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OFICINA LITERÁRIA 
AULA 1 – O QUE É LITERATURA? 
Para entendermos O QUE É LITERATURA, temos que ter, como ponto de partida, a noção de 
CONOTAÇÃO e DENOTAÇÃO. Sendo assim, observe os textos 1 e 2: 
Texto 1: 
Mas não há literatura que não tenha seus campeões de mentira – real ou imaginária. O 
escritor francês Alphonse Daudet (1840 - 1897) celebrizou-se graças às aventuras mentirosas 
de seu personagem Tartarin de Tarascon, um burguês baixinho, com certa tendência à 
obesidade, que se imaginava um valente herói e saía contando peripécias nunca vividas. No 
Brasil, o mentiroso Macunaíma, de Mário de Andrade, nem fez questão de fingir ser herói: 
covarde como só ele e sem nenhum caráter, Macunaíma mentia o tempo inteiro para se safar 
de qualquer problema – dizer a verdade, aliás, lhe dava preguiça. (Superinteressante, São 
Paulo: Abr., ago, 1993). 
Texto 2: 
Isto 
Dizem que finjo ou minto 
Tudo o que escrevo. Não. 
Eu simplesmente sinto 
Com a imaginação. 
Não uso o coração. 
 
Tudo o que sonho ou passo, 
O que me falha ou finda, 
É como que um terraço 
Sobre outra coisa ainda. 
Essa coisa que é linda. 
 
Por isso escrevo em meio 
Do que não está ao pé, 
Livre do meu enleio, 
Sério do que não é. 
Sentir! Sinta quem lê! 
Fernando Pessoa 
Qual é o assunto dos textos? 
No texto 2, o que significa o terraço? 
Fica claro que os dois textos falam do mesmo assunto, ou seja, os dois veem a construção 
literária como algo que é fruto da imaginação, ou melhor dizendo, nasce de doses de 
mentiras. No entanto, isso é dito de formas diferentes. 
No texto 1, a linguagem é informativa, objetiva, apresentando dados precisos como datas e 
nomes de escritores. Trata-se de uma linguagem direta e impessoal. Não há nenhum tipo de 
exploração de imagens ou figuras de linguagem. 
No texto 2, a linguagem é subjetiva. Há uma multiplicidade de significações, opondo-se a 
linguagem informativa. Nesse texto, o que significa, por exemplo, a palavra terraço? Ora, 
significa a vida do eu lírico. Debaixo desse terraço, ou seja, a partir das experiências que tem 
ou daquilo que sonha, caminha sua imaginação, sua inspiração de poeta. 
 Releia a segunda estrofe do poema ISTO: 
“Tudo o que sonho ou passo, 
O que me falha ou finda, 
É como que um terraço 
Sobre outra coisa ainda. 
Essa coisa que é linda.” 
Cabe ao leitor ter a sensibilidade necessária para usufruir o resultado da criação: “Sentir? 
Sinta quem o lê”. 
O que queremos mostrar com essa breve leitura dos dois textos? 
Queremos mostrar que a linguagem do TEXTO 1 é denotativo e a linguagem do TEXTO 2 é 
conotativa. Mas, o que é DENOTAÇÃO? E o que é CONOTAÇÃO? 
Denotação: é a linguagem informativa, comum a todos. Tem por objetivo expressar 
conhecimento prático, científico. Nesse tipo de linguagem, as palavras são sempre 
empregadas em sentido real. 
Conotação: é a linguagem afetiva, individual e subjetiva. Tem por objetivo a apreciação 
estética. Apresenta o uso da palavra no seu sentido figurado ou poético. 
Sendo assim, a partir desses dois conceitos, podemos estabelecer a diferença entre texto 
literário e não literário. 
A palavra TEXTO deriva do latim textus, (- us) que significa laçar, entrelaçar. Portanto, o texto 
é um elemento do processo comunicativo que apresenta um entrelaçamento de idéias, as 
quais são costuradas através das palavras. 
Todo texto é portador de um sentido, de um significado próprio, singular e pode ser falado ou 
escrito. 
O texto pode ser: 
Não Literário: é informativo, objetivo e apresenta uma linguagem denotativa, direta e 
impessoal. Um texto NÃO LITERÁRIO está preso à realidade, a algo que pode ser comprovado 
como verdade. A nossa comunicação de todos os dias, ou seja, a nossa fala do cotidiano, com 
nossos amigos, com nossa família ou no nosso trabalho, é um exemplo de texto NÃO 
LITERÁRIO. São textos que visam apenas à informação e à ação. 
Literário: é aquele que entrelaça suas idéias, utilizando uma linguagem conotativa, subjetiva. 
Por isso, o leitor é induzido a trilhar um caminho de múltiplas significações. Os sentidos 
nascem do texto. Os significados de determinadas palavras ou frases não têm comprovação 
imediata na nossa realidade. Como exemplo, veja o fragmento do poema A flor e a náusea, de 
Carlos Drummond de Andrade. 
A flor e a náusea 
“Uma flor nasceu na rua! 
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. 
Uma flor ainda desbotada 
ilude a polícia, rompe o asfalto. 
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que uma flor nasceu. 
Sua cor não se percebe. 
Suas pétalas não se abrem. 
Seu nome não está nos livros. 
É feia. Mas é realmente uma flor.” 
Como você pôde ver, a FLOR do texto não é uma flor de verdade. A palavra FLOR, ganha, 
aqui, outras dimensões. No fluir da vida agitada que vivemos, pode nascer uma flor no meio 
da rua. O que isso significa? Vivemos inseridos num cenário de trânsito acelerado, de 
preocupação com o trabalho, de pessoas que se cruzam sem se enxergarem. Porém, no meio 
de tudo isso, pode nascer a esperança de transformação. Essa esperança é a FLOR que nasce 
no meio da rua! 
Fica claro, assim, que as palavras são símbolos. Elas ganham outros significados que vão 
muito além daqueles que têm na realidade. 
Você sabia que o texto possui os agentes do discurso? 
O texto literário é um tipo de discurso que trafega entre dois polos: 
 Falante/ouvinte 
 Escritor/leitor 
 
Eles são os agentes do discurso. 
 
E você sabe o que é Discurso? 
 
