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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Fundamentos da Gestão Aula 5 Prof.ª Claudia De Stefani CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa Inicial Ao fazermos uma retrospectiva sobre o campo da teoria das organizações e da Administração, especialmente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, observamos determinadas épocas marcado por ênfases que, de tempos em tempos, surgem em seu campo de estudo. Assim, assistimos à emergência da Administração por objetivos, nos anos 1950; da estrutura organizacional, nos anos 1960; da estratégia, nos anos 1970; da cultura organizacional, nos anos 1980. Essas diversas ênfases vêm na esteira do processo de globalização que eclode nos anos posteriores e alcança o ápice com o fim da Guerra Fria e com a expansão de novas tecnologias, como a computação e a comunicação, com a expansão dos mercados financeiros e empresas transnacionais. Esse processo trouxe como resultado a ampliação dos fluxos de capitais, mercadorias e conhecimentos de todas as ordens e a conversão do mundo em um grande mercado de trocas, no qual, mediado por intensas incertezas e grandes mudanças, acontece uma ebuliente e infinda competição entre as empresas que lutam entre si pela sobrevivência nesse mercado. Para você ter ideia da velocidade dessa efervescente transformação, temos um caso exemplar: a sociedade mundial interbancária de telecomunicação financeira dispõe e opera um serviço de transferência de valores utilizado pelos bancos em todo mundo. Esse serviço, suportado pelo sistema SWIFT, de procedência Belga, teve a primeira mensagem enviada em 1997 e, ao fim do primeiro ano de operação, já havia processado mais de 10 milhões de mensagens. Dois anos depois, em 1999, o sistema atendia mais de 9 000 instituições financeiras, em mais de 200 nações. O mundo de incertezas e de mudanças exige de todos nós, administradores, um conjunto de conhecimentos, competências, habilidades e atitudes para “ler”, “compreender” e “agir” de forma ativa sobre as mais variadas situações que emergem tanto no contexto mais amplo da organização (macroambiente) quanto no contexto mais imediato (microambiente) e colocam em risco a sobrevivência da empresa e seu negócio. Diante disso, você sabia CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 que inúmeras empresas gigantes sucumbiram ou perderam posição por não “perceberem” mudanças ao redor? Muito bem, vejamos alguns casos que a Market Leader (Queda..., 2011) apontou em seu site, entre os quais destacamos os casos da Olivetti e a Motorola. Nos anos 1990, as máquinas de escrever da Olivetti eram equipamentos necessários em todos os escritórios. Essa fase de pujança terminou repentinamente com o surgimento dos microcomputadores. A Motorola, na mesma época, detinha 80% do mercado brasileiro de pagers1 e telefones celulares analógicos, porém, tardou a perceber e a reconhecer o movimento que levaria à substituição da tecnologia analógica para a digital. Atualmente, detém 40%). Do mesmo modo, você sabia que algumas outras empresas, ao contrário, ganharam posição por perceberam oportunidades à sua volta? É o caso da Azul Linhas Aéreas Brasileiras. No início de sua operação, em 2008, a empresa aérea ligava apenas três destinos: Campinas a Porto Alegre e Campinas a Salvador. Decorridos dois anos, a Azul já operava 21 destinos, um crescimento considerado vertiginoso de acordo com o diretor de recursos humanos & desenvolvimento organizacional, Johannes Castellano, e o justifica com base na estratégia empresarial adotada de aliar um nível mais elevado de serviço a um patamar de preços menores que aqueles anteriormente praticados no país (Sucesso..., 2014). Seguramente, esse crescimento da Azul Linhas Aéreas Brasileiras abocanhou uma parcela do mercado de seus concorrentes, cujo efeito não foi tão danoso pelo fato de a mobilidade social ter avançado no país e pela melhoria das condições econômicas familiares, elevando o crescimento da demanda por transporte aéreo. Seis anos depois, em 2014, a Azul detinha 17% da participação de mercado, com 138 aeronaves, atendendo 108 destinos: 21 milhões de passageiros transportados nesse período (Azul, 2016). 1 Aparelho eletrônico portátil capaz de receber mensagens codificadas de uma central de recados e exibi- las em texto numa pequena tela; bipe (Houaiss & Villar, 2007). CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 A luta pela sobrevivência, mediada por intensas incertezas, grandes mudanças e acirrada competição no mercado de trocas exige do administrador: acurar cada vez mais os processos de inteligência para analisar o desempenho e estratégias de competidores e as consequentes ações concorrenciais, potenciais ou reais, da indústria da qual a empresa faz parte; delegar autoridade para suas equipes decidirem sobre aspectos inerentes à operacionalização do trabalho e alcançar o objetivo definido; lidar com a diversidade em geral e a interculturalidade organizacional própria do mundo globalizado, para reduzir/eliminar barreiras que limitam ou delimitam o intercâmbio de ideias e práticas culturais no ambiente do trabalho organizado. Esses são temas que fazem parte das discussões propostas para esta disciplina. Contextualizando Diante da globalização, da desenfreada competição e dos seus infindáveis efeitos consequentes sobre as práticas de administrar, no mundo contemporâneo, cabe perguntarmos: Quais forças vêm desafiando a Administração? E como elas se apresentam ao administrador? Quais características do administrador são essenciais para lidar com essas forças? Como o administrador pode lidar com essas forças em favor da organização da qual é membro-participante? CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 Tema 1: Administração e os desafios do mundo contemporâneo Mudanças e incertezas: o mundo em que vivemos e trabalhamos O mundo passa por severas transformações ao longo do tempo. O próprio trabalho é um exemplo disso. Se em algum momento do passado a maioria da população vivia no campo, produzindo alimentos para o próprio sustento e de seus animais domesticados, não é mais assim: a industrialização promoveu o êxodo rural para suprir as necessidades de trabalho e de mão de obra para as fábricas nas cidades. No mundo dos negócios, algumas evidências podem demonstrar significativas transformações. Houve um tempo em que a noção gerencial de um produto recaía sobre a data de venda e sobre um serviço com a data de vigência do contrato. Tais noções não se aplicam mais: a mentalidade atém-se à duração da necessidade do cliente. Se um dia as preocupações do comprador voltavam- se ao preço, à entrega e à conveniência de um produto ou para o constante suporte de um serviço contratado, agora, voltam-se à capacidade de atualização da oferta de um produto/serviço. Se a fonte de valor era atribuída ao processo fabril de um produto ou à manutenção de treinamento, também não é mais assim: o foco volta-se para a flexibilidade da plataforma de oferta de um produto/serviço na qual o consumidor/cliente escolhe as características do que quer adquirir (ex.: indústria automobilística). Se um dia o objetivo de marketing orientava-se para a fidelidade da marca de um produto ou a construção de relacionamentos em torno de um serviço, isso também mudou: ele foi ampliado e o marketing voltou-se para a construção de comunidades de oferta de produtos e serviços (Davis; Mayer, 1999). O que define asnossas vidas? O que define as nossas organizações? Essas questões nos remetem para uma miríade de fatos e acontecimentos que, historicamente, transformam as dimensões do conhecimento humano, bem como as práticas de sua produção. Vimos emergir a sociedade centrada no mercado e, com ela, o soerguimento de muitas e grandes organizações formais de caráter econômico, o desenvolvimento de um tipo de tecnologia específico, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 do aprimoramento da divisão do trabalho, tudo isso imbricado nos princípios da racionalidade econômica, graças a valorização do capital e a dominação política desenvolvidas pelo sistema capitalista de produção (Guerreiro Ramos, 1981). Desse modo, nas circunstâncias sociais contemporâneas, muitos aspectos da vida humana individual e associada somente revelam-se e podem ser esclarecidos se forem analisados do ponto de vista da organização. O ser humano não pode deixar de ser um participante da organização (Guerreiro Ramos, 2006). Fazemos tudo por intermédio de organizações (privadas, públicas, confessionais etc.), tais como: instituições de ensino, de lazer, de saúde, de trabalho, da religiosidade, de esporte e tantas outras. A vida humana está interligada às organizações e vice-versa e satisfação dos desejos de ambas, segundo Davis e Mayer (1999), está sujeita e motivada por três forças imperativas: velocidade, conectividade e intangibilidade. A noção de tempo, de distância (espaço) e de tangibilidade de todas as coisas deslocam-se na contemporaneidade pelo desenvolvimento, aplicação e uso de tecnologias de diversas ordens. A computação e a comunicação, pela instantaneidade, concentram-se na perspectiva da velocidade, pois reduzem o tempo de planejar, de dirigir, de executar e de controlar as decisões e atividades do trabalho. As distâncias e os espaços estão diminuindo, a conectividade está interligando todo o mundo em tempo real (online). A intangibilidade de valores atribuídos ao serviço e à informação cresce vertiginosamente, reduzindo a importância da massa tangível, isto porque, não há produtos sem serviços e não há serviço sem produtos. Em outras palavras, produtos e serviços funde-se em uma só coisa (Davis; Mayer, 1999). Nesse sentido, Davis e Mayer (1999) assinalam: todos os aspectos que envolvem os negócios e a organização emergem e transformam-se em tempo real; todas as coisas estão conectando- se via à rede mundial: produtos, pessoas, empresas e quaisquer outras coisas. Toda proposta (trabalho) tem valor econômico tangível e intangível. E este cresce vertiginosamente. