxidação, a
partícula de LDL torna-se levemente oxidada. Berliner
e colaboradores(21) demonstraram que a LDL levemen-
te oxidada induz maior adesão de monócitos, mas não
de neutrófilos, às células endoteliais. Isso ocorre pelo
aumento da expressão das moléculas de adesão e de
proteínas quimiotáticas, como a proteína quimiotática
de monócitos-1 (MCP-1). Há ainda estímulo para se-
creção de fatores estimuladores, como o fator estimu-
lador de colônia monocitária (MCS-F), que estimulam
a migração e a diferenciação de monócitos em macró-
fagos. A oxidação aumentada promove maior atividade
dos macrófagos. Recentemente, considerável esclare-
cimento a respeito da base molecular do acúmulo lipí-
dico pelos macrófagos vem sendo obtido. Várias molé-
culas da superfície celular, que se ligam seletivamente
a formas modificadas de lipoproteínas (seja por pero-
xidação seja por lipólise ou proteólise), foram identifi-
cadas. Elas incluem os receptores “scavenger” de ma-
crófagos(22), o CD-36(23) e o CD68(24).
Nessa segunda fase da oxidação, a fração protéica
da lipoproteína também torna-se alterada. A LDL é dita
então oxidada. Essa molécula passa a ser reconheci-
da por receptores “scavenger” e CD-36(22-24) na superfí-
cie dos macrófagos, que englobam as moléculas de
lipoproteína e se tornam ricos em conteúdo lipídico.
Essas células, chamadas células espumosas, são ca-
racterísticas da estria gordurosa, que é a lesão mais
precoce reconhecida no início da aterosclerose.
Evidências recentes indicam que a lesão endotelial
decorre da atividade aumentada da LOx-1, que é o prin-
cipal receptor da LDL oxidada, por promover a forma-
ção de radicais superóxido, diminuir a concentração de
óxido nítrico e ativar o fator de transcrição nuclear NFκ-
B(25).
476 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
ATEROSCLEROSE E IN-
FLAMAÇÃO
O conceito clássico de
aterosclerose como so-
mente parte de uma de-
sordem do metabolismo e
da deposição lipídica ob-
teve, no passado, grande
aceitação. Entretanto, a
história natural da aterogê-
nese estende-se além da dislipidemia. Além disso, a
ligação da desordem lipídica ao envolvimento vascular
durante a aterogênese e as subsequentes manifesta-
ções clínicas por si só já indicam fisiopatologia bem
mais complexa que mera deposição lipídica(26).
Recentemente, emergiu o conceito de aterosclero-
se como uma doença inflamatória, multifatorial, que en-
volve processos inflamatórios do início até um evento
final, como, por exemplo, a ruptura de placa ateroscle-
rótica, e de que o endotélio influencia não somente o
tônus vascular pela produção de substâncias promoto-
ras e inibidoras de seu crescimento mas também o ba-
lanço entre fatores pró-trombóticos e trombogênicos
na interface lúmen-parede do vaso, principalmente com
a importante função de regular o processo inflamatório
na parede do vaso(26).
O processo inflamatório está presente desde o iní-
cio da formação da placa aterosclerótica, com o pro-
cesso de oxidação do LDL-colesterol ativando macró-
fagos e adesão leucocitária. As lesões ateroscleróti-
cas caracterizadas como placas surgem, na maioria
dos casos, a partir da segunda década de vida, após
vários anos de evolução da doença. São formadas por
um núcleo acelular de lípides e substâncias necróti-
cas, circundado pelas chamadas células espumosas
(células que englobam grandes quantidades de lipíde-
os, correspondendo a macrófagos), e, mais externa-
mente, por uma capa fibrosa composta de fibras mus-
culares lisas e tecido conjuntivo fibroso. Além do infil-
trado inflamatório linfo-histiocitário, pode haver ainda
vasos neoformados e deposição de cálcio no centro
lipídico-necrótico, em quantidade variável de placa para
placa e de indivíduo para indivíduo. Nos últimos anos
foi demonstrado que na fase inicial do processo atero-
gênico ocorre a expressão de várias moléculas de ade-
são na superfície de células endoteliais, que essas mo-
léculas modulam a interação do endotélio vascular com
os leucócitos, e que esse recrutamento de leucócitos
mononucleares para a camada íntima dos vasos é um
evento celular precoce que ocorre no ateroma em for-
mação(27).