Discurso: é um elemento que compõe o processo comunicativo. Trata-se de uma articulação 
de palavras que comporta uma intenção. Quando lemos um texto e percebemos as intenções 
do autor, é sinal de que está se realizando. Quando o receptor decifra o que está por trás do 
escrito ou do dito, o texto se transforma em discurso. 
O texto não muda, mas o discurso muda. O discurso é algo dinâmico, pois um texto pode ser 
lido em diferentes épocas, por diferentes pessoas e estar sujeito a uma plurissignificação. O 
discurso que trafega entre emissor e receptor põe em jogo as vivências de cada um. No 
momento de leitura, entram em jogo as vivências reais ou imaginárias, isto é, experiências 
que podem ter sido vividas ou adquiridas através de outras leituras. 
Pode-se dizer que o discurso é um fato social, pois liga dois sujeitos situados em momentos 
históricos precisos e refere-se às situações localizáveis e datáveis. Como assim? 
Ora, se pensarmos no romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, vamos nos deparar com a 
transição de um Brasil Império para um Brasil República. 
Temos, portanto, uma situação histórica, perfeitamente localizável e datável. Machado de 
Assis, na qualidade de sujeito-autor, situado historicamente no século XIX, fala de seu tempo, 
interagindo com os sujeitos-leitores da atualidade. 
Nos fragmentos apresentados, é visível que as palavras não têm significados fixos. Elas têm 
significações possíveis. A dúvida, que atormenta Custódio em relação ao nome de sua 
confeitaria, induz o leitor a pensar que a mudança de regime político, no Brasil, não passou de 
uma troca de tabuleta, ou seja, o nome mudou de Império para República, mas as práticas 
continuaram as mesmas. 
A palavra é a mola mestra do discurso. Ela está vinculada ao movimento social porque traduz 
as práticas de um determinado grupo ou classe. Trata-se de um signo neutro, mas que perde 
sua neutralidade quando inserido nas realidades discursivas. Ninguém fala de graça. Toda 
palavra está sempre direcionada ao outro, portanto podemos dizer que a palavra estabelece 
relações dialógicas. 
Você sabe o que são RELAÇÕES DIALÓGICAS? 
As RELAÇÕES DIALÓGICAS nascemdo confronto estabelecido entre posições assumidas por 
diferentes sujeito e expressas na linguagem. A palavra é sempre dialógica, pois a vida social é 
uma discussão permanente. O discurso só se realiza no contexto social se estiver sempre 
direcionado ao outro. Em todo texto é possível ser ouvida a voz do seu autor. As relações 
dialógicas só existem quando se escuta a voz do outro. 
Você sabia que existem duas operações essenciais na construção do discurso? 
Essas operações são a seleção e combinação. São processos de escolha, nos quais as opções 
assumidas delineiam os valores, a ideologia que preside a produção de discurso e por isso é 
fundamental o leitor perceber no texto quem fala e para quem fala. Ao produzir um texto, o 
autor escolhe e combina o que vai escrever. Aquilo que ele pretende dizer é o que estará 
inserido na voz do narrador. Dessa forma, o texto expõe as opções assumidas e encobre as 
rejeitadas. Logo, um texto nunca é neutro. Há sempre a representação dos valores que se 
quer expressar. Tais valores representam a ideologia que preside o discurso. 
Dentro desse sistema, como fica a relação AUTOR – TEXTO – LEITOR? 
Devemos considerar que, no ato da leitura, o texto traz as marcas de que o produziu. Tanto 
quem escreve quanto quem lê produz significados. No processo de produção, entram em jogo 
os problemas pessoais, as emoções, as limitações de quem o produziu. E a leitura? 
Se o texto é uma rede de relações que transmite possíveis significações, cada leitura 
estabelece um novo viés de entendimento do texto. 
O leitor produz os sentidos possíveis do texto a partir de suas experiências reais ou 
imaginárias. Sendo assim, o grau de desenvolvimento da leitura vai depender do acerbo 
simbólico do leitor. Quanto maior for esse acervo, maior será o envolvimento estabelecido 
com o texto. Assim, a segunda leitura nunca será igual a primeira, pois as experiências do 
leitor mudam. A vida segue e, em seu curso, promove o amadurecimento do leitor. O que se 
pode dizer é que a primeira leitura produz significações que funcionam como repertório para a 
segunda. 
Não só o DISCURSO LITERÁRIO é organizado por seleção e combinação, mas também o 
DISCURSO DA HISTÓRIA. Você sabe o que é o Discurso da História? 
O conceito de história vai muito além da história oficial que aprendemos na escola. Não são 
apenas grandes líderes e grandes fatos que fazem parte da história. A história é a vida de 
cada um de nós. Todos os dias escrevemos a história com nossos atos e valores. A literatura 
se apropria desses atos e valores que formam as sociedades de diferentes épocas para dar 
vida a personagens dentro dos mais diversos contextos. Por isso, a literatura, considerada por 
muitos como a arte da palavra, pode ser conceituada como um tipo de discurso que tenta dar 
conta da história. 
AULA 2 – O ESPAÇO DAS REPRESENTAÇÕES 
O que é fundamental perceber nas cenas do filme (Cartas para Julieta)? Ora, aqui, temos 
registrada a grande influência que a história de amor de Romeu e Julieta, contada por Wilian 
Shakespeare, tem na vida de uma sociedade localizada num tempo tão distante daquele 
representado na história literária. No filme, muitas moças, com seus problemas afetivos, se 
identificam com Julieta. Por isso, escrevem cartas, que são colocadas na parede da casa de 
Julieta, para obterem respostas favoráveis à solução de seus conflitos. 
A protagonista do filme responde uma das cartas e, a partir daí, inicia-se todo um processo de 
reconstrução de um amor que havia se perdido no passado. 
Pois bem, o que isto tem a ver com o tema da nossa aula: O ESPAÇO DAS 
REPRESENTAÇÕES? 
É nítido, através do filme, que a literatura e vida real se interpenetram. Os conflitos, as 
tensões que fazem parte da nossa vida, assim como da vida das personagens do filme que se 
reencontram depois de muitos anos, estão presentes na literatura. Os dramas vividos pelas 
personagens do filme, e por muitos na vida real, são semelhantes àqueles vividos por Romeu 
e Julieta. 
Portanto, a literatura é um tipo de discurso que representa o real. 
Em Romeu e Julieta, estão representadas as realidades semelhantes as de muitos indivíduos e 
as de muitas coletividades. 
Para entender melhor este universo das representações, temos que conhecer conceitos 
básicos, como mímesis e catársis. 
Mímesis: trata-se de um termo grego que significa imitação. Não é um conceito literário, mas 
filosófico que serve para explicar a arte. Mas, é imitação de quê? 
A arte literária usa a palavra para representar o real. Claro que não é um real exato, mas 
segundo um determinado olhar. O discurso não dá conta, integralmente, do real. Portanto, a 
imitação do real é segundo os olhos de quem o vê. 
A mímesis é a relação do signo com o real. Trata-se de uma imitação, mas não de uma cópia. 
 Para os pitagóricos, é a representação dos estados de alma. 
 Para Platão, é a imitação da aparência da realidade, ou seja, imagem de imagem ou 
simulacro da realidade. 
 Para Aristóteles, é a imitação das essências. É o conhecimento profundo do ser 
humano e do mundo. É a revelação da plenitude do real. 
Para ficar mais claro, a mímesis acontece, por exemplo, quando um determinado segmento da 
sociedade se mostra, ou melhor, se revela. É a representatividade das ações deste segmento 
social. 
Vamos usar, como exemplo, o romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo. O que temos ali? 
Temos a representatividade das classes minoritárias e seus conflitos. As tensões, os conflitos 
representados, em O Cortiço são coletivos. No romance, o cortiço é o grande personagem. Ele 
protagoniza a história. 
Vamos entender o seguinte: o homem só consegue recriar aquilo que faz parte da noção que 
ele tem de relações sociais ou de contexto cultural. Ele jamais se desprende de seu grau de 
entendimento. 
Neste processo de imitação, cabe ao homem revelar o natural e transformá-lo em patrimônio 
cultural. 
Imitar é sempre um processo revelador. 
Em O Cortiço, são reveladas e recriadas as realidades de um determinado fragmento social. 
Estão ali representadas as realidades rotineiras de trabalhadores e lavadeiras. 
Ali estão expressos os valores que compõem esse fragmento social. 
A mímesis, em O Cortiço, está na apreensão do ser humano e do mundo. Isto revelado a 
partir das tensões coletivas. 
Como exemplo, temos João Romão. Ele é a representação do homem que enriquece através 
da exploração do outro. Roubando Bertoleza, sua amante e semiescrava, explorando os 
moradores do cortiço e casando com a filha do Miranda, ele adquire ascensão social e 
econômica. Esta relação, que ele estabelece com os demais, traduz, ou melhor, imita a 
ideologia capitalista que nascia no Brasil na época. É a revelação de que os fortes anulam os 
fracos dentro de um sistema devorador. 
Você imagina qual seja o material que o autor utiliza para exercer a mímesis? 
O autor tem, no momento histórico, a fonte para sua criação. O contexto histórico, com todos 
os seus conflitos, as estratificações sociais e as relações de produção são os materiais que 
possibilitam a imitação do real. 
Devemos ressaltar que a literatura, quando finge o particular, atinge a universalidade. 
A representação do cortiço, feita por Aluísio Azevedo, nos transporta para muitos outros 
cortiços. 
Através das classes minoritárias ali representadas, visualizamos, por exemplo, as favelas 
cariocas ou as comunidades pobre do nordeste brasileiro. 
É, portanto, possível pensar em outras realidades semelhantes. Isto traduz o poder da 
universalização da literatura. 
Você entendeu o que é mímesis? Então, agora, o que é catársis? 
Trata-se de um termo de origem grega que significa purgação. Na linguagem religiosa, era 
sinônimo de expiaçãoou purificação. Em sentido psíquico, está relacionado à purgação das 
paixões ou tensões da alma. Faz parte do fenômeno literário. É a libertação promovida pela 
criação artística. Toda arte opera a catársis, porque opera no homem uma sensação de 
prazer, de plenitude. De alguma forma, através da catársis, ocorre uma transformação do 
leitor. 
Quando lemos ou assistimos a uma tragédia como, por exemplo, Édipo Rei, temos, no final, 
uma sensação de libertação. Há uma calma. A obra promove o escoamento das emoções. 
Leia o fragmento final de O Cortiço: 
A negra imóvel, cercada de escamas de peixe, com uma das mãos espalmadas no chão e com 
a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Os policiais, 
vendo que se não despachava, desembanharam os sabres. Bertoleza, então, erguendo-se com 
ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de 
um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois emborcou para frente, 
rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue. (AZEVEDO, p. 226) 
No final do romance, Bertoleza morre e o cortiço, espaço tão cheio de vida no início da 
narrativa, sofre, gradativamente, um apagamento. Isto gera no leitor um sentimento de vazio. 
Há um abrandamento das emoções. Isto é CATÁRSIS. 
Você acha que a mímesis tem alguma ligação com a cartásis? 
Claro que tem! Mímesis e catarses estão sempre interligadas. Pode-se dizer que a mímesis 
gera a catarses, pois uma boa imitação do real gera um movimento das emoções do leitor, 
promovendo a sua transformação. 
As revelações que o processo mimético estabelece geram múltiplas interpretações do texto. 
Isto acontece porque a linguagem do texto literário é ambígua e vive em permanente estado 
de atualização. Você sabe o que é linguagem? 
A linguagem é uma das formas de apreensão do real. É qualquer sistema de comunicação que 
utiliza signos organizados de maneira particular. Por exemplo, os gestos dos surdos-mudos 
são considerados linguagem, pois, através dos sinais, estabelecem uma comunicação, 
veiculando uma determinada mensagem. Podemos dizer, ainda, que a linguagem é a 
capacidade que o home tem de expressar seus estados mentais por meio da língua, 
representando o mundo interior e exterior. 
A linguagem literária se diferencia das demais por quê? 
Porque graças ao seu caráter conotativo, abre o texto para muitas possibilidades de 
entendimento. 
E que relação existe entre a literatura e a cultura? 
A matéria literária é cultural. Só há literatura onde existe o desenvolvimento de uma cultura. 
Se o texto literário é conotativo, ele revela, no processo de leitura, as diferenças culturais. 
Mas, o que é cultura? 
Trata-se de um complexo de normas, símbolos, mitos e imagens absorvidos pelo homem. Tal 
complexo determina os seus instintos e move as suas emoções. 
Segundo a antropologia, é o conjunto e a integração dos modos de pensar, sentir e fazer de 
uma comunidade, na tentativa de solucionar os problemas vivenciados no seu interior. 
Se temos cultura brasileira, temos, automaticamente, literatura brasileira. Os textos nascem a 
partir de sociedades que possuem determinada cultura. Dessa forma, cultura, língua e 
literatura se vale da língua para revelar elementos culturais de uma sociedade. A conotação 
do texto literário tem a sua pluralidade de acorde com o universo cultural de falantes e 
ouvintes ou escritores e leitores. Afinal de contas, eles estão presos às diferenças 
socioculturais. 
AULA 3 – O ÉPICO E SUAS FORMAS 
A imagem da luta, do povo em guerra, da coletividade e do herói à frente de um povo traduz 
bem o universo épico. 
A grandiosidade da imagem, no filme Tróia, é a grandiosidade épica. Além disso, o filme nos 
mostra como os deuses fazem interferência no destino dos homens. 
Todas as ações são traçadas a partir da aprovação dos deuses. Mas, para falarmos em mundo 
épico, temos que, primeiramente, conhecer os gêneros literários. Você sabe o que é gênero 
literário? 
A palavra gênero deriva do latim genus, -eris. Ela significa tempo de nascimento, origem, 
classe, espécie, geração. Portanto, gênero literário é um agrupamento de obras literárias que 
pertencem a uma classe, espécie, origem ou tempo de nascimento. 
É um conjunto de obras literárias, as quais têm em comum, tempo e origem de nascimento. 
Os principais gêneros literários são: o épico, o dramático e o lírico. 
Mas, o nosso foco, aqui, é o épico. 
Você sabe o que é uma epopeia? 
A epopeia é uma narrativa de caráter heróico, grandioso. Expressa sempre o interesse 
nacional e social. 
Neste universo narrativo, o homem não tem espaço como ser único, ou seja, como portador 
de uma individualidade, pois o texto épico é o espaço de representação da coletividade. Há 
também uma atmosfera maravilhosa. O impossível, o sobrenatural encontra aqui seu espaço 
de aparição. 
Os acontecimentos narrados, na epopeia, são históricos e situados em um passado muito 
distante. 
Há, nas histórias, uma reunião de mitos, heróis e deuses. Elas abrangem uma totalidade de 
acontecimentos. 
A epopeia é um gênero que apresenta valores de uma única classe: a aristocracia. Esta 
aristocracia cede os príncipes que vão comandar a guerra. Esses chefes vão desenvolver atos 
heróicos. Trata-se de um universo fechado. E quem são os comandados? Claro que é o povo, 
ou seja, a gente simples, sem nenhum título nobiliárquico. 
Como São, Então, os Heróis Épicos? 
Os heróis épicos são os membros da aristocracia. Possuem uma linhagem, uma tradição. Além 
disso, aparecem, nas histórias, como grandes e fortes. O que caracteriza a epopeia é a 
motivação coletiva de todos os atos heróicos e da construção da imagem desses heróis. 
Uma outra questão importante é: qual é o objeto e a fonte do épico? 
O objeto da epopéia é o passado heróico. Que passado é esse? Ora, trata-se do mundo das 
origens, dos pais, dos ancestrais, o mundo dos primeiros e dos melhores. É um passado 
absoluto. É a única fonte de tudo que é bom para os tempos futuros. É neste passado 
absoluto que está mergulhada a história nacional. Ali estão posicionados os fundadores 
heróicos, os deuses e os melhores. É um passador muito distante do narrador. 
A fonte da epopéia é a lenda. A memória é a principal força criadora. A epopéia resgata o 
passado, porque é constituída de memória. Não importa a experiência pessoal. O que vale é a 
lenda nacional. Dessa forma, o texto épico está impregnado de mitos e lendas. 
O tempo é um outro elemento que forma a estrutura da epopéia. O mundo épico é totalmente 
isolado da contemporaneidade. A distância épica é absoluta. Há total afastamento entre o 
tempo da ação e o da narração. 
Os aedos narram a partir dos mitos e lendas. Eles não têm como chegar ao objeto, ou seja, 
não têm como chegar ao passado heróico nacional. Não estão inseridos neste passado. Por 
exemplo, entra a guerra de Troia e o século de Homero, existe uma “caixa preta” de séculos 
de mitos e lendas. 
O que essa imagem representa? 
 