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 As regras do passado não são mais aplicáveis, pois tornaram-se embaçadas e indistintas. A conectividade, a velocidade e a intangibilidade estão redefinindo nossas empresas e nossas vidas. Davis e Mayer (1999) constatam: tais forças estão destruindo o que antes eram eficazes em um mundo industrial relativamente lento e não conectado: a produção em massa, a fixação segmentada de preços e as funções padronizadas do trabalho, para dar lugar a uma realidade como elas realmente são: embaçadas e indistintas. Sabendo dessas forças, podemos utilizá-las como alavancas para acompanhar a cadência e voltar a enxergar o mundo com mais clareza. Com a Revolução Industrial, o trabalho deslocou-se da casa para a fábrica. Na era do conhecimento e da informação, o trabalho retorna à casa com suas propriedades marcantes do parcelamento, da impessoalidade e da profissionalização, os lares tornam-se, por assim dizer, escritórios (home office). Organizações globais, transnacionais e apátridas O surgimento das organizações globais, transnacionais e apátridas é uma das consequências mais visíveis das forças de mudanças – velocidade, conectividade e intangibilidade – que, desde as décadas finais do século XX, vêm impulsionando e sustentando as transformações na ordem política, social e econômica mundial. Tais transformações foram e são concebidas como fenômenos próprios da globalização da economia, a qual dá forma a um novo ambiente de negócios – o mercado de trocas globalizado – pela dinamização de fluxos comerciais e industriais e pela determinação dos rumos do consumo e alteração da realidade local. O mercado globalizado, de um lado, disponibiliza às organizações empresariais novas fontes de tecnologia, recursos financeiros, trabalho e propagação de seus produtos e serviços e, de outro, torna propício e intensifica a fusão e incorporação de empresas alterando a concentração de capital e, por conseguinte, as bases sobre as quais a competição local se realiza. Isso traz consequências tanto para a administração e o administrador quanto para os trabalhadores. Novos desafios apresentam-se ao administrador e aos trabalhadores pela emergência de novas perspectivas, modalidades e práticas CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 de trabalho do mercado globalizado, impondo severos desafios à administração no mundo contemporâneo. Os desafios da Administração no mundo contemporâneo O problema que se coloca aqui é como produzir resultados em meio ao caos que a competição acirrada e ebuliente impõe às organizações e, ao mesmo tempo, as desafia a aprimorar continuamente seus modelos de gestão, suas habilidades, competências, atitudes e comportamentos, para serem capazes de fazer a escuta ativa, compreender o caos competitivo no qual se encontram e projetar e realizar estratégias de sobrevivência no mercado. Diante desses desafios, distinguimos alguns aspectos que constituem também desafios para a administração, não apenas enquanto teorias e modelos de gestão, mas como práticas de reconhecer e compreender tanto as oportunidades de negócios quanto as ameaças que emergem do/no ambiente externo da organização, sobretudo, as forças e fraquezas que atuam, respectivamente, como viabilizadores e limitadores para a realização de estratégias de competição. A figura 1.1 ilustra algumas pistas sobre a origem das oportunidades e das ameaças. Figura 1.1 – De onde vêm as oportunidades e as ameaças? Fonte: Costa, 2007. A seguir, apontamos alguns desafios da administração e, por conseguinte, do administrador que, em tempos contemporâneos, assolados por grandes CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 mudanças e incertezas, influenciam às decisões quanto à análise, formulação e implementação de estratégias de sobrevivência para a empresa no setor da indústria do qual é participante. Antecipar o futuro: atitude estratégica O primeiro desafio da prática de gestão consiste em olhar o presente por intermédio do futuro. Essa é uma atitude estratégica orientada para o desenvolvimento de uma mentalidade mais imaginativa e criativa. Compreende o exercício de transportar mentalmente para um futuro desejável e, considerando possível, de lá olhar para o presente, para que o plano ideal se concretize (Costa, 2007), como ilustra a figura 1.2. Figura 1.2 – Atitude estratégica: olhar o presente por intermédio do futuro desejado Fonte: Costa, 2007. Essa perspectiva opõe-se às tradicionalistas e pragmatistas. Esta tem como base o cotidiano para o presente, ou seja, ao tomar-se conhecimento de eventos, fatos, boatos ou palpites, seja no plano interno, seja no externo, adotam uma atitude reativa com relação a impactos futuros reais ou prováveis, positivos ou negativos, que ocorrem ou podem ocorrer ao redor. Aquela, parte do princípio que o passado condiciona o presente: as boas experiências são aplicadas no presente; as experiências ruins são evitadas. Alémdelas, Costa (2007) ressalta outras formas de encarar o futuro. Elas passam ao largo da situação real da empresa (ou da que poderá passar), pois são muito dependentes da visão de mundo dos dirigentes, que podem adotar atitudes otimistas ou pessimistas ou CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 extrapolar do presente para o futuro. Nenhuma dessas atitudes constituem uma base factual da realidade na qual as organizações se encontram para formular estratégias de sobrevivência. Para dar um exemplo concreto: a Knight Ridder – empresa norte- americana, especializada na publicação de jornais e atividades de internet – projetou um tablet similar ao iPad em 1994, com o objetivo de trazer os jornais à era dos computadores. Embora a ideia fosse criativa, tinha pontos cegos, por isso, o negócio da empresa não “decolou”. Apesar de ter o formato similar ao produto da Apple, a empresa, à época, não previu a universalização e democratização do acesso à internet nem lojas de aplicativos para esse sistema. Mentalidade estratégica O segundo desafio da prática de gestão consiste em superar a mentalidade imediatista e a mentalidade operacional que marcam a maior parte dos profissionais e norteá-los para a importância de guiar-se por uma mentalidade estratégica (Costa, 2007). Ou seja, enquanto os profissionais de mentalidade imediatista buscam acontecimentos futuros no horizonte de curtíssimo prazo, circunscrita à realidade imediatista de um setor; aqueles marcados por uma mentalidade operacional buscam, com bom nível de detalhes, o que acontecer em um espaço de tempo maior, por exemplo, em um ano ou até um pouco mais, visando uma realidade circunscrita à entidade ou cidade. Por sua vez, profissionais marcados por uma mentalidade estratégica lidam com uma visão de futuro e conduzem suas ações e decisões para um horizonte de médio a longo prazo, por exemplo, de três, cinco, dez anos ou mais, posicionando-se com base em uma perspectiva global e local (macroambiente e microambiente), isto é, uma realidade circunscrita para além da cidade, estado, país ou mundo. O gráfico 1.1 ilustra tais mentalidades. Gráfico 1.1 – Mentalidade imediatista, operacional e estratégica CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 Fonte: Costa, 2007. Organização como espaço de expressão do contraditório O terceiro desafio da prática de gestão consiste em reconhecer que, na era do conhecimento e da informação, as diferenças de opinião e de interesse são fontes inestimáveis de construção de algo novo. As ações e decisões dos administradores são, inexoravelmente, respostas a situações que emergem no interior da própria organização e nos contextos sociais mais amplos pelas ações e decisões tomadas por outrem e, assim, sucessiva e indefinidamente. As situações que emergem e apresentam-se aos profissionais como diferenças, contradições, confrontos, conflitos, exigem respostas do lugar no qual se encontram na organização. Não basta à organização reconhecer a emergência dessas situações, mas criar um espaço para a expressão do contraditório e novas formas de gestão para fazer das diferenças de opinião e de interesse, das contradições e dos confrontos, uma fonte de progresso contínuo, de construção contínua (Follett, 1997a; 1997b; Graham, 1997). Follett (1997a) revela: em cada situação, um momento de interação produz o próximo e assim sucessivamente, em uma progressão incremental, que a faz evoluir sempre e, com ela, evolui também todos os fins, integrando as diferenças. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 Aprender, construir e aprender novamente/construir, aprender e construir novamente Este quarto desafio é complementar ao terceiro e consiste em adotar práticas de gestão que assegurem a inserção de pessoas no contexto organizacional por meio da criação de espaços para expressar o contraditório, da realização de escolhas para integrar interesses como oportunidade de progresso do indivíduo, do grupo e da organização pela construção de novas sínteses, culminando com a despersonalização das ordens para evitar ordens arbitrárias e com a assimilação da experiência social, que significa aprender a fazer escolhas, construir experiência e aprender novamente com base na construção da experiência ou construí-la e aprender a fazer escolhas e reconstruí-la por meio do aprendizado (Follett, 1997a; 1997b; Graham, 1997). Ética nos negócios O quinto desafio consiste em desenvolver práticas de gestão apoiadas em relações empresariais responsáveis com todos os públicos (stakeholders) como licença para a organização alcançar sustentabilidade socioambiental, certeza de lucros e garantia de perenidade nos negócios. Tema 2: O perfil gerencial contemporâneo O texto a seguir mostra um cenário com os fundamentos que, na contemporaneidade, instilam os administradores para o exercício do próprio ofício na condução dos negócios presentes (curto prazo) e futuros (médio e longo prazo). Iniciamos esta discussão trazendo, em poucas palavras, o percurso histórico e as múltiplas vertentes constituintes da ação de administrar na contemporaneidade. O surgimento do pensamento administrativo (management) e o movimento que o leva a institucionalizar-se, no fim do século XIX e início do século XX, voltam-se para a figura do administrador e seu modus operandi movido por um contexto que tanto o processo de industrialização quanto o sistema de mercado exigiam da indústria melhorar a eficiência, manter maior CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 13 controle da fábrica e intensificar a produção. Os praticantes da época responderam com o desenvolvimento do papel gerencial de agente solucionador de problemas organizacionais e do uso da força de trabalho, utilizando práticas (abordagens) distintas e complexas que progrediram de uma abordagem individual para uma abordagem científica, culminando, posteriormente, em uma abordagem relacional (Jenks, 1960). A abordagem clássica, voltada predominantemente para dentro da organização, orientou-se para a eficiência por meio da padronização do processo produtivo; o trabalho do administrador consistia em prover o delineamento mais adequado para encontrar o ponto ótimo do padrão de trabalho e da eficiência da operação. Uma vez alcançado esse ponto, o trabalho do administrador consistia em assegurar que o padrão de trabalho e a eficiência fossem mantidos (Vizeu; Gonçalves, 2010). Esse modelo se exaure diante das transformações sociais e econômicas que as crises da primeira metade do século XX provocaram e se renova, entre 1950 e 1960, com a articulação, em Harvard, de uma abordagem de estratégia empresarial ou corporativa, cuja perspectiva é prioritariamente de orientação exógena. As diretrizes centrais dessa abordagem remetiam para a constituição e fortalecimento da singularidade organizacional no cenário competitivo pela análise do contexto ambiental da empresa (Vizeu; Gonçalves, 2010). Essa nova abordagem vai exigir do administrador não apenas uma permanente e continuada “leitura” da realidade do mercado de trocas em que opera a empresa, mas vai exigir uma compreensão ativa de sinais indicativos de oportunidades e ameaças aos negócios da empresa e de sinais indicativos de forças e fraquezas da organização em prover bens e serviços úteis e necessários no mercado de trocas. Com base nessa “leitura” e compreensão ativa das situações que se apresentam, o administrador age e responde a essas situações elaborando metas e objetivos mediante condições objetivas de realização (Leontiev, 2009) para alcançar, manterou aprimorar uma condição de singularidade da empresa no ambiente em que compete (Mintzberg et al., 2007). CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 14 Essa relação ação-administração, ou ação de administrar, apresenta-se multifacetada na literatura. Os discursos administrativos, ao enfocarem a figura do administrador e sua ação, situam o administrador no espaço organizacional imediato (microambiente) onde tal ação se realiza e, também, situa-o para além dessa conjuntura social específica e endógena, passando, então, o administrador e a ação a serem visualizados sob a ótica de um escopo social mais amplo, exógeno (macroambiente), de interações mais complexas, as quais constituem outros fenômenos sociais intercambiáveis entre várias disciplinas que, entre si, mantêm múltiplas relações de interdependência (Stefani & Azevêdo, 2014). Essa distinção entre os diferentes níveis de abstração do pensamento administrativo aponta para uma pluralidade de correntes discursivas que a literatura classifica em três vertentes discursivas: cientificista, “humanista” e “política” (Azevêdo & Grave, 2014). Essas vertentes discursivas empregam estratégias distintas para alcançar resultados no contexto do trabalho organizado. Enquanto a primeira enfatiza a intervenção de uns sobre outros, a segunda enfatiza a interação como meio para alcançar uma visão comum (uniformidade), já a terceira enfatiza a integração das diferenças de interesses e de opiniões (coalizão). As justificativas de cada uma dessas vertentes discursivas estão explicitadas no artigo de Stefani e Azevêdo (2014). Seja intervindo, seja interagindo, seja fazendo coalizões, é certo que as situações se apresentam ao administrador e o instigam a agir e a respondê-las do lugar onde se encontra. Na medida em que age, o administrador, de fato, responde ativamente, isto é, produz uma resposta ativa às ações precedentemente realizadas - as quais se constituem em resultados que são também respostas às ações que as precederam. Nesse sentido, o administrador expressa uma “narrativa” pensada (iniciada) que pode tanto refutar ou confirmar as posições desses agentes, como também completá-las, aprimorá-las, antecipá-las, desconsiderá-las, pressupô- las, suplantá-las e outras possibilidades. A resposta ativa do administrador (isto é, uma réplica) orienta-se para o que já foi dito, mas não apenas, orienta-se CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 15 também para possíveis réplicas de outrem. Portanto, a resposta ativa do administrador configura-se como um ponto de encontro e confronto de múltiplas vozes; encontro indefinido instaurador de um direcionamento ou encadeamento histórico de respostas ativas, construído por atores no âmbito de suas organizações mediante condições interpostas no modo de vida prática e, dentro deste, no modo de vida produtiva. Recorrendo a Bruner (1997, p. 39), o ser humano no modo de vida prática deve entender como suas experiências e seus atos são moldados por seus estados intencionais. Assim, a resposta ativa do administrador não é produzida em decorrência de uma ação introspectiva, reflexiva (isto é, para si mesmo), mas de uma ação ativa e expressiva (isto é, para outros) que confere à empresa um arranjo operativo ótimo, legitimado pela autoridade do administrador ou por um coletivo organizacional unido tanto por uma causa comum quanto pelo poder na defesa de interesses de indivíduos e de grupos; mas também uma condição de singularidade e unicidade, isto é, identidade organizacional, no sentido definido por Ciampa (2001), capaz de influenciar a escolha dos clientes por bens necessários e úteis de seu portfólio de produção e/ou de serviços. Dessa forma, a resposta do administrador contribui para intensificar as turbulências com reflexos mediatos e imediatos tanto endógenos quanto exógenos no mercado de trocas, criando novas situações que instilarão novas e, por vezes, esperadas réplicas por parte de atores “tocados” por essas novas situações. Ou seja, um ciclo de réplicas interpõe-se umas às outras, indefinitivamente, interferindo sobre a existência da empresa no tempo e no espaço de referência, mas não apenas isso, pois, ao mesmo tempo em que o administrador constitui a empresa, sua organização e seu negócio, como resposta, ele também se constitui como tal ao guiar-se pelas ações sobre as quais ele ativamente responde. O resultado das pesquisas sobre as exigências e requisitos para a atuação de um profissional em um mercado globalizado, de Echeveste et al. (1999), contribuem para esta discussão. Assim, tomando por base o conjunto de CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 16 fundamentos de que falamos acima e o trabalho de Echeveste et al. (1999), apontamos alguns aspectos característicos do perfil do administrador: Ter visão e pensamento sistêmicos: capacidade de correlacionar fatos, ideias, sinais de mercado e do ambiente com repercussões para a empresa. Realizar, do lugar onde se encontra, a escuta e a compreensão ativas das situações que se apresentam: oportunidades e ameaças aos negócios advindas do contexto social mais amplo (macroambiente, exógeno) e das forças e fraquezas do mundo operativo (microambiente, endógeno). Lidar com as diferenças: abertura a novas ideias, predisposição à negociação e capacidade de negociar, administrar o conflito. Antecipar o futuro: oportunidades e ameaças, tomada de decisões. Alcançar a unidade organizacional (bem comum) pelas diferenças e não tão somente pelas igualdades. Gerenciamento da mudança organizacional: produzir resultados. Para concluir, aportamos aqui a