Assim, após a ativação leucocitária, moléculas en-
doteliais, tais como as moléculas de adesão intercelu-
lar (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula de adesão da cé-
lula vascular (VCAM-1), começam a participar do pro-
cesso de ativação inflamatória, podendo inclusive ser
utilizadas como marcadoras do processo inflamatório.
Essas moléculas permitem adesão estável dos leucó-
citos e sua subseqüente passagem pela camada de
células endoteliais(27). Em caso de estresse oxidativo, a
modificação de lipoproteínas na parede vascular pode
gerar citocinas que induzem a expressão de moléculas
de adesão, incluindo a VCAM-1. Os leucócitos circu-
lam no sangue como células de forma livre e não ade-
rentes, as quais, após receberem estímulos apropria-
dos, apresentam um fenômeno de rolamento na pare-
de vascular, aderindo-se firmemente à superfície en-
dotelial. As moléculas de adesão celular fazem parte
do recrutamento das células inflamatórias responsá-
veis pelo desenvolvimento do ateroma da parede vas-
cular(28).
Os leucócitos mononucleares, após entrarem no ate-
roma nascente por meio de adesão às células endote-
liais e penetração na camada íntima por diapedese
entre as junções intercelulares, iniciam a captação de
lípides modificados, principalmente o LDL-oxidado pe-
las espécies reativas de oxigênio (EROS) produzido
pelo estresse oxidativo, e se transformam em células
espumosas(26, 29). Entretanto, esse acúmulo de macró-
fagos dentro da camada íntima significa um primeiro
estágio, que predispõe à progressão do ateroma e à
evolução para uma placa mais fibrosa e eventualmen-
te mais complicada, que pode ocasionar conseqüênci-
as clínicas. As estriasgordurosas observadas nos es-
tágios iniciais da doença, e que traduzem o acúmulo
de células espumosas, pode ser reversível e não cau-
sar conseqüências clínicas(30). A oxidação de lipoprote-
ínas, como o LDL-colesterol, constitui, portanto, fator
de risco importante para inflamação no processo ate-
rosclerótico. Esse fato pode ser comprovado em vários
estudos clínicos, nos quais foram encontrados níveis
significantemente elevados dessas moléculas em ca-
sos de infarto agudo do miocárdio(31, 32).
Entre as alterações causadas pela presença de LDL-
oxidada está também a produção de interleucina-1 (IL-
1), que estimula a migração e a proliferação das célu-
las musculares lisas da camada média arterial. Estas,
ao migrarem para a íntima, passam a produzir não só
citocinas e fatores de crescimento como também a
matriz extracelular, que formará parte da capa fibrosa
da placa aterosclerótica madura(33).
A incessante discussão sobre a iniciação da lesão
aterosclerótica suscita o potencial papel das citocinas
inflamatórias nesse processo(29). Essas proteínas me-
diadoras também podem ter importante papel na regu-
lação da expressão de fatores de crescimento por cé-
lulas endoteliais e leucócitos.
Além do adelgaçamento e fraqueza da capa fibrosa
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 477
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
da placa e do acúmulo de
macrófagos e células T,
uma diminuição relativa de
células musculares lisas
pode caracterizar a ruptu-
ra da placa. A morte de
células musculares lisas,
provavelmente por apopto-
se, pode contribuir para a
escassez de células mus-
culares lisas nessas regi-
ões da placa e promover
seu enfraquecimento, pois foi evidenciado que na pla-
ca ateromatosa existem células musculares lisas com
DNA fragmentado, o que é característico da morte celular
programada(34, 35). Estudos “in vitro” têm estabelecido que ci-
tocinas inflamatórias podem “disparar” o programa de morte
celular por apoptose em células musculares lisas vasculares
humanas(36).