 
 
 
 
 
Os aedos e os ouvintes situam-se na mesma época e no mesmo nível de valores, mas o 
mundo representado pelas personagens situa-se em um nível de valores e de tempo 
totalmente diferente e inacessível. Isto é o que se denomina distância épica. 
O Que Devemos Dizer de Nós Enquanto Leitores de Hoje? 
Ora, o nosso tempo de leitura e entendimento está ainda muito mais distante. 
Se a epopeia é uma narrativa, ela possui um narrador. Que narrador é este? De onde ele 
narra? 
Todo discurso é produzido em um determinado espaço que visa à recepção. Por isso, é 
fundamental percebermos de onde narra. 
O Que Isto Significa? 
O narrador épico não interfere no mundonarrado. Isto é impossível! Além disso, o 
fundamental é que ele narra de dentro do espaço da tradição. No mundo épico, o ponto de 
vista é único. É o ponto de vista da tradição. Os valores narrados também são únicos: são os 
valores da tradição. Dessa forma, a identidade entre narrador e universo narrado é absoluta. 
Não há questionamentos. O narrador épico é identificável com todos os valores representados. 
Identificável com o que narra. Ele não tem ponto de vista próprio, pois já o recebe da 
tradição. 
Nesse processo de construção do texto, o discurso é produzido por um descendente da 
tradição, da aristocracia e é passado para outros descendentes também da aristocracia. Você 
imagina qual a finalidade disto? 
Ora, o objetivo é perpetuar, na memória os valores da tradição, ou seja, aqueles valores que 
atravessam gerações. O passado deve ficar vivo na memória. 
No épico, a objetividade exterior é absoluta. Ninguém inventou os temas das epopeias. Tudo 
está, ao longo de séculos, registrado no mundo dos mitos e das lendas. Há uma objetividade. 
Tudo existe independente de qualquer coisa. Para o épico, a verdade é indiscutível. 
O passado absoluto representado é perfeito, fechado, está, integralmente, pronto e concluído. 
Tanto como evento real ou como um universo de valores, não pode ser modificado, 
reinterpretado ou reavaliado. É um mundo do qual não se pode aproximar. Ele está fora da 
área da atividade humana propensa às mudanças e às reavaliações. Tudo é indiscutível e 
imutável. Diante disto, cabe ao leitor apenas a atitude de aceitá-lo e reverenciá-lo. 
Toda epopeia é dividida em cinco partes: proposição, invocação, dedicatória, narração e 
desfecho. 
Na literatura brasileira, podemos citar, como exemplo de epopeia, O Uraguai de Basílio da 
Gama. Este texto é uma narrativa em versos. Por isso, foi considerado poemeto épico. Quais 
são as características épicas presentes nele? 
Proposição: o passado histórico é resgatado. Está presente a imagem da luta e da 
coletividade. São espanhóis e portugueses lutando contra índios e jesuítas na região dos Sete 
Povos no Uruguai. Há uma motivação coletiva para a guerra. Vale ressaltar que Basílio não 
presenciou este acontecimento. Tudo se sabe através da história. Há distância entre tempo de 
ação e tempo de narração. É o que se propõe a contar. O primeiro canto define o motivo da 
guerra e apresenta os heróis. 
Dedicatória: o poema é antecedido por um soneto. O que consta nesse soneto? É, claramente, 
uma dedicação ao Marquês de Pombal. 
Invocação: existe a presença da invocação. O narrador pede proteção para aquilo que vai 
contar em versos: 
“Musa/ Protegei os meus versos” ou “Ninfas do mar, que vistes, se é que vistes,/ O rosto 
esmorecido, e os frios braços, / Sobre os olhos soltai as verdes tranças.” O texto apresenta a 
grandiosidade épica. Isto é visto em expressões como: “pavilhão purpúreo”, “ rica mesa” ou “ 
taça de ouro”. 
O sobrenatural também faz-se presente através da Tanajura. Com poderes de visão, desvenda 
o futuro para Lindóia. A aparição do índio morto para Cacambo é uma outra situação que 
marca a presença do sobrenatural. 
O texto apresenta a plasticidade e claridade que são características épicas. O que é 
plasticidade? O que é claridade? 
A linguagem épica é plástica porque não sugere, mas esclarece. Tudo é apresentado como um 
acontecimento vivo. 
A claridade refere-se ao olhar da narrativa dirigido para o mundo exterior. É o triunfo da luz 
em toda a sua dimensão. Opõe-se ao escuro, à morte, à obscuridade. 
Encontramos no poema passagens como: “E a perjura cidade envolta em fumo/ Encosta-se no 
chão, e pouco a pouco/ Desmaiar sobre as cinzas.” Ou “O incêndio furioso, e o irado vento/ 
Arrebata às mãos cheias vivas chamas.” 
Você percebe o apelo visual desses fragmentos? Há uma indução ao leitor para visualizar com 
nitidez a cena. O acontecimento aparece vivo diante do olhar atento do leitor. Isto é 
plasticidade. 
AULA 4 – UNIVERSO ROMANESCO 
O filme Náufrago nos dá a deixa para entendermos o romance. 
Sabemos que o personagem principal, vivido por Tom Hanks, está sozinho e perdido numa 
ilha. 
Mergulhado em sua solidão, ele tem a necessidade vital de falar. 
Como não há ninguém, ele cria com a bola Wilson uma relação de amizade, de 
companheirismo. 
O que significa esta bola? Que leitura podemos fazer desta situação vivida pelo personagem? 
Ora, a bola é o reflexo dele mesmo. É como se ele estivesse conversando consigo mesmo. 
Dessa forma, vem à tona toda a sua individualidade. Num estado de solidão e conversando 
com o seu próprio eu, o personagem deixa aflorar todos os seus medos, todos os seus 
questionamentos, enfim, tudo o que o move, ali, enquanto indivíduo. 
E o que isto tem a ver com o romance? 
O romance é o espaço literário para expor as individualidades, as subjetividades. 
É o espaço onde se entrecruzam protótipos da vida real com toda a sua subjetividade. Trata-
se de um tipo de discurso que revela o indivíduo nos mais variados aspectos. 
Podemos dizer que o discurso que vira o homem do avesso para revelar tudo aquilo que ele 
tem de mais recôndito. Neste contexto, até o silêncio fala, ou seja, até o silêncio deve ser 
entendido pelo leitor. 
Identificamos, então, a primeira diferença entre romance e epopéia. Você lembra da última 
aula? 
Nós vimos que a epopéia é o espaço de representação da coletividade. Portanto, 
completamente diferente do romance. 
A panorâmica do romance é outra. 
Os valores são totalmente distintos dos valores épicos. Enquanto a epopéia apresenta uma 
aristocracia, o romance revela os diversos segmentos sociais. 
Em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, por exemplo, temos a representação das classes 
minoritárias e de alguns, como João Romão e Miranda, com maior poder econômico. 
A grande diferença entre epopéia e romance é a questão do tempo. A epopéia está presa ao 
passado. Ela vive de memória. O seu objeto de representação é o passado e a sua fonte está 
nos mitos e lendas. 
Pois bem, qual é o objeto e a fonte do romance? 
O objeto do romance é o momento presente. A sua fonte, o dínamo propulsor da criação, são 
os fatos atuais. O romance não trabalha com memória, mas com registros atuais. Ele discute a 
contemporaneidade. 
Por exemplo, Jorge Amado, em seus romances, fala daquilo que vê e que conhece no seu 
tempo de criação. Ele fala dos tipos que circulam pelas ruas de Salvador ou daqueles que 
compõem o universo do cacau. 
Machado de Assis, também, é um outro exemplo claro dessa questão. As personagens de seus 
romances representam homens e mulheres de seu tempo. É a sociedade que ele conhece. 
Todo discurso é produzido num determinado espaço com todas as suas facetas ideológicas. 
Portanto, é impossível ler um romance sem pensar que, nas suas entrelinhas, existe um viés 
ideológico. 
Em Machado, por exemplo, o espaço representado é o Rio de Janeiro do século XIX. Espaço 
este totalmente marcado pela ideologia da corte. 
Fica claro, então, que o tempo no romance é o presente. Ele fala daqueles e daquilo que está 
próximo. Seria impossível, no espaço romanesco, haver um deslocamento para o passado 
absoluto ou trazê-lo para a nossa realidade. 
Nesse contexto, o narrador exerce um papel fundamental, pois ele é aquele que fala de seu 
momento presente, para aqueles que são seus iguais, no patamar do tempo, e de acordo com 
o ponto de vista de sua época. Ele é o homem de sua época, ou seja, pensa como a sua 
época. 
Enquanto a epopéia é um universo fechado, acabado, o romance é um gênero aberto e 
imortal. Ele vive em constante estado de renovação. 
Uma outra questão importante é que a prosa romanesca quebra o verticalismo do mundo 
épico. Se o artista éum homem de sua época, como foi dito, tudo é colocado na 
horizontalidade. Não há, por exemplo, a imagem de um herói acima do bem e do mal. Muito 
pelo contrário! O homem aparece com todas as suas fragilidades. Ele não é estático. Por isso, 
a personagem está sempre em movimento, isto é, sempre em transformação. 
Por exemplo, no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, o narrador personagem 
Bentinho é um, quando jovem, e outro, quando velho. Além disso, os conflitos vividos pelas 
personagens fazem parte da existência humana. 
Ressaltamos, também, que, no desenrolar dos fatos, cada personagem expõe sua visão de 
mundo. Quando fala e age, revela a ideologia da classe da qual faz parte. 
Sendo assim, Brás Cubas, narrador personagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 