contribuição Mintzberg et al. (2007). Esses autores identificam três níveis de gerenciamento que se traduzem em comportamentos (papéis) inerentes à atuação do administrador para realizar seu trabalho e, de certo modo, sintetizam muitos dos aspectos delineados até o presente momento: administrando por informação e os papéis de informação; administração através das pessoas e o papel das pessoas; ação gerencial e o papel das ações. Administrando por informação e os papéis de informação O administrador processa informações para conduzir as pessoas e assegurar que as ações necessárias sejam realizadas. Ele concentra-se em informações como forma indireta de fazer as coisas acontecerem. Isso significa CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 17 que, no plano informacional, dois são os papéis dele: comunicar e controlar. A comunicação se ocupa, em um fluxo bidirecional, com as pessoas de seu convívio profissional tanto externo quanto interno da coleta e disseminação de informações. Ou seja, os administradores prospectam ambientes, monitoram as próprias unidades, compartilham com outras pessoas e disseminam uma quantidade considerável de informações que obtêm. Na prática, os autores definem, metaforicamente, que os administradores atuam como centros nervosos de suas unidades, pois obtêm acesso a uma ampla variedade de fontes de informações. A figura 2.1 ilustra a natureza dessa abordagem. Figura 2.1 – Os papéis de informação Fonte: Mintzberg et al., 2007, p. 51. Administrando por meio das pessoas e o papel das pessoas O papel do administrador é encorajar e dirigir as pessoas de suas unidades, motivando-as, inspirando-as, treinando-as, educando-as, impulsionando-as, aconselhando-as no plano individual (papel de liderança). No plano coletivo, forma e gerencia equipes estabelecendo entre elas ligações fins comuns efetivos e afetivos. Além disso, cria e mantém a unidade por meio da criação e manutenção de cultura voltada tantopara um modo de fazer quanto para um modo de ser dos sujeitos participantes da organização. Nesse sentido, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 18 o administrador atua como advogado de influência para fora da unidade e como recipiente de grande parte da influência exercida de fora. Contudo, os administradores devem regular o recebimento de influência externa, atuando como amortecedor para proteger suas unidades ou como um tipo de válvula entre a unidade e seu ambiente. Os papéis que desempenha o administrador, em síntese, são de ligação e liderança (ou chefia), como mostra a figura a seguir. Figura 2.2 – O papel das pessoas Fonte: Mintzberg et al., 2007, p. 54. A ação gerencial e o papel das ações O papel do administrador é agir para que as coisas sejam feitas, ou seja, o administrador é um fazedor. Ele o faz indiretamente por meio da administração de pessoas ou pelo processamento de informações: explorando oportunidades, lidando com problemas, resolvendo conflitos e decidindo sobre mudança de sua unidade, tanto de maneira proativa quanto reativa. Além disso, o administrador faz acordos e negociações que, por sua autoridade inerente à posição que ocupa na organização, leva-o a dedicar significativa quantidade de tempo para “comprometer recursos de suas unidades”. Desse modo, “os administradores tornam-se os centros nervosos das informações de suas unidades e os centros energéticos de suas atividades” (Mintzberg et al., 2007, p. 56). A figura 2.3 ilustra o papel das ações que, em síntese, conectam-se às pessoas, as quais conectam- se às informações e, por conseguinte, à estrutura organizacional. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 19 Figura 2.3 – O papel das ações Fonte: Mintzberg et. al., 2007, p. 55. Tema 3: Inteligência Competitiva Iniciamos com a consideração: aplicar a inteligência competitiva (IC) constitui a melhor maneira de tirar proveito das próprias experiências, de ampliar a capacidade de empreender e de elevar o nível de conhecimento sobre os concorrentes. Isso demanda estudar e compreender modalidades de seu desenvolvimento: cinco questões norteiam este percurso: o que vem a ser inteligência competitiva (IC)? Qual é sua força motriz? Para que serve a IC? Qual é seu valor? Como é estruturado ou como deveria ser estruturado um processo de IC? Antes, porém, temos de levar em conta que as variadas técnicas e modelos analíticos disseminados na literatura sobre análise e formulação de estratégias empresariais, constituem-se importantes ferramentas para coleta de dados e possibilitam realizar boas análises, mas essas mesmas ferramentas não prescindem e não substituem a diligência, a coleta de dados bem orientada e uma postura de abertura, perscrutadora e inquisidora do profissional de inteligência. Esses são dois aspectos essenciais do processo da inteligência competitiva: a coleta seletiva de dados essenciais e a respectiva análise. Nesse sentido, o primeiro passo aqui empreendido compreende recordarmos sobre o propósito das mais conhecidas técnicas e modelos de coletas de dados, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 20 disponíveis na literatura, para, após, analisarmos a inteligência competitiva como processo de suporte para executivos e gestores tomarem decisões estratégicas, táticas e, por vezes, operacionais, mediante as necessidades e situações que influenciam a sobrevivência de uma organização, no mercado de trocas. Como primeiro passo para analisarmos as ferramentas e modelos de coleta de dados mais comuns na literatura, selecionamos alguns grupos de questões que as contextualizam dentro do espectro da IC. Todavia, vale lembrar que não temos a pretensão de esgotar o assunto aqui, outros questionamentos podem acurar ainda mais a atuação da inteligência, como a análise e a aplicação da tecnologia da informação como recurso de suporte à inteligência. Como é a estrutura de funcionamento do setor industrial do qual sua empresa faz parte? Como é a estrutura de funcionamento da sua empresa nesse setor industrial? Qual é a dinâmica da concorrência no setor? Qual é a posição que sua empresa ocupa nesse setor? Para Miller (2002), as “cinco forças” de Porter (2004) possibilitam a análise do nível de mobilidade de uma organização entre os competidores, sendo que muitos dos competidores acreditam realmente estarem em uma feroz batalha com os seus concorrentes. Ou seja, a existência de uma ebuliente tensão e rivalidade entre os competidores, crê o autor, decorre da existência de poucos concorrentes (oligopólios) em luta permanente pela descoberta de meios para evitar uma concorrência frontal. Essa é apenas uma das cinco forças que agem em relação a todos os setores. As demais forças são: o poder dos consumidores (compradores), o poder dos fornecedores, a ameaça de novos entrantes no mercado e a ameaça de produtos substitutos. A figura 3.1 ilustra a concepção porteriana das cinco forças. Figura 3.1– O modelo das "cinco forças" CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 21 Fonte: Porter, 2004. Porter (2004) também acrescentou a essas cinco forças a regulamentação governamental que influencia direta e significativamente no mercado e provoca alterações ao equilíbrio existente entre as forças porterianas. A título de ilustração, destacamos exemplos que demonstram a aplicabilidade do modelo porteriano em algumas das cinco forças. O poder de barganha dos supermercados americanos expandiu-se pelo desaparecimento de estabelecimentos independentes e, como consumidores intermediários, começaram a delimitar os espaços de prateleiras para diversos produtos, entre os quais, os detergentes dos diversos fabricantes: P&G, Unilever, Colgate e Dial. As empresas que produzem marcas reconhecidas – P&G, Unilever, Henkel, Colgate – reagiram a essa redução nas prateleiras com o lançamento de detergentes concentrados – doses maiores em embalagens menores – e, igualmente, desenvolveram uma variedade de promoções relativas a preços e qualidade, em uma tentativa de reduzir a redução de fatias de mercado resultante do avanço das novas marcas. A ameaça de produtos substitutos. Enquanto a IBM, Digital, Wang e Prime, na década de 1980, cuidavam apenas uns dos outros como concorrentes. Eles não se deram conta que a maior ameaça partiria da RIVALIDADE INTERNA AMEAÇA DE NOVOS ENTRANTES AMEAÇA DE SUBSTITUTOS BARGANHA DE COMPRADORES BARGANHA DE FORNECEDORES BARREIRAS A ENTRADA A Estrutura Competitiva do Setor CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 22 inserção de computadores pessoais em rede. Isso acabou com várias empresas então estabelecidas. O maior exemplo disso foi a absorção da Digital pela Compaq, em 1998. A Microsoft, como fornecedor todo-poderoso, ao alcançar a universalização do sistema operacional Windows, levou outras empresas de software tornarem-se candidatas ao selo “compatível com Windows”, sendo forçadas a adaptarem-se aos padrões ditados pela Microsoft. Do ponto de vista da IC é preciso reconhecer até que ponto as cinco forças porterianas influenciam as decisões da empresa nos respectivos setores. É fundamental que os analistas de inteligência compreendam tanto a concorrência atual quanto a do futuro – o modelo porteriano proporciona isso –, os concorrentes são levados a reagirem uns aos outros e, também, às forças do mercado em que estão inseridos. Como as empresas de múltiplas unidades competem no mesmo setor da economia? Qual é