ANGIOTENSINA E ATEROSCLEROSE
Existem evidências crescentes indicando que a an-
giotensina e a endotelina-1 promovem e aceleram o
processo aterosclerótico por meio de mecanismos in-
flamatórios, envolvendo interações complexas entre cé-
lulas inflamatórias, tais como neutrófilos, linfócitos,
monócitos/macrófagos e célula lisa vascular. Essa in-
teração resulta em resposta inflamatória nas células
vasculares com a expressão aumentada de moléculas
da adesão, de citocinas, de metaloproteinases e de
fatores do crescimento(37). O fator de transcrição nucle-
ar NFκ-B é considerado o principal modulador de infla-
mação, mediando a maioria das respostas inflamatóri-
as vasculares(37). O NFκ-B é ativado por estímulos nu-
merosos, tais como citocinas, ativadores da proteína
quinase e, sobretudo, espécies reativas de oxigênio.
Após a ativação do NFκ-B, ocorre a transcrição dos
genes envolvidos na patogênese da lesão inflamató-
ria. Esses genes, certamente, codificam a formação de
citocinas, tais como interleucina-6 e fator de necrose
tumoral alfa (TNFα), quimiocinas, tais como a proteína
quimiotática 1 do monócito (MCP-1), as moléculas de
adesão intercelular-1 (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula
de adesão da célula vascular (VCAM-1), que também
participarão do processo de ativação inflamatória(38).
Em modelo experimental do processo de ateroscle-
rose em artéria femoral de coelho, Hernandez-Presa e
colaboradores(39) observaram atividade aumentada do
NFκ-B coincidente a infiltração dos macrófagos e ex-
pressão aumentada do gene MCP-1 no neoíntima. Ex-
pressão aumentada de genes inflamatórios vasculares,
tais como VCAM-1, também foi observada na aorta de
ratos que receberam angiotensina II(40). A angiotensina
II aumentou a expressão do RNA mensageiro do VCAM-
1, sendo o NFκ-B o mecanismo de transcrição. Simi-
larmente, Pueyo e colaboradores(41) demonstraram que,
em células endoteliais de rato, a expressão VCAM-1
foi diretamente estimulada pela angiotensina II e pela
ativação do NFκ-B, e que o fator da transcrição foi ati-
vado pelo aumento do estresse oxidativo intracelular.
A ativação da expressão das moléculas de adesão
pela angiotensina II e o NFκ-B é de particular impor-
tância, pois essas moléculas, principalmente VCAM-1,
desempenham papel importante nos estágios iniciais
da aterosclerose. A VCAM-1 liga-se ao antígeno tar-
dio-4 (VLA-4), expresso seletivamente por vários tipos
de leucócitos recrutados durante a formação das estri-
as gordurosas, as quais são as lesões precursoras do
ateroma.(42)
A angiotensina II também interfere no processo ate-
rosclerótico, por induzir o estresse oxidativo por meio
da produção de espécie reativa de oxigênio, pela ativa-
ção NADH/NADPH(43). Por sua vez, as espécies reati-
vas de oxigênio agem como mensageiros de transdu-
ção do sinal para diversos fatores importantes de trans-
crição, tais como NFκ-B e ativador da proteína-1, su-
blinhando o papel do NFκ-B como mediador da angio-
tensina II induzindo lesão inflamatória.
Todos esses fatores demonstram que o NFκ-B é o
mediador principal da regulação da expressão da an-
giotensina, que ele estimula a expressão das molécu-
las de adesão e citocinas inflamatórias, e que o estres-
se oxidativo está envolvido diretamente na ativação da
angiotensina II e do NFκ-B.
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS
A disfunção endotelial em artérias coronárias, as-
sociada a eventos cardiovasculares, quando avaliada
de forma não-invasiva em artérias periféricas pode pre-
dizer eventos coronarianos em indivíduos com ou sem
doença arterial coronariana.
A disfunção endotelial foi associada a risco elevado
de aterosclerose em crianças e adultos jovens livres
de sintomas, bem como em indivíduos com anteceden-
tes familiares de diabetes melito do tipo II, e a lesão
endotelial correlacionou-se a resistência à insulina(3).