Machado de Assis, tem sua visão de mundo, assim como João Romão, personagem de O 
Cortiço, também tem a sua. 
O Elemento Essencial 
O elemento essencial da trama romanesca é a aventura. A aventura é a busca, isto é, aquilo 
que move o indivíduo. É a busca por novidade. 
Por fim, vamos ver quais são os elementos básicos que compõem o romance? 
Toda narrativa, em sua estrutura, tem os seguintes elementos: 
Enredo: É a mesma coisa que trama ou intriga. É a sequência de fatos ou a forma como os 
acontecimentos estão organizados; 
Personagens: São os agentes da narrativa. Eles movimentam a trama, dando sentido às 
ações. Podem ser, quanto ao papel que desempenham no enredo, protagonistas, antagonistas 
ou personagens secundários; 
Tempo: Sabemos que toda narrativa apresenta fatos que acontecem dentro de um fluxo de 
tempo. Palavras ou frases organizam o discurso que podem apresentar tais fatos de forma 
cronológica ou não. Daí, termos tempo cronológico ou psicológico; 
Espaço: É um conjunto de elementos que caracterizam tanto o exterior quanto interior. As 
ações das personagens podem acontecer tanto no espaço físico quanto no psicológico; 
Ponto de vista: Também é chamado de foco narrativo. Trata-se da posição ocupada pelo 
narrador. Se narra em primeira pessoa, participando dos fatos narrados, é chamado de 
narrador-personagem. Se narra em terceira pessoa e está fora dos fatos narrados, é chamado 
de narrador-observador. Neste caso, ele tudo sabe, tudo vê e está em todos os lugares. Pode-
se dizer que é onisciente e onipresente. 
AULA 5 – OUTRAS FORMAS DE NARRAR: O CONTO 
Na última aula, falamos sobre o romance. Mas existem outras formas de narrar, ou seja, de 
contar os fatos como, por exemplo, o conto. 
O Que é o Conto? 
Para conhecer mais, veja abaixo a definição de conto. 
Muita gente define o conto como sendo uma narrativa pequena. Mas, a definição precisa não 
é esta. 
A chave para se entender o conto, enquanto gênero, está na concentração de sua trama. Não 
é possível falar de vários assuntos ou apresentar várias situações dentro de um conto. Ele 
trata, geralmente, de uma situação, a qual se desenrola sem pausas e sem recuos. 
Uma questão importante é: Qual o objetivo do conto? 
O seu foco é levar o leitor ao desfecho, que é, também, o clímax da história. É o momento 
com o máximo de tensão. Neste momento final, quase não há descrições. 
No conto, deve existir um cuidado na seleção de tudo aquilo que será apresentado ao leitor. 
Tudo deve ser muito simples, sem grandes complicações psicológicas e sem grandes 
peripécias. 
Você Sabe Como Surgiu o Conto? 
O conto surgiu com as narrativas religiosas. Você já ouviu falar da parábola do filho pródigo, 
da mulher que tinha um fluxo de sangue, da ressurreição de Lázaro ou do conflito entre Caim 
e Abel? Todas são pequenas histórias bíblicas que fazem parte do nascimento do conto. 
Depois de anos, muitas narrativas religiosas foram, aos poucos, perdendo suas características, 
pois o folclore inseriu, em tais narrativas, dragões, seres fantásticos, fadas. Dessa forma, os 
contos de fadas e as fábulas vão absorver os elementos do folclore. 
A palavra conto deriva do verbo contar, que tem sua origem em computare, isto é, enumerar 
objetos ou enumerar acontecimentos. Na Idade Média, contar era a mesma coisa que 
enumerar fatos ou relatar algo, construindo, assim, narrativas. Só no século XVI, ganha, 
especificamente, um sentido literário, caracterizando-se como gênero. 
Quem já não ouviu falar de As mil e uma noites, Aladim e a lâmpada maravilhosa, Simbad: o 
marujo ou Ali-Babá e os quarenta ladrões? Pois é, são exemplos típicos de contos que 
surgiram na Pérsia, na Arábia e povoam, até hoje, o acervo cultural do mundo todo. 
O século XIX foi a época de maior esplendor do conto. 
É o tempo em que ele se torna nobre e passa a dividir espaço, no universo literário, com o 
romance. Surge, então, autores contistas como: Balzac, Flaubert e Machado de Assis. 
Qual a Unidade do Conto? 
Como já dissemos, o conto não fala de várias situações. Ele gravita em volta de um só 
conflito. Isto lhe garante unidade de ação. E, de onde surge o conflito? Ora, surge do embate 
entre as personagens. Tudo pode detonar o conflito, ou seja, pode surgir da dor, de um 
sofrimento qualquer, da angústia, da inquietude, da consciência da morte ou mesmo da noção 
da fragilidade da existência humana. 
Tudo que movimenta o conto converge para um único núcleo. O drama é só um, por isso não 
há grandes questionamentos a respeito de nada. 
Exemplo 1: Em Missa do Galo, de Machado de Assis, o conflito se estabelece pela atração 
entre a mulher de 30 anos e um rapaz de 17 anos. O diálogo sensual que os dois travam, 
antes da missa do galo, é uma situação única e importante na vida do narrador-protagonista. 
Tanto é assim que ele lembra de tudo que aconteceu em algumas horas daquela noite. 
O passado e o futuro não interessam no conto. O que conta é o momento presente. Por isso, 
a personagem esgota, em apenas algumas horas, todas as suas potencialidades. 
Qual é o espaço do conto? Esta é uma outra pergunta importante. 
Como pode ser visto, em Missa do galo, tudo se passa na sala. Em todo conto, há, sempre, 
uma limitação de espaço. As personagens não têm muito por onde circular. Pode ser uma rua, 
uma casa, um quarto ou uma sala. Qualquer um desses lugares serve para a organização e 
um enredo. 
À unidade de ação corresponde a unidade de espaço. O que isto significa? Ora, apenas um 
ambiente se configura como palco do conflito. Ali está concentrada a dramaticidade. Em Missa 
do galo, tudo se passa na sala da frente de uma casa mal assombrada da rua do Senado. Ali o 
drama começa e termina. 
E, o tempo? Como funciona o tempo no conto? 
Tudo, neste tipo de narrativa, se passa em um tempo curtíssimo. São, apenas, algumas horas 
ou dias. 
Há, também, o estabelecimento de um foco: o leitor. Ele tem que ser impactado pela história 
que vai ler. Para ser interessante, o conto tem que ter um tom que desperte no leitor uma 
única impressão, a qual pode ser: pavor, piedade, ódio, simpatia, ternura ou indiferença. 
O conto sempre opera com ação. Não opera com caracteres. Isto, para despertar essa 
impressão única no leitor. 
Qual o Significado Desta Única Impressão? 
Significa fazer com que os conflitos apresentados funcionem como espelho para o leitor. Cria-
se um movimento de identificação. Por isso, o contista se esforça para criar um drama que 
desperte, de forma quase imediata, um sentimento forte no leitor. Esta unidade de tom é 
evidenciada pela tensão interna da trama narrativa. Sendo assim, nada pode, no texto, ser 
modificado, isto é, nenhuma palavra pode ser tirada ou acrescentada. 
Qualquer conto é construído a partir de uma só ideia, de uma só concepção da vida. 
Em Missa do galo, qual a impressão deixada no leitor? O que fica após a leitura? Fica a 
impressão de que qualquer pessoa pode passar, navida, por algum tipo de situação 
subentendida. Tais situações podem ser de qualquer ordem e só anos depois, muitas vezes, 
são avaliadas como decisivas para o destino de alguém. 
Como São as Personagens do Conto? 
Enquanto, no romance, temos um bloco considerável de personagens, no conto são poucas. 
Há sempre um par dialético, isto é, há sempre um diálogo que dá a direção da história. 
Mesmo quando a personagem está sozinha, ela fala. O seu diálogo, neste caso, é com o seu 
próprio eu. Este eu é que vai ser o seu oponente dramático. 
O diálogo e as ações das personagens conduzem para um epílogo enigmático. Não 
imaginamos, ao iniciar a leitura, como vai ser o final em contos como Missa do galo, A 
cartomante ou O enfermeiro. 
Lembre-se! 
A personagem do conto não cresce como no romance. Não passa por nenhuma 
transformação. 
Ela é estática, ou seja, não muda. Isto acontece porque é surpreendida num único instante de 
sua existência. Ela é imobilizada no tempo, no espaço e em sua personalidade. Apenas uma 
faceta do seu caráter aparece. Por isso, muitas vezes, nem sequer lembramos o nome de uma 
personagem. 
O mesmo não acontece no romance. 
Como é a Linguagem do Conto? 
Se a compreensão de um conto deve ser imediata, o leitor não pode se deparar com muitas 
metáforas. A linguagem, portanto, deve ser objetiva. Não há espaço para segundas intenções 
nas palavras. Não há espaço para obscuridades. As coisas são da forma como são ditas. As 
palavras, que movem os diálogos, constroem ou destroem alguma coisa. Os conflitos estão na 
fala. Estão em tudo aquilo que é dito ou pensado. 
Daí, a grande importância do diálogo. A discórdia, os mal-entendidos ou os 
subentendidos estão no diálogo. É a base expressiva do conto. 
Por fim, temos que pensar na estrutura do conto? Como se dá o desenrolar da 
trama? 
Ora, a trama é linear e objetiva. O tempo predominante é o cronológico. Segue a marcação 
regular do tempo. O leitor vê os fatos acontecerem com a mesma sequência, com a mesma 
continuidade da vida real. 
O andamento é a ordem lógica da vida. Ele caminha sempre para frente e, a qualquer 
momento, pode desencadear um conflito. Além disso, o leitor só conhece os acontecimentos 