a melhor maneira de administrar o portfólio de produtos (ou serviços)? A Matriz BCG (ferramenta desenvolvidapela Boston Consulting Group), ilustrada na figura 3.2, é um instrumento de grande valia para prever a melhor maneira de uma empresa administrar o seu portfólio de produtos, inclusive, para realizar comparações entre companhias de múltiplas unidades que competem na mesma indústria (ou setor da economia). A lógica desse modelo é simples: o fluxo de caixa dos empreendimentos maduros deveria ser investido naqueles empreendimentos que apresentam grande potencial de crescimento. Um empreendimento que não apresenta fluxo de caixa e nem tem potencial de crescimento tende a ser desativado. Do mesmo modo, um empreendimento que tenha fatia substancial do mercado precisa ser mais valorizado do que aquele de menor parcela. E, essa lógica é de grande valia para análise do portfólio de produtos industrializados e de serviços. Figura 3.2 – Matriz de crescimento CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 23 Fonte: Miller, 2002. Um analista da inteligência competitiva, ao analisar o mix de negócios de uma empresa-alvo, poderia prever quais produtos a corporação estaria planejando desativar e, no caso de fusão, poderia revisar o portfólio para determinar as potenciais decisões acerca das linhas de produtos: quais linhas estariam em melhores condições pela fusão, quais seriam candidatas a desativação, assim, por diante. Nesse sentido, a realização de tal análise exige muito cuidado no exame do mix de negócios: quais unidades de negócios ou linhas de produtos suprem mercados maduros e quais suprem os mercados em crescimento e levar consideração a possibilidade de ser encontrada nova utilização para um produto maduro. Essas análises devem ser seguidas por outras complementares, tais como: para produtos com aplicações técnicas/tecnológicas, verificar indícios de novos desenvolvimentos conversando com especialistas internos e, com eles, pesquisar em literatura secundária e registros de patentes. Identificar se os produtos maduros são fontes de lucro certo e baixa necessidade de investimentos de novo capital; se os empreendimentos promissores estão realmente em crescimento conforme previstos. A matriz deve ser uma representação fidedigna e final de onde cada grupo de produtos, bem como cada empreendimento adapta-se e alcança seu melhor resultado. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 24 Em suma, prever o futuro é uma das responsabilidades da função de inteligência e a análise de crescimento (participação do mercado; fatia de mercado) é um instrumento de grande valia para dar conta dessa tarefa. O que sua empresa pode fazer em relação aos concorrentes? Quais são as características das áreas funcionais de dela? Antes mesmo de mapear e entender uma empresa concorrente é necessário compreendê-la. Isto é um requisito importante ao analista de inteligência. Se esse profissional não dispõe desse conhecimento, faz-se necessário um programa de trabalho para superar tal lacuna e espera-se que esse conhecimento seja atualizado periodicamente, acompanhando a dinâmica competitiva da empresa e do setor no qual atua. (Conhecendo-se!) Como método de trabalho para superar lacunas de conhecimento da própria empresa, Miller (2002) sugere realizar um acompanhamento do processo empresarial de fornecimento de um produto e/ou de um serviço, do início até a entrega ao consumidor final. Além disso, o autor sugere conhecer práticas de vendas e distribuição de produtos e serviços, bem como a estrutura desse setor; conhecer sobre as operações e custos, tempos ociosos, quais tecnologias e seus fornecedores; nível de aderência da tecnologia à operação, bem como seu nível de funcionamento; conhecer as estratégias da empresa, quais foram os fatores utilizados para a formulação, nível de adequação da estratégia e nível de alocação de recursos que ela tem (ou deixa de ter) com influência de colocar em prática a estratégia definida. Esse conjunto de passos e questionamentos é parte de uma lista-guia ou de um mapa organizacional que o analista de inteligência tende a seguir no exame das empresas concorrentes (benchmarking). Depois desse trabalho, o analista está apto a buscar o conhecimento sobre os competidores. O que os seus concorrentes podem fazer em relação à sua empresa? Qual é o perfil dos seus concorrentes? (Conhecendo seus concorrentes!) CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 25 Para analisar a concorrência, Porter apresenta, com certo esmero, um conjunto de fundamentos (conforme figura 3.6) e componentes (conforme figura 3.7) que dão forma e conteúdo à metodologia de análise da concorrência. Os fundamentos da metodologia voltam-se para orientar o analista da inteligência a buscar o conhecimento sobre as mudanças estratégicas de cada concorrente da indústria. O percurso a ser percorrido, de certo modo, guarda grande coerência lógica e significativa complexidade. Se, de um lado, os passos a serem dados são bem sequenciais e bem definidos; de outro lado, o analista tende a lidar com grande volume de dados para serem analisados e armazenados. Como primeiro passo, o analista deve ter claramente definido quem são os concorrentes atuais e potenciais do setor do qual sua organização faz parte. Depois disso, o analista põe-se a desenvolver um perfil de cada concorrente para determinar a natureza e o sucesso das prováveis mudanças estratégicas. Com base nesse perfil, o analista desenvolve, para cada concorrente, qual será a resposta provável. Desse ponto, ele passa a identificar as mudanças estratégicas que outras empresas poderiam iniciar, assim como, identificar as prováveis reações de cada concorrente ao conjunto de alterações na indústria e, por fim, o analista deve indicar quais serão as mais amplas mudanças ambientais que poderiam ocorrer. Com base nesses eventos, o analista estará em condições de conhecer as mudanças estratégicas no setor da indústria. A figura 3.3 ilustra os fundamentos e a relações existentes entre eles. Figura 3.3 – Fundamentos da análise da concorrência CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 26 Fonte: Adaptado de Porter 2004. Se, de um lado, os fundamentos nos dão uma ideia relativamente sistematizada do trabalho essencial para se conhecer as mudanças estratégicas, de outro lado, não nos informa sobre quais elementos são essenciais para que se conheça bem o perfil de cada concorrente. A figura 3.4 sintetiza os cinco componentes que servem à essa finalidade, os quais são autoexplicativos. Figura 2 – Componentes da análise da concorrência Fonte: Porter, 2004. Um perfil bem concebido oferece todas as condições para ajudar o analista de inteligência e seu cliente interno tomar boas decisões estratégicas e táticas para o negócio de sua organização. Quem são os concorrentes (atuais e potenciais) Conhecer as mudanças estratégicas Perfil da natureza e do sucesso das prováveis mudanças estratégicas de cada concorrente Resposta provável de cada concorrente Movimentos estratégicos viáveis que outras empresas iniciariam Provável reação de cada concorrente ao conjunto de alterações na indústria Mais amplas mudanças ambientais que poderiam ocorrer Identificar Identificar O que orienta o concorrente O que o concorrente está fazendo e pode fazer METAS FUTURAS ESTRATÉGIA EM CURSO A todos os níveis da administração e em várias dimensões De que forma o negócio está competindo no momento HIPÓTESES CAPACIDADES Sobre si mesmo e sobre a indústria Tanto os pontos fortes como os pontos fracos PERFIL DE RESPOSTAS DO CONCORRENTE O concorrente está satisfeito coma sua posição atual? Quais os prováveis movimentos ou mudanças estratégicas que o concorrente fará? Onde o concorrente é vulnerável? O que provocará a maior e mais efetiva retaliação pelo concorrente? CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 27 Outra forma complementar de análise da concorrência é pela aplicação de benchmarking de produtos notadamente utilizando os princípios da engenharia reversa, como fez a Xerox com as copiadoras Canon, sendo, depois disso, conhecida e reconhecida pelo benchmarking Best-in-Class (o melhor do ramo), processo de descobrir a melhor maneira de fazer qualquer coisa, qualquer que seja o setor envolvido e adotá-lo em benefício próprio (Miller, 2002). Quais são as competências essenciais capazes de distinguir sua empresa das demais empresas do setor? Quais são as competências essenciais capazes de distinguir uma empresa competidores em relação à sua própria empresa? Sobre as competências essenciais, Miller (2002), suportado por Gary Hamel e C. K. Prahalad, afirma que as empresas estabelecem margens de competitividade mediante o desenvolvimento de competências essenciais capazes de distingui-las das empresas concorrentes. É importante ter em mente que uma competência essencial é o que diferencia uma empresa de seus concorrentes; é o que proporciona a margem de competitividade; e é possível aplicá-la em outros setores do mundo dos negócios. Como exemplo, tomemos a rede de hotéis Marriott que, pelo seu desempenho no setor de hotelaria, as principais competências sugeririam ser a competência na administração de hotéis. Ao estudá-lo em detalhes, C. K. Prahalad constatou, de acordo com Miller (2002, p. 107), que “uma das competências centrais da rede é a capacidade de treinar e qualificar pessoas, dotadas em sua