Além da análise da função endotelial como preditor de
aterosclerose, pesquisas recentes evidenciam que mar-
cadores envolvidos na disfunção endotelial e marca-
dores de inflamação podem ser preditores de eventos
cardiovasculares(28). As moléculas VCAM-1 soluto e in-
terleucina-1 predisseram a morte cardiovascular nos
pacientes com doença arterial coronariana independen-
temente de outros fatores de risco(28).
Além da importância dos marcadores inflamatórios
como preditores de aterosclerose, o envolvimento da
inflamação na doença aterosclerótica tornou-se alvo
terapêutico. Os bloqueadores dos receptores da angi-
478 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose
Figura 2. NFκ-B é o mediador prin-
cipal da regulação da expressão da
angiotensina, e esta, por sua vez, es-
timula a expressão das moléculas de
adesão e citocinas inflamatórias.
(Modificado de Collins e colaborado-
res(50).)
Figura 1. Papel da lipoproteína de bai-
xa densidade (LDL) na aterogênese.
otensina e os inibidores da
enzima conversora da an-
giotensina demonstraram
restaurar a função endote-
lial, e os mecanismos pro-
váveis para essa melhora
da função podem ser ex-
plicados pela redução da
oxidação e da inflamação
que ocorre na doença ate-
rosclerótica(44). As estati-
nas provaram ter efeitos
benéficos na disfunção endotelial por diminuírem a
oxidação lipídica e também por seus efeitos pleiotrópi-
cos antiinflamatórios(45), e também por inibir a regula-
ção excessiva da LOX-1 e por aumentar a expressão
da eNOS nas células endoteliais.
Um aspecto fascinante que está emergindo na pes-
quisa da função endotelial é a utilização de células pro-
genitoras endoteliais, as células da medula óssea pri-
mitivas que têm a habilidade de se diferenciar em célu-
las endoteliais e de ter papel fisiológico no reparo das
lesões endoteliais(46). Os níveis circulantesde células
progenitoras endoteliais correlacionam-se inversamente
com o grau de disfunção endotelial em humanos em
vários graus de risco cardiovascular(47). É interessante
constatar que a expressão dos eNOS nas células da
medula óssea desempenha papel essencial no recru-
tamento de células progenitoras endoteliais(48). Estudos
recentes comprovaram que a terapia com estatinas
aumenta o número de circulantes de células progeni-
toras endoteliais(49).
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 479
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação
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HYPERCHOLESTEROLAEMIA, INFLAMMATION AND
ATHEROSCLEROSIS
RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,
TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS
Currently, the atherosclerotic process is understood not only as a result of the
accumulation of lipids in the walls of the vases, but also as a consequence of the
endothelial dysfunction and the activation of the inflammatory system. The finding
that the endothelium synthetizes important vasodilators, such as the endothelium-
derived relaxing factor and the prostacyclin, had promoted enormous interest addres-
sed to the endothelium function and its role on the vascular control, both in physiolo-
gical situations and pathological processes (e.g., acute coronary syndromes). Cur-
rently, it’s known that the endothelium not only influences the vascular tonus, but
also the vascular remodeling, through the production of promotional and inhibitor
growth substances, and the processes of modulation of hemostasis and thrombo-
ses, through the inhibition of platelet aggregation, anticoagulant and fribinolytic effects.
Besides suffering influence and being susceptible to inflammatory substance action,
it’s known that the loss of continuity of the plaque and the resulting coronary throm-
boses are the pathophysiologic basis of the majority of the cases of acute coronary
syndromes.
Key words: atherosclerosis, hypercholesterolaemia, inflammation, coronary heart
disease.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)
RSCESP (72594)-1570
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482 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica
INTRODUÇÃO
A síndrome metabólica, também conhecida como sín-
drome de resistência à insulina, é caracterizada pela coexis-
tência variável de obesidade, hiperinsulinemia, dislipidemia
e hipertensão. Outros achados incluem estado pró-inflama-
tório, microalbuminúria e hipercoagulabilidade.