que antecedem ao fim, ou seja, que estão um pouco antes do clímax dramático, pois o conto, 
quando começa, já está perto do fim. 
AULA 6 – OUTRAS FORMAS DE NARRAR: A CRÔNICA 
Vamos começar hoje lendo o texto A velha contrabandista, de Stanislaw Ponte Preta. 
A Velha Contrabandista 
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira 
montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo 
malandro velho - começou a desconfiar da velhinha. 
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela 
parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela: 
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que 
diabo a senhora leva nesse saco? 
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela adquirira no 
odontólogo, e respondeu: 
- É areia! 
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da 
lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha 
areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e 
foi embora, com o saco de areia atrás. 
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro 
com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta 
com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco 
e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido 
o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia. 
Diz que foi aí que o fiscal se chateou: 
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de 
contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista. 
- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal 
propôs: 
- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto 
nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está 
passando por aqui todos os dias? 
- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha. 
- Juro - respondeu o fiscal. 
- É lambreta. 
Vamos, a partir da leitura responder a algumas perguntinhas? 
Pois bem, para que servia a areia do saco? O que significou o sorriso do fiscal? A história é 
contada em que pessoa? Qual informação o autor do texto pretende passar? 
Bom, a areia no saco servia apenas para enganar o fiscal da alfândega. O fiscal sorriu não 
porque estava achando tudo aquilo engraçado, mas porque tinha compreensão das intenções 
da velhinha. Ele sabia que tinha algo errado e, construindo esta situação, o autor mostra de 
uma forma engraçada a desonestidade das pessoas. 
O primeiro aspecto que percebemos é o bom humor do texto. É ou não é engraçada essa 
velhinha? 
Portanto, trata-se de uma história curta que mostra com bom humor a questão da corrupção, 
do contrabando no Brasil. Mas, para mostrar isto, o autor não utilizou grandes recursos de 
linguagem nem criou situações complexas. O texto é leve, fácil de ser compreendido pelo 
leitor. Fica claro que um pequeno episódio do cotidiano da alfândega dá origem a um texto. 
Claro que não exatamente como ele é, mas recheado de alguns detalhes que nos possibilita 
classificá-lo como literário. O texto é imaginado, é criado a partir de um fato que faz parte do 
movimento da alfândega. Isto é o que chamamos, dentro da criação literária, de crônica. 
Você Sabe Qual a Origem da Crônica? 
A palavra crônica deriva do grego Chrônos, que significa tempo. Sendo assim, entendemos 
crônica como um conjunto de acontecimentos, de fatos, que são relacionados seguindo a 
ordem cronológica. 
Trata-se apenas de um registro de fatos sem grandes interpretações, sem grandes 
aprofundamentos. 
A crônica, muitas vezes, utiliza o jornal como veículo de divulgação. 
A crônica, muitas vezes, utiliza o jornal como veículo de divulgação. Porém, seu perfil não é 
exclusivamente jornalístico. O cronista capta o cotidiano, mas o reveste de fantasia, de 
imaginação, como acabamos de ver em A velha contrabandista. 
Não estamos falando da representação do real como ele é, mas daquele real que o cronista vê 
através de um olhar singular. É um processo de recriação. 
Claro que, em toda crônica, há um toque jornalístico. No entanto, esse toque se mistura ao 
literário. Sendo assim, podemos, através dessas características da ficção, considerar a crônica 
como texto literário. 
Como vimos, ela é sempre algo leve, breve e de fácil digestão. Afinal de contas, deve ser 
dirigida a qualquer tipo de leitor, pois apresenta ingredientes que tornam a leitura 
interessante. Há elementos como novidade, surpresa e assuntos variados do dia a dia das 
pessoas. 
Você imagina, então, quais sejam as características da crônica? 
A primeira característica é a brevidade. 
Por ser um tipo de texto destinado ao jornal ou à revista, deve ser curto, ocupando uma 
coluna de jornal ou uma página de revista. 
Outra questão importante: quem fala na crônica? 
Embora a crônica A velha contrabandista seja uma narrativa em terceira pessoa, muitas 
crônicas possuem um narrador em primeira pessoa. Quando isso acontece, temos, com maior 
ênfase, uma visão pessoal dos acontecimentos. Há uma forte carga de subjetividade. O que é 
levado em consideraçãoé a visão que o cronista tem dos fatos, os quais ele classifica como 
importantes para si e para o leitor. Sendo assim, onde está a verdade dos fatos? Ora, não 
sabemos ao certo, pois a veracidade é emotiva. 
Devido à subjetividade, há um diálogo natural com o leitor. Tudo acontece como se o cronista 
estivesse conversando com o leitor. No entanto, existe um detalhe: o interlocutor é mudo. O 
leitor não pode expor suas considerações diante daquilo que está sendo contado. Concluímos, 
então, que ele fala consigo, mergulhado em suas reflexões. 
Vamos ler a crônica O padeiro, de Rubem Braga, para essa questão ficar mais clara? 
O padeiro 
Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta 
do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter 
lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem 
uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham 
que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem 
o que do governo. 
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo café 
vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o 
pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os 
moradores, avisava gritando: 
- Não é ninguém, é o padeiro! 
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo? 
"Então você não é ninguém?" 
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe 
acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra 
pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a 
pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim 
ficara sabendo que não era ninguém... 
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo 
para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele 
tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que 
deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas 
vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho 
da máquina, como o pão saído do forno. 
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no 
jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia 
uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de 
cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos 
útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!" 
E assobiava pelas escadas. 
Rio, maio, 1956. 
O narrador do texto começa a nos contar um fato que pareceu a ele digno de reflexão, ou 
melhor, digno de ser contado. Devemos observar que ele se encontra em uma situação 
completamente trivial: 
“Levanto cedo, faço minhas ablusões, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta 
do apartamento – mas não encontro o pão costumeiro.” 
Uma das características essenciais da crônica é esta: a trivialidade. Atos como acordar, fazer o 
café e procurar o pão ganham uma relevância a ponto de se transformarem em objetos de 
criação literária. 
Escrito em primeira pessoa, o texto questiona, sob um determinado olhar, a importância do 
padeiro como ser humano. Como ele pode falar que não é ninguém? 
Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha , mas, para não 
incomodar os moradores, avisava gritando: 
- Não é ninguém, é o padeiro! 
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo? 
“Então você não é ninguém?” 
Como se vê, são reflexões do narrador. Reflexões que o levam à comparação com seu próprio 
trabalho: “Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno.” Como 
jornalista, dividia com o padeiro o mesmo horário de trabalho. Apesar de se achar importante 
pelo desempenho de sua função, constatou que não é superior, em nada, ao padeiro. 
Em suas reflexões, o cronista expressa, também, um sentimento de saudade. Ele recorda o 
tempo de rapaz, imprimindo ao texto as marcas de sua subjetividade. 
“Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo!”. 
Através da leitura de O padeiro, você percebeu que as personagens não têm nomes? O 
mesmo acontece em A velha contrabandista. Sabemos que existe uma velha, um fiscal, um 
padeiro, mas não sabemos o nome de nenhum deles. Nem do narrador sabemos o nome. Isto 
também é uma característica da crônica. Ela tem por objetivo registrar os fatos de forma 
breve. 
O seu foco está nos acontecimentos rotineiros. Por isso, os nomes das personagens não têm 
nenhuma importância. Além disso, elas se apresentam em número reduzido e sem qualquer 
carga de profundidade psicológica. 