maioria de escassas habilidades, a proporcionar serviços de alta qualidade aos clientes no setor de hotelaria”. Para o futuro analista da inteligência, a lição que Miller (2002) ensina com esse pequeno exemplo é que identificar as competências centrais de um concorrente (e de todos os concorrentes) é realmente uma valiosa maneira de se capacitar a antecipar as novas iniciativas estratégicas que o competidor está disposto a empreender. É uma maneira de avaliar as possibilidades de sucesso de uma nova iniciativa da concorrência. Com base nisso, o analista de CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 28 inteligência pode identificar e propor medidas de neutralização das ações concorrentes. Quais são as oportunidades e as ameaças ao seu negócio? Quais são as oportunidades e as ameaças ao negócio de seus concorrentes? Quais são as forças e as fraquezas de seu negócio? Quais são as forças e fraquezas do negócio de seus concorrentes? A análise SWOT, sigla correspondente, respectivamente, aos termos Strengths (Forças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças), é uma ferramenta concebida em Harvard, nos anos 1950, que ajuda a analisar, de um lado, as oportunidades e as ameaças que emergem no macroambiente e no mercado, que estimulam a formulação de estratégias tanto para “vencer” a concorrência e garantir a sobrevivência no mercado quanto proteger e/ou neutralizar de ações concorrenciais que possam colocar em riscos a sobrevivência da empresa no mercado. Tal análise serve à inteligência tanto para avaliar os negócios de sua própria empresa quanto aos negócios dos seus competidores; de outro lado, ajuda a compreender as forças e as fraquezas presentes no interior da organização, isto é, no microambiente, que estimulam, limitam ou delimitam a formulação e a implementação de estratégias de sobrevivência da empresa, mas não apenas, pois, aos olhos da inteligência, interessa também conhecer como as forças e fraquezas estimulam, limitam ou delimitam a formulação e implementação de estratégias de sobrevivências de cada concorrente. Uma análise SWOT completa geralmente exibe a forma de um quadro sinótico como a que apresenta a figura a seguir. Figura 3.5 – Exemplo de Análise SWOT (Empresa Schwab) Força da concorrência (strengths) Imagem da marca Rede de escritórios Fraquezas da concorrência (weaknesses) Atrativos para investidores independentes CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 29 Uso eficiente da tecnologia Fatia escassa do mercado industrial Oportunidades de mercado (opportunities) Fluxo de fundos 401(k) Oportunidades de vender a investidores estrangeiros Oportunidades de reduzir custos mediante vendas online. Ameaças de mercado (theats) Fase recessiva do ciclo de negócios Risco de barreiras ao livre fluxo de capital Taxação de comércio eletrônico Fonte: Miller, 2002. Esse exemplo mostra o resultado da análise SWOT da empresa fundada por Charles Schwab, preparado por Miller (2002). A Charles Schwab Corporation ajuda milhões de americanos médios (avarege joes) a gerenciar dinheiro em investimentos e outros serviços financeiros e bancários. O fundador não apenas começou uma companhia extremamente bem-sucedida, mas revolucionou a indústria financeira americana. Essa empresa constituiu uma das principais corretoras eletrônicas, com presença nacional, garantida pela rede de quase quatrocentos escritórios regionais. Sua marca consagrada veio com o uso da tecnologia da informação para reduzir os custos das transições entre sucursais e a imensa e crescente base de clientes que utiliza a internet e outros meios de comércio eletrônico. Para um analista da inteligência de uma empresa que compete com a Schwab, a análise SWOT (figura 3.5) será de pouca utilidade, caso queira saber como a corretora administra seus escritórios. Mas, se a análise diz respeito qual é a estratégia da corretora no mercado internacional, então, será de grande utilidade pelo quadro de oportunidades e ameaças resultantes. Para o analista da inteligência, estratégias de sobrevivências podem decorrer daí, porém, é indispensável informar-se por meio de muito material complementar sobre a CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 30 companhia, além de informar-se exaustivamente sobre o setor de corretoras e procurar saber quais são as hipóteses da corretora sobre si própria e também da corretora sobre seus concorrentes. Além desses pontos discutidos, o profissional de IC terá em seu radar de ação outras questões para lidar não abordadas aqui por limitações de espaço: Quais são os fatores críticos de sucesso (possibilidades) que influenciam o setor da indústria e o seu empreendimento? Quais são os fatores críticos de sucesso de um empreendimento em particular ou de um empreendimento concorrente? Quais inovações/invenções podem afetar positiva ou negativamente o negócio de sua empresa (Tomando contato com o novo!)? Quais atividades de sua empresa que não agregam valor ao negócio? Quais as atividades de seu negócio devem ser controladas e protegidas por agregar algum valor ao negócio? Quais são as atividades de um concorrente (e de todos os concorrentes, prováveis ou improváveis) que precisam ser controladas e protegidas por agregarem valor aos negócios do concorrente? Como segundo passo, passamos a analisar, de modo sucinto, o processo de inteligência (IC) em si, sob a perspectiva de suas propriedades mais centrais: fundamentos e componentes. Sobre os fundamentos de IC Inteligência é definida como o resultado da análise de evidências e informações relacionadas a uma necessidade gerencial e que vai influenciar imediata ou potencialmente no processo de tomada de decisão(Domingues, 2006). A aplicação da inteligência contribui para detectar ameaças e eliminar ou amenizar os efeitos surpresas. Para tanto, faz-se necessário, no plano da empresa, identificar e definir quais são suas necessidades profundas de inteligência (Key Intelligence Topic - KIT) e colocá-las no centro de atenção dos CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 31 tomadores de decisões. Os KITs são a chave para gerar inteligência eficaz e acionável. As organizações mais bem-sucedidas em termos de inteligência são aquelas que operam sobre uma base de conhecimento coletivo. Portanto, tem- se aí um requisito essencial à inteligência: criar um ambiente cooperativo eficiente entre os usuários de inteligência e os profissionais da inteligência, suportado por uma comunicação bilateral não apenas para compartilhar informações, mas para a geração de novas ideias e o desenvolvimento de medidas para explorá-las. Um bom funcionamento de IC exige pessoas capacitadas para trabalhar em redes: a tecnologia da informação e da comunicação são viabilizadores dessa exigência, como vimos anteriormente no Tema 1. Por fim, a IC destina-se a aumentar a vantagem competitiva. Esse objetivo torna-se exequível quando a área de inteligência da empresa supera os seguintes desafios: reduzir o tempo de reação às mudanças no ambiente de negócios; transformar “inteligência” desagregada sobre a concorrência em conhecimento estratégico relevante, preciso e útil sobre a posição, performance, potencialidades e intenções dos concorrentes (Seminar guide, 1986). avaliar riscos, evitar surpresas, proteger a empresa e gestores de “pontos cegos”; desafiar e validar (ou invalidar), continuamente, com base em dados e fatos, os pressupostos e estratégias da empresa; identificar oportunidades e ameaças, prever mudanças de mercado, apontar tendências e antecipar ações de competidores e de outras forças do ambiente (Domingues, 2006); CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 32 agir ética e legalmente; reunir de forma sistemática e transparente grandes variedades de dados e informações que quando ordenadas e analisadas, fornecem entendimento completo da estrutura, cultura, comportamento, potencialidades e fraquezas dos concorrentes, em um setor. A inteligência competitiva em uma organização não nasce pronta, sua implementação é gradual e passa por diversos estágios de amadurecimento no tempo. A figura 3.6 mostra quatro características do processo e suas respectivas estratégias, bem como uma ideia do volume de recursos, em percentual, aplicados para realizar as respectivas estratégias no tempo. Figura 3 – Estratégia de implementação da inteligência competitiva Características do processo IC Estratégia de IC Volume de recursos no tempo Maturidade de IC na empresa Balcão de informação Ser como um radar T0 T1 Tn Operação tipo “biblioteca” Ser um banco de dados 60% 35% 10% Suporte ao marketing/tático Ser um sistema de relatórios analíticos 25% 20% 15% Suporte a estratégia Focar problemas específicos 10% 20% 25% 5% 25% 50% Ou seja, a IC tende a ser iniciada como um balcão de informação, neste caso, a estratégia de IC é ser como um radar que capta as necessidades de forma não planejada, com a dedicação, nesta fase, da maior parte dos recursos de inteligência. O amadurecimento da inteligência vem com o tempo, chegando a seu termo no momento em que ela se caracterizar como suporte à estratégia CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 33 empresarial e focalizar predominante as necessidades profundas (KITs) e consumir a maior parte dos recursos da inteligência. Sobre os componentes de IC A inteligência em uma empresa requer, para o seu funcionamento, a existência de