O conjunto de fatores de risco que identificam a sín-
drome metabólica foi reconhecido, pela primeira vez, em
1983. Em 1988, Reaven introduziu o termo síndrome X e
identificou a resistência à insulina, definida como a me-
nor captação da glicose pelos tecidos periféricos, como o
substrato fisiopatológico comum da síndrome. Outros si-
nônimos têm sido utilizados para denominar essa cons-
telação de fatores de risco (dislipidemia, resistência à in-
sulina, hipertensão e obesidade), tais como síndrome plu-
rimetabólica, síndrome da resistência à insulina e quarte-
to mortal, entre outros. Em 1998, a Organização Mundial
da Saúde estabeleceu o termo unificado síndrome meta-
bólica, pois estudos não identificaram a presença de re-
sistência à insulina como único fator causal de todos os
componentes da síndrome.
A patogênese da síndrome é multifatorial, sendo a obe-
sidade, a vida sedentária, a dieta e a interação com fato-
SÍNDROME METABÓLICA
MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA
Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –
2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP
Os autores descrevem os novos critérios diagnósticos para síndrome metabólica
propostos pela “International Diabetes Federation”, além de comentarem sobre o
papel da resistência à insulina como fator importante na fisiopatologia da dislipidemia
e no aumento do risco cardiovascular nos pacientes portadores dessa síndrome.
Finalmente, os autores comentam sobre as estratégias atuais no manejo da síndrome
metabólica, além das novas drogas promissoras no auxílio a seu tratamento, tais
como o rimonabant e os inibidores de “peroxisome proliferator activator receptor”
(PPAR) alfa e gama.
Palavras-chave: síndrome metabólica, fisiopatologia, tratamento.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9)
RSCESP (72594)-1571
res genéticos responsáveis pelo aparecimento da mes-
ma. Mutações e polimorfismos nos genes associados com
resistência à insulina, anormalidades nos adipócitos, hi-
pertensão e alterações lipídicas ocupam papel central na
etiopatogenia da síndrome.
O diagnóstico da síndrome metabólica parece identifi-
car pacientes com um risco cardiovascular adicional em
relação aos fatores de risco clássicos. Em 2001, o “Third
Report of the National Cholesterol Education Program
Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of
High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII)(1) pro-
pôs os critérios diagnósticos para a síndrome metabóli-
ca, baseado em cinco parâmetros: circunferência abdo-
minal, triglicérides, colesterol de lipoproteína de alta den-
sidade (HDL-colesterol), pressão arterial e glicemia de
jejum (Tab. 1). A presença de três dos cinco critérios per-
mite o diagnóstico de síndrome metabólica. Recentemen-
te, a “International Diabetes Federation” propôs algumas
mudanças nos critérios diagnósticos pelo ATP III. Houve
redução dos valores de corte para cintura abdominal, de
acordo com a etnia do paciente (Tab. 2)(2), além da dimi-
nuição dos níveis de glicemia de jejum para > 100 mg/dl.
O critério proposto pela “International Diabetes Fede-
ration” aumenta a prevalência do diagnóstico de síndro-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 483
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica
me metabólica. De fato, em
estudo realizado na Grécia
e conduzido por Athyros e
colaboradores(3), com uma
amostra de 9.669 indivídu-
os, 24,5% tinham síndrome
metabólica pelo critério da
NCEP-ATPIII, enquanto
pelo critério da “Internatio-
nal Diabetes Federation” a
prevalência foi de 43,4% (+77%; p < 0,0001). Dessa for-
ma, talvez o critério da “International Diabetes Federati-
on” diagnostique muitos pacientes como portadores de
síndrome metabólica, mas que apresentam baixo risco
cardiovascular.
FISIOPATOLOGIA DA DISLIPIDEMIA DA
SÍNDROME METABÓLICA
A dislipidemia, principal alteração encontrada na sín-
drome metabólica, é caracterizada por: a) aumento dos
ácidos graxos livres circulantes; b) elevação dos triglicéri-
des; c) redução dos valores de HDL-colesterol; e d)au-
mento das concentrações de apo B.