E o que podemos dizer da linguagem da crônica? 
Percebemos, nas crônicas, uma linguagem direta, espontânea, jornalística e, por isto tudo, 
fácil de ser compreendida, mas com alguns aspectos literários. 
Não há espaço para devaneios. O cronista tem que se manter preso aos fatos. Mesmo quando 
a subjetividade aflora, ou seja, torna-se mais perceptível pelo leitor, o cronista não pode 
perder de vista o fato real. 
Trata-se, então de uma linguagem que flutua entre a referencialidade do jornal e a 
plurissignificação das palavras da literatura. Joga, portanto, com os dois lados da moeda. 
O cronista capta uma situação qualquer e dá a ela, através da linguagem, uma outra 
dimensão. Ao dar a uma situação banal um estilo ágil e, muitas vezes poético, a crônica 
conquista o leitor. 
Como podemos comparar a crônica a outros tipos de texto? 
A crônica se aproxima do ensaio por trabalhar com a subjetividade. Há um movimento do eu. 
Entretanto, são diferentes, pois o ensaio tem sempre uma intenção e a crônica repele a 
intencionalidade. 
A crônica aproxima-se da poesia, pois ambas estão focadas no eu. Na crônica, assim como na 
poesia, o eu é o assunto e o narrador ao mesmo tempo. 
A crônica aproxima-se do conto, porque existe nela a preocupação com os fatos narrados, a 
preocupação com as situações que provocaram a atenção do escritor, dando origem ao texto. 
AULA 7 – O DRAMÁTICO E SUAS FORMAS 
O filme Auto da Compadecida é baseado na obra teatral de mesmo nome escrita por Ariano 
Suassuna. É a história de um nordestino simples, João Grilo, e seu amigo, Chicó. 
Através de muitas mentiras, eles causam confusão na vida dos moradores de Taperoá, 
ganham simpatia do leitor e geram, por suas ações, muitas cenas risíveis. 
Pois bem, o que isso tem a ver com o dramático? 
Ora, a obra teatral é a representação do dramático. 
E o Que é o Dramático? 
A palavra drama significa, etimologicamente, ação. 
Por isso, em obras dramáticas, a história e as emoções não são imitadas através do discurso 
do narrador, mas são expressas através de personagens em ação. 
A ação dramática encontra sua realização num espaço restrito e num tempo restrito. 
O espaço, geralmente, é um palco. 
O tempo é aquele necessário para representar uma história, estabelecendo uma comunicação 
entre obra e público. Trata-se de um tempo que passa num ritmo próprio, um ritmo que tem 
por objetivo o desfecho da história. Esse ritmo é desencadeado a partir do momento em que o 
espectador tem sua atenção voltada para a tensão. 
E o que é tensão? A tensão é a essência do dramático. Ela é movida por duas características 
principais: pathos e problema. 
Daí, temos mais duas perguntinhas: o que é o pathos? O que é o problema? 
O pathos é o sentimento exacerbado.É a paixão. Para expressá-lo, o autor dramático cria um 
tipo de linguagem comovente e arrebatada. Esta linguagem traduz a resistência da 
personagem diante dos embates gerados pelo mundo que a cerca. A fala patética é impetuosa 
e pressupõe um outro que a ouça e com ela se comova. É uma comoção espontânea. 
Em Édipo rei, de Sófocles, há esta impetuosidade nas falas: ”Ó meus filhos, gente nova desta 
velha cidade de Cadmo, por que vos prosternais assim, junto a estes altares, tendo nas mãos 
os ramos dos suplicantes? Sente-se, por toda a cidade, o incenso dos sacrifícios; ouvem-se 
gemidos e cânticos fúnebres. Não quis que outros me informassem da causa de vosso 
desgosto; eu próprio aqui venho, eu, o rei Édipo, a quem todos vós conheceis.” ( SÓFOCLES, 
p. 77. ) 
Existem dois tipos de pathos: o pathos da dor e o pathos do prazer. A dor é a expressão do 
sofrimento e o prazer é a tradução do contentamento, da alegria. 
Esse sentimento grandioso, seja de dor ou de prazer, está sempre direcionado a algo em que 
se crê ou a algo em que se deposita esperança. É uma força que caminha, gradativamente, 
para um clímax, ou seja, para um ponto de maior tensão. Neste ponto, os objetivos são 
atingidos. 
O problema é o ponto final que deve ser atingido. 
É algo previamente proposto e que deve ser solucionado. 
Quanto mais problemático for o desenrolar da história, maior será a ligação entre as partes, 
ou seja, maior será a dependência entre início, meio e fim. 
Nesta sequência, o início é a proposição da história e o fim é o objetivo dramático. A ação não 
deve ser retardada, pois, caso contrário, seria desviada da proposição inicial. 
Tanto o pathos quanto o problema movem o herói em busca de uma decisão. Há a expressão 
de um querer algo ou de um questionar algo. A partir daí, o público se identifica ou se 
simpatiza com o herói. 
Dentro do dramático, nós temos: a tragédia e a comédia. 
O Que é a Tragédia? Como Surgiu? 
A palavra tragédia deriva do grego tragos, que significa bode, e oide, que significa canto. A 
partir de um entendimento mítico, acredita-se que tenha nascido de cultos religiosos 
praticados em honra ao deus Dionísio nos quais as pessoas apareciam travestidas com pele de 
bode e, usando máscaras, cantavam hinos à divindade que presidia a colheita da uva. 
Apresenta um choque entre o herói e seu destino. 
O Que Caracteriza o Trágico? 
A tragédia baseia-se nas catástrofes causadas pelo desequilíbrio humano. O mundo 
apresenta-se dividido ou tensionado entre duas ordens opostas e inconciliáveis. Existe a 
presença da mímesis1. 
1 Trata-se da imitação de uma ação importante, completa, de curta extensão e exposta em 
estilo elevado. 
Tudo isto surge diante de um espectador através de personagens em ação. Tais ações 
despertam piedade e terror. E qual é o efeito dessas ações? Ora, aliviar ou expurgar as 
tensões daqueles que as presenciam. É o efeito catártico. Isto fica claro em uma fala do coro 
em Édipo Rei, de Sófocles: 
“Ó geração de mortais, como vossa existência nada vale a meus olhos! Qual a criatura 
humana que já conheceu a felicidade que não seja a de parecer feliz e que não tenha recaído 
após, no infortúnio, finda aquela doce ilusão? Em face do teu destino tão cruel, ó desditoso 
Édipo, posso afirmar que não há felicidade para os mortais!”( SÓFOCLES, p.132 ) 
Outra pergunta importante é: quem é o homem trágico? 
É aquele que crê em suas ideias e vive de acordo com elas, mas se vê, inesperadamente, 
diante do destino inevitável. Trata-se de um destino que contraria as suas verdades. De 
repente, tudo não é bem como ele acreditava ser. 
Por exemplo, Édipo, inesperadamente, vê-se como filho de Jocasta: 
“Eu não teria sido o matador de meu pai nem o esposo daquela que me deu a vida! Mas... os 
deuses me abandonaram: fui um filho maldito, e fecundei no seio que me concebeu! Se há 
um mal pior que a desgraça, coube esse mal ao infeliz Édipo!” (SOFÓCLES, p. 137) 
O destino impõe ao herói trágico as suas normas, as suas vontades, as quais são compatíveis 
com a sua visão de mundo, com aquilo que ele idealiza. O destino mostra que é tudo ao 
contrário daquilo que se pensa ou espera. Há um choque entre o caráter do herói e o seu 
destino. Há uma oscilação entre dois polos. Há uma impossibilidade de opção. 
O herói trágico não tem escolha. Ele está condenado a seguir o seu destino. A personagem 
está numa situação errada ou em atos errados, mas não tem consciência disto. 
Inconscientemente, é movida por uma força que a leva a viver no erro. De onde surge esta 
força? Ora, os deuses determinam. O destino já está traçado, não existe a menor possibilidade 
de mudá-lo. 
A ação trágica segue uma sequência: 
 Nó: vai do início até a mudança da sorte. 
 Reconhecimento: é o conhecimento do erro cometido pelo herói. 
 Peripécia: é a mudança da ação. 
 Clímax: é o ponto máximo do conflito. 
A partir daí, abre-se o caminho para o acontecimento catastrófico. Como se vê, há uma 
unidade de ação, isto é, há princípio, meio e fim. 
E a Comédia? O Que É? Como Surgiu? 
Para Aristóteles, é a imitação de pessoas de qualidade moral ou psíquica inferior. É a 
exposição de vícios que caem no domínio do risível. Submetido ao riso, o homem percebe 
seus limites. O ridículo dispersa a tensão dramática. Supõe-se que a comédia tenha nascido 
dos festejos fálicos no culto à procriação. 
Qual é a Diferença Entre Tensão Trágica e Tensão Cômica? 
A tensão trágica caminha para o clímax. A interdependência das partes, na tragédia, é 
responsável pela tensão. Já a tensão cômica é permanentemente desfeita pelo riso. Surgem 
várias tensões que são dispersadas ou abolidas pelo ridículo ou pelo riso. 
Em o Auto da compadecida, tudo está condicionado ao riso. 
Os representantes da igreja, ou seja, o padre, o bispo e o sacristão são desprovidos de 
seriedade. Ao cometerem atos ilícitos do ponto de vista cristão, como benzer cachorro e 
enterrá-lo em latim, traz a seriedade religiosa para o plano do riso. 
Uma outra situação risível é a criação de um tribunal às avessas onde entre santos e 
pecadores existe um diálogo recheado de liberdade, de intimidade. É dessa forma que a 
Compadecida é invocada para ajudar aqueles que estão na condição de réus. 
AULA 8 – O LÍRICO E SUAS FORMAS 
A música traduzir-se fala sobre a dificuldade que o EU tem de se equilibrar entre os dois lados 
que o compõe, isto é, o lado racional e o passional. 
Traduzir-se 
Ferreira Gullar do disco "Traduzir-se" 
 
Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém, fundo sem fundo 
 
Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão 
 
Uma parte de mim pesa, pondera Outra parte delira 
 
Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta 
 
Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente 
 
Uma parte de mim é só vertigem Outra parte linguagem 
 
Traduzir uma parte na outra parte Que é uma questão de vida e morte Será arte? 
 
Nesse processo contraditório, o EU exterioriza o seu conflito, o seu interior dividido e difícil de 
ser compreendido: “Uma parte de mim/ é multidão;/outra parte estranheza/ e solidão.” 
É deixando vir à tona o lado racional que o EU diz: “Uma parte de mim/ pesa, pondera:”mas a 
racionalidade, em muitos momentos, dá espaço a emoção, a paixão dentro de cada ser 
humano. Por isso, o EU diz que “outra parte/delira.” 
A grande dificuldade é, para o ser humano, fazer uma leitura de si mesmo. A grande 
dificuldade é cada um tentar se entender para harmonizar o que tem de racional e passional. 
É o “Traduzir-se uma parte/ na outra parte”. Trata-se de algo que vai além da questão de vida 
ou morte. É a arte do equilíbrio existencial: “Será arte?” 
Esta música é o exemplode que o lírico é o espaço onde o EU representa o mundo ao redor a 
partir de sua subjetividade. 
O sujeito, na literatura, surge com o lírico. É, no lírico, que esse sujeito deixa aflorar os seus 
sentimentos mais recônditos. 
Mas, Você Sabe o Que é o Lírico? 
A palavra lírica deriva do grego lyrikós que significa algo referente à lira ou som da lira. 
Este é um instrumento primitivo de quatro cordas que, por sua musicalidade, tem vínculo com 
o surgimento da poesia lírica, pois o texto lírico tem, na sua estrutura, musicalidade. 
Ainda, quanto à origem, a poesia lírica tem seu pés fincados em hinos religiosos e na tradição 
popular. 
Dentro desse mergulho, no túnel do tempo, encontramos, na Antiguidade, os momentos 
comuns da vida vinculados à poesia cantada. Assim, cantigas de ninar, lamentos de morte, 
cantos de pastores, hinos de vitória e adoração, cantigas de amor, manifestações coletivas ou 
isoladas de alegria ou tristeza tinham um viés poético. 
A lírica está ligada à livre imaginação onde a emoção supera o pensamento. 
Na Antiguidade, também falava-se numa lírica pessoal e outra impessoal. Você faz ideia do 
que isto significa? 
A lírica pessoal é aquela em que o poeta fala de si, dos seus sentimentos e de suas ideias. A 
expressão máxima de sua subjetividade está direcionada para ele mesmo. 
Na lírica impessoal, o poeta assume a voz da coletividade. O poeta expressa os sentimentos 
da coletividade. Ele fala em nome de todos, mas, claro, segundo o seu olhar. Os sentimentos 
dele estão ali irmanados. Ele jamais se isenta de alguma coisa. Tudo é visto e expresso de 
acordo com a sua forma de sentir. 
Muitas formas líricas surgiram desde o século VII a.C. Por exemplo: a elegia, a poesia iâmbica, 
a ode, égloga, idílio, balada e o soneto. 
O que existe de importante no lírico é a relação entre o conteúdo e a forma, ou seja, é a 
relação entre o que está sendo dito e como está sendo apresentado. Assim, cada palavra é 
insubstituível. Toda palavra aliada ao som permite o acontecimento da lírica. 
Diante de um poema, nem sempre surge, no leitor, um estado de compreensão, de 
entendimento claro daquilo que está apresentado. 
Antes de atingir o entendimento, o leitor passa pelo plano da emoção. No entanto, para o 
leitor se emocionar é preciso estar de coração aberto. A sua sensibilidade tem que estar 
desperta. Afinal de contas, antes de entender, ele tem que sentir. Portanto, a alma tem que 
estar desarmada e afinada com a alma do poeta. Há um estado de receptividade por parte do 
leitor. 
Outra questão importante é que a poesia lírica trabalha com a liberdade. Ela não está presa à 
coerência gramatical, lógica e formal. 
Você Sabe o Que é Eu Lírico e Eu Biográfico? 
Eu bibliográfico: é o eu comum de todos nós. Trata-se de um eu que vive as dificuldades do 
cotidiano e as alegrias da vida. É aquela parte do ser humano que está comprometida com os 
fatos, com o mundo e com a lógica. 
Eu lírico: é algo, totalmente, diferente do eu bibliográfico. É aquele que não consegue se 
traduzir, porque não se compreende. Ele segue o fluxo da existência, deixando-se levar por 
tudo que está dentro e fora dele. 
Isso fica claro no poema Meus oito anos, de Casimiro de Abreu: 
O eu lírico quebra as distâncias temporais e espaciais. Dessa forma, ele, através da emoção, 
resgata fatos que estão localizados no passado como se fossem atuais. Toda a subjetividade 
do eu lírico é ativada neste processo de recordar. 
Oh ! que saudades que eu tenho 
Da aurora da minha vida, 
Da minha infância querida 
Que os anos não trazem mais ! 
Que amor, que sonhos, que flores, 
Naquelas tardes fagueiras 
À sombra das bananeiras, 
Debaixo dos laranjais ! 
Como são belos os dias 
Do despontar da existência ! 
– Respira a alma inocência 
Como perfumes a flor; 
O mar é – lago sereno, 
O céu – um manto azulado, 
O mundo – um sonho dourado, 
A vida – um hino d’amor ! 
Que auroras, que sol, que vida, 
Que noites de melodia 
Naquela doce alegria, 
Naquele ingênuo folgar ! 
O céu bordado d’estrelas, 
A terra de aromas cheia, 
As ondas beijando a areia 
E a lua beijando o mar ! 
(ABREU, Casimiro de. As primaveras. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 38-39. Fragmento) 
Como se vê, o texto apresenta um saudosismo da infância, a qual é traduzida como perfeito, 
como algo portador de todas as características positivas. 
O eu lírico tem um olhar contemplativo para esse passado. A natureza é acolhedora, 
harmoniosa: “lago sereno” ou “céu bordado de estrelas.” Dessa forma, o poema apresenta um 
recordar, ainda que idealizado, de um tempo de felicidade. A inocência da criança é revivida, é 
novamente sentida na idade adulta. Há, então, uma quebra da barreira temporal. 
Veja um fragmento deste auto de Natal pernambucano: 
O meu nome é Severino 
não tenho outro de pia, 
(...) 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo na vida; 
na mesma cabeça grande 
que a custo é que se equilibra, 
no mesmo ventre crescido 
sobre as mesmas pernas finas, 
e iguais também porque o sangue 
que usamos tem pouca tinta. 
E se somo Severinos 
iguais em tudo na vida, 
morremos de morte igual, 
mesma morte Severina: 
que é morte que se morre 
 