procedimentos, rotinas de trabalho e ferramentas, devidamente, integrados e padronizados, isto é, sistematizados. A figura 3.7 aponta uma sequência de passos para nortear um profissional de inteligência para lidar com um KIT. Figura 3.7 – Lidando com um KIT Fonte: Domingues, 2006. Por sua vez, a figura 3.8 apresenta o esquema que sintetiza as bases de funcionamento do processo de gestão e operacionalização do fluxo da inteligência, na empresa. KIT – a questão de inteligência a ser respondida Que informações necessito? Onde poderia obtê-las? Por onde começo? Identifico as fontes de informação Organizo e executo a coleta CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 34 Figura 3.8 – Sistema da Inteligência competitiva Na figura, observamos a inserção da inteligência no fluxo do processo decisório, no qual comitê executivo da empresa (COMEX) decide sobre quais são as necessidades profundas de inteligência (KIT) que, na figura, distingue-se em necessidades estratégicas e em necessidades táticas, o que diferencia uma e outra, em geral, é o tempo. A primeira tende a focalizar as necessidades profundas de inteligência no longo prazo, enquanto a segunda, no médio prazo. O produto final da IC é um relatório-síntese do processo da inteligência propondo ações aos tomadores de decisões que, em geral, são participantes do COMEX. O processo de inteligência conta precipuamente com a formação de redes de relacionamentos que apoiam, principalmente, a coleta de dados e, por vezes, a análise das situações encontrados que, na figura, denominamos de sinais. Para finalizar, as redes de relações preconizadas pela Inteligência são de duas naturezas: internas e externas. Também é imprescindível a utilização da rede mundial de computadores e outras formas, para suportar o processo de coleta de dados de inteligência. Coletar sinais Analisar os sinais Propor Ações Rede de Relacionamentos Interna Gestão da Inteligência Competitiva Relatório KIT Tático KIT Estratégico Fig. 1 - Inteligência Competitiva - Fluxo do Processo Solicitação COMEX Diretores Gestores Clientes Internos Tomadores De Decisão Clientes Internos Rede de Internet e outros Relacionamentos canais de Externa pesquisa WWW CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 35 Tema 4: Equipes autogeridas Vimos anteriormente que nossas vidas e a vida das organizações encontram-se à mercê de um mundo de incertezas e de intensas mudanças que levam ao desaparecimento de barreiras de diversas ordens, visíveis e invisíveis, para dar lugar a uma nova ordem social, econômica, política e cultural. O desenvolvimento tecnológico, perceptível em todas as áreas do conhecimento humano, especialmente, no campo da computação, da comunicação, na integração entre elas e na integração delas com tecnologias de outros campos do conhecimento (do qual o telefone celular é exemplar), alavancaram a globalização mundial e transformaram e continuam transformando o mundo do trabalho, das organizações e da produção do conhecimento em geral. Isso fez e faz emergir, cotidianamente, em todos os campos da vida humana uma miríade de novos conhecimentos e de novas situações exigindo dos seres humanos novos saberes, novos comportamentos, novas habilidades, novas atitudes e novas práticas de produção material e espiritual da sua existência. No mundo das organizações em geral e no mundo dos negócios, em particular, a prática da administração não está e nem nunca esteve imune aos efeitos dessas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais. As práticas de gestão e desenvolvimento de pessoas, igualmente. Apontamos para trêsnaturezas de práticas, as quais emergiram em tempos diferentes e com propósitos distintos e, por vezes, ambíguos. Vamos apontá-las no tempo verbal passado, por conta de sua emergência, mas é certo que essas modalidades continuam, hodiernamente, sendo disseminadas entre estudantes e praticantes da administração. Houve um tempo em que predominava explicitamente o dar ordens, pela intervenção, em que uns mandavam e outros obedeciam para alcançar um resultado econômico (a obra de Peter F. Drucker legitima essa prática). Também, houve um tempo em que noção de mando foi, de certo modo, tornada menos explícito, devia-se obediência à ordem que estava imbricada na visão de futuro das organizações para realizar os resultados que eram preconizados por ela. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 36 Nesse sentido, a função de mando foi transferida para um líder (formal) para que assegurasse, pela interação, a “aderência” de todos, uniformemente, em torno de um bem comum organizacional, isto é, em torno de uma visão de futuro (a obra de Warren G. Bennis legitima essa prática). E houve ainda um tempo no qual devia-se obediência à situação que se apresentava cotidianamente aos sujeitos, na posição em que se encontravam na organização. Nesse sentido, a função de mando foi convertida para uma função de coordenação sob a liderança, não de um líder hierárquico formal, mas daquele que reconhecidamente detinha mais conhecimento acerca da situação. A função de coordenação consistia em assegurar a integração das opiniões e interesses daqueles “tocados” pela situação para a resolução da situação (a obra de Mary P. Follett legitima essa prática). As duas primeiras modalidades de práticas emergiram e desenvolveram-se sob os auspícios do capitalismo e contribuíam para o desenvolvimento desse sistema. Os princípios de autogestão coletiva ou equipes autogeridas emergem na esteira da história contemporânea das organizações e da Administração e, em sua última forma, desenvolve-se pela via da economia solidária. Todavia, nosso foco é abordar a questão da autogestão à luz dos princípios da produção eficiente, isto é, como prática coletiva na qual as decisões são tomadas pelos membros das equipes, com base em índices de desempenho, sem a interferência do gestor-chefe-supervisor, com o fim último de aumentar a produtividade, a autonomia e a flexibilidade da produção material (produtos e serviços) e tudo o mais que se constitui como benefícios para o negócio2. Nesse sentido, a autogestão pode ser vista conforme Robaquim e Quintaes (1972): uma forma de aperfeiçoamento do capitalismo. Situamos aqui diferentes perspectivas que influenciam o rendimento das equipes de trabalho. A primeira situa-se no campo das habilidades pessoais dos profissionais que são partícipes de equipes autogeridas: a competência do líder 2 Por exemplo: reduzir custos operacionais; melhorar a qualidade; reduzir o turnover; reduzir os conflitos destrutivos; estimular a inovação; impulsionar competências organizacionais; estimular o aparecimento de novos líderes; e outros. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 37 nas relações interpessoais, a facilidade de comunicação são fatores decisivos para o desempenho da equipe. O relacionamento interpessoal e a comunicação são habilidades exigidas para todos os membros-profissionais participantes, isto porque, os relacionamentos problemáticos constituem o maior obstáculo ao trabalho em equipe. A segunda perspectiva considera que o ambiente no qual as equipes trabalham é relevante, isso porque, estabelecer uma cultura organizacional não apenas encoraja e motiva as pessoas a desempenharem seus papéis, mas desenvolvem um sentimento de pertencimento à sociedade produtora da qual é participante. Isso tem influência positiva tanto sobre a criatividade quanto sobre o clima organizacional, que são dois aspectos preponderantes do funcionamento das equipes autogeridas. Nessa perspectiva, o papel do líder é valorizado pelo desenvolvimento de um modelo de competência: saber-fazer e saber-ser. A terceira perspectiva valoriza a autonomia dos grupos e a liberdade de comunicação, pois sem elas não é possível organizar equipes autogeridas, bem como o seu respectivo trabalho. Essas duas habilidades pessoais, por naturezas próprias, são indispensáveis a esse propósito. A quarta perspectiva diz respeito às habilidades pessoais inerentes à construção de ambientes promotores da participação, da autonomia e do desenvolvimento de competências mais amplas, capazes de estimular tanto a inovação organizacional e a adoção continuada de novas práticas de gestão e de organização do trabalho quanto de incentivar novas políticas de recursos humanos e de alcançar bons resultados em termos de clima organizacional. Portanto, se de um lado as pessoas querem um ambiente de trabalho mais propício; de outro, as organizações desejam competências mais amplas, e o progresso informado pelas partes contribui para a formação de equipes autogeridas. Nesse sentido, as práticas gerenciais-participativas-autônomas encontram respaldo no relacionamento interpessoal, no clima organizacional e no treinamento para assunção de novas competências, habilidades e atitudes. No mundo atual dos negócios, dado o volume de informações, de alianças, enfim, de mudanças e de incertezas, a autoridade (mando/obediência) CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 38 como ferramenta de ponta deve ceder o lugar para a aprendizagem sobre como lidar com a informação, explorando de indivíduos e de organizações diversas habilidades, sentidos e metas pessoais, para alcançar a confiança e o mútuo entendimento. Em outras palavras, tais aspectos compreendem nada mais do que as habilidades técnicas, humanas e conceituais imbricadas das habilidades