A obesidade abdominal, fruto da interação de fatores
genéticos e ambientais, é responsável por adipócitos hi-
pertrofiados. O tecido adiposo, reconhecido como um ór-
gão endócrino, secreta adipocitocinas, que, na obesida-
de abdominal, estão em concentração aumentada e rela-
cionadas à resistência à insulina. A alteração primária é,
provavelmente, a incapacidade desse tecido adiposo hi-
pertrofiado em incorporar os ácidos graxos livres aos tri-
glicérides (esterificação inadequada). Outra alteração é
uma falha dos adipócitos em reter os ácidos graxos livres
em seu interior, aumentando seu fluxo para a circulação.
Esse mecanismo é facilitado pela resistência à insulina.
Essas alterações aumentam a quantidade de ácidos gra-
xos livres para o fígado. Na resistência à insulina, o fíga-
do estimula a síntese hepática de triglicérides, pois pro-
move a reesterificação desses ácidos graxos, formando
triglicérides, os quais são liberados na circulação na for-
ma de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL).
No plasma, ocorre a transferência de lípides entre as
lipoproteínas. A “cholesteryl ester transfer protein” (CETP)
Tabela 1. Critérios do “Third Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection,
Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII) para síndrome metabólica.
Identificação clínica da síndrome metabólica
Fatores de risco Valores de corte
Obesidade abdominal
- Homens Circunferência abdominal > 120 cm
- Mulheres Circunferência abdominal > 88 cm
Triglicérides 150 mg/dl
HDL-colesterol
- Homens < 40 mg/dl
- Mulheres < 50 mg/dl
Pressão arterial 130/85 mmHg
Glicemia de jejum 110 mmHg
Tabela 2. Critérios da “International Diabetes Federation” para síndrome metabólica.
Grupo étnico Circunferência abdominal (cm)
Europeu Homem > 94 Mulher > 80
Sul-asiático Homem > 90 Mulher > 80
Chinês Homem > 90 Mulher > 80
Japonês Homem > 85 Mulher > 90
América do Sul e Central Utilizar recomendação para sul-asiático
África subsaariana Utilizar recomendação para europeu
Populações do Leste Mediterrâneo e
Meio Leste Utilizar recomendação para europeu
484 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica
é um dos determinantes da
composição das lipoproteí-
nas, pois tem a capacidade
de mediar a transferência
de éster de colesterol e tri-
glicérides entre as diversas
lipoproteínas. Nos indivídu-
os obesos, a atividade da
CETP está aumentada. A
mesma, portanto, irá pro-
mover a transferência do
éster de colesterol das lipo-
proteínas ricas em éster de colesterol, como a HDL e a
lipoproteína de baixa densidade (LDL), em troca dos tri-
glicérides das lipoproteínas ricas em triglicérides, como
as VLDL e os quilomícrons. As partículas de HDL ricas
em triglicérides, após ação da CETP, sofrem hidrólise pela
lipase hepática, tornando-se menores e com depuração
plasmática mais rápida. Conseqüentemente, observa-se
redução dos níveis de HDL-colesterol e da apolipoprote-
ína A-I. As partículas de LDL ricas em triglicérides também
sofrem lipólise pela lipase hepática, tornando-se pequenas e
densas. Existem evidências de que as partículas de LDL
pequenas e densas são mais aterogênicas, provavelmente
por penetrarem mais facilmente na íntima da artéria, por so-
frerem mais oxidação e por outros motivos(4).
EVIDÊNCIAS EPIDEMIOLÓGICAS DO RISCO
CARDIOVASCULAR E DE DIABETES MELITO
DO TIPO II NA SÍNDROME METABÓLICA
A síndrome metabólica está associada a aumento do
risco de diabetes melito do tipo II e de doença cardiovas-
cular(5-7). O ensaio clínico “Paris Prospective Study”(8) ob-
servou os fatores de risco cardiovascular em 7 mil indiví-
duos do sexo masculino. Após 11 anos de seguimento,
os níveis elevados de insulina de jejum representaram
fator de risco independente para doença cardiovascular.