de velhice antes dos trinta, 
de emboscada antes dos vinte, 
de fome um pouco por dia 
( de fraqueza e de doença 
é que a morte Severina 
ataca em qualquer idade, 
e até gente não nascida). 
 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo e na sina: 
a de abrandar estas pedras 
suando-se muito em cima, 
a de tentar despertar 
terra sempre mais extinta 
a de querer arrancar 
algum roçado de cinza. 
Nesse texto, o nome próprio Severino foi usado como adjetivo. Você sabe por que o autor 
usou esse recurso? 
O que significa, por exemplo, a morte severina? Ora, significa a morte típica dos lavradores 
nordestinos, os quais vivem mergulhados numa vida de fome, de miséria. A morte severina é 
para aqueles que morrem de emboscada, desnutrição ou velhice precoce. 
O lírico também estabelece um vínculo com os temas sociais e populares. Em Morte e vida 
severina, de João Cabral de Melo Neto, há o retrato do povo nordestino que vive uma vida 
sofrida no sertão. 
Todos são severinos porque estão unidos pela mesma vida sofrida. Severino é um nome 
comum no Nordeste. Sendo assim, esse substantivo próprio é, semanticamente, próximo do 
adjetivo. 
Os muitos severinos são iguais na morte e na vida. Tal vida é ganha com o suor do trabalho 
de todos os dias na tentativa de fazer brotar algo daquele solo seco. É a luta diária pela 
sobrevivência: “suando-se muito em cima,/ a de tentar despertar/ terra sempre mais extinta,/ 
a de querer arrancar/ algum roçado de cinza”. 
Diante desse quadro pintado pelo eu lírico, o leitor não fica passivo. Ele também sente a dor 
do outro e se comove com o sofrimento vivido pelos lavradores do sertão. 
Por fim, o lírico está presente também no universo popular como, por exemplo, o cordel. Ali, 
estão presentes, através de versos, os costumes, as crendices e o estilo de vida do povo 
nordestino. 
AULA 9 – MINHAS LEITURAS I 
Como se vê, nas cenas iniciais do filme (Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de 
Assis), tudo começa a ser contado a partir da morte do narrador-personagem, Brás Cubas. É 
do além-túmulo que ele vai contar muitos fatos de sua vida e da vida da sociedade em que 
viveu. 
Primeiramente, trata-se de um romance que, juntamente com Dom Casmurro e Quincas 
Borba, forma uma trilogia quanto ao tema, isto é, todos falam sobre a questão do adultério, 
mas de pontos de vista diferentes. 
Em todos três, há uma análise corrosiva do casamento. 
 Em Dom Casmurro, quem narra é o maridoque se julga traído. 
 Em Quincas Borba, o marido induz sua esposa ao adultério. 
 Memórias póstumas, tudo é narrado do ponto de vista do amante. 
O narrador exerce um papel fundamental nos romances de Machado. Observe: em Memórias 
Póstumas, de onde ele fala? 
A grande novidade deste romance é que o narrador fala posicionado no mundo dos mortos. 
Ele não é um autor defunto, mas um defunto autor. Portanto, Brás Cubas observa o mundo 
dos vivos de um ponto de vista atemporal. Por não estar mais entre os vivos, ele pode dizer 
tudo o que quer, sem se preocupar com a opinião pública. Esse deslocamento faz com o que o 
discurso seja liberado, seja descompromissado com qualquer forma de respeito ou etiqueta. O 
mundo dos vivos, então, perde a seriedade. Não há uma preocupação com a compostura. 
Sendo assim, há um discurso que gera o riso do leitor. Claro que se trata de um riso corrosivo, 
de um riso demolidor dos valores daquela sociedade carioca do século XIX. É um processo de 
demolição, principalmente, da classe aristocrática da qual Brás fazia parte. Dessa forma, Brás 
ri de tudo, de si mesmo e pouco se importa com o leitor: “A obra em si mesma é tudo: se te 
agradar, fino leitor, pago-te da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus.” 
Observe também que as ações estão concentradas nos anos 40 e 50, mas o narrador está em 
1881. Brás Cubas só narra 12 anos após sua morte e 72 anos após seu nascimento. Você sabe 
o que isso significa? 
Todo esse processo de construção da narração apresenta um narrador muito distanciado, na 
linha do tempo, daquilo que é narrado. Dessa forma, os fatos contados passam pelo desgaste 
do tempo, ou seja, eles, ao perder a imediaticidade, são transformados pela memória, a qual 
é, extremamente, seletiva. Nem sempre tudo é lembrado como, realmente, aconteceu. Muita 
coisa se perde com o tempo. 
A memória não registra tudo. Ainda mais quando se trata de memórias póstumas. 
O desgaste temporal dos fatos nos leva a pensar que não podemos acreditar em tudo que 
está sendo dito. A veracidade dos fatos é algo colocado sob suspeita. 
Fica claro, então, que é com matéria de memória que o narrador delineia o perfil de suas 
personagens e a trama. 
O resgate de fragmentos do passado, através da memória, permite viver de novo os fatos, 
mas de forma organizada. A narrativa organiza tudo aquilo que, na vida, é bagunçado. 
Quando o narrador tenta fazer essa arrumação dos fatos da vida, dá maior nitidez aos 
acontecimentos, dá sentido àquilo que, na vida real, acontece de forma tão desordenada. São 
fatos selecionados pela memória e organizados pelo discurso. 
Brás Cubas é um narrador nada confiável. Para cada afirmação que faz, apresenta uma 
negação. Há, em toda a narrativa, um processo de construção e desconstrução. Isso coloca 
em dúvida a veracidade do que está sendo contado. É assim, nesse processo de negação e 
afirmação, que ele descreve o próprio pai. O pai é e não é ao mesmo tempo. O que parece 
ser, não é. 
Era um bom caráter, meu pai, varão digno e leal como poucos. Tinha, é verdade, uns fumos 
de pacholice; mas quem não é um pouco pachola nesse mundo? Releva notar que ele não 
recorreu à inventiva senão depois de experimentar a falsificação; primeiramente, entroncou-se 
na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor Brás Cubas que fundou a vila de 
São Vicente onde morreu, em 1592, e por esse motivo é que me deu o nome de Brás. 
Como se vê, há um esvaziamento das significações. Quem é o pai de Brás? Um falsificador, 
um homem de conduta duvidosa. É falsificando que ele consegue fazer parte da genealogia de 
uma família aristocrática. No entanto, é alguém que o narrador define, primeiramente, como 
“bom caráter”. Dessa forma, o discurso do narrador relativiza conceitos e questões éticas. Vale 
lembrar que o narrador faz tudo isso articulado pelas mãos de Machado de Assis. 
Pois bem, uma outra questão importante é: qual é a classe social representada e como se dão 
as relações sociais? 
O romance Brás Cubas é composto por personagens representantes da aristocracia. Mas, 
como é esta aristocracia? Ora, Machado mostra tal classe como portadora de uma imensa 
vacuidade. Ela não tem projeto. Vive no vazio. Brás Cubas, enquanto representante dessa 
classe, não constrói nada. O seu único projeto, que foi a criação do emplasto, não dá em 
nada. 
Conheça o Projeto de Brás Cuba 
CAPÍTULO 2 - O Emplasto 
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no 
trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as 
mais arrojadas cabriolas de volantim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. 
Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: 
decifra-me ou devoro-te. Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento 
sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica 
humanidade. 
Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, 
verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que 
deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, 
porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu 
principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e 
enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. 
Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os 
modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os 
hábeis; "...e eu era hábil." Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma 
virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de 
nomeada. Digamos: - amor da glória. 
Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era 
a perdição das almas que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial 
de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais 
verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição. 
Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto. 
Vale observar, inclusive, que Brás Cubas não gerencia nem o próprio dinheiro. Pelo contrário! 
Ele gasta. É um dilapidador do capital. Além disso, as relações sociais são todas travadas por 
interesse. Trata-se de uma sociedade de vitrine, ou seja, seus membros vivem de aparência e 
constroem suas articulações em busca de dinheiro e status. Dentro desse mecanismo, são 
realizados os casamentos e são travadas as amizades. 
(...) uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e triste, que levou um daqueles 
fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de 
minha cova: - “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a 
natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem 
honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que 
cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói a natureza as 
mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.” 
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. 
Outra questão importante, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, é a construção dos perfis 
femininos. Quem são essas mulheres que circulam pelo romance? 
Primeiramente, são mulheres comuns. Elas não têm profundidade. São vazias. Além disso, na 
maioria das vezes, são feias, medíocres, calculistas, astutas

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