de comunicação, do mútuo entendimento e da capacidade de inspirar confiança, sustentadas pelo exercício profissional confortável em consonância com valores e expectativas de realização e a garantia de agregação de valor à organização. Estes princípios fazem parte do perfil profissional tratado por Katz (1974), dos quais depende a Administração, isto é, princípios da proficiência em métodos, técnicas e ferramentas, da habilidade de liderar e trabalhar com efetividade em grupos, da habilidade crítica para tomar decisões e da visão e pensamento sistêmicos que inerem à capacidade de um profissional de ver a organização no total, de reconhecer como as diversas funções relacionam-se e entender como a organização está relacionada com a indústria, comunidade, nação e, indo mais além, com um mundo globalizado. Equipes autodirigidas têm sido solução para muitas situações práticas no campo da produção econômica, desde que as empresas japonesas, pioneiramente, formularam esse conceito. O desenvolvimento e a aplicação dele foram centrados em um princípio-chave fundamental: uma equipe autogerida, mediante as situações que emergem, guia-se por um objetivo, detém autoridade para decidir sobre os meios para alcançá-lo e autonomia circunscrita a uma área definida de comum acordo com a administração. Podemos ver equipes autogeridas operando, por exemplo, em cooperativas agrícolas, industriais, de serviços especializados, e outras. Um dilema-chave norteia todo o espectro decisório por conta de duas lógicas sociais bem distintas: a solidariedade no interior da organização e a competitividade no mercado. Algumas questões ilustram isso. Por exemplo, como aplicar os excedentes da empresa autogerida? Algumas forças orientariam para aumentar CCDD– Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 39 as retiradas dos cooperados, outras forças, orientariam para reinvestir em novos equipamentos de produção? Como lidar com esta contradição? Temos de diferenciar a natureza da situação que se apresenta. Essa questão envolvendo a distribuição de excedentes em uma cooperativa não é necessariamente um problema que uma equipe autodirigida pode resolver, pois é inerente a ela. Nisso, um e outro são diferentes pelo escopo de atuação. Uma equipe autodirigida enfrenta situações de ordem técnico-operacional e toma decisões dentro do limite da sua área de atuação determinada pela administração. Enquanto uma organização dirigida enfrenta situações de ordem políticas envolvendo mais de uma área da empresa, requerendo, para tanto, a formação de uma equipe de trabalho específica e multifuncional, para buscar uma solução à situação. Nessas circunstâncias, podemos recorrer à Lei da Situação, de Mary P. Follett (1997a; 1997b). Isto é, aqueles que detêm mais conhecimento sobre a situação e, especificamente, para a situação colocada, detém mais conhecimento aqueles que estão situados na fronteira entre os dois universos e, portanto, coordenam as ações para colocar todos no mesmo ato, desde o início, para buscar por uma solução, um terceiro caminho ou terceira via, que, guiando-se pela exigência da situação, satisfaça os reais interesses de todos. Isso é possível, porém, não é uma prática aplicável para toda e qualquer situação. Vale lembrar que, no mundo da vida, alguns interesses podem ser, definitivamente, irreconciliáveis, tal como exemplifica a própria Follett: em muitos países, não é possível o casamento de uma pessoa com dois ou mais cônjuges; por lei, a bigamia não é permitida. Tema 5: Administração intercultural Abrimos este capítulo com um texto de Maria Ester de Freitas, para mostrar uma experiência de interculturalidade no mundo da administração. Reis é o jornalista que descreve a experiência de Ghosn, cumulativamente presidente da Nissan e da Renault. A obra [O cidadão do mundo] atrai pelas seguintes razões: a biografia pessoal e familiar de Ghosn, originada de fontes culturais diversas; sua rica experiência profissional e múltiplas expatriações (França, Brasil, Estados Unidos e Japão); a elaboração e implementação de um CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 40 plano estratégico de salvação da Nissan, com apoio de uma equipe mista japoneses e franceses, e a “vantagem” de poder ser considerado uma pessoa que não possui uma raiz cultural predominante, sendo o que ele próprio denomina de pessoa multicultural (Freitas, Administração intercultural, 2005, p. 125). Para falarmos da administração da interculturalidade ou da multiculturalidade, temos de compreender o que vem a ser a cultura organizacional e quais elementos a caracterizam. A cultura organizacional emerge como um “discurso forte” da administração, dos anos 1980, em razão da intensa publicação acadêmica e da movimentação dos pesquisadores da área, inspirados pelo ganho de produtividade dos japoneses, isto é, o milagre japonês, e o declínio da produtividade americana (Freitas, 1991, p. XVII). Estes acontecimentos, acerca da produtividade japonesa e americana, levantaram a questão das diferenças culturais entre as duas sociedades. Explicações têm sido propaladas por muitos autores, como por exemplo, “a cultura japonesa aparece como mais homogênea [do que a americana], e possuidora de valores bem cultivados que enfocam a obediência, o trabalho em grupo, o compartilhamento etc.” (Freitas, 1991, p. XXI). De fato, explicações como essas desafiaram os pesquisadores que, ao estudarem os elementos característicos de uma organização, não apenas reconheceram a influência do contexto cultural da sociedade em que a organização se faz presente, mas ocuparam-se de concretamente compreender a maneira como eles funcionam e as mudanças comportamentais que eles provocam: os elementos da cultura de uma organização, segundo Freitas (1991, p. 12), “fornecem uma interpretação para os membros da organização, onde [sic] a passagem de significados se dá como coisa aceita”. Os elementos culturais que frequentemente são citados na literatura como os mais importantes, conforme o estudo realizado por essa autora, são: Valores: formam o coração da cultura, definem o sucesso em termos concreto para os empregados e estabelecem os padrões que devem alcançados na organização. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 41 Crenças e pressupostos: expressa aquilo que é tido como verdade na organização. Esses conceitos são tidos como naturalizados e inquestionáveis; Ritos, rituais e cerimônias: consistem de atividades planejadas que consequências práticas e expressivas. São exemplares: o rito da comunhão da Magazine Luiza; o rito de passagem das Lojas Renner. Estórias, mitos e heróis: narrativas baseadas em eventos ocorridos, que informam sobre a organização, tornam o sucesso atingível e humano, fornecem modelos, simbolizam a organização, preservam o que a organização tem de especial, estabelecem padrões de desempenho, motivam os empregados. Em suma: “das estórias sobre os atos de coragem, nascem os heróis, que personificam os valores e provêm modelos de comportamento para os demais” (Fleury, 1987, p. 15). Normas: comportamento que é esperado, aceito, prescrito; maneira de fazer a coisa certa. Comunicação: escolhas que permitem os interlocutores interpretar o comportamento de maneira similar; cultura organizacional, fenômeno de comunicação. Em todo o processo de exposição a novas culturas, o exercício da interculturalidade perpassa, de modo geral, a ´negociação´ para compreender, adaptar-se, à diversidade dos elementos culturais envolvidos, ou mesmo, dessas diferenças, adaptar ou construir novos significados culturais para a organização. Nesse sentido, a globalização criou uma janela de oportunidades para aproximarmos de outras culturas, derrubou barreiras, visíveis e invisíveis, e promoveu a transformação do mundo dos negócios e dos profissionais, fazendo emergir o fenômeno da expansão de empresas, para além de suas tradicionais fronteiras (cidade, estado, região, país), levando-as a fazer novas parcerias, fusões e aquisições, joint-ventures e estabelecer operações subsidiárias CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 42 próprias, em outras regiões do mundo. E, na esteira infinda desse fenômeno, as empresas mobilizam e atraem profissionais, expondo-os a novas possibilidades culturais-profissionais – novas práticas de trabalho, novas competências, habilidades, atitudes e comportamentos – pela necessidade de que suas operações sejam eficientes e sua cultura disseminada entre seus membros, estejam onde estiverem, desafiando-os a vivenciar experiências multiculturais. Diga-se de passagem, as experiências multiculturais, sob influência da globalização, podem ser vivenciadas pelo intercâmbio de profissionais entre diferentes regiões (por exemplo, o Brasil, por sua natureza, um país multicultural) ou entre diferentes países. Vivenciar uma experiência multicultural significa intercambiar princípios e valores de cada cultura envolvida. Essa experiência de intercâmbio cultural, pela diversidade vivenciada pelos sujeitos, tende a influenciar a inovação e a criatividade nas organizações. Contudo, nem sempre é assim que acontece, não é incomum verificar que a realidade é marcada por choques culturais com consequências danosas aos empreendimentos empresariais. De acordo com Maciel (2011), entre 45% a 70% das fusões e aquisições não são bem-sucedidas
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