O risco maior foi observado acima do quarto quintil dos
níveis de insulina (concentrações > 19 µU/ml).
O agrupamento de fatores de risco associados à re-
sistência à insulina pode causar danos nas artérias muito
antes do desenvolvimento do diabetes melito do tipo II. O
“Helsinki Policemen Study”(9) avaliou a relação entre re-
sistência à insulina e desenvolvimento de doença arterial
coronariana. Foram feitas mensurações plasmáticas da
glicemia e da insulina de jejum em 970 indivíduos saudá-
veis, e após 22 anos de seguimento o grupo com insulina
acima dos valores dentro dos determinados tercis apre-
sentou freqüência maior de eventos cardiovasculares.
O ensaio clínico San Antonio demonstrou, após 7 anos
de seguimento, que a maioria dos pacientes que evoluiu
para diabetes melito do tipo II apresentava, além da re-
sistência à insulina, desordens metabólicas múltiplas,
como baixos níveis de HDL-colesterol, níveis elevados
de triglicérides e hipertensão arterial sistêmica. Esse es-
tado pré-diabético não foi observado no grupo que não
desenvolveu diabetes, no qual houve predomínio da sen-
sibilidade à insulina, além da presença de poucos fatores
de risco associados.
A resistência à insulina pode se correlacionar com a
presença de aterosclerose incipiente. O “The Insulin Re-
sistance Atherosclerosis Study” (IRAS)(10) teve como pro-
pósito observar a relação entre resistência à insulina e
aterosclerose da artéria carótida interna. Houve correla-
ção do espessamento do complexo íntima-média da ar-
téria carótida com a presença de resistência à insulina,
mesmo quando ajustada para os fatores de risco tradici-
onais.
AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA RESISTÊNCIA À
INSULINA NA SÍNDROME METABÓLICA
Existem vários métodos diretos e indiretos que avali-
am a presença de resistência à insulina, e os principais
deles serão descritos a seguir.(11-13)
O método considerado “padrão ouro” para se avaliar a
resistência à insulina é o “clamp” euglicêmico-hiperinsuli-
nêmico concebido por DeFronzo e colaboradores, em
1978. É um método indireto, que consiste na infusão de
insulina contínua no paciente a uma taxa constante, para
que sejam alcançados valores de insulina um pouco aci-
ma do basal. A glicemia plasmática é monitorizada e a
glicose é infundida continuamente, para que se mante-
nha a glicemia próxima ao normal no jejum. Quanto mai-
or for a quantidade de glicose infundida no paciente, para
que se mantenha euglicêmico, mais insulino-sensível o
mesmo é. O inverso dessa resposta demonstra a presen-
ça de resistência periférica à insulina. Pela sua alta com-
plexidade técnica, o teste é restrito a protocolos de estu-
do.
A fim de se evitar procedimentos muito complexos, foi
desenvolvido o método HOMA (“Homeostasis Assess-
ment Model”), um modelo matemático proposto por Mat-
thews e colaboradores, que avalia a sensibilidade à insu-
lina e a função da célula beta com valores obtidos simul-
taneamente a partir das concentrações plasmáticas de
glicose e insulina de jejum. Como a secreção de insulina
é pulsátil, são obtidas três amostras de glicose e de insu-
lina de jejum, com intervalos de cinco minutos, sendo uti-
lizados os valores médios dessas duas variáveis. O HOMA
pode ser dividido em dois índices:
a) HOMA IR: glicemia de jejum (mmol) X insulina (µU/
ml) : 22,5 (esse índice traduz a sensibilidade à insulina);
b) HOMA β: 20 X insulina (µU/ml) : glicemia (mmol) - 3,5
(esse índice traduz a secreção da célula beta).
Estudos epidemiológicos têm utilizado o HOMA para
a mensuração do grau de resistência à insulina, princi-
palmente a longo prazo, pela simplicidade do método e
pela excelente correlação com o “clamp” euglicêmico.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 485
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica
Figura 1. Fisiopatologia da síndrome metabólica.
Outro método é a do-
sagem de insulina plas-
mática de jejum. Os níveis
de insulina plasmática no

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